ANTIGO, E MODERNO
PELO PADRE
JOAÕ BAUTISTA
DE CASTRO,
Beneficiado na Santa Basilica Patriarcal de Lisboa.
TOMO PRIMEIRO.
PARTE I. E II.
Nesta segunda ediçaõ revisto, e augmentado pelo seu mesmo Author: e contém huma exacta descripçaõ Geografica do Reino de Portugal com o que toca à sua Historia Secular, e Politica.
LISBOA,
Na Officina Patriarcal de Francisco Luiz Ameno.
M.DCC.LXII.
Com as licenças necessarias, e Privilegio Real.[Pg ii]
Entrey na laboriosa empreza deste Mappa naõ só para instruir aos Nacionaes principiantes, mas especialmente para informar com individuaçaõ sincéra aos estrangeiros do estado verdadeiro do nosso Paiz; considerando, que só assim poderiamos atalhar os continuos erros, e descuidos, que se observaõ ainda nos Authores modernos, que sem conhecimento das nossas terras chegaõ a fallar de Portugal.
Elles attribuem esta ignorancia à falta de quem lhes communique huma exacta Geografia do nosso Continente, e ao menos hum epitome historico das mais importantes, e publicas acções. Atrevi-me a cultivar este meu projecto, naõ obstante verme suspenso com o embaraço de naõ ter cabedal sufficiente para desempenhar a idéa; porém como ha assumptos, cuja utilidade unida à boa intençaõ do Escritor[Pg iii] costuma supprir os defeitos da Obra, cheguey a publicar cinco partes, que correndo pelo mundo, tiveraõ a felicidade do benigno acolhimento que experimentaraõ dos curiosos.[1]
Agora porém que se fez precisa esta nova, e segunda ediçaõ por falta de exemplares da primeira, achey conveniente augmentalla com opportunos retoques, e novas especies proprias do assumpto; entre as quaes me pareceo indispensavel fazer algumas observações sobre o Mappa.
Com razaõ disse Justo Lipsio[2] que o invento dos Mappas fora a mais engenhosa idéa em que os homens tinhaõ dado; pois em breve espaço, e a huma vista nos mostra todo o mundo, e por elle conhecemos o sitio, e grandeza de cada Reino, Provincia, ou Lugar. Attribue-se esta invençaõ aos Egypcios, e particularmente a ElRey Sesostris, como diz Diodoro Siculo[3] posto que Diogenes dê a primazia a Anaximandro[4] discipulo de Thales Milesio.
Porém ou fosse hum, ou outro, he infallivel que os Mappas naquelle tempo naõ eraõ delineados, como agora saõ as Cartas Geograficas, mas eraõ humas Taboas dispostas em columnas, em que se demarcava a altura das terras; assim como vemos nas de Ptolomeu, e nas chamadas Theodosianas.[5] Depois se foraõ[Pg iv] expressando em globos, ou esferas, de que faz mençaõ o mesmo Ptolomeu,[6] e de Roma se divulgou este uso para todas as mais terras do Universo.
Costumaõ pois os Mappas ser ordinariamente delineados em dous circulos, que representaõ dous meyos globos com huma linha que os atravessa pelo meyo, que significa a Equinocial, e elles o globo terrestre expressado em plano. No alto está o Polo Arctico, a que tambem chamaõ Polo Septentrional, ou do Norte. Na parte mais infima está outro Polo chamado Antarctico, ou do Sul. Á maõ direita fica o Oriente, e à esquerda o Occidente.
Para cada huma das partes da Equinocial correm outras duas linhas, que significaõ os Tropicos. A que está para a parte do Norte he o Tropico de Cancro; e a que está para a parte do Sul he o de Capricornio. A linha que corre obliquamente de hum dos Tropicos para o outro, cortando a Equinocial, significa a Ecliptica; ainda que esta naõ se pinta em todos os Mappas.
As linhas, ou riscos que correm de Norte a Sul, denotaõ os gráos de longitude, e as que correm de Nascente a Poente, cortaõ, e mostraõ os gráos de latitude, os quaes começaõ da linha Equinocial, e acabaõ de huma parte do Norte, da outra no Sul. De modo, que da Equinocial para o Norte ficaõ oito linhas das sobreditas, as quaes estaõ distantes huma[Pg v] da outra 10. gráos; e assim denotaõ os 90. gráos, que ha da linha Equinocial ao Norte. Na mesma fórma se contaõ outras tantas linhas da Equinocial para o Sul.
Estas linhas, em que se mostraõ os gráos, tambem costumaõ escreverse pela orla dos Mappas; e advirta-se que as linhas de Norte-Sul, ou Meridianos, sempre se vaõ chegando humas a outras cada vez mais, quanto mais se vaõ chegando para algum dos Polos: e assim desde que passaõ da Equinocial, nunca os gráos tem a mesma quantidade; donde he certo, que as terras, que estaõ v. g. debaixo do circulo Arctico, naõ podem estar entre si taõ remotas, como as que estaõ debaixo da Equinocial, ou de cada num dos Tropicos.
O mais util dos Mappas he a intelligencia da sua graduaçaõ; para o que se ha de saber, que o gráo he o espaço de 18. leguas.[7] E foy necessario inventar a conta dos gráos, para declarar a parte onde está arrumada a Cidade, ou Lugar que queremos saber, e onde o havemos buscar no Mappa; e para isto he preciso naõ só o gráo de altura, ou latitude, mas o de Leste-Oeste, ou de longitude.
Chama-se gráo de latitude, porque ainda que o Mundo seja redondo, e nos globos naõ haja mais largura que comprimento, com tudo como estes gráos se contém da linha para cada hum dos Polos, a este respeito se diz esta a largura, ou latitude do mundo; e contém[Pg vi] sómente a quarta parte do comprimento. Desorte que tendo o mundo 360. gráos de comprimento, ou de Leste-Oeste, tem só da linha para o Norte 90., e outros tantos da linha para o Sul.
Os gráos de altura começaõ da linha; desorte que se estivermos 18. leguas affastados da linha para o Norte, diremos que estamos em hum gráo de altura do Polo da parte do Norte: e se estivermos 36. leguas, diremos que estamos em dous gráos de altura do Polo; e daqui por diante até 90. gráos: e do mesmo modo da parte do Sul. Chamaõ-se gráos de altura do Polo, porque assim como elles vaõ crescendo, assim se vay levantando para nós o Polo sobre o Horizonte.
Saõ os gráos de longitude, ou comprimento 360., e porque de Oriente para Occidente, ou vice versa, naõ ha final algum fixo, a respeito do qual se podessem assentar os gráos, e começar a conta delles, de consentimento de homens sabios, huns assentaraõ o principio, e fim desses gráos na Ilha do Corvo, outros na de Tenarife; porém modernamente o estabeleceraõ na Ilha do Ferro, que he a mais Occidental das Canarias, e corre do Occidente para o Oriente.[8]
Para assentar estas distancias, e gráos, foy necessario o conhecimento dos eclipses da Lua; porque como sejaõ no mesmo ponto em toda a parte, Ptolomeu, e outros companheiros[Pg vii] desejosos de alcançar quantos gráos huma terra ficava mais oriental que outra, nos tempos em que haviaõ succeder os eclipses se hiaõ àquelles lugares, e observavaõ a hora da noite, que nelles era o eclipse, e sabida ella, ficavaõ entendendo quanto huma terra estava mais oriental que outra; porque aquelles lugares onde o eclipse apparecia mais tarde, he certo que ficavaõ mais orientaes, pois nelles mais cedo anoitece, que nos outros mais occidentaes.
Todavia parece que nestes gráos, e no assento dos lugares, e terras a respeito delles naõ póde haver muita certeza; porque ella naõ podia acharse senaõ pela dita experiencia, que naõ seria possivel fazerse em todos os lugares; e menos naquelles que depois se descobriraõ. Assim advertimos que nos Mappas se acha entre huns, e outros diversidade nos gráos de longitude, porque huns principiando por differente Meridiano poem os lugares em mais, outros em menos gráos. Vê-se isto nesta observaçaõ que fiz sobre a longitude de Lisboa, segundo as Cartas Geograficas de varios Authores.
[Pg viii]
Latitud. | Longit. | Carta Geografica de |
---|---|---|
gr. m. | gr. m. | |
38. 58. | 7. 12. | Fernando Alvares Seco. |
38. 26. | 9. 54. | Mons. Sanson. |
38. 33. | ...... | P. Du-Val. |
38. 53. | 10. 5. | Pedro Mortier. |
38. 55. | 5. 15. | Francisco Halma. |
38. 40. | 7. 45. | Carlos Allard. |
38. 40. | 10. 14. | Joaõ de Ram. |
38. 48. | 7. 42. | Nicoláo Vischer. |
38. 35. | 7. 37. | P. Placido Agostinho. |
38. 40. | 12. | Joaõ Bautista Lavanha. |
38. 35. | 9. 52. | Joaõ Bautista Nolim. |
38. 48. | 8. 6. | Mons. Tailot. |
38. 50. | 9. 45. | Jacome Canteli. |
38. 40. | 12. | Gaspar Baillieu. |
38. 48. | 9. 12. | Joaõ Bautista Homannu. |
38. 40. | 7. | Pedro Teixeira. |
38. 48. | 9. 15. | Manoel Pimentel. |
38. 45. | ...... | P. Capassi. |
38. 39. | ...... | P. Dechales. |
38. 40. | ...... | P. Ricciolo, e Tosca. |
39. 38. | 5. 10. | Petavio. |
Desorte que em todas as Cartas Geograficas se encontra differença nas longitudes. Advirto que para a formatura d’este Mappa me vali da Carta de Joaõ Bautista Homannu impressa no anno de 1736, por ser a que mais se ajusta às[Pg ix] computações da Arte de navegar do nosso insigne Cosmografo Manoel Pimentel, tidas pelas mais exactas.
Da intelligencia do gráo de longitude em que estiver algum lugar, segue-se o effeito de se saber quanto está oriental, ou occidental a respeito de outros, e quantas leguas ha de hum a outro, estando na mesma altura de Polo, contando 18. leguas por cada gráo nas terras que ficaõ perto da linha. Segue-se tambem saberse quanto nasce, ou se poem o Sol mais cedo em huma terra, que em outra; pois naquella que está mais oriental hum gráo que outra, nasce, e se poem o Sol primeiro quatro minutos de hora: e na que está mais oriental 15. gráos, nasce, e se poem o Sol huma hora primeiro. Isto se entende em iguaes alturas do Polo; por quanto póde huma terra ser mais occidental que outra, e nascer-lhe muito mais cedo o Sol no Veraõ, por causa da sua mayor altura do Polo.
Mayores effeitos resultaõ do conhecimento dos gráos de latitude; porque se sabe se o lugar está muito chegado à linha, ou pelo contrario ao Norte; se a terra será quente, temperada, ou fria: se a gente será alva, negra, ou morena, segundo a observaçaõ ordinaria fundada na mayor visinhança, ou distancia do Sol. Tambem fica manifesta a quantidade dos dias do anno; porque quanto menos saõ os gráos de altura, tanto mais saõ iguaes os dias com as noites.
Finalmente do conhecimento do gráo de[Pg x] longitude, e latitude juntamente resulta numa apta noticia para buscar no Mappa a terra que sabemos está em tal gráo, e as leguas que dista huma da outra. Mas porque he util saber a diversidade que ha de medidas itinerarias, conforme as varias accepções das Provincias, informarey dellas com a melhor exacçaõ que me foy possivel extrahir dos Authores.
Braça Portugueza. | 10. palmos de craveira, ou 6. pés, ou 80. polegadas. |
Covado Portuguez. | 3. palmos, ou 2. pés Portuguezes |
Dedo. | 4. grãos de cevada lateralmente unidos. |
Gráo em Portugal. | 18. leguas. |
—Em Alemanha | 10. leguas das grandes: 12. das medianas: 15. das pequenas, conforme diz Briecio; porém segundo Cluverio em Alemanha hum gráo da Esfera corresponde na terra a 5. leguas das grandes, ou a 10. das medianas, ou a 15. das pequenas. |
—Em Italia. | 60. milhas. |
—Em França. | 20. leguas das grandes, e 25. das commuas. |
—Em Inglaterra. | 27. leguas das grandes: 50. das medianas: 60. das pequenas. |
Legua Portugueza. | 28168. palmos craveiros, ou 2818. braças de 10. palmos[Pg xi] cada huma, ou 3000. milhas Italicas. |
—Alemã grande. | 6000. passos geometricos. |
Mediana. | 5000. passos. |
Pequena. | 4000. passos, segundo Briecio. |
—Italica. | 1000. passos. |
—Franceza. | 3000. passos. |
—Ingleza. | 2181. passos geometricos. |
—Castelhana. | O mesmo que a Portugueza. |
Milha. | 1000. passos. |
Palmo craveiro | 8. polegadas. |
Passo commum | 4. palmos e meyo, ou 3. pés. |
—Andante. | 3. palmos, ou dous pés. |
—Geometrico | 7. palmos e meyo de craveira escassos, ou 5. pés geometricos. |
Pé Portuguez. | 12. polegadas, ou palmo e meyo de craveira. |
—Francez. | O mesmo. |
Polegada. | 10. pontos, ou linhas. |
Toeza. | 6. pés Regios. He propriamente medida Franceza. |
Vara Portugueza. | 5. palmos. |
—Valenciana. | 4. palmos. |
Verga. | 10. pés geometricos. |
Entendida a configuraçaõ dos Mappas, ou Cartas Geograficas universaes, facilmente se entendem as particulares; as quaes se forem[Pg xii] de hum Reino, se chamaõ Corograficas; e se representarem huma só Provincia, ou Cidade, se chamaõ Topograficas. Nestas, para se saber a distancia que ha de hum lugar a outro, o modo mais facil he applicar no Mappa hum pé do campasso ao centro da cifrasinha, que em todos os lugares costuma vir expressada na sua verdadeira situaçaõ local, e o outro pé à outra terra; e depois transferindo assim o compasso aberto ao petipé, ou escala das leguas, que se poem na parte mais desembaraçada da Carta, este lhe mostrará a distancia.
Porém se a distancia dos lugares achados for mayor na abertura do compasso, que a graduaçaõ do petipé, entaõ se tomará neste huma distancia arbitraria de 10. ou 20. leguas, e transferindo o compasso ao corpo do Mappa, irá regulando por linha recta de hum a outro lugar, até fazer justa a mediçaõ.
Ha outros modos de achar a distancia de hum lugar a outro, sabidas as suas latitudes, e longitudes verdadeiras, os quaes modos ensina a Trignometria por via das Taboadas dos senos, e tangentes. Tambem pelo quarto de circulo de reduçaõ, sabidas as differenças das latitudes, e longitudes, he muito facil, e exacto, cujo uso se póde ver na Arte de navegar do famoso Manoel Pimentel.
Pelo exame, e calculo destes modos formey as Taboas Topograficas, e itinerarias das principaes terras de Portugal, advertindo que as distancias das leguas de hum lugar a outro em as ditas Taboas saõ tiradas por linha[Pg xiii] recta, conformando-me com as Cartas Geograficas de Pedro Teixeira, e Joaõ Bautista Homannu, como já disse.
No mais estou certo, que assim como descubro defeitos nas Obras dos outros, naõ ficarey tambem isento da censura, e reparos que os doutos me fizerem, a cujo racionavel juizo me submeto; esperando que as suas advertencias me sirvaõ de instrucçaõ para a emenda. Sobre tudo protesto naõ haver escrito nesta Obra palavra, ou clausula que naõ seja totalmente sujeita à correcçaõ da Santa Igreja Catholica Romana, a cujo infallivel dictame rendo de boa vontade o meu entendimento.
[1] Veja-se ao P. Azeved. no Trat. Ilias in nuce pag. 52.
[2] Lips. lib. 2. epist. 51.
[3] Diod. Sicul. l. 1. sect .2.
[4] Laertius in ejus vita.
[5] Ælian. l. 3. c. 28. apud Cellar. lib. 1. c. 1. Geograph. antiq.
[6] Ptolom. lib. 1. c. 24.
[7] Pimentel na Arte de Navegaçaõ part. 1. c. 3.
[8] Vallemont nos Elem. da Histor. l. 2. c. 3.
[Pg xiv]
Cap. I. | Da situaçaõ, etymologia, e clima deste Reino, Pag. 1. |
Cap. II. | Memorias de algumas Povoações que existiraõ em Portugal, as quaes ou se mudaraõ em outras, ou totalmente se extinguiraõ, 5. |
Cap. III. | Descripçaõ circular pela margem maritima, e raya terrestre, 29. |
Cap. IV. | Divisaõ antiga, 42. |
Cap. V. | Divisaõ moderna pelas Provincias, 45. |
Cap. VI. | Dos Montes, Promontorios, e serras de mayor nome, 81. |
Cap. VII. | Dos Rios, Ribeiras, e Lagoas mais consideraveis, 99. |
Cap. VIII. | Das Fontes mais notaveis, 148. |
Cap. IX. | Das Caldas, 156. |
Cap. X. | Da Fertilidade do Reino em commum, 160. |
Cap. XI. | Dos Mineraes, 169. |
Cap. XII. | Das Moedas de ouro, prata, e cobre antigas, e modernas que se tem lavrado em Portugal até o presente, 177. |
Cap. | XIII. Da lingua Portugueza, 193. |
Cap. XIV. | Do genio, e costumes dos Portuguezes, 201. |
[Pg xv]
Cap. I. | Memorias dos primeiros Povoadores da antiga Lusitania, 221. |
Cap. II. | Estado da Lusitania com a invasaõ dos Fenices, e Cartaginezes, 236. |
Cap. III. | Conducta dos Portuguezes no governo dos Romanos, 240. |
Cap. IV. | Entrada das Nações barbaras, e dominio dos Godos, 254. |
Cap. V. | Invasaõ, e dominio dos Mouros, 269. |
Cap. VI. | Erecção do Senhorio de Portugal separado dos mais dominios de Hespanha, e estabelecimento dos Soberanos Monarcas Portuguezes, 281. |
Cap. VII. | Catalogo das Serenissimas Rainhas de Portugal, 362. |
Cap. VIII. | Dos filhos legitimos, e illegitimos dos soberanos Reys de Portugal, 376. |
Cap. IX. | Do governo antigo, e moderno da Casa Real, 421. |
Cap. X. | Dos Officiaes, e ordem com que se assistia à mesa dos Reys, 428. |
Cap. XI. | Do acompanhamento com que os Reys sabiaõ pela Cidade, e caminhavaõ com a Corte, 433. |
Cap. XII. | Dos Officiaes destinados para a caça, e montaria, e das Coutadas do Reino, 437. |
Cap. XIII. | Do estylo com que os Principes, e Embaixadores estrangeiros eraõ recebidos pelos nossos Reys, e do modo com que estes assistem no acto de Cortes, 442. |
Cap. XIV. | Das ceremonias, e estylo que se praticava nas mortes dos Reys, 446. |
[Pg xvi]
[Pg 1]
MAPPA
DE
PORTUGAL.
Na parte mais occidental da Europa, como coroa de toda a Hespanha, sitio estabelecido da clemencia do Ceo para cabeça do mais dilatado Imperio, está collocado o famoso Reino de Portugal entre o parallelo de 37, e 42 gráos de latitude septentrional, e entre os 9, e 13 gráos de longitude,[9] cuja distancia intermedia reduzida a leguas, commensuradas pela margem[Pg 2] maritima, vem a fazer 100 no seu justo comprimento, e 35 na sua mayor largura. De circumferencia tem 285 leguas: as 135 de ribeira maritima, respeitando alguns angulos; e as 150 de raya terrestre, conforme a Geografia Blaviana.[10]
2 Este calculo vay formado na hypotesi de que damos 18 leguas a cada gráo do Meridiano, e 14 a cada gráo do parallelo; e que o Reino tem de latitude 5 gráos com alguns minutos, e 3 de longitude.
3 As partes, ou limites confinantes saõ estes: Galiza fica-lhe ao Norte, ou Septentriaõ; a costa do Algarve ao Sul, ou Meyo dia; o mar Oceano, chamado de Portugal, pelo Occidente; e Castella a velha, Leaõ, e Andaluzia confinaõ pelo Oriente.
4 O primeiro nome, que teve este Reino, foy o de Lusitania, querendo os mais dos Geografos, e Historiadores que Luso, ou Lysias, filho de Baco, fosse o que pelos annos 800 do diluvio universal lhe conferisse o nome, deduzido com pouca differença do seu proprio.[11] Porém este systema taõ constantemente recebido, e patrocinado padece as contradições, que occasionaõ as fabulas, em que se funda.
5 Quem quizer dar credito ao doutissimo Samuel Bocharto,[12] a palavra Lusitania he vocabulo Fenicio, derivado da raiz Luz, que se interpreta Amydgdalum, isto he, Amendoa, dos quaes frutos foy sempre fertil Portugal:[13] e como os Fenices costumavaõ dar nome às terras, que habitavaõ, conforme os frutos, de que eraõ mais abundantes,[14] naõ parecia improvavel, nem incongruente esta conjectura, por ser estabelecida em[Pg 3] historia verdadeira, se acaso naõ tivera tambem a objecçaõ de serem os Fenices os que só povoaraõ a costa do cabo de S. Vicente, que naquelle tempo naõ se chamava Lusitania, mas Celtica.
6 Mons. de La Clede[15] tem por etymologia mais certa deduzir a palavra Lusitania dos antigos povos chamados Lusos, que habitaraõ este nosso continente, a qual na lingua Celtica significava homem de alta, e robusta disposiçaõ, vocabulo conveniente ao valor, e esforço dos antigos Portuguezes.
7 Quanto ao nome de Portugal, por naõ darmos derivaçaõ antiga a hum vocabulo moderno, temos por mais certo que se deduzio da povoaçaõ chamada Cale, que antigamente houve na margem austral do rio Douro, fronteira à Cidade do Porto: a qual povoaçaõ pela frequencia das gentes, que alli concorriaõ, se foy fazendo affamada. Depois com o progresso do tempo se deu este mesmo nome à Cidade do Porto, que se fundou defronte; e como a fortuna tambem favorece aos lugares, desde o anno 1057 pouco mais, ou menos, como quer Estaço, ou 1069 como dizem outros, se extendeo a todo o Reino aquelle nome de Portugal, que era proprio de huma só Cidade.[16]
8 Naõ averiguamos se a palavra Cale, como quer Joaõ Salgado de Araujo,[17] foy imposta por aquelles Gregos, que fizeraõ transito a estas partes com o Principe Meneláo, e fundaraõ huma povoaçaõ na foz do Douro com o nome de Cale, que significa Porto ameno, e seguro; porque naõ sabemos que haja historia verdadeira, em que esta memoria se possa fundar. Da mesma fórma rejeitamos todas[Pg 4] as mais etymologias, como improvaveis, e nugatorias.
9 Inclue-se Portugal no clima sexto, e principio do setimo, e por isso he o seu mayor dia de 15 horas: mostrando-se neste breve espaço de terra, taõ benigna a inclinaçaõ do Ceo, que em algumas das nossas Provincias tempera de sorte os extremos do frio, e do calor, que faz confundir os tempos com suavissima equivocaçaõ.[18] Com esta favoravel temperança influem Sagittario, Capricornio, e Piscis com taõ feliz aspecto, respirando neste Reino ares taõ benevolos, que o constituem patria de todos; pois vemos que as gentes das mais remotas partes do mundo attrahidas da benignidade deste clima, para aqui vem, e aqui vivem longo tempo satisfeitos, sem estranharem a mudança dos ares, nem com a saudade da patria, nem com a ausencia de seus patricios.
10 Deste influxo celeste nasce a fertilidade de terreno taõ fecundo em todo o genero de frutos, summamente encarecidos dos Escritores antigos:[19] e se agora naõ experimentamos taõ grande abundancia, he porque nas comarcas do Reino se poupaõ mais ao trabalho da cultura com a esperança da providencia alheya: e quando as terras estaõ vagas, e ociosas, naõ podem corresponder a seus donos com fertilidades sufficientes.[20]
[9] Sanson, e Joaõ Bapt. Hom. Mappa de Port.
[10] Geograf. Blavian.
[11] Plin. lib. 1. c. 3. Resend. lib. 1. de Antiq Maced. Flor. de Hesp. c. 13. Exc. 3. n. 1. Baudrand. Diccion. Geogr. Brito Monarc. Lusit. p. 1. lib. 1.
[12] Bochart. l. 1. c. 35. Geogr. Sacr.
[13] Ludov. Robert. Map. Comerc. t. 2. pag. 22.
[14] Hoffm. Diccion. verb. Lusit.
[15] De La Cled. Histor. de Portug. tom. 1. p. 6. mihi.
[16] Cellar. na Geogr. antig. tom. 1. lib. 2. c. 1. § 49. Argot. Antig. de Brag. liv. 2. c. 7. e 9. Estaç. Antig. de Portug. c. 92. n. 2. Marian. Hist. de Hesp. tom. 1. lib. 1. c. 4. Lima Geogr. de Portug. t. 1. pag. 188.
[17] Araujo Mart. Lusit. Certam. 1. art. 8. pag. 83. Torniel. ad ann. 1331. num. 2.
[18] Maced. Excel. de Port. cap. 1. Excel. 5. 6.
[19] Strab. lib. 5. Polyb. lib. 38. Athen. lib. 4.
[20] Mallet. Descrip. del Univ. tom. 4. pag. 175.
[Pg 5]
1 Esta respeitosa noticia, a que Plinio[21] dá o titulo de sagrada, he conveniente saberse, naõ só para se conferir melhor o moderno com o antigo, mas para se conhecer a excellencia dos lugares, a honra que tiveraõ, a situaçaõ em que existiraõ, que tudo assás contribue para a verdadeira Geografia, e Historia do Reino. He bem verdade, que a antiguidade dos tempos, e a incuria dos homens fez perder muitas memorias, que nos podiaõ servir de muito; e outros as involveraõ em fabulas, que naõ nos servem de nada. Assim que, quanto nos for possivel, manifestaremos a posiçaõ mais verosimil de alguns lugares notaveis de Portugal, especialmente do tempo dos Romanos, que os Vandalos, e Mouros arruinaraõ, demoliraõ, e escureceraõ.
2 Aguas Celenas, Cilinas, ou Celanas. Era povoaçaõ, que esteve na Provincia do Minho. Lembraõ-se della Ptolomeu,[22] e Antonino em seu Itinerario no segundo caminho de Braga para Astorga. Dos Geografos modernos querem huns[23] que fosse onde está hoje o Lugar de Faõ, meya legua acima da barra do rio Cávado da parte do Sul, e onde se celebrou o famoso Concilio contra os Priscilianistas,[Pg 6] em que presidio S. Toribio em tempo de S. Leaõ Papa. Outros porém[24] o constituem em Barcellos, persuadidos da semelhança do vocabulo do rio Celano, que por alli passa, chamado hoje Cávado; porém estas conjecturas saõ muy falliveis para estabelecer a Geografia verdadeira. Tenho por mais certo o sitio que constitue Antonino, que he quatro legoas antes de chegar ao Padraõ, como bem explica o Padre Mestre Flores na Espanha sagrada tom. 15. pag. 75.
3 Aguas Flavias. Todos concordaõ na verdadeira situaçaõ desta terra, que era onde vemos hoje a Villa de Chaves.[25] Dizem que tomou este nome dos banhos, que alli havia, e do Imperador Flavio Vespasiano, a quem se dedicara huma notavel inscripçaõ. Foy colonia dos Romanos muy frequentada, e ennobrecida por elles, como larga, e eruditamente mostra o insigne indagador de antiguidades[26] Lusitanicas, o Reverendo D. Jeronymo Contador de Argote. Veja-se tambem o Padre Mestre Flores allegado.
4 Aguas Layas, ou Leenas. Na Carta Geografica de Abrahaõ Ortelio achamos demarcado este lugar com o nome de Aquæ Leæ Turudorum quasi em 41 gráos de latitude, e 12 de longitude. Alguns[27] querem que estivessem entre as Villas de Monçaõ, e Valladares: o que naõ póde ser pela arrumaçaõ daquelle insigne Geografo. Nosso famoso Argote persuade-se com razaõ[28] que esta era a Cidade de Lais, capital dos povos Turolicos, e que existira, onde hoje chamaõ a Freguezia de S. Martinho de Lanhozo, termo da Villa de Caminha.
[Pg 7]
5 Ambracia. O Illustrissimo D. Rodrigo da Cunha[29] diz que esta Cidade estivera no sitio de Barcellos, a qual foy fundaçaõ dos Gregos. Funda-se na authoridade de Rodrigo Caro,[30] que diz que a Ambracia em Portugal, onde foy martyrizado Santo Epitecto, estava em hum lugar perto de Braga. Porém o Author do Agiologio Lusitano, seguindo a Sandoval, naõ assente a isso,[31] porque diz que he Placencia. Finalmente Joaõ Salgado de Araujo no liv. 1. dos Successos militares pag. 5. v. diz que Ambracia estivera em Grecia, onde hoje chamaõ Larta: o mesmo diz Poyares no Diccionario Geografico com Cellario na Geografia antiga l. 2. c. 13. §. 177.
6 Araduca. Convem alguns dos Geografos[32] que estivesse esta Cidade collocada onde hoje vemos a nobre Villa de Guimarães. E seguindo esta opiniaõ Manoel de Faria, fallando da sobredita Villa de Guimarães, diz:[33]
Na aldeya d’ Araduca celebrada
Pela rara belleza das pastoras.
O mesmo diz Filippe de la Gandara nas Armas, e Triunfos de Galiza cap. 17. num. 3. Porém Gaspar Estaço[34] segue o contrario, e o intenta provar com a arrumaçaõ, que lhe dá Ptolomeu na altura de 41 gráos, e 50 minutos, e com 17 leguas e meya da boca do Douro, distancia muy differente da que tem Guimarães, pois dista da boca do Douro 8 leguas sómente. Fr. Bernardo de Brito[35] diz que o que antigamente foy Araduca, he hoje Amarante:[Pg 8] e já houve quem disse que era Aljubarrota. Eu pudera dizer muito mais, sobre ser Guimarães a antiga Araduca, mas por ora basta o que está dito. Vejaõ os curiosos ao Padre Mestre Flores, Author moderno, tom. 15. da España sagrada pag. 286.
7 Araducta. Conforme a situaçaõ do Mappa de Abrahaõ Ortelio, parece ser a Arouca, que hoje existe.
8 Aravor. O Author da Corografia Portugueza[36] quer que fosse esta huma Cidade em tempo dos Imperadores Trajano, e Adriano, em cujo sitio está hoje a Villa de Marialva; porém esta noticia só neste Author a achámos.
9 Aricio Pretorio, ou Ayre. Desta povoaçaõ se faz memoria no Itinerario de Antonino Pio na terceira Via militar que hia de Lisboa para Merida, e se persuadem Resende, e Vasconcellos,[37] que existia nas ribeiras do Tejo, onde hoje está Benavente; porém como advertio Fr. Bernardo de Brito, o sitio de Benavente tem algumas particularidades, que naõ se compadecem com as confrontações do Itinerario de Antonino. Gaspar Barreirros tem para si[38] que distava huma legua de Coruche, onde agora está a Villa de Erra; porém Jorge Cardoso[39] diz que estivera esta povoaçaõ duas leguas affastada de Abrantes, onde chamaõ Alvéga, porque neste sitio ha vestigios antigos, que assim o persuadem. Na Carta Geografica de Ortelio vemos demarcada Aricio entre a Feira, e Arouca; e na altura de Benavente, ou Salvaterra se vê Aritium Prætorium, em que parece convir com Resende.
10 Aroche. Consta ser esta huma notavel Cidade, sobre cujas ruinas se levantou depois a Villa de Moura no Alentejo, como eruditamente provaõ[Pg 9] Fr. Manoel de Sá,[40] e Resende com alguns cippos alli descobertos.
11 Aunona. O Doutor D. Joaõ Ferreras[41] persuade-se que esta Cidade estava situada na Provincia do Minho junto ao rio Ave; porém nosso Argote[42] naõ he desta opiniaõ.
12 Auranca. Existio esta povoaçaõ naõ longe do rio Vouga, 9 leguas de Coimbra, segundo nos informaõ Brandaõ na Monarquia liv. 10. c. 18., e Jorge Cardoso no Agiologio.[43]
13 Balsa. Tem para si o famoso antiquario Resende[44] que estivera esta Cidade no Algarve, onde agora reside Tavira; mas, segundo Ptolomeu, e Ortelio, parece ser Castro-marim. Todavia Christovaõ Cellario segue a conjectura de Resende;[45] e Gaspar Barreiros em hum manuscrito diz que he a aldea chamada Simine. Porém ou Balsa seja Castro-marim, ou Tavira, o certo he que no termo de Beja na horta chamada do Bacello, naõ longe de Baleizam, achou no anno de 1742 o incansavel Padre Fr. Francisco de Oliveira Religioso Dominico, grande imitador de Resende no descobrimento das antiguidades do nosso Reino, hum cippo Romano sepulchral de Cayo Blosio Saturnino habitador de Balsa erecto a sua filha; cuja inscripçaõ vem no 2. tom. do Diccionario Geografico do P. Cardoso a pag. 23. e na Gazeta de 20 de Setembro de 1742. Donde sem muita violencia se póde conjecturar pela semelhança do nome, que Balsa estivera no sitio de Baleizam. Naõ me intrometo nesta antigualha; a qual acabaremos de entender, quando o sobredito Religioso Fr. Francisco, nosso amigo, divulgar as antiguidades, e grandezas desta Provincia, de que tem junto grosso cabedal.
[Pg 10]
14 Benis. Por algumas congruencias parece ao laborioso D. Jeronymo Contador de Argote[46] que era esta huma Cidade Episcopal existente perto da Villa de Caminha.
15 Beselga. Dentro dos termos de Thomar, e Torres-novas existio esta povoaçaõ com titulo, e grandeza de Cidade. Hoje he hum lugar pobre, e pequeno, que para memoria lamentavel do que foy, ainda conserva o appellido em hum monte fronteiro, a que os moradores chamaõ Monte da Cividade. Muitas ruinas antigas se descubriraõ nestes contornos, de que se prova a sua verdadeira situaçaõ, como se persuade Cardoso.[47] Fr. Leaõ de Santo Thomás persuade-se que he Agueda, huma legua de Thomar.
16 Britonia. Grande controversia ha entre os Geografos sobre a verdadeira situaçaõ desta Cidade. Que ella foy povoaçaõ florentissima em tempo dos Suevos, e Godos, e gozou a honra de Cathedral com Bispos dentro de Hespanha, he infallivel. Os Authores Castelhanos querem que ella estivesse em Galiza, onde hoje está Oviedo, ou Mondonhedo, de que os despersuade Jorge Cardoso.[48] Muitos dos nossos insistem,[49] em que esta Cidade estivera no sitio de Britiandos, Abbadia de Ponte de Lima. O Author da Corografia Portugueza a constitue no Lugar da Freguezia de S. Martinho de Birtello, termo da Villa da Ponte da Barca.[50] Ultimamente o incançavel, e erudito Padre Argote convem em que existio junto do rio Lima,[51] fundando-se em mais provaveis documentos.
17 Calantia. Querem que existisse esta povoaçaõ no Alentejo, e no mesmo terreno de Arrayolos,[Pg 11] dando-lhe por fundadores os Celtas.[52]
18 Caldelas. Na Freguezia da Magdalena, termo de Thomar, existe hum Lugar com este mesmo nome, de que infere o Author da Corografia[53] houvera alli antigamente a Cidade Caldede. E junto da Ermida de S. Pedro se descobrem ainda muitas pedrinhas quadradas de varias cores, que parece serviaõ em Templos, ao modo dos nossos azulejos. Descendo do sobredito Lugar, apparecem por algumas quebradas pedaços de arcos de pedra, e canos de metal, por onde lhe vinha agua de longe. Tambem seus moradores tem achado algumas ferramentas de lavoura, e moedas de cobre, das quaes confessa Jorge Cardoso[54] conservava huma com a effigie de Antonino Pio de huma parte, e da outra a figura do rio Tibre.
19 Caliabria. Foy huma grande povoaçaõ dos Romanos, que existio na Comarca de Riba Coa sobre o rio Douro no cimo de hum monte, que dista huma legoa de Villanova de Foscoa entre o Norte, e Nascente, a cujo sitio com pouca corrupçaõ seus moradores ainda hoje chamaõ Calabre. As ruinas de suas muralhas daõ claros indicios da sua grandeza, como bem diz a Monarquia Lusitana liv. 5. c. 24.
20 Cambeto. O doutissimo Padre Argote intenta mostrar[55] que esta Cidade estava situada onde agora chamaõ S. Salvador de Cambezes no Couto do Luzio, termo de Monçaõ; porém no mappa da antiga Lusitania, composto por Abrahaõ Ortelio, a vemos situada com o nome de Cambetum Lubenorum na altura de 41 gráos de latitude, e 13 de longitude, que deita mais para a Provincia de Tras os Montes, que do Minho.
[Pg 12]
21 Campos Elysios. Anda introduzida nas Historias de Hespanha a antiga existencia destes campos constituidos de ameno, e delicioso temperamento; mas como cada hum os leva para o terreno, que lhe figura o desejo, he justo que averiguemos isto em beneficio da verdade com alguma mayor extensaõ. Pertendem os Authores Castelhanos[56] collocallos huns em Sevilha, outros em Andaluzia, outros em Cordova, e em diversas outras Provincias. Os nossos Escritores[57] querem huns que estivessem na Provincia do Minho, outros no Algarve, e outros na Estremadura nos campos vizinhos de Lisboa, chamados Lysirias, como se dissessemos Elysirios ou Elysirias; porém o certo he que naõ estiveraõ em parte alguma de Hespanha.
22 Dizem mais, que estes campos eraõ cheyos de summa delicia, onde todo o anno havia perpetua Primavera, e estaçaõ florente, para o qual hiaõ as almas dos Varões famosos descançar, como em premio de suas proezas. O primeiro Author que innovou esta fabula, foy Homero,[58] o qual introduzindo a Ulysses nas prayas do Oceano, lhe encarece a bondade do clima; porém o sentido daquelle grande Poeta, segundo a mais racionavel conjectura, foy encubrir com a supposiçaõ dos campos Elysios a noticia, que aprendeo em os livros de Moysés do sagrado Paraiso.
[Pg 13]
23 Prova-se com o que diz S. Gregorio Nazianzeno,[59] que os Gregos, offerecendose-lhes no animo certa especie do nosso Paraiso, o deraõ a entender (ainda que discrepando alguma cousa em o nome) com outros vocabulos, tomando-o de Moysés, e dos nossos livros. O mesmo reconheceo Proclo de Hesiodo, pois ainda que confunde com o commum erro dos demais Gregos as Ilhas dos Bem-aventurados com os campos Elysios, escreve,[60] que quando aquelle Poeta nomea as Ilhas dos Bem-aventurados, parece significar o Paraiso, ou o campo Elysio, chamado assim, porque conservava indissoluveis os corpos. Christiano Bechmano[61] comprova o mesmo parecer, convindo em que o Elysio dos Gentios naõ foy outra cousa, que expressado debaixo de alguma sombra.
24 E pois he constante foy Homero o primeiro, em quem se offerece celebrada a amena felicidade dos campos Elysios, naõ parece dubitavel expressar nelle o Paraiso, quando S. Justino Martyr constantemente assegura[62] tivera noticia delle o tal Poeta: ajuntando-se a isto o quanto se conforma o aprazivel clima, e deliciosa morada dos campos Elysios de Homero com o que referem as sagradas Letras teve o Paraiso, que a nossa vulgata chama do Deleite, substituindo assim a voz Eden, que conserva o Hebreo, como adverte S. Jeronymo.[63]
[Pg 14]
25 Disto se collige, que o animo de Homero naõ foy collocar os campos Elysios na Hespanha, como julgou Estrabo,[64] a quem seguiraõ os mais, que os situaõ nella; porém só quiz expressar com este nome o Paraiso sagrado, de que faz memoria Moysés.[65] A causa porém, que commoveo ao Poeta para collocar os sobreditos campos no ultimo Oceano, foy por seguir a opiniaõ dos Orientaes, que affirmavaõ estivera o Paraiso distante da terra habitada no mesmo Oceano, como seguio Santo Efrem, conforme allega Moysés Barcepha,[66] e Malvenda.[67] Com esta breve demonstraçaõ nos parece ficaráõ estes campos fantasticos excluidos inteiramente das nossas Provincias.
26 Canace, ou Canali. Conforme diz Rodrigo Caro,[68] foy esta huma Cidade, que Ptolomeu sitúa no Algarve, e assim a vemos collocada na carta de Ortelio por cima de Tavira; porém Severim de Faria escreveo ao Author da Benedictina Lusitana, dizendo-lhe, que a Cidade de Canace estivera no sitio da Serra d’Ossa, onde chamaõ Val de Infante, quatro leguas affastada de Evora.[69] Hauberto tambem a constitue junto de Evora, e faz memoria de S. Mauricio Abbade Basiliense, que padecera aqui martyrio.[70]
27 Capara. Padeceo engano Hauberto em dizer que ficava esta Cidade junto de Evora,[71] porque, segundo a melhor conjectura, foy Cidade habitada pelos povos Vetones, segundo Ptolomeu; e Ortelio a poem quasi na latitude de 40 gráos, e 13 de longitude. Hoje fica fóra dos limites de Portugal, e como diz Argaes,[72] pertence ao Bispado de Placencia.
[Pg 15]
28 Carmona. O Author da Benedictina Lusitana diz,[73] que cinco leguas de Braga, junto à estrada, que vay para Vianna, duas leguas pouco mais, ou menos, antes della ao pé de hum monte existira antigamente huma povoaçaõ grande com o nome de Carmona, cujas ruinas, e vestigios se vaõ de quando em quando descubrindo.
29 Cauca. Tenho para mim que padeceo engano Jorge Cardoso[74] em collocar esta Cidade no sitio de Villapouca de Aguiar, entre Chaves, e Villa-Real, a quem seguiraõ Macedo,[75] e outros; porque mais me accommodo ao exame do estudiosissimo Argote,[76] e tambem porque vejo no Mappa de Ortelio arrumada esta Cidade na altura de 41 gráos de latitude, e perto de 15 de longitude, naõ pouco distante de Segovia.
30 Ceciliana. O Itinerario de Antonino sitúa esta povoaçaõ entre Setubal, e Alcacer do Sal. Plinio lhe chama Castra Ceciliana, talvez deduzido de Cecilio Metelo, que deu nome a este Lugar. Huns querem que seja hoje Agualva, tres leguas de Setubal, outros Alcaçovas, o que naõ póde ser. D. Francisco Manoel diz que he ou a Galvea, ou Agua de Moura. Com o mesmo nome de Castra Celicis vejo huma povoaçaõ situada na Carta de Abrahaõ Ortelio junto de Meribriga, que he em 38 gráos, e 5 minutos de latitude, e 12 gráos, e 5 minutos de longitude, e outra quasi na mesma latitude, e 14 gráos de longitude.
31 Celiobriga. Foy o que agora he Celorico de Basto, ou nas suas visinhanças. Consta da inscripçaõ, que se achou em huma pedra na Igreja de Santa Senhorinha de Basto, que allega Argote nas Memorias do Arcebispado de Braga.[77]
[Pg 16]
32 Centocellas. Defende Jorge Cardoso[78] a situaçaõ desta Cidade junto ao rio Zezere no Bispado da Guarda, e perto de Belmonte, onde permanece huma Ermida de S. Cornelio, proxima a huma torre quadrada de obra Romana, onde diz estivera prezo este Santo; o que tambem confirma Joaõ Salgado de Araujo no liv. 3. das guerras da Provincia da Beira pag. 100.: porém o Padre Fr. Antonio da Purificaçaõ,[79] e os incansaveis Antiquarios Argote, e Leal[80] mostraõ com evidencia ser erro de Cardoso.
33 Cinania. Desta Cidade faz mençaõ Valerio Maximo,[81] encarecendo muito o valor de seus moradores, e dizendo, que ficava na Lusitania. Fr. Bernardo de Brito,[82] e seu abbreviador Manoel de Faria[83] mostraõ que estivera fundada junto de Roriz. Pertende porém Gaspar Estaço mostrar,[84] e o Padre Henrique de Abreu no discurso, que faz sobre esta Cidade, que estivera junto da Serra do Maraõ,[85] onde ha passagem aos que vaõ da Beira para o Minho pela estrada, que da Villa de Teixeira vay a Amarante. Aqui ao pé da serra está a Villa de Mejaõ frio, e huma legua pela ribeira do Douro acima está o Lugar de Cidadelhe, e ao Norte ha ruinas de grande povoaçaõ: aqui prova o dito Author foy Cinania. Jorge Cardoso[86] a poem na eminencia de hum monte sobre o rio Ave, legua e meya distante de Guimarães. O Author da Corografia Portugueza[87] a descobrio entre Lanhoso, e o Couto de Pedralva. Modernamente o Padre D. Jeronymo nas Memorias eruditissimas de Braga[Pg 17][88] confessa, que he incerta a precisa situaçaõ de Cinania.
34 Cetobriga. Foy huma Cidade do Gentilismo, em cujas ruinas se fundou a Villa de Setubal. Fr. Bernardo de Brito,[89] seguindo a Floriaõ do Campo, e a outros, diz, que fora fundada, e povoada por Tubal o anno 145 depois do diluvio, e lhe chamara Cethubala, ou Cætum-Tubalis, que quer dizer ajuntamento de Tubal, de cujo nome com pouca mudança se deduzio Setubal. Porém André de Resende,[90] e Diogo de Paiva dizem, que naõ póde ser; antes o Paiva com tenacidade a constitue em Andaluzia. O que temos por mais provavel he o que diz o famoso Resende, que houve duas povoações deste nome: a antiga, onde agora está o sitio chamado Troya, que naquelle tempo se dizia Cetobriga, e significava Cidade de muito, e grande peixe; porque Briga na lingua dos antigos Lusitanos queria dizer Cidade, ou fortaleza, e Cete peixes grandes. Desta opiniaõ he Gaspar Barreiros,[91] o qual affirma, que no seu tempo havia no sitio desta Troya vestigios de humas salgadeiras, em que seccavaõ o peixe, porque se fazia aqui huma grande pescaria delle; e que debaixo da agua se mostravaõ ainda ruinas de edificios, cousa, que tambem testifica Resende. Extincta finalmente a antiga Setubal, ou Cetobriga na geral destruiçaõ de Hespanha, se passaraõ alguns moradores dos que restaraõ para defronte, e principiaraõ a povoar nova colonia naquelle sitio, intitulando-a da mesma fórma Cetobriga. Correndo depois o tempo, se veyo a chamar Cetobala, e dahi Cetubala, e hoje Setubal. Desta opiniaõ he Luiz Nunes,[92] Christovaõ Cellario,[Pg 18][93] e convem no mesmo Villalpando in Ezechielem tom. 2. p. 16. Affirma tambem o allegado Resende, que no sitio de Troya, ou antiga Cetobriga está por cima da porta da Igreja de Nossa Senhora huma cabeça de carneiro em pedra, e lhe parece que houvera alli hum templo de Jupiter. De outras pedras alli descubertas faz tambem memoria o sobredito Antiquario.
35 Collipo. Foy esta Cidade Municipio Romano, e nas suas ruinas se levantou a Cidade de Leiria, como he constante entre todos os Geografos.[94]
36 Concordia. Teve esta Cidade seu assento huma legua affastada de Thomar para o Occidente, onde se descobrem ainda vestigios de sua antiguidade. Ptolomeu se lembra desta povoaçaõ, pondo-a na Lusitania, e quasi com elle concordaõ Bivar,[95] Plinio, e outros.[96] Houve outra Concordia junto ao rio Guadiana, que antigamente se chamou Bertobriga, Bocoris, ou Nortobriga, de que falla Pedro de Medina.[97] Jorge Cardoso[98] diz, que guardava em seu poder algumas moedas achadas no sitio da primeira Concordia, que bem provaõ a antiga certeza desta povoaçaõ. Author ha, que diz he Tentugal.
37 Contraleucos conforme Ortelio; ou Catraleucus segundo Ptolomeu, foy povoaçaõ Romana, de cujas ruinas se erigio a Villa do Crato, como o mostra Fr. Leaõ de Santo Thomás na Benedictina Lusitana. Outros querem que seja Castello-branco. Verdade seja que esta povoaçaõ, no conceito de[Pg 19] D. Francisco Manoel he huma das que por nenhum modo saõ hoje por nós conhecidas.
38 Egitania. Foy no sitio de Idanha a velha huma Cidade nobilissima em tempo dos Romanos, e Municipio seu muy estimado. O Doutor Manoel Pereira da Silva Leal, dignissimo Academico Regio, escreve della eruditamente nas Memorias da Guarda.[99]
39 Eminio. Hoje he o Lugar de Agueda no termo de Aveiro. Foy povoaçaõ notavel da Lusitania, e Cidade Episcopal. Teve Prelados, de que se acha a memoria de Gelasio pelos annos 411 de Christo, e de Possidonio pelos annos 589. Ortelio lhe dá tambem o nome de Colubria. O Academico Manoel Pereira da Silva Leal[100] pertende mostrar que naõ tivera Bispos, como alguns affirmaraõ. Fallaõ della Plino, e Ptolomeu apud Cellarium l. 2. c. 1. §. 9.
40 Equabona. He hoje a Villa de Coina. Por aqui continuava a primeira via militar dos Romanos, que hia de Lisboa para Merida.
41 Eritreia, ou Erythia. Encontramos muito embaraçada entre os Authores a situaçaõ desta Ilha. Fr. Bernardo de Brito,[101] seguindo a Pomponio Mela,[102] diz, que estivera na Costa de Portugal, e que havendo aqui pelos annos de Christo 582 hum grande terremoto, se apartara da terra firme, e o que ficou he ao que agora chamamos Berlengas, talvez deduzido da palavra Londobris, que tambem lhe dá Ortelio. Esta opiniaõ seguem Resende, Baudrand, Luiz Marinho de Azevedo, e outros, que este allega.[103]
42 Porém Diogo de Paiva[104] persuadido com a geral confusaõ de alguns Authores em naõ distinguirem[Pg 20] a Ilha Erythia da de Cadis, e Tarteso, he de contrario parecer. Os Romanos tiveraõ o abuso de chamar come mesmo nome de Cadis as outras Ilhas, que estavaõ immediatas a ella, da maneira que se chamaõ hoje ilhas de Cabo-Verde, e das Canarias todas as que se conservaõ sujeitas às duas principaes, como cabeças de todas as outras suffraganeas, como bem observa o Marquez de Montejar nas suas eruditas Disquisições;[105] e assim he infallivel ser diversa esta Ilha das outras, e o mostraõ Salmacio, Rufo Festo Avieno, Samuel Bocharto, Rodrigo Caro, Christovaõ Cellario, e outros.[106]
43 Eburobricio. Questionaõ os Geografos sobre a verdadeira situaçaõ desta terra. Diogo Mendes de Vasconcellos, e Gaspar Barreiros[107] dizem, que estivera no sitio, onde hoje está Evora de Alcobaça; porém Fr. Bernardo de Brito,[108] reprovando a Vasconcellos, diz que fora em Alfezeiraõ; mas em outra parte duvída.[109] Mons. de La Clede[110] no Mappa da antiga Lusitania nenhuma duvida poem em situar a Alfezeiraõ no mesmo lugar de Eburobricio, e quasi na mesma altura se conformaõ os mappas de Ortelio, e Cellario. Do antigo templo, que houve aqui dedicado a Neptuno pelo famoso Capitaõ Decio Junio Bruto, consta a grande resistencia, que os seus moradores fizeraõ ao poder Romano pelos annos 130 antes de Christo Senhor nosso vir ao mundo.[111]
44 Evandria. He Olivença. Antonino lhe chama Evandriana.
45 Flaviobriga. O Doutor Joaõ de Barros na Descripçaõ do Minho tem para si que estivera esta povoaçaõ[Pg 21] no sitio de Favayos, Villa da Provincia Transmontana, onde affirma que vira letreiros, que assim o testemunhavaõ. Foy huma das Cidades, que edificou ElRey Brigo.
46 Foro dos Limicos. Era huma Cidade collocada junto do rio Lima. O Padre Argote persuade-se que estivera no sitio, a que hoje chamaõ Santo Estevaõ da Faxa.[112]
47 Foro dos Narbassos. Foy Cidade cabeça de huns Póvos assim chamados, que existio perto de Braga, conforme a conjectura do incansavel Argote.[113]
48 Gerabrica, ou Jerabrica. Segundo a Geografia de Fr. Bernardo de Brito[114] esteve esta Cidade situada onde vemos hoje a Villa de Póvos. Prova-o este Author com o Itinerario de Antonino, o qual assina de Lisboa a Jerabrica trinta mil passos, que fazem as sete leguas, que se contaõ desta Cidade àquella Villa. Porém Gaspar Estaço, Gaspar Barreiros, e Brandaõ mostraõ com o mesmo Itinerario, que Jerabrica foy o que hoje he Alamquer.[115]
49 Lacobriga. Em tempo dos Romanos foy Cidade muy famosa, e lembra-se della Baptista Mantuano,[116] quando diz, que erigira o Senado desta povoaçaõ sete estatuas a Ardiboro, Capitaõ insigne do Imperador Valentiniano, as quaes prostraraõ os Vandalos, quando a tomaraõ. Das suas ruinas se edificou a Cidade de Lagos no Algarve, e neste sitio vemos collocada a sua arrumaçaõ no Mappa de
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Ortelio, e de Pomponio Mela, com quem se conforma Vasconcellos,[117] donde parece receber engano Vasco Mousinho de Quevedo, equivocando Lagos com Lamego,[118] e a mesma equivocaçaõ encontro em Gabriel Pereira,[119] porque une os póvos da Serra da Estrella com os de Lacobriga, que sendo Lagos, eraõ Provincias muy distantes. Talvez que tudo proceda de se equivocarem com outra povoaçaõ, que ficava junto de Lamego, porém mais encostada para o mar, a que Ortelio chama Langobrica, que Vasconcellos tem pela Villa da Feira. Ha quem diga que Lacobriga he a Villa de Abrantes, outros do Landroal, e Joaõ de Mariana diz, que he a Villa de Alvor, fundada por Anibal. Parece a outros ser Santiago de Cacem, como diz D. Francisco Manoel na carta 62. da centuria 3.
50 Magneto. Foy na opiniaõ de alguns huma Cidade em tempo de Romanos, e existio onde hoje chamaõ Santa Maria de Meinedo, que he hum Lugar do Bispado do Porto.[120]
51 Merobriga. De duas povoações com este mesmo nome achamos memoria em Portugal: huma no sitio, onde está Montemór o velho; outra em Santiago de Cacem. Consta da Carta Geografica de Abrahaõ Ortelio. Plinio as confunde; porém nosso Resende assenta, que a verdadeira foy onde agora he Santiago de Cacem.[121] Aqui se venera na Matriz a notavel reliquia do Santo Lenho, que D. Bataza lhe deixou. Tambem na escada exterior da casa da Camera se vê a inscripçaõ do famoso Medico Cassio Januario natural de Beja. Resende se persuade, que esta terra fora conquistada aos Mouros por D. Bataza; o que naõ foy assim, como declara Brandaõ na Monarquia liv. 16. cap. 35.
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52 Myrtilis Julia. Esteve esta famosa Cidade, e Municipio no sitio de Mertola. He indubitavel. Antonino assina 36000 passos até Béja, que saõ nove leguas das nossas, distancia verdadeira, que ha de huma a outra parte. Quasi todos os Geografos se conformaõ nesta situaçaõ.[122]
53 Moro foy huma antiga Cidade situada nas ribeiras do Tejo, de cujas ruinas a mayor parte dos Geografos dizem se levantou o Castello de Almourol, posto que pela semelhança do nome, parece mais fundaçaõ dos Arabes. Cuidaõ alguns que existira onde agora vemos, ou Punhete, ou Tancos, ou Payo de Pelle. Estrabo no liv. 3. da sua Geografia se lembra della, quando disse que M. Bruto fizera de Moro fronteira para conquistar os Lusitanos.
54 Nabancia. Era huma povoaçaõ, que ficava para a parte do Nascente da Villa de Thomar, onde affirmaõ nascera a gloriosa Virgem, e Martyr Santa Iria.[123] Na divisaõ dos Bispados, que fez Wamba, se lhe dá o nome de Naba,[124] conforme a intelligencia de Argote.
55 Norba Cesarea. O Capitaõ Braz Garcia Mascarenhas, governando a Praça de Alfayates na Beira, diz, que descubrira os claros vestigios desta Cidade entre Alafões, e Salvaterra, e entre os rios Elja, e Ponsul, onde chamaõ os Toulões.[125] Hoje he Alcantara.
56 Numancia. Naõ he facil julgar o verdadeiro sitio desta famosa Cidade pela nimia variedade de opiniões, que achamos nos Escritores. Nenhum melhor que o eruditissimo Argote[126] soube aclarar esta confusaõ, distinguindo tres Cidades com este[Pg 24] proprio nome; e com bons fundamentos mostra que nenhuma existio no sitio, em que alguns dos nossos Authores pertendem anciosamente collocalla, que he onde chamaõ Nemaõ, meya legua distante da Villa do Freixo junto ao Douro; e saõ deste parecer Brito, Brandaõ, Cardoso, e Joaõ Salgado de Araujo com mayor tenacidade,[127] a cujos fundamentos responde bem o sobredito Padre Argote.
57 Obobriga. Padeceo erro o Author da Corografia Portugueza[128] em collocar esta povoaçaõ na Villa de Monçaõ: mais ajustada congruencia tem em dizer que foy Orosia, posto que o insigne Argote o tem por fabula.[129]
58 Ossel, ou Osset. Tambem naõ lidaõ pouco os Historiadores, e Geografos em averiguar a genuina situaçaõ local desta Cidade. Fr. Bernardo de Brito tem para si que estivera no Valle Ossella, tres leguas distante de Arouca, Bispado de Lamego;[130] e accrescenta, que neste sitio achara vestigios daquelle notavel Templo, onde havia a Pia baptismal milagrosa, e que no meyo de huns cumulos de pedra estava huma cova feita ao comprido, cuberta de silvas, a que chamavaõ o banho, onde parece que naquella consumida reliquia perseverava ainda a tradiçaõ do tal prodigio.
59 Todavia Fr. Antonio da Purificaçaõ mostra[131] que esta terra teve sua existencia naõ longe de Viseu: que na sua principal Igreja houvera huma reliquia de Santo Estevaõ muito milagrosa: que ainda no seu tempo havia huma Ermida de fabrica antiquissima: que pouco adiante para a parte do mar está huma fonte, que chamaõ das virtudes: que mais para baixo estaõ naquelles contornos huns campos[Pg 25] chamados de Assem, que bem mostra ser vocabulo derivado de Ossem.
60 Jorge Cardoso[132] julga que ficava Osset junto de Agueda, e que era Cidade taõ forte, que a ella se fora refugiar Santo Hermenigildo o anno 581 para rebater a furia de Leovigildo, como dizem alguns Historiadores.[133] D. Joseph de Santa Maria Carthusiano, Vigario do Convento de Nossa Senhora de las Cuevas em Sevilha, sahio à luz o anno de 1630 com hum livro sobre a situaçaõ de Ossel, e a colloca na Betica, seguindo a opiniaõ de Rodrigo Caro, a que Joaõ Franco Barreto lhe responde na Historia dos Bispos de Evora cap. 11. 12. 13. Porém huma das razões, que ha para desfazer estas conjecturas, he a authoridade de S. Maximo, que expressamente diz ficava a tal povoaçaõ, e Bautisterio no Bispado de Pax Augusta,[134] que he Badajoz.
61 Ossonoba, a que Plinio chama Lusturia,[135] e Bocharto[136] interpreta Fortaleza de Baal, esteve nas visinhanças de Faro no Algarve, onde hoje chamaõ Estoy. Foy Cidade famosa, e nobre, pois teve Cadeira Episcopal, como se collige de alguns Concilios, em que se vem assinados varios Bispos com o titulo de Ussonobenses, os quaes numéra o Catalogo dos Bispos do Algarve, que vem no fim das suas Constituições. Em tempo dos Romanos foy Republica. Consta de hum cippo, que está na muralha da fortificaçaõ de Faro, cujas letras se podem ver em Resende, e Grutero.[137] Strabo[138] lhe chama Sonoba, se acaso naõ he outro Lugar, como escrupuliza Bocharto. Na invasaõ dos Mouros padeceo[Pg 26] naõ só a ruina das suas fabricas, e muros, mas do nome, porque lhe chamaraõ Exubona. Duarte Nunes,[139] e o Padre Poyares naõ distinguem Estoy de Estombar, sendo elles taõ diversos. D. Rodrigo da Cunha,[140] e Jorge Cardoso cahiraõ na mesma confusaõ, sendo que este emendou o erro, retratando-o em outro lugar.[141]
62 Panonias. Foy huma Cidade, que no tempo dos Romanos existio no terreno de Villa-Real, onde hoje está a Aldea chamada o Assento, da Freguezia de S. Pedro de Val de nogueiras: assim o mostra largamente o Reverendo Padre Argote.[142]
63 Pineto. Era outra Cidade situada no lugar, que hoje chamaõ Val de telhas, cinco leguas distante da Villa de Chaves, e foy povoaçaõ Romana, como affirma o mesmo erudito Argote.[143]
64 Salacia. De duas Cidades com este mesmo nome achamos memorias que existiraõ em nosso continente: huma cinco leguas de Braga, no sitio, onde chamaõ Salamonde; assim o prova Argote[144] com o Itinerario de Antonino: a outra Salacia esteve onde hoje vemos Alcacer do Sal, e foy Cidade, que os Romanos chamaraõ Imperatoria, honra, que lhe deu Augusto Cesar, fazendo-a tambem Municipio.[145]
65 Scalabis. He sem controversia a Villa de Santarem, a que os Romanos tambem chamaraõ Julium Præsidium. Em tempo dos Godos mudou o nome de Scalabis no que hoje possue, adquirindo-o da Santa Virgem, e Martyr Irena, cujo tumulo, naõ sem mysterio se conserva nas aguas do Tejo defronte[Pg 27] de Santarem, o qual melhor pronunciado he o mesmo que Santa-Irene.
66 Talabrica. Quasi todos os Geografos convem em ser esta Cidade collocada antigamente onde está hoje Aveiro;[146] só Rodrigo Mendes da Silva, seguindo a Floriaõ do Campo,[147] diz que Aveiro naõ foy a Talabrica, mas sim a Labara, o que naõ he provavel, porque Labara he hum Lugar pequeno sobre o mar no termo do Porto. Duarte Nunes a constitue junto de Aveiro na ribeira do Vouga onde ha o lugar chamado Cacîa, e na parte da Ermida de S. Juliaõ; com quem se conforma Gaspar Barreiros pag. 51.
67 Tubuci foy povoaçaõ dos Romanos, de cujas ruinas, conforme diz Resende, se erigio Abrantes, e se comprova com o Itinerario de Antonino; o qual na segunda via militar, que descreve de Lisboa para Merida, assina de Scalabis a Tubuci trinta e dous mil passos, que fazem as oito leguas, que ha de Santarem a Abrantes. Alguns attribuem Tubuci a Tancos.
68 Tuntobriga. Foy huma Cidade, que pertencia à Chancellaria de Braga, e de que se naõ sabe mais que o nome.
69 Vacca. Persuade-se Jorge Cardoso no tom. 2. do Agiologio pag. 65. que esta antiga Cidade estivesse onde hoje vemos erecta a de Viseu; porém Plinio, e Ptolomeu naõ fazem della mençaõ. O Author da Corografia Portugueza diz, que por tradiçaõ a Cidade antiga chamada Vacca estivera onde hoje he a Villa de Vouga na Comarca de Aveiro: porém quando trata da Cidade de Viseu, traslada tudo que achou em Jorge Cardoso, convindo com elle em ser Viseu a antiga Vacca.
70 Outras muitas povoações existiraõ em nosso[Pg 28] Reino em tempo dos Romanos, que se achaõ mencionadas nas Taboas de Ptolomeu, e Cartas de outros Geografos, posto que nós naõ conhecemos, nem lhe podemos saber o verdadeiro significado, mais que por conjectura, assim como fez Argote com algumas da Provincia Bracarense. Das que sem muita controversia podemos declarar situadas em varias partes do nosso continente, saõ as que numeraõ Resende, e Vasconcellos, a saber:
Ad septem Aras | Açumar, ou Alegrete. |
Amæa | Portalegre. |
Aquæ Flaviæ | Chaves. |
Aritium Prætorium | Benavente. |
Arucitana | Moura |
Balsa | Tavira. |
Bracara Augusta | Braga. |
Brætoleum | Vianna de Caminha. |
Budua | Botova, ou Ouguella. |
Calantica | Arrayolos. |
Calem | Porto. |
Ceciliana | Agualva, ou Agua de Moira. |
Cellium | Ceice junto de Thomar. |
Cetobriga | Setubal. |
Collipo | Leiria. |
Concia | Miranda do Douro. |
Conimbrica | Condeixa a velha. |
Ebora, ou Liberalitas Julia | Evora. |
Eburobritium | Evora d’Alcobaça. |
Elteri | Alter do Chaõ. |
Eminium | Agueda. |
Equabona | Coina. |
Forum Limicorum | Ponte de Lima. |
Fraxinum | Alpalhaõ, ou Gaviaõ. |
Helvij | Elvas. |
Jerabrica | Póvos, ou Alenquer. |
Igædita | Idanha, ou Guarda. |
Lacobrica | Lagos.[Pg 29] |
Lama, ou Lameca | Lamego. |
Lancobrica | Feira. |
Malceca | Marateca. |
Matusaro | Ponte de Sor. |
Medobrica | Aramenha. |
Merobriga | Santiago de Cacem. |
Moro | Almorol, ou Punhete. |
Myrtilis Julia | Mertola. |
Næbia | Neiva. |
Olisipo, ou Fælicitas Julia | Lisboa. |
Ossonoba | Estoi junto de Faro. |
Pax Julia | Beja. |
Portus Anibalis | Villanova de Portimaõ. |
Salacia, ou Urbs Imperatoria | Alcacer do Sal. |
Saurium | Soure. |
Scalabis, ou Julium Præsidiũ | Santarem. |
Serpa | Serpa. |
Talabrica | Aveiro. |
Tubuci | Abrantes. |
[21] Plin lib. 8. Epist. 24. Revertere gloriam veterem, & hanc ipsam senectutem, quæ in homine venerabilis, in urbibus sacra est.
[22] Ptolom. apud Cellar. lib. 2 cap. 1. Geogr. antiq. Veja-se Botelho no Alfonso liv. 3. est. 77.
[23] Cardos. Agiol. Lusit. tom. 3. pag. 627. Corog. Port. tom. 1. p. 310. Argot. Antig. de Brag. t. 1. c. 2.
[24] Villalob. Nobiliarch. Portug. pag. 89. Corogr. Port. t. 1. pag. 296.
[25] Resend. lib. 1. Antiq. Lusit. Cellar. Georgr. antiq. lib. 2. c. 1. §. 51. Vasæus Chronic. Hispan. pag. 254. Gruter. pag. 156. n. 4.
[26] Argot. Antig. de Brag. t. 1. lib. 2. c. 3. 4. 5. Et de antiq. Convent. Brachar. lib. 1. cap. 3.
[27] Gaspar Barreir. na Corogr.
[28] Argot. Mem. do Arceb. de Brag. tom. 1. pag. 323.
[29] Cunha Histor. Eccl. de Brag. part 1. c. 19. Villasboas Nobil. Port. pag. 79.
[30] Rodr. Caro in notis ad Dextr. ann. 265. Ambrasia in Lusitania S. Epitectus ejusdem Civitatis civis, & Pontifex Martyr Christi
[31] Agiol. Lusit. tom. 3. pag 38.
[32] O Campo Chron. p. 1. lib. 3. c. 27. Argot. Antig. de Brag. t. 1. lib. 2. c. 6. n. 513. D. Franc. Man. Cent. 3. Cart. 62. p. 425.
[33] Faria Fonte de Aganip. p. 2. Eclog. 4. Est. 10.
[34] Estaç. nas Antig. de Port. c. 20.
[35] Monarc. Lusit. liv. 2. cap. 11.
[36] Corogr. Portug tom. 2. pag. 308.
[37] Resend. de Antiq. Lusit.
[38] Gasp. Barr. na Corogr.
[39] Cardos. no Agiol. tom. 3. p. 371.
[40] Sá Mem. Hist. part. 2 p. 1. & seq. Resend. de antiq. lib. 4. pag. mihi 171.
[41] Ferreras Histor. de Hesp. part 3. ad ann. 466
[42] Argot. Antig. de Braga tom. 1. p. 376.
[43] Cardos. Agiol Lusit. tom. 2. p. 344.
[44] Res. lib. 4.
[45] Cellar. lib 2. Geogr. antiq. cap. 1.
[46] Argot. Mem. de Brag. tom. 1. lib. 2. c. 6. n 516.
[47] Cardos. Agiol. Lusit. tom. 3. p. 760. V. Argais na Poblacion Ecclesiast. de Hespanh. ad ann. 893.
[48] Cardos. Agiol. Lusit. tom. 2. p. 23.
[49] Monarq. Lus. l. 7. c. 23. Fr. Leaõ Benedict. tr. 2. p. 2. c. 21.
[50] Corogr. Port. t. 1. p. 237.
[51] Argot. Mem. de Brag. t. 2. p. 682.
[52] Vasconc. in not. ad Resend. lib. 1. p. 258. Rodr. Mend. Poblac. gen. de Hesp. p. 135. D. Franc. Man. cent. 3. cart. 62. Corogr. Port. t. 2. p. 525. Agiol. Lus. tom. 3. p. 86. Cardoso no Diccion. Geogr. tom. 1. p. 487.
[53] Corogr. Port. tom. 3. p. 175.
[54] Cardos. Agiol. Lusit. tom. 3. p. 761.
[55] Argot. Mem. de Brag. tom. 1. p.316.
[56] Rodr. Car. Antig. de Sevilh. Caram. Explicac. Mystic. de las armas de Hespanh. p. 72.
[57] Heit. Pint. in Ezech. cap. 13. Maced. Flor. de Hespanh. cap. 1. exc. 6. Far. Epit. p. 4. lib. 5. cap. 4. Becan. in Hermat. p. 229. Luiz Mar. Antig. de Lisb. D. Franc. Man. cent. 3. cart. 62. Corogr. Port. tom. 1. p. 209. Lacerd. in l. 6. Virgil. Æneid.
Elysium in campum, terrarumque ultima tandem
Dii te transmittent, stat flavus ubi Rhadamanthus
Existitque viris, ubi vita, facilima durans
Non hyemis vis multa: nives non ingruit imber
Stridula, sed semper Zephyrorum flamina mittit
Ingens Oceanus, senimina grata virorum.
Homer. Odyss. d. vers. 113.
[59] S. Gregor. Nazianz. orat. 20. p. 333. Paradisi videlicet nostri speciem quandam animo intuentes, atque ex Mosaicis, ut opinor, nostrisque libris, tametsi in nomine nonnihil discreparit, aliis tamen vocabulis, hoc ipsum indicantes.
[60] Proclus in Hesiod. fol. 27. Beatorum insulas cum dicit Paradisum, aut campum Elysium significare videtur, sic dictum, quod corpora servet indissolubilia.
[61] Bechman. de origin. ling. Latin. p. 333.
[62] S. Justin. in Cohortat. ad Græcos p. 27. Permulta esse à Poeta, ex Divinis quoque Prophetarum libris in opus suum relata... Deinde verò, ut Paradisi effigiem Alcinoi horti conservarent, fecit illos florentes, & frugum ubertate scatentes.
[63] Div. Hieron. in Genes. cap. 2. vers. 15.
[64] Strab. de Situ Orbis lib. 3. p. mihi 143.
[65] Genes. 5.23.
[66] Barcepha de Paradis. cap. 12.
[67] Malvend. de Parad. lib. 1. cap. 9.
[68] Rodrig. Car. ad ann. Christ. 419.
[69] Benedict. Lusit. tom. 1. pag. 304.
[70] Haub. Chron. ad ann. 420.
[71] Haubert. ad ann. 86.
[72] Argaes Poblacion Eccles. de Hesp. tom. 1. fol. 10.
[73] Benedict. Lus. tom. 2. p. 109.
[74] Cardos. Agiol. Lus. tom. 1. p. 172.
[75] Maced Flor. de Hesp. excel. 10. n. 3. P. Purific Chronic. de S. Agost. p. 2. liv. 7. tit. 1. § 1.
[76] Argot. Antig. de Brag. part. 1. p. 377.
[77] Argot. Mem. de Brag. tom. 1. p. 318.
[78] Cardos. Agiol. Lusit. tom. 1. p. 338.
[79] Purific. Chron. August. tom. 1. p. 215. vers.
[80] Argot. Mem. de Brag. tom. 2. p. 694. Leal, Mem. do Bispad. da Guard. part. 1. tit. 3. cap. 2. n. 202. 203. 204.
[81] Valer. Maxim. l. 6. cap. 4.
[82] Monarq. Lusit. part. 1. liv. 3. cap. 13.
[83] Far. Epitom. p. 110. part. 2. cap. 10.
[84] Estaç. Antig. de Portug. cap. 19.
[85] P. Abreu no fim da vida de S. Quiteria p. 307.
[86] Cardos. Agiol. Lusit. tom. 1. p. 320. e tom. 3. p. 17.
[87] Corog. Port. tom. 1. p. 162.
[88] Argot. Mem. de Brag. p. 386. e 457.
[89] Monarq. Lusit. p. 1. cap. 3. Heit Pint. in Ezech. cap. 27. Far. Europ. Portug. tom. 3. part. 3. cap. 3.
[90] Resend. l. 4. de Antiq. p. mihi 216. Paiv. no Exame de Antiguid. p. 9.
[91] Barreir. Corograf. p. 63.
[92] Luiz Nunes cap. 38.
[93] Cellario Geograf. Antiq. liv. 2. cap. 1 § 16.
[94] Plin. liv. 1. cap. 24. Gruter. p. 1155. Vasconcel lib. 5. de Eborensi Municip. p. mihi 24. Duarte Nun. Deser. de Portug. p. 13. Brandaõ t. 3. Cardos. no Agiol. t. 2. p. 374. Barreiros na Corograf. p. 50. v.
[95] Bivar ad ann. 145.
[96] Plin. liv. 4. cap. 22. Benedict. Lusit. part. 4. trat. 2. p. 173. Abreu Vid. de S. Quiter. p. 203.
[97] Medin. l. 2.
[98] Cardos. Agiol. Lusit. tom. 3. p. 760. & tom. 1. p. 457.
[99] Leal, Mem. do Bisp. da Guard. p. 14. & seq.
[100] Id. Dissertaç. Exegetic. not. 5. n 28.
[101] Monarq. Lusit. liv. 5. cap. 26.
[102] Mela liv. 5. cap. 24.
[103] Resend lib. 2. Antiq. p. 66. mihi. Baudrand. Diction. Geogr. verb. Erythia. Marinh. de Azeved. Antiguid. de Lisb. p. 105.
[104] Paiv. Exam. de Antig. p. 42.
[105] Montejar, Antig. de Hesp. part. 2 disquis. 5. §. 2. cap. 2.
[106] Salmac. Exercit. Plinian. p. 284. Avien. in Oris maritim. vers. 308. Bochart. Geograf. Sacr. p. 679. Car. Antig. de Sevilh. l. 3. cap. 25. Cellar. Geogr. antiq. liv. 2. cap 1. §. 127.
[107] Vasconcel. in Annotat. ad Resend. Barreir. Corograf. p. 50.
[108] Monarq. Lusit. liv. 3. cap. 11.
[109] Ibid. l. 5. cap. 17.
[110] De La Cled. Hist. de Portug. tom. 1.
[111] Monarq. ut supr.
[112] Argot. nas antiguid. da Chancellar. de Brag. p. 128.
[113] Argot. Mem. do Arceb. de Brag. liv. 2. cap. 6. n. 525.
[114] Monarq. Lusit. liv. 6. cap. 4.
[115] Estaç. Antig. de Portug. cap. 87. Barreir. Corog. tit. de Talaver. Brand. Monarq. Lusit. liv. 10. cap. 34.
Dicitur Ardiburi posuisse Lacobriga septem
Victori toties statuas, totiesque per illum
Eruta Wandalicis bello insurgente procellis.
Mantuan. in Agelaric.
[117] Vasconcel. Descript. Regn. Lusitan. p. 797.
[118] Mousinh. no Afric. cant 3. est. 14.
[119] Gabr. Pereir. na Ulyss. cant. 8. est. 146.
[120] Argot. Mem. de Brag. liv. 4. cap. 4. p. 670.
[121] Resend. de Antiq. Lusit. lib. 4. p. mihi 188. e 209.
[122] Andr. Schotti, Isaac Vosio, Plinio, Antonin, e outros apud Cellar. lib. 2. cap. 1. §. 20. Geograf. antiq.
[123] Monarq. liv. 9. cap. 27. Agiol. Lusit. tom. 2. p. 68.
[124] Argot. Mem. do Arc. de Brag. p. 649.
[125] P. Henriq. de Abreu, Vid. de S. Quiter. p. 203.
[126] Argot. Mem. do Arceb. de Brag. l. 2. cap. 14. dissert. 3.
[127] Monarq. Lusit. liv. 6. cap. 2 & 16. cap. 45. Cardos. Agiol. Lusitan. tom. 2. a 20 de Abril, & tom. 3. p. 726. Arauj. nos Success. Milit p. 109. & seqq.
[128] Corograf. Port. tom. 1. p. 210.
[129] Argot. Mem. do Arceb. de Brag. p. 396.
[130] Monarq. Lusit. liv. 6. cap. 11.
[131] Purific. Chronic. August. tom. 1. p. 134. vers.
[132] Cardos. Agiol. Lusit. tom. 2. p. 546.
[133] Fr Leaõ de S. Thom. Benedictin. Lusit. tom. 2 p. 279. Saavedr. Coron. Gotic. part. 1. cap 12.
[134] S. Max. ad an. 550. Prope Osset oppidum Lusitaniæ in Diœcesi Pacis Augustæ fontes Baptismatis in pervigilio Paschatis excitantur.
[135] Plin. l. 3. cap. 1.
[136] Bochart. Geogr. Sacr. lib 1. cap. 34. tom. 2.
[137] Resend. l. 4. p. 201. Gruter. p. 274.
[138] Strab. liv. 3. p. 99.
[139] Nun. Descr. de Portug. pag. 13. Poyar. Diccion. Geogr. pag. 184.
[140] Rodrig. da Cunh. Hist. de Brag. part. 2. cap. 61. Cardos. Agiolog. Lusit. tom. 1. Prolog. § 6.
[141] Id. Card. tom. 2. Agiol. p. 10. Vide etiam Argaes Dialog. 3. cap. 8.
[142] Argot. Memor. do Arceb. de Brag. p. 325.
[143] Id. ibid. p. 359.
[144] Ibid. p. 370.
[145] Plin. lib. 4. cap. 22. Barreir. Corogr. p. 63.
[146] Cellar. Geogr. antiq. lib. 2. cap. 1. §. 9.
[147] Mend. da Silv. Poblac. gen. de Hesp.
1 Antes de entrarmos a ver o Reino interiormente, faremos pela parte de fóra hum giro, ou descripçaõ hydrografica, e geografica, rodeando-o todo, e informando dos principaes portos, surgidouros, e praças fronteiras, de que consta. Principiando pois pela margem septentrional, o primeiro porto, que se nos offerece, he
2 Caminha. Fica esta barra sobre o rio Minho, e he o termo, que divide Portugal de Galiza, ficando-lhe opposta a Villa da Guarda, e os Lugares[Pg 30] de Tamugem, Rosal, e outros dos Galegos. Na entrada tem huma Ilha, onde está o forte de Nossa Senhora da Insoa. Faz esta Ilha duas barras pequenas: huma para o Norte, e he perigosa: outra para o Sul; e continuando a distancia de tres leguas para o Meyo dia, segue-se
3 Viana na foz do rio Lima: he barra estreita, e da parte de fóra da ponta do Norte ha hum recife, que corre ao Sul, e dá capacidade para ancorarem embarcações naõ muito grandes, porque hoje está mais entupida de arêas. Sobre a barra tem hum Castello com cinco baluartes, dous revelins, e defronte da mesma barra tem mais huma plataforma para sua defensa. Daqui se continúa até
4 Esposende, que dista de Viana tres leguas para o Sul. Nesta barra, onde desagua o rio Cávado, naõ ha surgidouro capaz de embarcações grandes, porque de maré cheya naõ tem mais que duas braças escaças de agua, e assim só caravellas lhe frequentaõ o porto. Corre o rio Cávado por entre a Villa de Esposende, e o Lugar de Faõ, ficando aquella para a parte do Norte, e este do Sul. Defronte deste Lugar, quasi meya legua da barra, estaõ huns penhascos, que correm de Norte a Sul hum quarto de legua em tres fileiras, a que os mareantes chamaõ Cavallos de Faõ, entre os quaes, e a terra podem bordejar navios, pois tem cinco, ou seis braças de fundo em preamar. O Author da Corografia Portugueza tom. 1. pag. 310. diz, que este era o porto, em que se carregavaõ de ouro as frotas delRey Salamaõ, àcerca do qual veja-se tambem a Antonio de Sousa de Macedo nas Flores de Hespanha cap. 4. excel. 2. O mais certo he, que foy este o porto, donde sahiaõ as armadas dos Romanos para fazerem as suas conquistas. Vindo caminhando para o Sul o espaço de tres leguas, segue-se a
5 Villa do Conde. Dá entrada a esta barra a foz[Pg 31] do rio Ave, porém estreita. Na boca da barra tem hum forte de cinco baluartes delineado pelo insigne Engenheiro Italiano Filippe Tersio. Daqui vay correndo a marinha até o
6 Porto, quatro leguas para o Sul, deixando neste caminho o porto de Leça, ou de Matozinhos. Faz nesta barra sua foz o rio Douro, e fica distante da Cidade meya legua. Ha na barra duas lages, huma da parte do Norte, e outra do Sul, por entre as quaes he a carreira ordinaria de entrar, e sahir, mas ha de ser com tres quartos de agua cheya, sendo navio grande, e entrando de Veraõ; porque de Inverno sempre he perigosa pela mayor quantidade de arêas, que se ajuntaõ. Perto da entrada da barra para a parte do Norte está o Castello de S. João da Foz em quadro prolongado; consta de quatro baluartes pequenos. Hum dos seus lados estreitos, que olha ao Poente, cahe sobre o mar, e no outro lado opposto está a porta cuberta com hum pequeno revelim. Aqui se termina a Provincia do Minho; e continuando da barra do Porto sempre para o Sul o espaço de dez leguas, se encontra a primeira barra da Beira, que he
7 Aveiro. Desagua aqui o rio Vouga, e fica a barra distante da Cidade tres leguas: he larga na boca, e chega a ter em preamar vinte e quatro palmos de agua de alto, porém he mudavel, por ser de arêa. Corre da ponta da barra até a Villa de Ovar hum canal profundo pela distancia de sete leguas, e retalhando a terra com varios braços, e esteiros no ambito de quinze leguas, se reparte em muitas peninsulas, e lizirias, onde se fabricaõ marinhas de sal clarissimo, e se cultiva todo o genero de lavoura. Proseguindo o espaço de oito leguas ao Sudoeste, encontramos a barra do
8 Mondego. He na entrada baixa, e para dentro montuosa. Na boca da barra para o Norte está o forte de Santa Catharina, e fora do forte meya legua[Pg 32] na Costa fica a Villa de Boarcos, onde tambem ha surgidouro com seis, ou sete braças de fundo de arêa. Na distancia de dez leguas tambem para o Sudoeste segue-se já na Provincia da Estremadura a
9 Pederneira. He enseada pequena, onde só entraõ patachos, e caravelas. Para a parte do Norte está na eminencia do monte a Igreja de Nossa Senhora de Nazareth, imagem milagrosa, e bem conhecida pelo concurso de muitas romagens. Daqui pela mesma linha a pouco espaço de duas leguas está
10 Selir, pequeno porto. Verdadeiramente esta barra pertence à Villa de S. Martinho, e está entre duas serras de grandes penhascos, por onde entra hum braço de mar, que pela parte da terra faz huma enseada, que terá meya legua de circuito, onde se abrigaõ caravelas, e patachos. De Selir, continuando a Costa para o Sudoeste cinco leguas, segue-se
11 Peniche, onde tambem chamaõ Cabo de Carvoeiro. Fica, estando a maré cheya, a modo de peninsula, donde tomou o nome. Da banda do Norte he terra baixa, e do Sul he onde tem o surgidouro em seis, ou sete braças de fundo. Duas leguas para o Oeste do cabo de Peniche estaõ duas Ilhas pequenas com muitos penhascos ao redor, a que chamaõ as Berlengas, onde ha a fortaleza de S. Joaõ. Do cabo de Peniche para o Sul, caminhando onze leguas, está a Ericeira, e a pouco espaço o Cabo da Roca. Para diante mais duas leguas está Cascaes, onde ha capacidade de se dar fundo, pois tem dezoito até vinte braças de alto. Daqui proseguindo interposto o espaço de duas leguas, se encontra o famoso porto de
12 Lisboa. Esta barra, onde desemboca o Tejo, está no meyo de duas fortalezas, chamadas vulgarmente de S. Giaõ, ou Juliaõ, e S. Lourenço,[Pg 33] ou Torre do bogio, que outros dizem Cabeça seca, em distancia huma da outra de 980 passos geometricos de sete palmos e meyo cada passo. Em tempo do insigne Geografo Estrabo tinha a boca desta barra 2500 passos; agora se tem estreitado muito mais, e por causa dos cachopos, que existem no meyo della, se faz difficil a entrada, a qual se divide em dous canaes: o que toma por entre os cachopos, e a fortaleza de S. Giaõ, chama-se canal da terra, e he perigoso: o que vay por entre os cachopos da Trafaria, e a Cabeça seca, ou fortaleza de S. Lourenço, chama-se carreira da alcaçova, e he a mais segura, porque tem 500 braças de largo, e 9 de alto com bom fundo. Entrando pela barra dentro, a duas leguas se vê a formosa torre de Belém, obra delRey D. Manoel, fundada 200 passos sobre o Tejo; e continuando a pequena distancia de huma legua da parte do Norte, se vê a grande Cidade de Lisboa: mas como o Tejo fórma aqui o mais famoso porto do mundo, e hum grande seyo, fazendo-se navegavel no espaço de vinte leguas, posto que naõ continue na mesma largura, daremos noticia de todos os portos, que ha desde a barra para dentro do Tejo de huma, e outra parte.
Portos do Tejo da parte do Sul. | Portos do Tejo da parte do Norte. |
---|---|
Trafaria. | S. Giaõ. |
Portinho de Costa. | Oeiras. |
Torre velha. | Caxias. |
Porto brandaõ. | Carcavelos. |
Manatega. | Paço d’Arcos. |
Alfansina. | Cartuxa. |
Arrabida. | Boa Viagem. |
Arialva. | Santa Catharina. |
Fonte da pipa. | Pedrouços. |
Cassilhas. | Belém.[Pg 34] |
Caramujo. | Junqueira. |
Motella. | Santo Amaro. |
Oliveirinha. | Alcantara. |
Corroyos. | Pampulha. |
Santa Martha. | Santos velhos. |
Talaminho. | Caes do Tojo. |
Amora. | A Dizima. |
Rio dos Judeos. | Remolares. |
Arrentella. | Corpo Santo. |
Seixal. | Caes da Pedra. |
Rosario. | Alfama. |
Porto dos PP. Paulistas. | Caes do Carvaõ. |
Aldeya. | Bica do Sapato. |
Cabo da Linha. | Santa Apollonia. |
Coina. | Cruz da Pedra. |
Fornos delRey. | Madre de Deos. |
Palhaes. | Xabregas. |
A Telha. | Grilo. |
A Verderena. | Beato Antonio. |
Barreiro. | Poço do Bispo. |
Lavradio. | A Martinha. |
Barra a barra. | Braço de prata. |
Alhos vedros. | Cabo rubo. |
Moita. | Unho de D. Garcia. |
Esteiro furado. | Marvilla. |
Sarilhos grandes. | Olivaes. |
Sarilhos pequenos. | Sacavem. |
Aldeya Galega. | Aqui desagua este rio no Tejo por huma grande boca, fazendo huma profundissima foz; e ficando quasi ao Norte da Cidade, volta contra o Noroeste, onde se encontraõ os vistosos portos de Unhos, Frielas, Mealhada, Granja, Marnotas, Santo Antonio do Tojal, &c. Continuando pela marinha direita, segue-se:[Pg 35] |
Lançada. | |
Quinta de D. Maria. | |
Samouco. | |
Alcouxete. | |
Barroca d’Alva. | |
Pancas. | |
Çamora Correa. | |
Benavente. | |
Salvaterra. | Massaroca. |
Escaroupim. | Santa Iria. |
Mugem. | Povoa. |
Santa Martha. | Alverca. |
Almeirim. | Alhandra. |
Chamusca. | Villa-Franca. |
Pinheiro. | Póvos. |
Moita. | Castanheira. |
Barca. | Villa-Nova. |
Brito. | Azambuja. |
Santa Margarida. | Casa branca. |
Crucifixo. | Valada. |
&c. | Porto de Mugem. |
Santarem. | |
Azinhaga. | |
Labruja. | |
Cardiga. | |
Barquinha. | |
Tancos. | |
Payo de pelles. | |
Praya. | |
Punhete. | |
Redemoinhos. | |
Abrantes. |
Tornando agora a seguir o progresso da marinha do Oceano Lusitanico, prosegue a Costa da Roca de Cintra até o
13 Cabo de Espichel na distancia de oito leguas ao Sudueste. Em outro tempo se chamou Promontorio Barbarico, habitaçaõ dos póvos Sarrios. No cimo desta serra está hum Templo dedicado à milagrosa Imagem de Nossa Senhora do Cabo. Pouco mais para diante huma legua está
14 Cezimbra, em que ha fortaleza, e se póde surgir. Daqui à Arrabida ha duas leguas, e junto[Pg 36] della a Torre de Outaõ, e huma enseada para setias, e barcos de tres vélas. Na distancia de huma boa legua para Leste se offerece a barra de
15 Setubal, que tem em preamar cinco braças, e em baixamar vinte e seis palmos. Faz aqui o Oceano huma grande enseada, e vem nella mergulhar suas correntes o rio Sadaõ. Distante de Setubal quinze leguas fica
16 Sines já no Reino, e Provincia do Algarve, onde ha surgidouro em dez, ou quinze braças. Vay daqui correndo a Costa ao Sul vinte leguas até o Cabo de S. Vicente, chamado Promontorio Sacro; mas neste caminho mais tres leguas se vê a
17 Ilha do Pessegueiro, antigamente chamada Petanio, como diz Joaõ de Mariana liv. 1. cap. 21. entre a qual, e a terra ha surgidouro em duas, e tres braças. Para diante ao Sul mais duas leguas está a barra de
18 Odemira, capaz sómente de caravelas, e tem duas varas de fundo. Caminhando-se para diante sete leguas, está
19 Arrifana, onde ha huma enseada, na qual se póde surgir em oito até doze braças. Segue-se em distancia de cinco leguas o Cabo de S. Vicente, e na pequena distancia de huma legua para o Lesueste está
20 Sagres, que da parte de Leste em huma enseada abrigada tem surgidouro com quatorze, e quinze braças de fundo. Cinco leguas para diante continúa
21 Lagos. Tem hum porto capaz de receber grandes armadas em sete para oito braças de fundo, e defendido da fortaleza chamada da Bandeira, bem guarnecida de artelharia, encontrando-se por esta Costa outras muitas fortalezas, que a defendem. Naõ está muito longe de Lagos a foz de
22 Alvor. Foy na opiniaõ verosimil fundaçaõ de Anibal, chamada Portos Anibalis. Navega-se da sua[Pg 37] foz até à Villa em lanchas. Defronte de Alvor meya legua ao mar está huma pedra, que naõ apparece senaõ em baixamar de aguas vivas. Huma legua para Leste segue-se
23 Villa-Nova de Portimaõ, em cuja barra por causa dos bancos de arêa moviveis se naõ entra sem Piloto pratico. Tem na entrada dous fortes, hum ao Poente chamado de Santa Catharina, e outro ao Nascente, a que chamaõ de S. Joaõ, com duas batarias. Terá a barra de preamar vinte e tres palmos, e de baixamar dez, com que tem capacidade para bastantes embarcações grandes. Daqui se navega até Sylves, que lhe dista duas leguas, mas sómente se póde ir em barcos, porque esta bahia tem só meya legua de comprimento capaz. Descobre-se logo
14 Albofeira, onde está o Cabo de Carvoeiro, e nelle hum forte da Senhora da Incarnaçaõ. Daqui tres leguas para Leste está a Villa de Albofeira no fundo de huma enseada feita por dous cabos, hum da parte de Leste, outro de Oeste. Segue-se
25 Faro, a entrada de cuja barra he estreita, e fica para a parte de Leste da Cidade, da qual dista legua e meya. Mais adiante cinco leguas vemos.
26 Tavira, cuja barra terá de surgidouro cinco braças de fundo, e he defendida por duas fortalezas bem artilhadas. Está para diante a Villa de Cacella, e logo mais tres leguas, continuando a mesma Costa do Algarve, está ultimamente
27 Castro-Marim defronte de Ayamonte, que lhe fica da outra parte do rio Guadiana, o qual desemboca por aqui no mar Oceano, e separa o Reino do Algarve de Andaluzia. Costeando, e subindo por este rio cinco leguas com os olhos ao Norte, vemos a Villa de
28 Alcoutim, ultima do Reino do Algarve, e fronteira a S. Lucar do Guadiana. Tem seu Castello, e recinto de muros antigos em terreno levantado.[Pg 38] Pouco mais para cima entra o rio Vascaõ no Guadiana, e separa o Algarve do Campo de Ourique. Segue-se a Praça de
29 Mertola já no Alentejo, e junto ao Guadiana, onde tem tres váos, o do Carvoeiro, o dos Moinhos, e o das Vacas. Seguindo para cima a margem do Guadiana, encontramos na distancia de seis leguas a Praça, e Villa de
30 Serpa, a qual com as de Moura, Mouraõ, Olivença, Ouguela e Noudar estaõ no destricto de Andaluzia em huma lisonja, ou cotovelo de terra, que alli se fórma da parte direita, pondo-nos voltados ao Norte, deixando à maõ esquerda o Guadiana, cujas terras ficaraõ sendo nossas desde o anno de 1297 pela concordata, ou tratado de Alcanisses, que fez ElRey D. Diniz com ElRey D. Fernando IV. de Castella. Pela margem do mesmo Guadiana está Jurumenha, e depois segue-se
31 Elvas, fronteira a Badajoz, donde dista tres leguas, e duas da ribeira do Caya, que divide Castella de Portugal. He Praça bem fortificada, e de notavel aqueducto. Para diante logo duas leguas está a Praça de
32 Campo-Mayor em huma grande planicie muy bem fortificada ao moderno com lago de agua nativa no seu fosso. Daqui para diante seguem-se Arronches, Alegrete, Portalegre, Marvaõ, Castello de Vide, e Montalvaõ, Praças todas fronteiras de Castella. Faz por aqui o Tejo a separaçaõ das duas Provincias Alentejo, e Beira, entrando, ou correndo por entre Malpica, e Monforte. Passando o Tejo, a primeira Praça, que se encontra na Beira, indo por esta parte, he
33 Rosmaninhal, que de huma parte está fortificada com o Tejo, e de outro lado com o rio Elja, que faz aqui sua foz. No demais he cercada de espessura, que a faz muy defensavel. Para diante duas leguas junto ao rio Elja está a Villa de
[Pg 39]
34 Segura com seu Castello pequeno, porém que descortina bem o campo. Vem por aqui o Elja fazendo a raya terminativa de Portugal, e Castella de Norte a Sul. Adiante para o Norte legua e meya está a Villa de
35 Salvaterra da Beira com Castello forte bem descortinado, e guarnecido de presidio. Tem opposta a Villa de Sarça, e tambem mais para dentro a Villa de Alcantara, Praça de armas Castelhana, que se oppoem às tres Villas nossas Salvaterra, Segura, e Rosmaninhal. Nas costas de Salvaterra cinco leguas fica Idanha nova, cuja aspereza de sitio serve de fortaleza. Caminhando tres leguas para o Nascente, segue-se
36 Penagarcia com Castello forte sobre penhasco. Tem humas montanhas, que lhe servem de grande defensa, e confiança contra qualquer temeridade inimiga, que intentar invadirnos por aqui. Nas costas de Penagarcia está situada
37 Idanha a velha quasi em peninsula, que fórma o rio Ponsul: he sitio doentio, mas tem muros fortes. Na distancia de huma legua segue-se a Villa de
38 Monsanto com seu Castello fundado em hum monte das mais raras asperezas, e altura, que dizem ha em Hespanha, porque se despenha a todos os lados por mais de meya legua. Tem esta Villa a singularidade de que sendo sitiada desde donde lhe podem deitar o cordaõ, póde para dentro delle lavrar paõ, vinho, e azeite para se sustentar, sem o inimigo lho poder impedir: por isso entre os Castelhanos anda hum adagio, que diz: Monsanto, Monsanto, orejas de mulo, el que te ganare, ganar puede el mundo; e já os Romanos a tiveraõ sete annos de cerco. Tem por opposto o Castello de Trebejo. Passadas tres leguas, segue-se ao Norte.
39 Penamacor, cuja Villa, e Castello está sobre hum eminente penhasco, e he por sitio inexpugnavel.[Pg 40] Oppoemse-lhe o Castello de Elges. A tres leguas de Penamacor está a Villa do
40 Sabugal com muito bom Castello, e detrás delle a Villa de Sortelha inexpugnavel. Do Tejo até perto do Sabugal se corre a raya com Castella de Norte a Sul, e desde o Lugar de Meimaõ corre Leste Oeste pela serra de Malcata até o Lugar de Lagiosa, quatro leguas do Sabugal. De Lagiosa até o Douro corre a raya Nornordeste a Susudueste, e onde começa a fazerse esta raya fica a Villa, e Praça de
41 Alfayates, tres leguas do Sabugal. Sendo Governador desta Praça o Capitaõ Braz Garcia Mascarenhas, foy cercada com gyro de 4680 pés geometricos, excepto as voltas dos baluartes, que tem altura de vinte e cinco pés. Foy obra de importancia. Tem por oppostos os Castellos de Payo, e Albergaria. Seguem-se Villar-Mayor, e Castello Mendo, duas leguas em distancia hum do outro, indo sempre ao Norte. Outras duas para diante está Castello Bom, e mais outras duas a Praça de
42 Almeida, a quem faz frente Cidade Rodrigo. He das melhores Praças do Reino. Está em huma campina raza, que se descobre por alcance de vista desde huma legua; e com ser terra chã, se descobrem della terras de onze Bispados, Lamego, Guarda, Coimbra, Viseu, Braga, Miranda, Porto, Coria, Ciudad Rodrigo, Placencia, e Salamanca. Na mayor eminencia tem sua fortaleza, que domina bastantemente o terreno. Tres leguas para o Norte segue-se
43 Castel-Rodrigo em sitio alto, e forte. Tem esta Villa as armas Reaes deste Reino ao revés o elmo para baixo, por naõ querer dar entrada a ElRey D. Joaõ I. passando por alli para Chaves, porque seus moradores seguiaõ o partido da Rainha de Castella Dona Brites. Acabada de costear a Provincia da Beira, se passa aqui o Douro, que a divide de[Pg 41] Tras os Montes, onde vemos logo o Castello d’Alva, e Freixo de Espadacinta em sitio baixo, mas com cinco torres, e fortaleza grandiosa. Segue-se o Mogadouro, a Bemposta, Penas-Royas, Algoso, terras todas fronteiras do Reino de Leaõ. Depois segue-se
44 Miranda do Douro collocada sobre asperos penhascos, a quem o rio, que lhe dá o nome, a separa pelo Nascente de Castella. Tem bom Castello com artelharia, e faz frente a Carvalhaes. Segue-se Vimioso, Outeiro, cinco leguas cada huma de Miranda; e contaremos nove, se passarmos daqui Nornoroeste a
45 Bragança, a qual existe nas margens do rio Fervença, que a aparta da raya de Galiza, tendo por opposta a Puebla de Senabria na distancia de quatro leguas. Seguem-se já na raya de Galiza
46 Vinhaes, Monforte do Rio livre, Chaves, Montalegre; e avisinhando pelo rio Lima, deixando a serra do Maraõ, e entrando na do Gerez, em cujo encontro se dividem as duas Provincias Minho, e Tras os Montes, se avistaõ nesta linha alguns Castellos, como o de Lanhoso em correspondencia da fortaleza de Araujo; o Castello da Nobrega com as terras de Entrimo por fronteiras; o Castello de Lindoso, a quem se oppoem o Lugar de Ferreiros; o Castello Laboreiro, que tem por opposto o da Lobeira, tudo na raya de Galiza fronteira do Minho. Segue-se a Villa de
47 Melgaço com excellente Castello, a quem se oppoem os Lugares Crecente, Fornelos, e outros. Legua e meya para diante Valladares, que tem oppostos em Galiza os Lugares de Cella, e Marcella. Outra legua e meya está Monçaõ em sitio eminente. Huma legua para diante segue-se Lapella, e outra
48 Valença fronteira à Cidade de Tuy. Logo outras duas leguas se offerece Villa-Nova de Cerveira, fundada, e cercada de muros de cantaria. Oppoem-se[Pg 42] ao Lugar da Barca de Goyaõ, presidio Galiziano; e daqui outras duas leguas se encontra outra vez com Caminha, donde principiámos o gyro desta demarcaçaõ.
1 Muitas foraõ as repartições, que antigamente houve neste nosso Paiz. Antes de conquistarem, e habitar Hespanha os Cartaginezes, e Romanos, toda ella estava dividida em muitas Provincias de póvos agrestes, que debaixo do nome geral de Ibéros se dividiaõ em Turdetanos, Celtas, Cantabros, Turdulos, e infinitos outros, de que depois trataremos. Vieraõ os Cartaginezes, e como se confederaraõ com a mayor parte daquellas gentes, conservaraõ as repartições das suas Comarcas.
2 Porém tanto que os Romanos metteraõ o pé em Hespanha, e começaraõ a contender com os Cartaginezes sobre o dominio das terras, que foy pelos annos 557 da fundaçaõ de Roma, dividiraõ toda ella em duas partes, a que chamaraõ Hespanha citerior, e Hespanha ulterior.[148] A citerior ficava para a parte de Italia, ou mais oriental ao rio Ebro, e foy a que os Romanos mais habitaraõ: a ulterior he a que ficava para o lado occidental do mesmo rio, e ficou na sujeiçaõ dos Cartaginezes. Todavia esta repartiçaõ se variava pela Republica Romana, conforme parecia aos seus interesses, accrescentando,[Pg 43] ou diminuindo as terras de huma, ou de outra parte.
3 Acabou finalmente Octaviano Augusto de vencer na celebrada guerra Cantabrica aquelles Póvos, e mudando-lhes o governo, e limites, dividio a Hespanha em tres Provincias, a saber: Lusitanica, Betica, e Tarraconense. A Lusitanica incluia a mayor parte do que hoje chamamos Portugal, com outras muitas terras, que hoje pertencem ao Reino de Leaõ, e Provincia da Estremadura Castelhana. O rio Douro a separava pelo lado septentrional da Tarraconense; pelo oriental huma linha, que sahia do Douro quasi naquella parte, donde se incorpora com o rio Pisuerga, a qual linha descia a buscar o Guadiana, e este depois dividia a Lusitania da Betica até entrar no Oceano, cuja costa cercava o restante da Lusitania.
4 Nesta divisaõ de Augusto se confundiraõ os limites da primitiva Lusitania; porque elles começavaõ na foz do rio Tejo, e desde alli corria até o cabo de Finis terræ, e aquelle espaço depois situado entre os rios Tejo, e Guadiana, a que hoje chamamos Alentejo, e Algarve, naõ se chamava Lusitania, mas sim Celtica. Da mesma fórma padeceraõ alteraçaõ os confins da Betica, e Tarraconense, e daqui nasce a confusaõ entre os Authores como bem advertio o estudiosissimo Padre Argote.[149]
5 Corria o anno de Christo 118, quando o Imperador Elio Adriano, visitando as terras do seu Imperio, dividio a Hespanha em seis Provincias: Tarraconense, Cartaginense, Betica, Lusitania, Galiza, e Tingitania; e nesta divisaõ a Provincia do Minho ficava fóra da Lusitania, e se incluia na de Galiza, como bem mostra Floriaõ do Campo com[Pg 44] particularidade, e certeza.[150] Constantino Magno fez outra divisaõ em sete Provincias, mas sem alterar as demarcações anteriores. Outras divisões querem alguns que fizessem os Romanos, mas saõ dubias.
6 O que temos por certo he, que os Romanos além destas repartições tinhaõ dividida cada huma das Provincias em Chancellarias, a que chamavaõ Conventos Juridicos, collocados nas Cidades mais insignes da Provincia, às quaes acudiaõ os póvos da Comarca para administraçaõ da justiça. Destes Conventos Juridicos, a que correspondem hoje as nossas Relações, havia quatorze em toda Hespanha: as que tocaraõ às nossas terras, foraõ tres: Braga, Béja, e Santarem.
7 Havia tambem algumas Cidades privilegiadas com o titulo de Municipios. Colonias eraõ aquellas, que tinhaõ sido fundadas por familias Romanas, e taes foraõ em nosso terreno Béja, e Santarem, além de outras tres, que hoje nos naõ pertencem, e gozavaõ seus Cidadãos do privilegio de Cidadãos Romanos. Municipios eraõ os que se governavaõ por Leys proprias, e estes foraõ Lisboa, Evora, Mertola, e Alcacer do Sal.
8 Extincto o dominio Romano, invadiraõ os Barbaros as Hespanhas o anno de 409 depois de Christo, e daqui por diante se alteraraõ notavelmente os limites das nossas Provincias em todas as subsequentes sujeições até o reinado delRey D. Fernando o Magno, o qual falleceo no anno de 1067, deixando repartido entre seus filhos as terras dos seus dominios; e cabendo as de Portugal a ElRey D. Garcia, desde entaõ se principiou a chamar Portugal[Pg 45] o que era Lusitania. Declaradas pois as divisões antigas, passemos a expressar as modernas.
[148] Tit. Liv. lib. 36. cap. 28. Mela lib. 2. cap. 6. Solin. cap. 23. Strab. lib. 3. pag. 166.
[149] P. Argot. Antiguid. da Chancel. de Brag. p. 38. e nas Mem. do Arceb. de Brag. pag. 40. e 41.
[150] Isaac Vossio nas Notas a Pompon. Mela liv. 2. cap. 6. Flor. do Camp. liv. 1 cap. 3. Moral. liv. 7. cap. 2. Osorius ao Prolog. de reb Emman. Resend. Antiq. lib. 3. Estaç. Antig. de Portug. cap. 19. e 20. Plin. lib. 4. cap. 20. Volaterran. Geograph. lib. 1. Barreir. Corograf. pag. 90. Joaõ Salgad. Success. Milit. p. 168. vers.
1 Presentemente se divide Portugal em seis Provincias, ou Regiões: duas ficaõ na parte septentrional, e se chamaõ Entre Douro e Minho, e Tras os Montes: duas no coraçaõ do Reino, chamadas Beira, e Estremadura: e outras duas na parte Meridional, a que chamaõ Alentejo, e Algarve, que tambem logra o titulo de Reino. Cada Provincia destas se subdivide em Comarcas, ou Ouvidorias, para boa administraçaõ da justiça; e cada Comarca tem debaixo da sua jurisdiçaõ certo numero de Villas, e Lugares, em que existem seus Juizes, que governaõ subordinados aos Corregedores das Comarcas. Supposta esta prejacente noticia, entremos a descrever a primeira Regiaõ da parte do Norte, chamada
2 Como esta Provincia está encerrada entre as famosas correntes dos dous rios Douro, e Minho no Occidente septentrional de Hespanha, da tal situaçaõ tomou nome de Entre Douro, e Minho, que em Latim se diz Interamnensis, ou Duriminea. Quasi todos os Geografos[151] lhe daõ de[Pg 46] comprido de Norte a Sul dezoito leguas, e de Nascente a Poente doze de largo na sua mayor largura, porque em algumas partes naõ tem mais que oito.
3 Confina esta Provincia da banda do Meyo dia com o rio Douro, que a separa da Beira: da banda do Occidente parte com o mar Oceano, começando em S. Joaõ da Foz, e acabando na Villa de Caminha, onde o rio Minho divide Portugal de Galiza. Dahi para cima, que he a parte do Norte, vay pelo dito rio até o termo da Villa de Monçaõ, e alli passa o termo de Galiza o rio Minho, e se reparte por marcos até o Castello de Castro-Laboreiro, que saõ doze leguas desde a Villa de Caminha. Dalli atravessa o resto pelo monte do Gerez, que está da parte do Nascente, e vay pela terra de Barrozo até à ponte de Cavez, que está no rio Tamega, e dahi pelo rio abaixo até à Villa de Amarante; e deixando o rio, vay pelo monte do Bayaõ dar no Douro, donde começámos.
4 O clima he o mais temperado, porque está entre o parallelo de 41 e 42 gráos de altura do Polo Arctico. Daqui nasce, que sendo taõ pequena esta Regiaõ, he summamente fertil; e a benignidade dos seus ares, a affluencia dos seus rios, as abundancias, e delicias dos seus campos comprovaõ a fama do seu admiravel temperamento; donde se animou a dizer Manoel de Faria,[152] que se no mundo houve Campos Elysios, existiraõ nesta Provincia; e se os naõ houve, merecia que sómente os houvesse nella, se he que este titulo se deve dar a sitio ameno, e delicioso.
5 Assim o vemos, porque a mayor parte desta Provincia está sempre cheya de arvoredos de todo o genero, que organizaõ hum continuado bosque perpetuo, e muy aprazivel, composto de loureiros,[Pg 47] azinheiros, platanos, buxos, murtas, teixos, pinheiros, e ciprestes, que todos nem de Inverno perdem a folha, além de castanheiros, carvalhos, sovereiros, e outras arvores, donde se criaõ as mais robustas madeiras do mundo,[153] taõ ferteis, que ha castanheiro, que dá trinta, e quarenta alqueires de castanha, e ainda hum moyo, como affirma Joaõ Salgado de Araujo:[154] pé de vide em latada, ou em arvore, que dá pipa de vinho: pé de nogueira, que dá moyo de noz: larangeira, que dá cinco carros de laranja: pé de carvalho, que dá meyo moyo de bolota; e alguns taõ grandes, que naõ o abrangem quatro homens, como he na quinta de Mouro de S. Joaõ de Ataens da Villa de Pica de Regalados. Testifica o Doutor Joaõ de Barros na Descripçaõ, que fez desta Provincia, capitulo 7, que vira hum, em cujo oco cabiaõ cincoenta cabras, e outro, onde cabiaõ dez homens a cavallo, dando por testimunha ao Marquez de Villa-Real, que foy huma das pessoas, que entrara dentro, o que parece encarecimento, posto que o mesmo escreve Manoel de Faria.[155]
6 Esta abundancia he igual em tudo. De boys, e vacas sustenta quatrocentos mil, e mais de hum milhaõ de ovelhas, e carneiros, segundo dizem Duarte Nunes,[156] e outros. O Doutor Joaõ de Barros, sendo Ouvidor de Braga o anno de 1500 e tantos, diz, que por ordem delRey mandara fazer a conta do gado, que havia só no termo daquella Cidade, e achara treze mil cabeças de gado meudo, e de boys, e vacas onze mil. A mesma fecundidade corresponde a todo o genero de caça, carnes, e peixes, tudo de excellente sabor, principalmente havendo tantos rios povoados de gostosos salmões, lampreas,[Pg 48] trutas, salmonetes, sáveis, bogas, e tainhas, com infinitos outros igualmente admiraveis. Criaõ-se tambem todo o genero de legumes, e hortaliça: tem muito mel, e lacticinios, muito milho, o paõ que basta, e até minas de ouro, prata, ferro, e estanho. Lavra-se o linho mais fino, de que se fabrîca o panno branco muy estimado na Europa. Só azeite ha pouco nesta Provincia, naõ porque a terra deixe de criar oliveiras, mas porque naõ as plantaõ; porque lisongeados os seus naturaes com o prestimo, e sabor do chamado unto, de que usaõ tanto nos guizados, como às vezes nas luzes, esqueceraõ-se de as cultivar.
7 Saõ seus habitadores de fecundissima propagaçaõ, e larga vida; e até nos tempos, que a natureza constitue estereis, saõ aqui fecundas as mulheres. Muitos exemplos, e casos ajuntou para confirmaçaõ desta raridade, e excellencia Gaspar Estaço,[157] e Antonio de Sousa de Macedo.[158] Basta dizer, que da gente innumeravel, que naõ póde sustentar este Paiz, se tem povoado o mundo, e com especialidade o Brasil, e as Minas, e que he mais a gente, que a terra, onde naõ ha parte alguma, em que se naõ ouça tanger algum sino, e cantar hum galo.[159] Parece toda a Provincia huma Cidade continuada.
8 Conduz muito para esta geral fertilidade a grande copia de boas aguas, que, como se esta Regiaõ fora toda perenne tanque, assim brota, e rega seus campos, e pomares por vinte e cinco mil fontes,[160] e innumeraveis rios grandes, e pequenos; sendo os de mayor nome os seguintes: Ave, Basto, Benade, Biturim, Cabraõ, Caldas, Campanhaõ, Cávado, Celho, Celinho, Coa, Cosme, Coura, Deiriz,[Pg 49] este, Dolo, Douro, Enfesta, Ensalde, Fato, Ferreira, Fulias, Gadanha, Gifães, Gogim, Herdeiro, Homem, Landim, Lavoreiro, Leça, Lima, Locia, Maçarelos Mejavelhas, Melres, Minho, Moles, Mouro, Neiva, Olo, Ovelha, Ouvir, Pontido, Prado, Ramada, Rellas, Siguelos, Sousa, Tamega, Taveira, Teixeira, Torto, Trovella, Tua, Valengo, Vargeas, Veadões, Vez, Vizella, Zezere pequeno, e outros, que se diffundem nos capitaes.
9 Duzentas saõ as pontes de cantaria, a que estes rios obedecem, e as mais famosas a de Cavez muy larga, e muy alta, com cinco arcos de pedras taõ admiravelmente lavradas, que todas saõ de hum tamanho: a de Mondim com seis arcos: a de Amarante feita por diligencias de S. Gonçalo; e outras muitas. Contaõse-lhe seis portos de mar capazes de receber navios: Caminha, Viana, Esposende, Leça, Villa do Conde, Porto.
10 As Praças de armas cercadas, e acastelladas saõ dezaseis: Porto, S. Joaõ da Foz, Villa do Conde, Viana, Caminha, Villa-Nova, Valença, Lapela, Monçaõ, Melgaço, Castelo Lavoreiro, Lindozo, Nobrega, Lanhozo, Aguiar de Pena, Celorico de Basto; e pelo Certaõ tem: Braga, Guimarães, Ponte de Lima, e Barcellos, de todas as quaes se faz pleito, e omenagem. E segundo o calculo de Joaõ Salgado de Araujo,[161] tinha no anno de 1644 seis mil homens capazes de tomar armas. Mas pelo que toca ao militar, accrescento huma singularidade desta Provincia, e he, que pelos muitos rios menores, que comprehende, pontes delles, barcas dos mayores, e grande abundancia de bosques, sem duvida que causará huma grande difficuldade para se deixar penetrar de inimigos; e já estes embaraços remiraõ muitas vezes este Paiz da invasaõ dos Romanos, aos quaes lhe custou tempo, trabalho, e gente a sua conquista,[Pg 50] quando tudo rendiaõ suas armas entaõ vitoriosas contra as mais nações do mundo todo.
11 Pelo que pertence ao estado Ecclesiastico, ha nesta Provincia duas Igrejas Cathedraes: Braga Arcebispado, e Porto Bispado. Cinco Collegiadas: Guimarães, Barcellos, Valença, Cedofeita, Viana. Paroquias, conforme o calculo de alguns Authores,[162] tem 1460, e de outros tem 1500.[163] Conventos, e Mosteiros de diversas Ordens mais de 150. De Ermidas, e Igrejas naõ Paroquiaes hum grande numero. Corpos de Santos, que venera, tem quatorze. Santos nacionaes tem grande quantidade: S. Damazo, S. Gonçalo de Amarante, S. Torcato, S. Pedro de Rates, S. Gerardo, S. Vitouro, S. Frutuoso, S. Martinho de Dume, S. Rozendo, Santa Senhorinha, Santa Suzana, o Irmaõ Pedro de Basto, e outros muitos, de que o Agiologio Lusitano faz memoria. De homens insignes já em letras, já em armas tem produzido, e produz numero grandissimo, de que nós, quando fallarmos das suas patrias particulares, nos lembraremos.
12 Naõ he para esquecer huma excellente gloria, que esta Provincia tem, qual he darse nella principio à vida Eremitica muitos annos antes que S. Paulo primeiro Ermitaõ a introduzisse no Reino; pois sendo S. Felix o que deu sepultura a S. Pedro de Rates, como consta das suas Lições, e que vivia nos desertos desta Provincia em hum alto monte de S. Miguel de Laundos, Abbadia da Villa de Esposende,[164] fica precedendo S. Felix a S. Paulo o que vay do anno 46, em que morreo S. Pedro de Rates, ao de 300 em que floreceo S. Paulo. A causa porém, que houve para chamar a S.[Pg 51] Paulo primeiro Ermitaõ, veja-se no Agiologio Lusitano tom. 1.
13 Divide-se finalmente esta Provincia em seis Comarcas, que vem a ser: Guimarães, Braga, Porto, Viana, Barcellos, e Valença. Cada huma dellas tem varias povoações debaixo de sua jurisdiçaõ. Tudo desta Provincia resumio nestas duas estancias a Musa de hum engenho Hespanhol:
Es Entre Duero, y Miño la primera
Porcion del Reyno, en rios muy bañada,
Donde Braga magnanima prospéra
De los Brachatos hija sublimada.
Al Romano dificil, y guerrera:
A los de Porto altiva, y respetada:
De Augusto honor, Juridico Convento,
Corte Sueva, y Arçobispal assiento.
Del Duero ilustra el margen atractivo
Porto, que de Gatelo pueblo raro
Dandole a Portugal nombre preclaro.
Guimarães Villa es noble, y primitivo
Solio de Reys Lusos. Tiene claro
Timbre Puente de Lima: altas bellezas
Viana, de partido ambas cabeças.
[Pg 52]
I. Guimarães Correiçaõ consta de | 5 Villas. | Aguiar da Penha, Amarante, Canaveses, Guimarães, Povoa. |
19 Concelhos. | Atey, Cabeceiras de Basto, Celorico de Basto, Santa Cruz de Riba Tamega, Felgueiras, Gestaço, Gouvea de Riba Tamega, Hermello, S. Joaõ de Rey, Lanhoso, Mondim, Montelongo, Ribeira de Pena, Ribeira de Soás, Roças, Serva, Vieira, Villaboa da Roda, Unhaõ. | |
14 Coutos. | Abbadim, Fonte Arcada, Mancelos, Moreira de Rey, Parada de Bouro, Pedraido,Pombeiro, Pousadela, Refoyos de Basto, Taboado, Tibães, Travanca, Tugas, Vimieiro. | |
4 Honras. | Cepães, Meinedo, Ovelha, Villacahiz. | |
1 Julgado. | Lagiosa.[Pg 53] | |
II. Viana Correiçaõ consta de | 7 Villas. | Arcos de Valdevez, Monçaõ, Ponte da Barca, Ponte de Lima, Prado, Viana, Villanova de Cerveira. |
12 Concelhos. | Albergaria de Penella, Bouro, Coura, Entre Homem e Cávado, Geraz do Lima, Lindoso, Santa Martha do Bouro, Santo Estevaõ da Faxa, Soajó, Souto de Rebordaõs, Villa Garcia, Pica de Regalados. | |
15 Coutos. | Aboim da Nobrega, Azevedo, Baldreu, Boilhosa, Bouro, Cervães ou Villar de Areas, S. Fins, Freiriz, Luzio, Manhente, Nogueira, Queimada, Sabariz, Souto, Rendufe. | |
III. Barcellos Ouvidoria consta de | 7 Villas. | Barcellos, Castro Laboreiro, Esposende, Famelicaõ, Melgaço, Rates, Villa do Conde. |
3 Concelhos. | Larim, Portella das Cabras, Villachã. | |
5 Coutos. | Cornelã, Fragoso, Gondufe, Palmeira, Villar de Frades. | |
1 Julgado. | Vermoim. | |
1 Honra. | Fralães.[Pg 54] | |
IV. Valença Ouvidoria consta de | 3 Villas. | Caminha, Valença, Valadares. |
2 Coutos. | Feães, Paderne. | |
V. Braga Ouvidoria consta de | 1 Cidade. | Braga. |
13 Coutos. | Arentim, Cabaços, Cambezes, Capareiros, Dornelas, Ervededo, Feitosa, Goivães, Moure, Pedralva, Provesende, Pulha, Ribatua. | |
VI. Porto Correiçaõ consta de | 1 Cidade. | Porto. |
3 Villas. | Melres, Povoa de Varzim, Villanova. | |
13 Concelhos. | Aguiar de Sousa, Avintes, Bayaõ, Bemviver, Gaya, Gondomar, Lousada, Maya, Penafiel de Sousa, Penaguiaõ, Portocarreiro, Refoyos de Ribadave, Soalhães. | |
7 Coutos. | Ansede, Entre ambos os rios, Ferreira, Meinedo, Paço de Sousa, Pendorada, Villaboa de Quires. | |
6 Behetr. e Honras. | Baltar, Barbosa, Frasaõ, Gallegos, Louredo, Sabrosa. |
[Pg 55]
1 A Segunda Regiaõ, ou Provincia do Reino, he chamada Tras os Montes, porque do Reino de Galiza até o Douro de Norte a Sul atravessaõ huns montes muy altos, que parece estaõ cercando a Provincia do Minho, como fazem os Alpes a Italia; e saõ de tanta eminencia estes montes, que em muitas partes tem huma legua de subida aspera, como se experimenta nas serranias do Gerez, e altura do Maraõ; e assim havendo respeito ao Minho, fica esta Provincia além daquelles montes, que lhe deraõ o nome.
2 Sua demarcaçaõ costuma fazerse da Portela de Homem pela banda do Norte até à ponte de Cavez; e continuando do Poente pelo rio Tamega até entrar no Douro, faz este a divisaõ com a Provincia da Beira até Vilvestre. Daqui olhando para o Norte, o mesmo rio Douro a aparta do Reino de Leaõ até quatro leguas depois de se chegar a Miranda; e daqui por divisas, e marcos até dar no rio Maçaõ naõ longe de Maid, onde inclina a Poente com a serra chamada de Teixeira, e as de Senabria, e Gerez até vir incorporarse onde começou.
3 O commum dos Geografos[165] dá a esta Provincia trinta leguas de comprido, e vinte de largo; porém o Abbade de Pera[166] diz, que naõ fizeraõ boa mediçaõ; porque da Portella de Homem até Urros defronte de Vilvestre saõ trinta e quatro leguas, e de Canavezes até o rio Maçaõ fazem trinta e seis (he erro, porque verdadeiramente naõ devem ser mais que vinte e seis conforme os Mappas de Fernaõ Alvares Seco, e Pedro Teixeira) e assim lhe dá de circuito cento e trinta leguas.
[Pg 56]
4 Muito mal se informou Floriaõ do Campo naõ só na demarcaçaõ, que dá a esta Provincia, mas em dizer que he terra infrutifera; porque supposto naõ ser taõ fertil como Entre Douro e Minho, a verdade he haver aqui muitos valles deliciosos, e muitas Villas abastadas de paõ, vinho, azeite, mel, frutas, gados, caças, legumes, e sedas. Tal he a Villa de Chaves muy amena, na qual habitaraõ os Romanos muito tempo, por ser boa terra, e Villa-Real e outros muitos Lugares desta Regiaõ: só de frutas de espinho naõ tem abundancia.
5 O clima naõ ha duvida, que he frio em extremo: tem nove mezes de Inverno, e tres de Veraõ ardentissimo, por naõ ser arejada do Norte, que embaça nas montanhas, e com tudo he terra sadia, e de boas aguas, excepto em Bragança, e Miranda, que saõ pessimas. Os rios mais nomeados saõ estes: Angueira, Alvedrinha, Azibo, Beça, Corgo, Caldo, Calvo, Douro, Fervença, Frio, Fresno, Lobos, Maçaõ, Mente, Pinhaõ, Rabaçal, Sabor, Tamega, Tinhella, Tua, Tuella, Villariça, Vellarva, Zacharias. Fontes medicinaes tem quarenta e tres.
6 A gente, que habita esta Provincia, he pela mayor parte robusta, e corpulenta: as pessoas nobres saõ dotadas de grande primor, e brio; muy valentes, e honrados; aptos para a guerra, e tem grande exercicio da gineta, e brida, em que fazem sumptuosas festas. Saõ muy devotos da Igreja, e veneraõ com estimaçaõ a seus Ministros: conservaõ as amizades, e com os estranhos saõ attenciosos. As mulheres nobres tem grande recolhimento, as outras ajudaõ a cultivar as terras a seus maridos, e às vezes mais trabalhaõ ellas que elles: em fim diz o Abbade Joaõ Salgado de Araujo, que naõ se sabe desta Provincia vicio algum nativo della.
7 Inclue esta Provincia duas Cidades: Miranda, que tem Bispo, e Bragança, que o naõ tem. Ha tres Igrejas, que parecem Collegiadas: Chaves,[Pg 57] illa-Real, e Torre de Moncorvo, e consta de muitas Abbadias, Reitorias, e Vigairarias. As Villas, que tem fortalezas confinantes com Galiza, e Castella, saõ estas: Montalegre, Erveredo, Chaves, Monforte do rio livre, Bragança, Outeiro, Miranda, Folgoso, Penas de Royas, Mogadouro, Freixo de Espadacinta, e de todas se dá omenagem.
8 Divide-se finalmente esta Provincia em quatro Correições: Moncorvo, Miranda, Bragança, e Villa-Real. Servem de epitome das suas grandezas estas duas Oitavas:
Es Tras los Montes la porcion segunda
De heroicas poblaciones adornada,
Donde Miranda Episcopal se funda
Sobre peñascos bien encastillada.
DelRey Brigo Bragança hija segunda,
De la Inez bella, como desdichada,
Talamo, en llano delicioso brilla,
De esclarecidos Duques alta silla.
Entre otras Villas sale floreciente
La Torre de Moncorvo; la apacible
Villa-Flor: Mirandela con gran puente:
Belica Chaves, Villa-Real plausible,
Freixo de Espadacinta muy valiente,
Alfandega da Fé apeticible,
Mascareñas en frutas deliciosa
Fertil Chacim, y en trato generosa.
[Pg 58]
I. Torre do Moncorvo Correiçaõ consta de | 26 Villas. | Abreiro, Agua revez, Alfandega da Fé, Anciães, Castro-Vicente, Chacim, Cortiços, Frechas, Freixiel, Freixo de Espadacinta Lamas de Orelhaõ, Linhares, Moncorvo, Mirandella, Monforte de rio livre, Mós, Murça de Panoya, Nuzellos, Pinhovelo, Sampayo, Sezulfe, Torre de D. Chama, Valdasnes, Villas-boas, Villaflor, Villarinho da Castanheira. |
II. Miranda. Correiçaõ consta de | 1 Cidade. | Miranda. |
14 Villas. | Algoso, Azinhoso, Bemposta, Carrocedo, Failde,Frieira, Mogadoiro, Penas de Royas, Rebordainhos, Sanseriz, Val de Passó, Vilar seco da Lomba, Vimioso, Vinhaes. | |
III. Bragança Ouvidoria consta de | 1 Cidade. | Bragança. |
10 Villas. | Chaves, Ervedosa, Gustey, Montalegre, Outeiro, Rebordãos, Ruivães, Val de Nogueira, Val de Prados, Villafranca.[Pg 59] | |
IV. Villa-Real Ouvidoria consta de | 9 Villas, e Coutos. | Alijó, Dornellas, Ervededo, Favayos, Lordelo, S. Mamede de Riba-Tua, Provezende, Ranhados, Villa-Real. |
2 Honras. | Gallegos, Sobrosa. |
1 Quasi no coraçaõ do Reino está situada esta Provincia, e com a extensaõ de trinta e quatro leguas desde Punhete até Villa-Nova do Porto; e se contarmos de Buarcos até Val de la mula, saõ trinta e seis, e de Punhete até a foz do Agueda saõ quarenta e cinco, e da foz do Douro até Rosmaninhal fazem cincoenta e huma. Por esta demarcaçaõ, que o Abbade de Pera tem por certa, e exacta, vem a ter esta Provincia de circumferencia duzentas leguas pouco mais, ou menos, com o que torce para costear a Estremadura; porém commummente se lhe dá trinta e seis leguas de comprido, e outro tanto de largo, e assim fórma huma figura quasi quadrada, tendo algumas entradas em Alentejo, e Estremadura Lusitana.
2 Confina pelo Oriente com a Estremadura Castelhana, e Leoneza, e parte da Provincia de Tras os Montes, cujos limites continúa pelo Norte com os da Regiaõ de Entre Douro, e Minho. Pelo Occidente recebe as aguas do Oceano, e pelo Meyo Dia confina com a Estremadura de Portugal, e Alentejo. Chama-se Beira, ou porque seus primeiros habitadores se chamavaõ Berones, como diz Fr. Bernardo de Brito,[167] ou porque respeitando-se a sua[Pg 60] situaçaõ, por ser toda cercada de agua dos rios Douro, Tejo, Coa, e Oceano, significa o mesmo que Margem, Borda, ou Beira.[168] Joaõ Salgado diz, que o seu verdadeiro nome he Vera, que se converteo em Beira.
3 Reparte-se em duas largas porções de terra: huma, que se diffunde desde a Serra da Estrella até o rio Tejo, e se diz Beira baixa: outra, que desde a mesma Serra se espalha até o rio Douro, e desde a Cidade de Coimbra até a do Porto, que aqui se diz Beiramar, e no restante Beira alta.[169] Esta dilatada extensaõ de terreno grangeou a esta Provincia o honroso titulo de Principado, que desde o anno de 1734 anda nos netos primogenitos dos Monarcas Portuguezes.[170]
4 He terra muy fertil de centeyo, milho, castanha, vinho, gados, caças, e gostosos peixes, produzindo a amenidade deste Paiz toda a diversidade de saborosissimas frutas, especialmente os celebrados verdeaes de Inverno, ajudando muito para esta abundancia a grande copia de aguas de fontes, e rios, sendo os mais nomeados os seguintes: Agueda, Alva, Alfusqueiro, Aravil, Arda, Balsamaõ, Berosa, Ceira, Coa, Daõ, Dansos, Douro, Elja, Freixiandas, Lomba, Lorveo, Marnel, Mondego, Paiva, Ponsul, Ramalhoso, Sardaõ, Soberbo, Tourões, Tripeiro, Veroza, Vouga, Xudruro, Zezere.
5 Tem produzido esta Provincia homens famosissimos. Daqui foy ElRey Wamba, e o valeroso Viriato, posto que Entre Douro e Minho contenda sobre a naturalidade deste segundo; porque diz o Gerudense, que os Soldados, que aquelle insigne Capitaõ trazia comsigo, eraõ Duriminios. Os mais daquelles celebrados aventureiros, que foraõ a Inglaterra[Pg 61] em defensa das doze Damas motejadas de feyas, daqui eraõ naturaes, como tambem o foraõ oito Reys Portuguezes, dous Sanchos, tres Affonsos, D. Pedro, D. Fernando, e D. Duarte; e por naõ se gloriar só do nascimento, honra-se naõ pouco de ser conservatorio de tres corpos veneraveis, e Regios, como he o delRey D. Affonso Henriques, da Rainha Santa Isabel, e de D. Sancho I, e tambem do delRey D. Rodrigo, ultimo Rey Godo.
6 Manoel de Faria mal affecto porém à gente desta Regiaõ, com injurioso conceito critíca absolutamente a todos os nacionaes della de pedintes, e de pouco asseados.[171] O defeito particular de alguns individuos naõ deve ser motivo para deteriorar a opiniaõ commua de huma Provincia inteira. Eu bem sey que já Fr. Bernardo de Brito,[172] tratando dos antigos habitadores da Serra da Estrella, chamados Herminios, diz, que eraõ homens asperos, e duros de condiçaõ, indomitos pelas armas, muy rusticos no traje, e modo de vestir, amigos de roubar o alheyo, e pouco fieis no que tratavaõ; porém a cultura dos tempos, e a mesma experiencia tem mostrado quanto se deve desvanecer este conceito, pois o que vemos hoje nos seus naturaes, principalmente nos da primeira esfera, he hum animo valente, e brioso, amigos de buscar honras, e fortuna, ou pela carreira das letras, ou das armas, em que tem feito progressos de grande credito para todo o Reino.
7 Continuando a descrever suas grandezas, incluem-se nesta Provincia cinco Cidades; quatro com Bispo: Coimbra, Viseu, Lamego, Guarda; e Aveiro modernamente erecta em Cidade, que o naõ tem. Divide-se em nove Comarcas: de quatro saõ cabeças as quatro Cidades; e das cinco he: Castello-Branco,[Pg 62] inhel, Esgueira, Montemór o velho, e Feira. Tem duzentas e trinta e quatro Villas, das quaes cincoenta e oito saõ acastelladas, além das cinco Cidades. As que confinaõ com Castella saõ estas: Castello-Branco, que no anno de 1704 foy accommettida de Castelhanos, e fica opposta à Villa de Herrera: Rosmaninhal, Segura, Salvaterra da Beira, que todas tres se oppoem à Villa de Alcantara, Praça de armas de Castella: Penagarcia, Idanha a velha, Monsanto defensavel por natureza, Proença, Belmonte, Penamacor, Sabugal, Sortelha, Alfayates, Villar-Mayor, Castello Mendo, Castello Bom, Almeida, Pinhel, Castello Rodrigo.
8 Tem mais de sete mil homens, que podem tomar armas: ha nesta Provincia a mayor porçaõ das Comendas deste Reino: sustenta mais de quarenta e quatro Conventos de Religiosos de varias Ordens, e vinte e tres de Religiosas: muitas Igrejas com Coro, em que se reza o Officio Divino: innumeraveis Abbadias, e Ermidas. Huma das singularidades, de que se póde gloriar, he comprehender as duas mais admiraveis officinas da virtude, e letras, que tem o Reino, quaes saõ Bussaco, e a Universidade de Coimbra, donde tem sahido Varões portentosos na santidade, e nas sciencias. Comprehendemos tudo succintamente nas seguintes estancias:
Es Beira, la tercera Region, que ostenta
De Viriato el nombre formidable,
Donde Coimbra Episcopal se assienta
De Mondego en la orilla deleitable.
Produxo siete Reyes opulenta
Grande en lo noble en letras admirable:
Yaze Obispal Viseu en gran llanura
[Pg 63]Del infeliz Rodrigo sepultura.
Lamego, Episcopal sale gallarda,
Aveiro en territorio es abundante.
Sobre peñascos asperos la Guarda
Con Iglesia Pastoral luze brillante.
Sin Mitra Idaña, solo el timbre guarda,
Que de Wamba adquiriò patria elegante;
Mas poblacion la nueva Idaña tiene,
Que en el sitio cercano se contiene.
Castello-Branco entre otras cobra fama:
Tentugal por la fuente, que ay en ella,
Montemayor de Brigo obra se acclama,
Fuerte Almeida, que en armas tiene estrella.
Celorico el laurel de Apolo enrama:
Por sus Duques Lafões, y Avero es bella:
Cobillan goza celebre fortuna
De la Cava fatal illustre cuna.
I.Coimbra Correiçaõ consta de | 1 Cidade. | Coimbra. |
32 Villas. | Alvaiazere, Ançã, Anciaõ, Arganil, Avó, Bobadella, Botaõ, Buarcos, Cantanhede, Carvalho, Celavisa, Cernache, Santa Comba-Daõ, Coja, Santa Christina, Esgueira, Fadeira, Fajaõ, Goes, Mira, Miranda do Corvo, Pena-Cova, Pereira, Podentes, Pombalinho, Pombeiro, Rabaçal, Redondos, Tentugal, Vacariça, Villanova de Anços, Villanova de Monçarros.[Pg 64] | |
1 Cidade. | Aveiro. | |
II. Esgueira Provedoria consta de | 26 Villas. | Aguieira, Anadia, Angeja, Assequins, Avelãs de caminho, Avelãs de cima, Bemposta, Brunhido, Eixo, Estarreja, Ferreiros, Ilhávo, S. Lourenço do Bairro, Oiz da Ribeira, Oliveira do Bairro, Paos, Prestimo, Recardães, Sangalhos, Segadães, Serem, Sousa, Trofa, Villarinho do Bairro, Vagos, Vouga. |
1 Concelho. | Fermedo. | |
1 Couto. | Esteve. | |
III. Viseu Correiçaõ consta de | 1 Cidade. | Viseu. |
22 Villas. | Alva, Banho, Candosa, Coja, Enfias, Ferreira d’Aves, Lagares, Mortagoa, Nogueira, Oliveira do Conde, Oliveira de Frades, Oliveira do Hospital, Penalva d’Alva, Perselada, Reriz, Sabugosa, Sandomil, Santa Comba-Daõ, S. Pedro do Sul, Taboa, Trapa, Tondela. | |
30 Concelhos. | Azere, Azurara, Barreiro, Besteiros, Canas de Sabugosa, Canas de Senhorim, Currellos, Folhadal, Foz de Piodaõ, Gafanhaõ, Guardaõ, Gulfar S. Joaõ de Areas, S. Joaõ do Monte, Lafões, Mões, Mouraz, Ovoa, Penalva do Castello, Pinheiro de Azere, Povolide, Ranhados, Sataõ, Senhorim, Sever, Silvares, Sinde, Tavares, Treixedo, Villacova de Subavó. | |
2 Coutos. | Maceiradaõ, Moimenta.[Pg 65] | |
IV. Feira Ouvidoria consta de | 5 Villas. | Cambra, Castanheira, Feira, Ovar, Pereira de Susaõ. |
V. Lamego Correiçaõ consta de | 1 Cidade. | Lamego. |
32 Villas. | Arcos, Armamar, Arouca, Barcos, Britiande, Castello, Castrodairo, Chavães, S. Cosmado, Fantello, Fragoas, Goujim, Granja do Tedo, Lalim, Lazarim, Leomil, Longa, Lumiares, Moimenta da Beira, Mondim, Nagosa, Parada do Bispo, Passó, Pendilho, Sande, Taboaço, Tarouca, Valdigem, Varzea da serra, Veanha, Villacova, Villaseca. | |
20 Concelhos. | Alvarenga, Aregos, Barqueiros Cabril, Caria, Couto da Ermida, S. Christovaõ da Nogueira, Ferreiros, S. Martinho de Mouros, Mossaõ, Paiva, Parada de Ester, Pera e Peva, Pezo da Regoa, Pinheiro, Rezende, Sanfins, Sinfaes, Teixeira, Tendaes.[Pg 66] | |
VI. Pinhel Correiçaõ consta de | 54 Villas. | Aguiar, Alfaiates, Algodres, Almeida, Almendra, Castanheira, Casteiçaõ, Castello bom, Castello melhor, Castello mendo, Castello-Rodrigo, Cedavim, Cinco Villas, Ervedosa, Escalhaõ, Figueiró da Granja, Fonte Arcada, Fornos, Guilheiro, Horta, S. Joaõ da Pesqueira, Lamegal, Langroiva, Marialva, Matança, Meda, Moreira, Muxagata, Nemaõ, Paradella, Paredes, Penaverde, Penedono, Penella, Pinhel, Ponto, Povoa, Ranhados, Reigada, Sernancelhe, Sindim, Soutelo, Souto, Tavora, Touça, Trancoso, Trovões, Valença do Douro, Val de coelha, Vallongo, Vargeas, Veloso, Villanova de Foscoa, Villar mayor. |
1 Concelho. | Carapito. | |
VII. Guarda Correiçaõ consta de | 1 Cidade. | Guarda. |
29 Villas. | Açores, Alvoco da Serra,Baraçal, Cabra, Castro verde, Cea, Celorico, Codeceiro Covilhã, Folgosinho, Forno-Telheiro, Gouvea, Jarmello, Lagos, Linhares, Loriga, Lourosa, Manteigas Santa Marinha, Mello, Mesquitella, Midões, Oliveirinha, Seixo, S. Romaõ, Torrozello, Vallazim, Valhelhas, Villacova. | |
1 Couto. | Mosteiro.[Pg 67] | |
VIII. Castello-Branco Correiçaõ consta de | 22 Villas. | Alpedrinha, Atalaya, Belmonte, Bemposta, Castello-Branco, Castelo novo, Idanha nova, Idanha velha, Monsanto, Penagarcia, Penamacor, Proença a velha, Rosmaninhal, Sabugal, Salvaterra do Estremo, Sarzedas, Segura, Sortelha, Touro, S. Vicente, Villa velha do Rodaõ, Zibreira. |
IX. Montemor o velho Ouvidoria consta de | 5 Villas. | Louriçal, Louzã, Montemor o velho, Penella, Serpins. |
1 Esta Provincia se fórma de huma faxa de terra, que corre desde a boca do rio Mondego até o caudaloso Tejo, e continúa pela Comarca de Setubal até entestar com Santiago de Cacem. Comprehende em toda esta longitude, conforme huns, quarenta leguas; e segundo outros, trinta e tres. De largo huns lhe daõ dezoito, outros dezaseis[173] leguas na sua mayor largura; porém se lançarmos huma linha de Cascaes até a Pampilhosa, acharemos trinta e seis leguas de latitude. Pelo Occidente o mar Oceano a termina: pelo Meyo dia confina com o Alentejo a travez, e pelo Norte com a Beira.
2 He o clima desta Regiaõ o mais saudavel, e temperado de todo o Reino, porque a benignidade[Pg 68] do Ceo faz aqui ser insensiveis aquellas estações do tempo, que gradualmente succedem humas às outras com mudança suave; e assim participando quasi sempre de ar puro, e Ceo sereno, produz nella a natureza com abundancia os frutos de todos os generos. Fertil he de azeites, bastando só a Villa de Santarem para prover o Reino, e suas Conquistas: fertil he de vinhos, e dos melhores, chamados de barra a barra, taõ estimados das nações Septentrionaes: fertil he de frutas, das quaes sómente a Villa de Collares todo o anno provê a Corte de Lisboa e se conduzem para outras muitas terras da Europa. De trigo, legumes, e hortaliças tem o que lhe basta. Cria caças de toda a especie, e das mais gostosas, porque comprehende as melhores coutadas do Reino. Peixe em abundancia, e saborosissimo; e finalmente sem exaggeraçaõ podemos dizer, que he a Provincia mais fertil, e farta de Portugal, concorrendo tambem as outras com os seus productos para mais a fertilizar, e enriquecer, tratando-a verdadeiramente como Rainha, pois existe no meyo do Reino coroada de todas.
3 Muito conduz para toda esta abundancia os seus famosos portos, especialmente o de Lisboa, por onde todos os annos entraõ as ricas frotas do Brasil, e em pouco mais tempo as preciosas mercadorias da Asia, e quasi todos os dias innumeraveis embarcações estrangeiras para commodidade do commercio, que he nesta Provincia o mayor de todo o Reino. Conduz tambem naõ pouco a grande copia de boas aguas de suas fontes, e rios, os quaes, segundo seu mayor nome, saõ estes: Aguas livres, Alcantara, Alferradede, Alfusqueiro, Aljés, Alpiaça, Alviella, Arunca, Barcarena, Bezelga, Broya, Cadavás, Cambra, Canha, Castelãos, Cera, Caranque, Chileiros, Crins, Esporaõ, Guardaõ, Lago, Lena, Liten, Liça, Liz, Montijo, Nabaõ, Pernes, Rezes, Sado, Sizandro, Tejo, Val de lobos, Unhaes, Zezere,[Pg 69] a que podemos accrescentar por singularidade as virtuosas aguas das que chamamos Caldas, que nesta Provincia existem as de melhor fama.
4 Quanto ao estado Ecclesiastico, tem duas Igrejas Cathedraes: Lisboa, que logra a dignidade de Patriarcado; e Leiria a de Bispado. Numeraõ-se-lhe quatrocentas e sessenta e duas Paroquias, além de outras muitas Igrejas, que o naõ saõ. Tres insignes Collegiadas: Santa Maria Mayor em Lisboa, Nossa Senhora da Misericordia em Ourem, e Santa Maria da Alcaçova em Santarem, com outras, que o parecem, como na Igreja de Santo Antonio de Lisboa, Santo Antonio do Tojal, &c. Dous grandes Priorados das Ordens Militares: de Santiago em Palmella, de Christo em Thomar. Seis Templos Regios os mais insignes: Alcobaça, Batalha, Belém, Mafra, Thomar, S. Vicente de Fóra. Conventos, e Mosteiros mais de cento e setenta. Hum supremo Tribunal do Santo Officio. E finalmente he onde com mayor culto, asseyo, e grandeza se executaõ todas as festividades, funções Ecclesiasticas, e Officios Divinos, augmentando-se mais a devoçaõ com os prodigiosos Santuarios, que encerra cheyos de continuadas maravilhas.
5 As sciencias nos seus frenquentados Collegios, e Academias: as artes liberaes nas suas grandes, e opulentas fabricas: a politica, o trato, e a civilidade florecem nesta Regiaõ: até o idioma se pronuncía com mayor pureza, e cadencia do que nas outras Provincias; pois nella reside a Corte de Lisboa, que como Princeza de todas as do mundo, como lhe chamou o nosso Poeta, infunde qualidades para a melhor cultura, e perfeiçaõ. Finalmente
Es la quarta Provincia Estremadura,
Que contiene a Lisboa, donde cria,
Del claro lis beviendo la dulçura
[Pg 70]Con Episcopal Baculo Leiria.
La Villa de Batalla se assegura
De Reyes Portuguezes urna umbria.
Santarem con portentos se corona,
Y de aver sido throno Real blasona.
Con gran juridicion Thomar se ofrece
Al dulce Naban, que sus campos baña.
Alenquer del Alano permanece
Fundacion en frutifera campaña.
Cintra del quinto Alonso patria crece.
Primera poblacion sale de España,
Setubal al mar grande dirigida
Morada de Tubal apetecida.
I. Lisboa Capital do Reino consta de | 41 Paroquias. | Senhora da Ajuda, Santo André, Senhora dos Anjos, S. Bartholomeu, Santa Catharina, Chagas de Jesus, S. Christovaõ, Senhora da Conceiçaõ, Santa Cruz do Castello, Senhora da Encarnaçaõ, Santa Engracia, Santo Estevaõ, S. Joaõ da Praça, S. Jorge, S. Joseph, Santa Isabel, S. Juliaõ, Santa Justa, Senhora do Loreto, S. Lourenço, S. Mamede, Santa Maria, Santa Maria Magdalena, Santa Marinha, S. Martinho, Senhora dos Martyres, Senhora das Mercês, S. Miguel, S. Nicolao, Patriarcal, S. Paulo, S. Pedro, Senhora da Pena, Santissimo Sacramento, Salvador, Santiago, Santos, S. Sebastiaõ, Senhora do Soccorro, S. Thomé, S. Vicente.[Pg 71] |
II. Torres Vedras Correiçaõ consta de | 18 Villas. | Alhandra, Alverca, Arruda, Bellas, Cadaval, Cascaes, Castanheira, Chilleiros, Collares, Enxara dos Cavalleiros, Ericeira, Lourinhã, Mafra, Povos, Sobral de Monte Agraço, Torres Vedras, Villa Franca de Xira, Villa Verde. |
III. Alanquer Ouvidoria consta de | 8 Villas. | Aldea Galega da Merciana, Alenquer, Caldas, Chamusca, Cintra, Obidos, Salir do Porto, Ulme. |
IV. Leiria Correiçaõ consta de | 1 Cidade. | Leiria. |
11 Villas. | Alcobaça, Alfeizeraõ, Aljubarrota, Alpedriz, Alvorninha, Atouguia, Batalha, S. Catharina, Cella, Coz, Ega, Evora de Alcobaça, S. Martinho, Mayorga, Pederneira, Peniche, Pombal, Redinha, Salir do Mato, Soure, Turquel. | |
V. Thomar Correiçaõ consta de | 28 Villas. | Abiul, Abrantes, Aguas Bellas, Aguda, Alvaro, Alváres, Amendoa, Aréga, Assinceira, Atalaia, Chaõ de couce, Dornes, Ferreira, Figueirò dos vinhos, Maçãs de caminho, Maçaõ, Pampilhosa, Payo de pelle, Pedrogaõ grande, Pias, Ponte de Sor, Punhete, Pussos, Sardoal, Sovereira formosa, Tancos, Thomar, Villa de Rey.[Pg 72] |
VI. Ourem Ouvidoria consta de | 7 Villas. | Aguda, Avelar, Chaõ de Couce, Maçãs de D. Maria, Ourem, Porto de Moz, Pousaflores. |
VII. Santarem Correiçaõ consta de | 15 Villas. | Alcanede, Alcoentre, Almeirim, Aveiras de cima, Aveiras de baixo, Azambuja, Azambugeira, Erra, Golegã, Lamarosa, Montargil, Mugem, Salvaterra de Mangos, Santarem, Torresnovas. |
VIII. Setubal Correiçaõ consta de | 16 Villas. | Alcacer do Sal, Alcochete, Aldea Gallega, Alhosvedros, Almada, Barreiro, Cabrella, Çamora Correya, Canha, Coina, Grandola, Lavradio, Moita, Palmela, Setubal, Sezimbra. |
1 Chama-se esta Provincia Alentejo, respeitando as outras Provincias de Portugal, que ficaõ ao Norte do rio Tejo; mas isto he conforme a divisaõ politica, e naõ fisica. Dilata-se entre os limites da Estremadura Castelhana, Reino do Algarve, mar Oceano, Tejo, e Guadiana, quasi em fórma quadrada, pelo que lhe daõ muitos trinta e quatro leguas de huma, e outra parte;[174] porém o seu mayor comprimento pelo certaõ saõ trinta e nove[Pg 73] leguas, pela costa vinte e oito, e tendo pela margem do Tejo trinta e cinco de largura, se estreita, e reduz na raya do Algarve a vinte e huma.[175]
2 He o seu terreno pela mayor parte plano, posto que o atravessaõ algumas serras, a de Ossa, Caldeiraõ, Portalegre, Montemuro, Marvaõ, e outras, donde nascem fontes, e rios, naõ em tanta abundancia, como nas outras Provincias, porque tambem o ardente Sol no Veraõ consome aqui muito sua humidade, mas todavia sempre se lhe numeraõ de mayor nome os seguintes: Abrilongo, Alcarapinha, Alcaraviça, Alcarache, Algale, Anheloura, Aramenho, Aviz, Benavile, Bonafide, Botova, Cabaça, Caya, Cayola, Campilhas, Canha, Carreiras, Cobrinhas, Corbes, Corona, Dejebe, Detença, Enxarrama, Erra, Ervedal, Figueiró, Fonte boa, Galego, Guadiana, Lavra, Lamarosa, Leça, Limas, Lixoza, Lucefece, Machede, Marataca, Mourinho, Niza, Odemira, Odivellas, Odivor, Peramança, Regalvo, S. Romaõ, Sarrazola, Seda, Sever, Severa, Sor, Sorraya, Taleigaõ, Tejo, Tera, Terjes, Videgaõ, Xever, Xevora, Xola, Xouxou, Zata.
3 He fertilissima, pois correspondem os frutos com grande abundancia. De trigo diz Macedo,[176] que só a Freguezia da Cathedral de Evora dá ao dizimo cada anno setecentos moyos, com a circunstancia de que os lavradores naõ cultivaõ todas as terras capazes de sementeira, senaõ escolhem algumas, a que chamaõ folhas, para fazerem a lavoura de tres em tres annos; isto he, a que se semeou este anno, naõ se torna a affolhar, senaõ passados tres annos; porque se Alentejo cultivasse annualmente todas as dilatadas campinas, e charnecas, que tem, daria trigo, centeyo, e cevada para todo o mundo.[Pg 74] A esta abundancia attendeo Camões, quando cantou:[177]
E vós tambem, ò terras Transtaganas,
Affamadas co dom da flava Ceres.
4 Além dos trigos he abundante de boas frutas, azeite, vinho, mel, cera, lãs, caças, gados, excellentes queijos, finos marmores, affamados, e cheirosos barros; de sorte que esta Provincia naõ necessita de cousa alguma, que em si naõ tenha com abundancia: até peixe colhe abundantemente da ribeira do Sado, que entra no rio de Alcacere, e na da Fonte Santa, que está no caminho de Estremoz, além de outros rios, que temos nomeado.
5 Ha em Alentejo quatro Cidades: Evora, que tem Arcebispo: Elvas, e Portalegre, que tem Bispos: Beja que o naõ tem. Contaõ-se mais de cem Villas: dous grandes Priorados das Ordens Militares, de Aviz, e de Malta. Divide-se em oito Comarcas, que saõ: Evora, Béja, Campo de Ourique, Villa Viçosa, Elvas, Portalegre, Crato, Aviz, das quaes algumas saõ Ouvidorias.
6 Sempre nesta Provincia floreceraõ homens de singulares engenhos: em tempos antigos Aprigio, Isidoro Pacense, e outros muitos: nos mais proximos aos nossos André de Resende, o Padre Maldonado, o Padre Manoel de Goes, o Doutor Pedro Nunes, rarissimo na Mathematica, Thomaz Rodrigues, insigne Medico, além de muitos outros em todas as faculdades. E no valor teve tambem homens assinalados, como foy D. Payo Peres Correa, Josué Portuguez, D. Nuno Alvares Pereira, D. Vasco da Gama, primeiro descubridor das Indias, os quaes bastaõ para credito da Provincia. Tudo se recopila nestas duas estancias.
[Pg 75]
Sigue quinta Region la de Alentejo,
Cuya cabeça, y Metropolitana
Es Evora, de Roma claro espejo,
Del gran Giraldo gloria soberana.
Tiene noble dominio, y fiel consejo
Portalegre risueña Diocesana.
Elvas con Mitra luze venerable,
Siendo por su Castillo inexpugnable.
Béja Ciudad insigne se publíca,
Y el precioso licor de Baco enseña.
Entre otras Villas Estremoz muy rica
Es invencible, y fuerte Jurumeña.
Por sus inclytos Nobles a Belona
Montemayor el Nuevo el ser dedica.
Villa Viçosa en llano está florido
Templo de Proserpina, y de Cupido.
I. Evora Correiçaõ consta de | 1 Cidade. | Evora. |
11 Villas. | Aguias, Alcaçovas, Canal, Estremoz, Lavre, Montemór o novo, Montoito, Pavîa, Redondo, Viana, Vimieiro. | |
II. Béja Ouvidoria consta de | 1 Cidade. | Béja. |
18 Villas. | Agua de Peixes, Aguiar, Albergaria dos Fuzos, Alvito, Beringel, Faro, Ferreira, Ficalho, Frades, Moura, Odemira, Oriolas, Serpa, Torraõ, Vidigueira, Villa-Alva, Villanova de Alvito, Villa-Ruiva.[Pg 76] | |
III. Campo d’Ourique Ouvidoria consta de | 15 Villas. | Aljustrel, Almodovar, Alvalade, Castro verde, Collos, Entradas, Gravaõ, Mertola, Messejana, Ourique, Padrões, Panoyas, Santiago de Cacem, Sines, Villanova de mil fontes. |
IV. Villa-Viçosa Ouvidoria consta de | 14 Villas. | Alter do chaõ, Arrayolos, Borba, Chancellaria, Evoramonte, Lagomel, Margem, Monsarás, Monforte, Portel, Souzel, Villa-Boim, Villa-Viçosa, Villa-Fernando. |
V. Elvas Correiçaõ consta de | 1 Cidade. | Elvas. |
6 Villas. | Barbacena, Campo Mayor, Mouraõ, Olivença, Ouguela, Terena. | |
VI. Portalegre Correiçaõ consta de | 1 Cidade. | Portalegre. |
12 Villas. | Alegrete, Alpalhaõ, Arronches, Assumar, Arez, Castello de Vide, Marvaõ, Meadas, Montalvaõ, Niza, Povoa, Villaflor. | |
VII. Crato Ouvidoria consta de | 12 Villas. | Amieira, Belver, Cardigos, Carvoeiro, Certã, Crato, Envendos, S. Joaõ de Gafete, Oleiros, Pedrogaõ pequeno, Proença a nova, Tolosa.[Pg 77] |
VIII. Aviz Ouvidoria consta de | 17 Villas. | Alandroal, Alter Pedroso, Aviz, Benavente, Benavilla, Cabeço de Vide, Cabeçaõ, Cano, Coruche, Figueira, Fronteira, Galveas, Jurumenha, Mora, Noudar, Seda, Veiros. |
1 Fórma esta Regiaõ do Algarve hum dos principaes angulos da Peninsula Lusitana no Cabo de S. Vicente com a concurrencia das linhas Meridional, e Occidental até a foz do Guadiana. Daõ-lhe os Geografos vinte e sete leguas de comprido, e nove de largo. Os Mouros lhe chamaraõ Algarve, que quer dizer Terra Occidental,[178] mas outros interpretaõ Terra plana, e fertil; porque sem embargo de comprehender algumas serras pelo certaõ, occupa pela costa do mar planicies muy ferteis, e deliciosas.
2 Constitue-se Reino forte, e separado de Portugal pelos montes Caldeiraõ, e Monchique, e de Andaluzia pelo rio Guadiana; de sorte, que a sua situaçaõ he a mais vantajosa de todas as nossas Provincias. Sua primeira conquista foy intentada por ElRey D. Affonso Henriques: continuou-a com grandes progressos ElRey D. Sancho I., e a acabou de conseguir ElRey D. Affonso III. ficando desde entaõ o Reino do Algarve incorporado com permanencia na Coroa de Portugal, que organiza suas Reaes armas com a orla dos sete castellos dourados em campo vermelho.[Pg 78][179] 3 Consta de quatro Cidades: Faro, onde hoje está a Sé Cathedral; Silves, donde foy mudada; Tavira, e Lagos. Tem mais doze Villas, a saber: Albofeira, Alcoutim, Aljezur, Alvor, Cassella, Castro-Marim, Loulé, Odeseixe, Paderne, Sagres, Villa de Bispo, Villa nova. Tem dous Promontorios o Cabo de S. Vicente, e o de Santa Maria. Tem cem pontes de pedra, sessenta e duas pias de bautizar, e outras particularidades, que reservamos para lugar mais proprio.
4 Faz ser esta Provincia abundante com especialidade a grande copia de figos, passas, e amendoas, de que se extrahem todos os annos por negocio para differentes partes de Levante, Italia, e Flandes consideraveis sommas; e assim como em outras terras estaõ semeados os campos de trigo, cevada, e centeyo, esta os tem cubertos de vinhas, amendoeiras, figueiras, e tambem palmeiras, de cujos ramos tecem seus moradores varias curiosidades.[180] A pescaria de atum naõ serve de pequeno lucro, e com que fazem hum grave negocio. Os rios, que cortaõ, e regaõ este Reino, saõ muitos, porém pequenos, sendo os de mayor nome o Adoleite, Belixari, Guadiana, Lampas, e Vascaõ.
5 Seus habitadores saõ esforçados, e aptos para a guerra; e já em tempos antigos venceraõ valerosamente ao Capitaõ Romano Sergio Galba. Saõ muy dados à sciencia maritima, e se prezaõ muito de que no seu terreno escolhessem o primeiro Patriarca, e Fundador de Hespanha Tubal, e o famoso Hercules os seus jazigos, se he certo o que diz Fr. Bernardo de Brito. Divide-se finalmente o Algarve em duas Comarcas, conforme a Geografia moderna do Padre D. Luiz de Lima, e vem a ser: Lagos, e Tavira. Tem sete fontes medicinaes: tres Praças de armas, que saõ: Lagos, Faro, Castro-Marim, bem fortificadas com quatro mil homens de guarniçaõ; e[Pg 79] até o presente numera quarenta Governadores, ou Capitães Generaes com o segundo Marquez de Louriçal D. Francisco de Menezes seu actual, e benemerito Governador.
El Reyno del Algarbe es la postrera
Porcion, cuyas Ciudades son Tavira
DelRey Brigo gallarda Primavera,
Donde herido del viento el mar suspira.
Faro Obispal adorna su ribera,
Al Oceano fuerte Lagos mira.
Con poca vezindad nombre difuso
Alcança Sylves Paraiso Luso.
I. Lagos Correiçaõ consta de | 2 Cidades. | Lagos, Silves. |
7 Villas. | Aljezur, Alvor, Odeseixe, Paderne, Sagres, Villanova de Portimaõ, Villa do Bispo. | |
II. Tavira Correiçaõ consta de | 2 Cidades. | Tavira, Faro. |
5 Villas. | Albufeira, Alcoutim, Cacella, Castro-Marim, Loulé.[Pg 80] |
Provincias | Minho. | Tr. os M. | Beira. | Estrem. | Alentej. | Algarv. |
---|---|---|---|---|---|---|
Comarcas. | 6 | 4 | 8 | 8 | 8 | 2 |
Cidades. | 2 | 2 | 5 | 2 | 4 | 4 |
Villas. | 26 | 50 | 234 | 114 | 100 | 12 |
Patriac. | ... | ... | ... | 1 | ... | ... |
Arcebisp. | 1 | ... | ... | ... | 1 | ... |
Bispados. | 1 | 1 | 4 | 1 | 2 | 1 |
Inquisiç. | ... | ... | 1 | 1 | 1 | ... |
Univers. | ... | ... | 1 | ... | 1 | ... |
Paroquias. | 1500 | 620 | 1090 | 460 | 350 | 67 |
Cid. capit. | Porto. | Miranda. | Coimb. | Lisboa. | Evora. | Faro. |
Pr. d’ arm. | Viana. | Chaves. | Alm. | Lisboa. | Elvas. | Lagos. |
L. de comp. | 18 | 34 | 36 | 40 | 39 | 28 |
L. de largo. | 12 | 26 | 36 | 18 | 35 | 8 |
[151] Duarte Nun. Descripç. de Port. cap. 28. Joaõ de Barr. na Descripç. do Minho cap. 6. Far. Europ. Port. tom. 3. part. 2. cap. 2. a. 4. Joaõ Salgad. de Arauj. nos Success. Milit. liv. 1. cap. 1. Geograf. Blavian. Cost. Corogr. Port. tom. 1. c. 1. Lim. Geogr. Histor. tom. 1. pag. 2.
[152] Far. no Epitom. part. 4. cap. 5. n. 4. Maced. Flor. de Hesp. cap. 1. excel. 6.
[153] D. Franc. Man. Epanafor. 4. p. 518.
[154] Joaõ Salgad. de Arauj. nos Success. Milit. liv. 1. cap. 1. pag. 3. vers.
[155] Far. Epitom p. 4. cap. 17.
[156] Nun. Descripç. de Portug. cap. 28. e 29. Vasconcell. in Descript. Lusitan.
[157] Estaç. Antig. de Portug. cap. 72.
[158] Maced. Flor. de Hespanh. cap. 3. excel. 1.
[159] Joaõ Salgad. Success. Milit. pag 3. vers.
[160] Maced. Flor. de Hesp. cap. 2. excel. 3. Barbos. de Potestat. Episcop. part. 1. tit. 3. cap. 8. Gil Gonsal. de Avil. no Theatro de las grandez. de Madrid. p. 500.
[161] Arauj. Success. Milit. liv. 1. cap. 1.
[162] August. Barb. de Potest. Episcop. part. 1. tit. 3. cap. 8.
[163] Far. Europ. Port. tom. 3. part. 2. cap. 2. Lim. Geogr. Histor. tom. 2. pag. 3.
[164] Corograf. Portug. tom. 1. p. 313. Padilha. Histor. Eccles. cent. 1. cap. 16. Monarq. Lusitan. part. 3. liv. 8. cap. 32. Rodrig. Mend. da Silv. na Descripç. de Portug.
[165] Colmenar. Delices du Port. tom. 4. pag. 713. Lim. Geograf. Histor. tom. 2. p. 61.
[166] Arauj. Success. Milit. p. 68. vers.
[167] Brit. na Geograf. Lusitan. cap. 4. Fr. Man. da Esper. na 1. part. da Histor. Serafic. liv. 4. cap. 13.
[168] Poyar Diccionar. Geogr. p. 76. Lim. Geograf. Histor. tom. 2. p. 83.
[169] Fr. Man. da Roch. Portug. renascid. part. 1. p. 109.
[170] Histor. Genealog. da Casa Real Port. tom. 8. p. 354.
[171] Far. Europ. Port. tom. 3. pag. 3. cap. 2.
[172] Brit. Geograf. Lusitan. cap. 2.
[173] Geograf. Blavian. Mendes da Silv. Mons. de La Clede tom. 2. pag. mihi 59. Corograf. Portug. tom. 3 Lim. Geogr. Histor. tom. 2. p. 136. Far. Europ. Portug. tom. 3. part. 3. cap. 2. p. 160.
[174] Far. Europ. Portug. tom. 3. part. 3. cap. 2. Rodrig. Mend. da Silv. na Descripç. de Portug. Geograf. Blavian. tom. de Hespanh. pag. 403.
[175] Abbad. de Per. Success. Milit. p. 179.
[176] Sousa de Macedo nas Flor. de Hespanh. cap. 3. excel. 3.
[177] Cam. cant. 3 est.62.
[178] Colmen. Delices de Hesp. tom. 4. p. 809.
[179] Monarq. Lusit. liv. 16. cap. 4.
[180] Rodrig. Mend. da Silv. Descripç. de Hesp.
[Pg 81]
1 Quasi todos os principaes montes, e serranias, que fortalecem, e ornaõ este nosso Continente, saõ ramos, e esgalhos dos celebres Pyrineos, que dividem França de Hespanha, os quaes, entrando por varias partes do Reino, adquirem o nome conforme as terras por onde se vaõ descubrindo; e com tal elevaçaõ em alguns sitios, que justamente lhes chamou Athlantes o famoso Caramuel,[181] pois com sua altivez pertendem coroarse de estrellas, e suster os Ceos em seus hombros. Dos mais affamados daremos a breve informaçaõ, a que o nosso methodo nos obriga.
2 Abelheira. Descobre-se esta serra no termo da Villa de Moura em o Alentejo, e participa da serra da Adiça, communicando-se tambem com a dos Machados, que lhe fica meya legua distante. Dá pastos a muitos gados, e cria-se nella caça de todo o genero, e muitas hervas de grande virtude medicinal. Ha outra serra deste mesmo nome na Provincia de Tras os Montes no sitio da Igrejinha, onde se descobrem ruinas de edificios Arabes.
3 Aboboreira. Fica na Provincia do Minho perto do Concelho de Gouvea. He inculta, e inhabitavel em todos os quatro mil passos de ambito, que occupa o seu terreno, posto que naõ he esteril para a muita caça que alli se cria.
4 Achada. Começa esta serra desde a ribeira de[Pg 82] Cascaes, e se vay unir com a de Montejunto. Participa de aspero temperamento, naõ obstante admittir cultura pelas suas raizes.
5 Açor. Há no Reino duas serras com este mesmo nome; huma na Beira, que principia no termo da Villa de Coja, e acaba na de Arganil, occupando o espaço de quasi sete legoas de comprido, e duas de largo, e lança varios braços por diversos sitios. A outra serra jaz no Algarve.
6 Albardos. Serra aspera da Estremadura, lançada desde o termo de Santarem até Porto de Mós. He de clima destemperado, e nella nascem alguns rios, e canteiras de pedra fina. Os Religiosos de Alcobaça saõ Senhores de todos os limites desta serra.
7 Alcaçovas. Está junto da Villa do seu mesmo nome na Comarca de Evora. Levanta-se em desmedida altura, pois do cimo della se descobrem povoações muy distantes. O insigne Fr. Luiz de Sousa diz[182] ser provavel haver aqui no tempo dos Romanos algum edificio nobre, segundo se collige de algumas moedas que se tem descoberto, e de outros vestigios de antiguidade, que refere o Diccionario Geografico do Padre Cardoso. A ribeira chamada Odiege, ou Diege, que discorre por esta serra, fertiliza grandemente aquellas porções, que se deixaõ cultivar, e onde se cria abundancia de caça, e de gado.
8 Alcubertas. Fica no termo da Villa de Alcanede, onde se descobre huma grande concavidade, e dentro della huma casta de pedra brilhante, que parece cristal; e outras, que congeladas da neve com a mistura da terra saõ muy galantes, e procuradas para ornar embrechados, e grutescos.
9 Aleidões. Apparece no Alentejo, e no termo de Grandola, estendendo-se até Santiago de Cacem. Participa de ares saudaveis, e consta de muitas[Pg 83] carvalheiras, dando pasto a bastante gado, que alli se cria, e a innumeraveis colmeas para a produçaõ de mel.
10 Algáres. Principia esta serra a descobrirse huma legua distante da Villa de Grandola para a parte do Levante, e continuando contra o Nascente, vay acabar onde chamaõ o Castello velho pelo espaço de duas leguas. He quasi toda minada por baixo, e foy de donde os Romanos extrahiraõ bastantes riquezas. Fica sobranceira ao rio Corona, que separa pelo meyo os termos de Grandola, e Alvalade. A Corografia Portugueza no tom. 3. pag. 336. refere outras circunstancias desta serra, da qual naõ trata o Diccionario Geografico.
11 Alpedreira. Fica no Arcebispado de Evora, e se communica com a serra de Portel. He secca, e esteril. Cria muito lobo pelas concavidades que tem; e em algumas partes se cultiva com trabalho para sementeira de centeyo.
12 Alqueidaõ. He da Estremadura, e fica no territorio de Leiria. A sua temperie he fria, e em parte se cultiva trigo, milho, e linho. Cria tambem alguma caça miuda.
13 Altar de Trevim. He huma serra que fica no termo da Louzã, demasiadamente aspera, e empinada, de cuja eminencia se avistaõ muitas Villas, e Lugares, que causaõ aos olhos agradavel perspectiva. Tem muita caça, e cria porcos montezes, e lobos, naõ sem prejuizo dos gados que por alli pastaõ.
14 Alvaõ. Na Provincia Transmontana, e na Comarca de Guimarães. He fria, e no inverno cheia de neve. Cria muito lobo, e muito mato rasteiro; cultiva-se em partes, e tem caça de perdizes, coelhos, e lebres.
15 Alvayazere. Fica junto à Villa de seu nome no Bispado de Coimbra. He serra aspera, e pedregosa, com quatro legoas de comprido. Cria muito alecrim, e por isso o muito mel que as abelhas fabricaõ[Pg 84] da sua flor, he o mais estimavel. Está aqui huma grande gruta muy espaçosa, onde se entra, e onde nasce agua capaz de se beber. Suppoem-se que seria habitaçaõ dos Romanos, segundo vestigios que no cimo da serra se descobrem.
16 Airó. Esta serra, que fica a hum lado da Villa de Barcellos, tem bastante eminencia, e no mais alto se estende huma planicie banhada por diversas fontes de bella agua, onde ha huma Ermida com huma devota imagem da Senhora da Fé. Em outro tempo se denominava Monte aureo, de que se derivou o nome, que tem presentemente a serra. Em pouca distancia da dita Ermida ainda existem as ruinas de outra dedicada a S. Silvestre, obra do servo de Deos Joanne o Pobre natural de Catalunha, Varaõ penitente, e virtuoso, que alli viveo solitario, e morreo com sinaes de predestinado.
17 Na raiz desta serra encostado ao Norte está o Convento de Villar de Frades, hoje dos Conegos Seculares de S. Joaõ Evangelista, e antigamente dos Monges de S. Bento, onde aconteceo aquelle prodigioso caso a hum Monge, que reflectindo sobre as palavras de David no Psalmo 89. onde diz: Que mil annos diante de Deos saõ como hum dia, que passou, se foy contemplando a trás da armonia de hum passarinho, que com a suavidade da sua voz o enterteve extatico na cerca do Convento o espaço de sessenta annos, sem ser visto, nem achado de ninguem; dando-lhe Deos a entender pelo engodo transitorio daquella ave canora, quanto na sua adoravel presença as eternidades de gloria parecem instantes, como bem diz o Doutor Villasboas, que refere este caso na Nobiliarquia Portugueza cap. 9. e o Agiologio Lusitano tom. 1. Toda esta serra he fertil de pastos, e arvores, em que se dá o melhor vinho de enforcado, que deste genero ha no Reino.
18 Amarella. He serra do Minho muy despenhada, e quasi principio da do Gerez. Descobrem-se da[Pg 85] sua mayor altura muitas povoações distantes, e do mar Oceano quanto a potencia da vista póde alcançar; alargando-se tambem a vista até grande parte de Galiza, que lhe serve de termo. Cria muito lobo cervaz, e javalizes, que damnificaõ os gados, por cujo motivo os moradores dos Concelhos alli proximos lhes vaõ fazer montaria em tempos determinados, por obrigaçaõ.
19 Amoreira. Fica na Provincia da Estremadura, e nos limites de Odivellas, de cujo cume se descobrem por todas as partes muitas povoações. Todo o seu mato saõ fetos, e consta de excellentes pedreiras negras para alvenaria, donde se extrahe muita parte para varias obras de primor.
20 Anciam. Tem seu assento na Beira entre as Villas do Rabaçal, e Pombal, e corre de Thomar até Coimbra. Em algumas partes he mais eminente que em outras, mas sempre de vista alegre, pois cria muito alecrim, e variedade de boninas, e outras flores, que servem de pasto aos muitos enxames de abelhas, de que fabricaõ excellente mel. Dizem que fora habitada pelos Mouros, de que ha ainda alguns vestigios. Aqui se vê huma grande lapa chamada Algar da agua aberta em hum penhasco taõ espaçosamente, que podem caber dentro quinhentos homens. Cria tambem abundancia de perdizes, coelhos, lebres, e rapozas. O Author da Corografia chama a esta serra a Carreira.[183]
21 Araceli. He huma serra do Alentejo no Arcebispado de Evora, que tem meya legua de comprido, despovoada, e que em algumas partes admitte cultura. O seu mato he rasteiro, e nelle se criaõ hervas medicinaes, a agrimonia, a douradinha, e com especialidade o arbusto Daro, de cujas bagas se faz azeite muito bom para as luzes, e tambem para[Pg 86] o prato, e tem particular virtude para as dores de flatos. Ha aqui muita caça de toda a casta, e muitas colmeas de abelhas, de que se tira bastante mel. No cimo da serra se logra huma boa vista desafogada, e se adora a imagem da Senhora com o titulo de Araceli, que deu nome à serra.
22 Arada. Serra junto ao Concelho de Lafões, que terá tres leguas de comprido. Tem grandes despenhadeiros, e perigosos. Na planicie da sua mayor altura, que he espaçosa, está o Lugar da Coelheira. Consta toda esta serra de mato real, onde se cria muita caça, até aguias, e hervas medicinaes.
23 Arga. Chama Ptolomeu a esta serra Promontorio Avaro.[184] Divide ella os termos de Viana, Ponte de Lima, Coura, e Caminha, e deu terreno antigamente a hum Convento Benedictino entre as densas matas do seu ambito, o qual hoje he Paroquia, cujo Reitor assiste em Filgueiras. Tem esta serra cousas muito especiaes, que mais extensamente se podem ver na Corografia Portugueza, e no Diccionario Geografico.[185]
24 Arrabida. He esta serra huma aspera montanha da Estremadura, que corre direita de Nordeste a Sudueste no mais desabrido della pelo espaço de duas leguas, e continúa mais tres até o Cabo de Espichel por sitio menos agreste fazendo varias quebradas. Fica-lhe na raiz para a banda do Norte o sitio de Azeitaõ; para a parte do Sul as prayas do Sado. Olhando de cima para o mar Oceano, se vê Cezimbra à maõ direita, e Setubal à esquerda: e desta mesma parte, quasi no meyo da serra, está o Convento dos Padres Arrabidos da mais estreita observancia Franciscana, muy penitentes, e onde viveo muitos annos S. Pedro de Alcantara.
[Pg 87]
25 Conforme diz Gaspar Barreiros[186] o nome de Arrabida he derivado da antiga Arabriga, que Ptolomeu, e Ortelio situaõ com igual demarcaçaõ perto da dita serra; e mostra ter mais probabilidade, que o que dizem o Doutor Alvaro Gonçalves de Camões, a quem seguem Fr. Antonio da Piedade, e Joaõ de Brito de Mello,[187] os quaes a derivaõ do nome Errabundus; porque os que subiaõ a esta serra, sempre erravaõ o caminho. O Padre Fr. Francisco Gonzaga diz,[188] que os Mouros, quando aqui habitaraõ, lhe pozeraõ este nome, que no seu idioma significa o mesmo que Oratorio, ou lugar solitario, e proprio de fazer penitencia.
26 Os Romanos chamaraõ a esta serra Promontorio Barbarico; ou porque os seus habitadores, chamados Sarrios, levaraõ daqui para Roma muita grã, de que a serra abunda, com a qual os Romanos tingiaõ os seus vestidos, a cuja cor encarnada davaõ o nome de barbara, e aos conductores barbaros, como diz André de Resende;[189] ou porque os povos, que primeiramente aqui viviaõ, tinhaõ costumes barbaros, e rusticos, como observa Fr. Bernardo de Brito, e Floriaõ do Campo.[190]
27 Na bella descripçaõ desta serra, que vem no Diccionario Geografico, se diz, que à sua vertente onde se erigio a torre de Outaõ, se chamou antigamente o Promontorio de Neptuno; e que se presume havia alli templo dedicado àquella falsa divindade, segundo huma estatua de bronze, com varias inscripções, e outros nobres vestigios, que se descobriraõ, e hoje se naõ achaõ pela barbaridade dos que fizeraõ pouco caso dellas.
[Pg 88]
28 De muitas cousas notaveis he fertil todo o corpo desta montanha, que os estreitos limites a que me cingi, me naõ permittem relatar com miudeza. Os desejosos de mayores noticias podem ver o primeiro tomo da Chronica da Arrabida do Padre Fr. Antonio da Piedade, que no cap. 5. faz huma descripçaõ desta serra extensamente, posto que em estylo mais poetico, do que historico. Excede a todas as descripções, a que vem no primeiro tomo do Diccionario Geografico de Portugal feita pelo Padre Antonio dos Reys, da Congregaçaõ do Oratorio, e que publicou seu irmão o Padre Luiz Cardoso. Naõ nos esqueçamos porém da admiravel circunstancia de ser toda a serra limpa de bichos venenosos; nem da pedra, que daqui se extrahe, salpicada de cores diversas, que à maneira de remendinhos pardos, brancos, vermelhos, e negros a esmaltaõ, e matizaõ galantemente. Della se fabricou o exquisito retabulo, ou frontaria exterior da Igreja do Hospital Real no rocio de Lisboa, presentemente arruinado, e extincto.
29 Atalaya. Ha no Reino tres serras com este nome; duas na Estremadura, e huma na Beira. A que fica no termo do Pombal, consta de canteiras de excellente pedra, e admitte cultura, e criaçaõ de alguma caça. A que se vê junto da Freguezia de Santo Estevaõ das Galés, tem hum quarto de legua de comprido, e toda de admiravel vista. He regada com algumas fontes, que nascem alli mesmo, e dá terreno para habitaçaõ de dous lugares, e pasto para os seus gados. Cria com especialidade muita herva medicinal, e outros varios frutos, e caça. A da Provincia da Beira fica no termo de Trancoso, e he muy destemperada, mas abundante de lenha, e caça miuda.
30 Barregudo. He huma serra, que fica no termo de Torres Vedras, e que na distancia de tres legoas caminha a entestar com a de Montejunto. Adquire[Pg 89] nomes differentes segundo os sitios. No de Penedos negros se encontraõ varias pedrinhas miudas, muy resplandecentes; e huma casta de areya muy brilhante. Dá passagem ao rio Sizandro, e se deixa cultivar com utilidade, produzindo tambem caça rasteira, e do ar.
31 Barris. He hum braço da serra da Arrabida, que fica ao Poente da Villa de Palmella. Abunda de aguas com boa qualidade, e cria muitas hervas medicinaes, e a finissima grã, sendo todo o seu terreno hum admiravel composto de alegre divertimento para os passageiros, a quem suavisaõ tambem muito a continua armonia dos passaros que por alli se criaõ.
32 Besteiros. He huma serra aspera, e cheia de penedia escabrosa pela distancia de huma legua no Bispado de Viseu, onde se acha huma fonte de agua taõ fria, que naõ se póde aturar nella a maõ. Cria mato rasteiro, e se lhe cultiva centeyo, e milho, que o produz em abundancia. Pastaõ nella muitos rebanhos de gado miudo, e grosso.
33 Bornes de Monte mel fica no termo de Braga, e tem duas leguas de comprido. Recebe muita neve em tempo de inverno. O mais especial della he ser taõ alta, que se descobrem do sitio chamado Miradouro, povoações de treze Bispados.
34 Borralheira. Daõ este nome a huma serra, que com bastante eminencia se levanta junto da Villa da Ponte, Comarca de Pinhel. No mais alto está huma Ermida de Santa Barbara, que a Camera da Villa mandou edificar por causa dos muitos rayos, e coriscos que alli cahiaõ, os quaes depois da Ermida erecta nunca mais offenderaõ o sitio, nem atemorisaraõ aos moradores.[191] O Diccionario Geografico, naõ fazendo mençaõ desta serra, dá noticia de outra com o mesmo nome na Provincia de Tras[Pg 90] os Montes, e na Freguezia de S. Pedro de Paradella, e naõ tem cousa notavel.
35 Bussaco. Jaz esta famosa serra na Provincia da Beira, e he parte da serra da Estrella. Dista de Coimbra tres legoas para o Nordeste, e meya da Villa de Vacariça. Lança-se de Nascente a Poente pelo espaço de tres leguas, e do seu cume se descobre grande parte do Reino; porque para o lado Oriental se avistaõ as serras da Estrella, e a de Castello Rodrigo, que lhe ficaõ na distancia de trinta leguas. Para a parte do Meyo dia se vem as serras de Minde, e de Marvaõ, que lhe ficaõ quarenta leguas distantes. Para o Norte se divisa a serra de Grijó, affastada quinze leguas; podendo-se livremente da sua altura apontar com o dedo para terras de sete Bispados, estando os dias claros.
36 Tres etymologias assina Fr. Joaõ do Sacramento[192] ao nome desta serra, das quaes a mais verosimil he, por haver na sua raiz hum Convento de Religiosos Benedictinos, erecto em memoria da cova de Sublaco, que aquelle grande Patriarca escolhera para sua primeira habitaçaõ, e que de Sublaco vieraõ a alterar a palavra, vertendo-a em Bussaco.
37 Nesta alta montanha se criaõ finissimos marmores, toda a casta de arvoredo, plantas, flores, e hervas medicinaes, regadas com muitas fontes de excellente agua artificiosamente conduzida, e repartida por engenhosa industria do memoravel Bispo de Coimbra D. Joaõ de Mello. Sobre tudo dá terreno ao devotissimo Convento de Carmelitas Descalços, que exercitaõ aqui, como os Anacoretas da antiga Thebaida, a vida contemplativa.[193]
38 Cabreira. Fica na Provincia de Tras os Montes,[Pg 91] e tem duas leguas de comprido. He demasiadamente fria por causa da muita neve, que recebe de inverno. Della nascem varios regatos, de que se fórma o rio Ave. Avistaõ-se da sua mayor altura as prayas do Oceano para a banda de Faõ, e Esposende. Ha no Reino outras serras deste nome, de menos consideraçaõ, que se podem ver no Diccionario Geografico do Padre Luiz Cardoso.
39 Cantaro. No mais alto da serra da Estrella se levanta huma eminente pyramide formada de rochedos calvos, e escarpados, a que chamaõ serra do Cantaro; porque, segundo diz o Padre Carvalho na sua Corografia,[194] costumavaõ os antigos Senhores da Villa de Carvalho, que lhe fica situada nas suas raizes, ter prompto hum cantaro de agua para beberem os passageiros, que por alli passavaõ. Cria-se nesta montanha a herva Argenciana, ou Argenteira, boa para as febres. O mais que ha nesta serra, diremos quando tratarmos da lagoa Escura.
40 Caramullo. Fica esta serra quatro leguas distante de Viseu, e diz o Author da Corografia Portugueza, que alguns lhe daõ o nome de Besteiros, e antigamente lhe chamavaõ o Monte de Alcoba. No mais alto deste oiteiro, que he todo composto de penedos huns sobre outros, ao modo de columna, está huma planicie em que podem caber trezentos homens, e delle se descortina quanto a vista póde alcançar, excepto para o Oriente, que lha embaraça a serra da Estrella, donde dista doze leguas. Em tempo claro se vem as embarcações no mar, e se ouvem os tiros de artelharia na barra de Aveiro, estando distante oito leguas.
41 Carpento. Fica esta montanha no Algarve, de quem se denominou o Lugar de Moncarapacho. He aspera por natureza, composta de grandes penedias, e habitaçaõ de muitos bichos, e lobos. Na[Pg 92] raiz deste monte está hum sitio chamado o Abismo. He huma cova como hum poço de quatro varas de profundo. A este sitio descem os curiosos, os quais dizem, que se descobre lá hum boqueiraõ, pelo qual se entra, e caminha por huma mina muito profunda, sem se saber até hoje o seu fim, porque ninguem até agora se animou a descobrillo.
41 Cintra. Esta serra que dista de Lisboa cinco leguas, he huma das mais famosas do Reino pela composiçaõ rara com que a natureza a organizou; pois consta de calháos taõ grandes, que alguns tem vinte pés de diametro, postos huns sobre outros, como se fossem montes de nozes; mas com tal ligaçaõ, que parecendo estarem ameaçando eminente ruina, elles se sustentaõ no seu natural equilibrio. No cume da serra se descobrem vestigios de antiga fortificaçaõ com cinco torres arruinadas, que se suppoem ser fabrica de Mouros. Em tempo dos Romanos foy chamada esta serra Promontorio da Lua, donde Camões veyo a dizer:
E nas serras da Lua conhecidas
Subjuga a fria Cintra o duro braço.
43 Teve principio este nome desde que os habitadores Gentios desta serra determinando dedicar a Octaviano Augusto hum templo, que o Imperador naõ quiz aceitar, elles o offereceraõ como idolatras ao Sol, e à Lua; e porque a esta chamavaõ Cynthia, se derivou della o nome de Cintra.
De Cynthia tomou Cintra celebrada
O nome que em rochedos he famosa.
Disse Gabriel Pereira; e Francisco Botelho no seu Alfonso:
Diola nombre un gran templo, que aun expone
De Cynthia tan magnifico, y notable,
Que ser pudo d’el risco ala oportuna
Casa del Sol el templo de la Luna.
[Pg 93]
44 Disto ha memoria em varios cippos, que neste sitio se descobriraõ, referidos pelos nossos escritores, de que daremos noticia, quando tratarmos desta Villa. Só quero advertir, que o insigne Damiaõ de Goes naquella admiravel Descripçaõ de Lisboa, que fez em Latim, confunde o Montejunto com a serra de Cintra.[195] E o nosso grande Poeta Francisco Botelho erradamente dá a esta serra o nome de Promontorio Artabro,[196] o qual, conforme o melhor parecer dos Geografos, he o Cabo de Finis terræ. Quem quizer mais largas informações desta serra, lea os Authores abaixo nomeados.[197]
45 Estrella. Existe esta serra na Provincia da Beira, e foy antigamente conhecida com o nome de monte Herminio, que queria dizer aspero, e intratavel.[198] Hoje conserva o de Estrella, porque dizem ter no mais alto hum penedo do feitio de estrella. He esta serra hum ramo dos Pyrineos, deduzido daquelle grosso, e grande braço, que aparta Castella velha de Castella nova: está continuamente cuberta de neve, que por isso disse hum nosso Poeta:[199]
Que he de Herminia senhor serra nevada,
Onde o quente Veraõ nunca começa.
46 Para a parte do Poente se despenha com escabrosos precipicios sobre as Villas de S. Romaõ, Valezim, Loriga, e Arouca da Serra, que lhe fica nas raizes: da parte do Sul fica a Villa da Covilhã:[Pg 94] do Sueste as de Manteigas, e Balhelhas: do Nascente a Cidade da Guarda: do Norte as Villas de Linhares, Mello, Gouvea, Santa Marinha, e Cea. Desta serra nascem os tres celebrados rios Zezere, Alva, e Mondego, perto huns dos outros, e se encaminhaõ a tres differentes partes.
47 Falperra. Fica esta serra servindo de atalaya à Villa de Aguiar da Penha, que lhe nasce das raizes, e se utiliza das fertilidades do ameno valle, em que existe.[200]
48 S. Gens. Pouco distante da Cidade de Braga corre esta serra, que tomou o nome de huma Ermida antiga, a qual ainda está no alto della, da invocaçaõ do mesmo Santo, e que dizem fora edificada por Theodomiro Rey Suevo. Ao pé desta serra se vê o Convento de Tibães de Religiosos Bentos. Ha outra serra com este mesmo nome no Alentejo, que he parte da serra de Ossa, e summamente alta.[201]
49 Gerez. Os antigos chamaraõ a esta serra Juressum, que Antonio de Sousa de Macedo[202] diz ser deduzido dos tres celebres Geriões, que alli habitaraõ; fabula, a que naõ devemos dar credito. Principia algumas leguas distante de Braga para a parte do Norte, e caminhando encostada ao Oriente, entra por Galiza. He de summa elevaçaõ, e por algumas partes taõ aspera, que he intratavel: sómente a habitaõ cabras montezes, javalis, e lobos, sendo que por algumas partes he aprazivel. O Padre D. Jeronymo Contador de Argote faz deste monte dous especiaes capitulos.[203]
50 Guardunha. Em distancia de cinco leguas da serra da Estrella, e em sete de Idanha a velha fica esta montanha cercada de muitas povoações, arvores,[Pg 95] fontes, hervas, e frutas deliciosas. A palavra Guardunha he Arabiga, e significa refugio, ou guarda da Idanha; porque sendo os moradores desta povoaçaõ expulsos pelos Mouros, se foraõ refugiar a esta serra para se defenderem delles.[204]
51 Hermello. He montanha do Minho, que tem huma legua de alto, e no cume ainda apparecem vestigios da Cidade do Maraõ, quartel de Decio Bruto.
52 Labruja, ou laboriosa pelo trabalho, que causa aos caminhantes. Fica esta serra na estrada real, que vay de Ponte de Lima para Valença.[205]
53 Louzã. He ramo da serra da Estrella, e muita parte do anno está cuberta de neve.[206]
54 Maraõ. Esta serra he huma uniaõ de montes altos, que se vaõ abraçando huns aos outros. Chega ao Douro, e lança o monte de Teixeira, e o Entrilho, povoado bastantemente de feras, onde está o grande penedo, que huma criança póde fazer bulir, e tange quando se bole.[207] Consente o Maraõ que o rio Douro o atravesse; e posto já na Provincia da Beira, se chama Serra de Almofala, Monte de muros, Serra de Touro, Serra de Pera, Serra de Fragoas, de Manhouce, de Besteiros, de Cantaro, de Miranda, do Espinhal, e montes de Penela, onde se une com a serra da Estrella; e chamada serra de Anciaõ, e de Albardos, se precipita no mar desde a rocha de Cintra.[208]
55 Marvaõ. Esta serra he o Herminio menor, onde ha minas de ouro, e de chumbo, e ainda se vem ruinas da Cidade Meidobriga, se havemos de dar credito a Resende.[209]
56 Minde. Na Villa de Porto de Mós se prolonga esta serra do Norte para o Sul, e da parte Meridional[Pg 96] nasce hum pequeno rio, que faz sua corrente para o Norte. Fr. Bernardo de Brito[210] naõ distingue esta serra de outra chamada Albardos, de que tambem se lembra Manoel de Faria.[211]
57 Monchique, ou Monsico. Levanta-se no Algarve com eminencia tal, que excede à de Cintra. He fertil, e aprazivel, com abundancia de agua admiravel. Corre de Oriente a Poente, donde se descobre a mayor parte do campo de Ourique, e do Oceano, servindo de final aos navegantes para demandarem seguramente a nossa barra; de sorte que principia de Castro-Marim, e finaliza junto de Aljezur. Alguns Authores lhe daõ o nome de Sico, ou seco por antifrase. Resende diz que he braço da Serra Morena.[212]
58 Monte do figo. No Algarve junto do Lugar de Moncarapacho existe esta montanha meya legua distante para o Norte. He de aspera subida, em que se gastaõ algumas horas, por ter quasi hum quarto de legua. Em cima tem huma admiravel planicie com muitas aguas, e arvores de todas as castas silvestres, e frutiferas. Sobre esta planicie se levanta outro monte, a que se sobe com mayor dificuldade, e no cume está huma Cruz, e huma cova donde se tira muita terra por devoçaõ, e para remedio de varias enfermidades; porque affirmaõ que apparecera alli o Arcanjo S. Miguel, o qual he venerado em huma Ermida do seu nome, que por este motivo os Fieis lhe edificaraõ. He este monte o primeiro que avistaõ os navegantes, que vem das Indias de Castella, muitas leguas ao mar, por ser de immensa altura.
59 Montejunto. Duas leguas e meya de Alenquer contra o Norte se extende esta serra, a que antigamente[Pg 97] chamavaõ monte Tagro, de que talvez se originaria o nome de Tagarro a huma povoaçaõ edificada nas suas vizinhanças.[213] Dizem alguns,[214] que he a mais alta serra de Portugal, e que terá de circuito mais de quatro leguas, e de altura meya legua. No alto he terra fertil, e ha duas lagoas de boa agua. Venera-se huma Ermida de Nossa Senhora das Neves, e o primeiro Convento dos Relgiosos Dominicos neste Reino, que fundou o Veneravel Fr. Sueiro Gomes.[215]
60 Das eguas, que por esta montanha pastavaõ, e concebiaõ do zefiro, escreveraõ maravilhas os antigos, e ainda modernos,[216] e em outra obra[217] nós o reprovamos, como fabula originada da grande velocidade, e ligeireza, com que correm os cavallos, que por esta serra se criaõ. O mais certo he haver aqui canteiras de finissima pedra, e minas de azeviche.[218]
61 Monte do Minhoto. Junto ao rio Zezere está esta serra, muy alta, e povoada de grandes penhascos bastantemente debruçados para a parte do rio. Em cima ha huma Ermida de Nossa Senhora da Estrella, e hum poço de agua admiravel, porque nunca se seca. Dizem[219] que antigamente houvera aqui huma azinheira, que em lugar de bolotas dava humas contas a modo de azeviche, as quaes pizadas serviaõ de remedio para muitas enfermidades.
62 Monte-Muro. Está junto a Evora, e he parte da serra de Besteiros: os antigos lhe chamaraõ Mons Maurus. Toma grande distancia de terra, mas em[Pg 98] si he aspero; e da mesma grosseria, e rusticidade participa a gente, que o habita.
63 Ossa. Fica esta famosa serra entre Evora, e Estremoz pelo espaço de sete leguas de comprido, e duas e meya de largo. Compoem-se de muitos oiteiros, que parecem montes de ossos, donde talvez lhe viria o nome. Manoel de Faria lhe buscou derivaçaõ poetica.[220] Comprehende em si muitas terras, o Canal, Evoramonte, Terena, Alandroal, Pomares, Borba, e Villa-Viçosa, regadas todas pela mayor parte das perennes fontes, que della procedem.
64 No mais alto deste monte, donde se descobre quasi todo o Alentejo, e parte das duas Estremaduras Portugueza, e Castelhana, está a Ermida de S. Gens em numa planicie taõ eminente, que às vezes se vê chover pelas abas da serra, e ella ficar enxuta. Descendo a hum valle ameno, estaõ fundados os dous celebres Conventos dos Eremitas de S. Paulo, e Val de Infantes verdadeira Thebaida Portugueza.
65 Tem esta serra tantas fontes, que só em huma herdade do Convento se contaõ mais de oitenta. Ha no meyo da serra pé de limeira, que chegou a dar dez mil limas, segundo affirma Joaõ Salgado de Araujo na Descripçaõ desta Provincia pag. 173. v. Descobrem-se tambem nesta serra minas de pedra de cores escuras, pedras de afiar, enxofre, e almagre.
66 Pomares. Antigamente se chamou Monte de Venus. Está junto a Evora, onde agora se chama o[Pg 99] Lugar de Pomares. Foy muy celebre pelos trofeos, que o famoso Viriato nelle levantou.[221] Da sepultura de Lucio Silo Sabino, de que Resende lib. 3. de Antiq. e a Evora gloriosa pag. 17. fazem memoria, já hoje naõ ha noticia alguma.
67 Sandonho. Fica dominando Villapouca de Aguiar, e fronteira de outra serra chamada Falperra.
Estes saõ os montes, que ha no Reino de mayor fama. Póde ser que ainda encontremos occasiaõ no discurso desta obra, em que demos noticia de outros.
[181] Caram. no seu Philip. Prud. Proem. §. 1. n. 3.
[182] Sousa na Histor. de S. Domingos part. 3. liv. 3. cap. 20.
[183] Monarq. Lusit. tom. 1. na Geogr. Resende liv. 1. de Antiq. Corograf. Port. tom. 2. pag. 89.
[184] Ptolom. lib. 2. Geogr. tab. 2. Corograf. Portug. tom. 1. p. 282. Argote de Antiq. Bracar. lib. 1. cap. 3. e nas Memor. de Braga tom. 1. lib. 1. cap. 10.
[185] Corograf. loc. supr. citat. Cardoso Diccion. Geogr. tom. 1.
[186] Barreir. na Corograf. pag. 62. Santuar. Marian. tom. 2. pag. 465.
[187] Piedad. Chron. da Arrab. part. 1. liv. 1. cap. 5. Brito de Mello Chron. da Arrab. m. s. p. 1. c. 6.
[188] Gonzag. de Origin. Relig. Seraph. part. 3. pag. 1123.
[189] Resende lib. 1. de Antiquit. pag. mihi 37.
[190] Monarq. Lus. liv. 1. c. 28.
[191] Santuar. Marian. tom. 3. pag. 255.
[192] Chron. dos Carmel. Descalç. part. 2. liv. 4. c. 13.
[193] Idem tom. 2. pag. 76. Bened. Lusit. tom. 2. pag. 283. Corogr. Port. tom. 2. pag. 69. Diccion. Geogr. de Cardos. tom. 2.
[194] Corograf. Portug. tom. 2. pag. 76.
[195] Mons vero Tagrus, cujus Varro meminit, meo quidem judicio ille idem est, quem nos Sintreum vocamus, & à, quo Lunæ promontorium in mare prorumpit millia passuum ab Olisipone plus, minusve, quod nostris hodie Rocham appellari placuit, &c. Goes tract. de Olisipone.
[196] Botelho no Alfonso l. 1. est 7. da impress. de Roma.
[197] Resende lib. 1. de Antiq. Monarq. Lus. liv. 1. c. 22. e liv. 5. c. 15. Duart. Nun. Descripç. de Portug. c. 10. Faria sobre a Ode 1. de Cam. Franc. d’Almeida Jordaõ em especial Relaçaõ que imprimio desta serra no an. de 1748.
[198] Monarq. Lus. t. 1. liv 4. cap. 1. Esperança tom 1. da Chronic. p. 421. Resende de Antiq. lib. 1.
[199] Maced. no Olisip. cant. 4. est. II.
[200] Carv. Corogr. Portug. tom. 1. p. 171.
[201] Corograf. Portug. tom. 1. pag. 168. & tom. 2. pag. 447.
[202] Maced. Olisip. cant. 2. est. 18.
[203] Argot. Antiguid. de Brag. p. 372.
[204] Santuar. Marian. tom. 3. p. 59. Corograf. Portug. tom. 2. p. 412.
[205] Corograf. Portug. tom 1. p. 204.
[206] Leit. nas Miscelan. pag. 15.
[207] Joaõ Salgad. nos Success. Militar. p. 106.
[208] Sousa, Chronic. de S. Dom. part. 3. pag. 189.
[209] Resend. liv. 1. de Antiquitat.
[210] Monarq. Lusitan. liv. 11. cap. 30. e na Geogr. cap. 2.
[211] Far. Europ. Port. tom. 3. part. 3. cap. 6.
[212] Resend. lib. 1. Antiquit. Vide Agiolog. Lusit. tom. 2. pag. 654. Far. no Epitom. part. 4. cap. 9. Diccionar. Geogr. tom. 1. verb. Algarve.
[213] Fr. Luiz de Sous. Histor. de S. Dom. part 1. liv. 1. cap. 12.
[214] Far. na Europ. Portug. part. 3. tom. 3. cap. 6.
[215] Santuar. Marian. tom. 2. p. 215.
[216] Plin. Columel. e outros apud Mayol. part. 1. colloq. 7. Fonseca na Medic. Lusit. disp. 2. cap. 5.
[217] Recreaçaõ Proveit. part. 1. colloq. 4. p. 254. Veja-se tambem Gerundens. no Paralipoemn. da Histor. de Hesp. lib. 1. pag. 6. Kormanni tract. de Virgin jure cap. 12. Resend. lib. 1. Bernard. Florest. tom. 4. p. 267. Maced. Flor. de Hespanh. cap. 3.
[218] Brit. Geograf. Lusitan. cap. 2.
[219] Santuar. Marian. tom. 3. p. 425.
Es nombre desta horrifica montaña
El de la que fue patria de Centauros,
Que contra el Cielo puestos en campaña
Amontonaron Oëtas, Pindos, Tauros.
El nombre desta finalmente es Ossa,
Que aun aora escalar los Cielos osa.
Faria na 4. p. da Fonte de Aganipe Eglog. 5.
1 He tanta a abundancia de rios, que fertilizaõ, e regaõ nossas Provincias, que por este motivo deu Estrabo à Lusitania o titulo de feliz.[222] Dos capitaes, e de alguns, que se diffundem nelles, faremos huma succinta, e hydrografica narraçaõ pelo mesmo estylo, que vamos observando.
2 Abbadia. Passando por Alcobaça, vay inundar os campos da Villa de Mayorga.
3 Abrancalha, ou Abrancuida. He ribeira, que corre distante de Abrantes huma legua para o Norte, fertilizando com suas aguas muitos pomares, e hortas deliciosas.
4 Abrilongo. Entra no rio Sévera, ou Xévora[Pg 100] junto da Villa de Ouguella, e cria muy gostoso peixe, por serem suas aguas frigidissimas. Veja-se o que dizemos do Botova.
5 Agualva. Ribeira, que passa junto da Villa de Bellas.
6 Agua santa. He hum grande ribeiro, que nasce da serra de Ossa, e se mete no rio Tera.
7 Aguas livres. He huma formosa ribeira de abundantes aguas, que corre pela Freguezia de Bellas, termo de Lisboa. Em algumas partes he caudalosa, e naõ se passa sem ponte, como he no lugar chamado Ninha a Pastora, e no forte da Cruz quebrada. Saõ conduzidas estas aguas para Lisboa em soberbo, e forte aqueducto, que por ora descreveremos brevemente.
8 Tem elle o seu primeiro manancial nesta ribeira em distancia de boa meya legua da ponte, a que alguns chamaõ de Bellas. A abundancia de agua neste nascimento por si só vence os tres principaes chafarizes de Alfama, que ha na Cidade. Manifestou-se pois este famoso aqueducto para se pôr prompto em 6 de Agosto de 1732; e logo ao principio da ribeira em distancia de 1800 palmos se lhe introduzio huma boa fonte, a que chamaõ a Fonte santa do Leaõ; e continuando o aqueducto ao lado direito da ribeira, (que logo a atravessou junto ao nascimento, que fica à parte do Poente) caminha até avistar a ponte de Caranque, e aqui se aparta da mesma ribeira para o Lugar da Porcalhota, encostando-se ao oiteiro de S. Braz.
9 Neste progresso vay mais para diante recolher a agua, que lança a fonte chamada de S. Braz para a parte da Porcalhota, e logo atravessa por baixo da estrada junto à quinta do Galvaõ proximamente à Ermida de Santo Antonio da mesma quinta, donde salvando sobre huma ponte a ribeira, que passa por dentro da dita quinta, se inclina a buscar a raiz do Lugar da Fragoza; e continuando pela[Pg 101] mesma encosta até o Lugar de Calhariz, fronteiro à Freguezia de Bemfica, se vay prolongando por defronte do Convento de S. Domingos até o monte, que chamaõ das tres Cruzes, donde se passa a ribeira de Alcantara para se introduzir no Bairo alto, recolhendo por este caminho (que he o da mais baixa nivelaçaõ, que permittia o calice, em que a agua deve cahir no dito bairro) varias fontes, que se vaõ encontrando, e descubrindo nos alicerces da mesma obra.
10 A fórma deste aqueducto he de hum corredor, ou mina artificial de sete palmos de largo, e quatorze de alto, a que naõ chegou algum dos aqueductos Romanos. Tem pelo meyo hum passeyo de tres palmos de vaõ, fabricado de finissimo lagedo, e a cada lado hum encanamento de marmore, que recebem ambos quarenta e duas manilhas de agua em palmo e meyo de boca, e palmo e quarto de alto.
11 Huma das cousas singulares deste aqueducto he vir correndo a agua horizontalmente por estes encanamentos sem declividade alguma; mas esta se lhe vay dando a certas distancias por linhas perpendiculares, como por degráos de escada, para total segurança, e conhecimento do quanto se sóbe, ou desce; cousa, que tambem naõ se acha executada em aqueducto algum. Desta sorte conduzidas à custa do povo, ainda que perdem o antigo nome de aguas livres, mereceraõ outro mayor, e mais conhecido na utilidade pública de huma taõ populosa Cidade, e na graça de hum taõ inclyto Monarca, para cujo ardor em solicitar a commoda conservaçaõ de seus vassallos ainda he pouco todo o manancial desta ribeira.
12 Os Romanos, quando Lisboa era seu Municipio, intentaraõ introduzirlhe estas aguas por aqueductos subterraneos, abrindo a este fim muitos rochedos; e entre as penedias asperissimas de dous montes,[Pg 102] que naquelle sitio existem, fizeraõ hum muro larguissimo, e forte, que lhe servia para reprezar a agua de hum valle em huma lagoa, em que traziaõ batéis, como diz Francisco de Ollanda em hum tratado manuscrito, intitulado: Fabrica, que falta a Lisboa, o qual vimos, e se conserva na Livraria do Excellentissimo Conde do Redondo.
13 Tambem o Senhor Rey D. Manoel determinou encaminhar estas aguas para Lisboa, e que corressem na praça do Rocio. Para isso mandou fazer ao allegado Francisco de Ollanda o desenho de hum chafariz, que nós vimos, e constava da figura de Lisboa em cima de huma columna cercada de quatro elefantes, que pelas trombas expulsavaõ a agua. Estes desejos naõ tiveraõ effeito, nem ainda em tempo do Infante D. Luiz, que tanto appeteceo conduzir esta agua para a ribeira das Náos, em fórma que as da India della fizessem as suas aguadas. Consta tambem pelo que diz Luiz Marinho de Azevedo, que o Senado de Lisboa tinha junto para a obra desta conduçaõ mais de seiscentos mil cruzados, os quaes se divertiraõ nas festas, que se fizeraõ com a entradada de Filippe III. Todos estes embaraços estiveraõ esperando pela providente resoluçaõ delRey D. Joaõ V. para fazer mais feliz o seu reinado, escolhendo, e approvando para a sumptuosidade desta fabrica o risco, e desenho do Brigadeiro Manoel da Maya, que por sua sciencia, engenho, e outros attractivos de bondade merece imortaes elogios.
14 Agueda. Neste Reino ha dous rios deste proprio nome: hum, que passa por Agueda, e este he o Emineum dos antigos, que vay morrer em Aveiro: outro, que divide Portugal de Castella na Comarca de Riba-Coa. Nasce na serra da Estrella, passa pela Ciudad Rodrigo, vay à ponte da Villa de S. Felizes, donde a pouco espaço por entre altos montes em Vilvestre entra no Douro.
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15 Aguilhaõ. Nasce na serra do Maraõ formado de tres fontes, e com arrebatado curso se mete no rio Corgo. Cria muitos, e gostosos peixes, especialmente bordallos, que se apanhaõ aos cardumes. Pelas margens ha copia de arvoredos, e vinhas, que fazem toda a sua corrente agradavel, e amena; dando que fazer a mais de vinte açudes, deixa-se atravessar por tres pontes de páo, e huma de cantaria.
16 Alborrel. Nasce na serra de Portalegre. Vem circulando Aremanha, e divide Portugal de Castella. Nelle se pescaõ gostosos barbos.
17 Alcantara. Esta formosa ribeira quasi que cerca Lisboa, e se mete no Tejo pela parte do Poente. Luiz Mendes de Vasconcellos no livro, que compoz, intitulado: Sitio de Lisboa, mostra de quanta utilidade seria communicarse este rio com o de Sacavem, do qual naõ dista mais que legua e meya para que ficando dentro deste circulo Lisboa, conseguisse o mais seguro, e fertil terreno, que houvesse no mundo. Neste sitio está a fabrica Real da Polvora reedificada por Antonio Cremer.
18 Alcaraviça. He ribeira, que corre pela Aldea chamada dos Gallegos no termo da Villa de Borba, onde tem seu nascimento em duas fontes taõ abundantes de agua, que fazem moer muitas azenhas.
19 Alcarabouça. Provê este rio de bastante peixe a Villa de Ficalho, por onde corre quatro leguas distante de Serpa.
20 Alcarapinha. Corre junto a Elvas, e nasce na serra de Aviz. Suas aguas augmentaõ muito a ribeira de Coruche.
21 Alcarque. Conforme a Geografia Blaviana he rio, que no seu Mappa vem assinado na Provincia do Alentejo.
22 Alcarrache. He huma Ribeira, que nasce em Castella na serra de Santa Maria, e vem sahir ao termo de Mouraõ, trazendo de jornada quinze leguas;[Pg 104] até que engrossada sua corrente com as aguas de outros ribeiros, e fazendo trabalhar muitos moinhos, vay morrer no Guadiana. Pescaõ-se nelle excellentes, e grandes barbos, e outros peixes mais miudos: e se vadea por duas boas pontes de pedra.
23 Alcoa, antigamente Coa. He o que unindo-se com o chamado Baça, deu nome ao sitio de Alcobaça, onde os Religiosos Bernardos tem o famoso, e magnifico templo, que alli fez edificar o Santo Rey D. Affonso Henriques.
24 Alcofra. He rio caudaloso da Beira no termo de Lafões, e que se mete no Alfusqueiro. As suas margens estaõ cheias de carvalhos, e castanheiros enlaçados com muitas vides, de que se faz o bom vinho de embarrado. Cria saborosas trutas, e se deixa vadear por quatro pontes de páo.
25 Alenquer. Nasce ao pé da serra de Montejunto, e caminhando Norte Sul o espaço de huma legua vem buscar nome à Villa de Alenquer. Aqui fertiliza as suas quintas, e hortas com a abundancia de suas aguas saudaveis, e aos seus moradores com a copia das suas trutas, barbos, e bogas; até que incorporado com o rio de Ota se mete no Tejo junto de Villanova da Rainha.
26 Alferradede. He ribeira, que rega muitos pomares, e hortas do termo da Villa do Sardoal, e vay morrer ao Tejo.
27 Alfusqueiro. Passa este rio junto do Lugar dos Ferreiros, termo da Villa de Vouga, e tem huma grande ponte de hum só olhal, muito alta, fabricada de cantaria. Discorre tambem pela Villa de Assequins, e vay descançar no rio Vouga.
28 Algés. Nasce este rio em hum oiteiro, que fica defronte do Lugar de Monsanto, termo de Lisboa; e augmentado com as aguas de hum regato, que brota por cima de Outorella, entra a fertilizar a quinta das Romeiras até ir mergulharse no mar pelo pé do forte da Conceiçaõ, onde está huma ponte[Pg 105] de pedra, que parte com a nobre quinta do Duque de Cadaval.
29 Algodea. Banha, e fecunda esta ribeira as hortas, e pomares, que ficaõ fóra da Villa de Setubal: depois entra no Sado.
30 Alja, ou Alje. He huma caudalosa, e arrebatada ribeira, que discorre pela Villa de Arega, cinco leguas de Thomar, e se vay esconder no rio Zezere. Pescaõ-se nelle excellentes trutas, e outros peixes muy gostosos. Os antigos lhe chamavaõ ribeira fria.
31 Almaceda. He rio, que cerca a Villa de Sarzedas, e entra no Ocreza sempre arrebatado.
32 Almansor. Divide esta ribeira do Alentejo os limites da Freguezia de Nossa Senhora da Repreza, dos de Santa Sofia; e chegando até o termo de Montemor o Novo, onde troca o nome pelo de Canha, se esconde no Tejo perto de Benavente; deixando com a benignidade das suas aguas ferteis os pomares, e as terras por onde passa.
33 Almonda. Tem sua origem este rio na serra d’Aire, legua e meya da Villa de Torres Novas. Saõ as aguas no seu nascimento, e matriz, taõ claras, e he tanto o peixe, que se cria nellas, que ainda que o pégo he fundo, se está vendo de cima das barreiras andarem a saltar: por isso he aqui muy aprazivel a pescaria. Os Romanos acharaõ neste rio muita semelhança com o Mondego, por cuja causa lhe chamaraõ Alius munda, donde se originou com pouca corrupçaõ Almonda. Mete-se no Tejo junto do Lugar da Azinhaga, como bem o diz o Reverendo Padre Luiz Cardoso no Diccionario Geografico, emendando-me.
34 Alpiaça. He rio da Estremadura, que nasce perto da Villa de Ulme; de inverno corre arrebatado, e cria excellentes barbos, e fataças. Mete-se no Tejo.
35 Alpreade. Nasce esta ribeira na serra da Gardunha,[Pg 106] e correndo sempre desasocegada, vay acabar no rio Ponsul, passando por quatro pontes de pedra, e fazendo trabalhar trinta e quatro azenhas, tres lagares, e hum pizaõ. Cria muitas trutas, e bordallos.
36 Alva. Este rio tem o nascimento na serra da Estrella; e fazendo logo seu caminho ao Poente por baixo de hum monte, discorrendo em algumas partes muy claro, vem cercar as Villas de Arganil, Coja, Pombeiro, Penalva, Sandomil, Villa Cova de Subavó, e S. Romaõ, onde tem duas pontes, huma chamada de Peramol, pela qual vay o caminho de Veraõ para a Covilhã, outra de cantaria lavrada, na estrada, que vay para Valezim. Pescaõ-se nelle boas bogas, trutas, lampreas, e saveis. Finalmente entrando no Mondego rico de outras ribeiras, acaba no Oceano.
37 Alvar. Nasce esta ribeira na serra de Montemel pela parte do Lugar de Covellas; e passando junto da Villa da Alfandega da Fé, vem ao Lugar de Santa Justa, donde caminhando quatro leguas, desagua na ribeira Vellarva.
38 Alvaro. No termo da Villa de Alvaro pela banda do Sul tem seu nascimento esta ribeira; que dá o nome à Villa; e passando por duas pontes de pedra, rodea o monte da Villa, e se mete no Zezere, fazendo parecer aquella povoaçaõ huma peninsula.
39 Alviella. A boa opiniaõ que fiz da Corografia Portugueza composta pelo Padre Antonio Carvalho, me obrigou seguirlhe as pizadas em muitas noticias, que delle tirey, e a elle me refiro. Entre ellas foy a maravilhosa voragem, ou sorvedouro que diz acontecer nos olhos de agua em a nascente deste rio de Alviella; mas como o Reverendo Padre Luiz Cardoso, natural de Pernes, pode examinar melhor esta particularidade, e a reconhece agora no Diccionario Geografico por fabulosa, he justo que[Pg 107] eu nesta segunda impressaõ do meu Mappa, agradecendo-lhe a advertencia, melhore a noticia.
40 Nasce pois este rio nas vertentes da serra do Patello junto do Lugar da Louriceira, debaixo de hum grande rochedo; e logo em seu nascimento vem com abundancia de peixes, especialmente bordalos, engrossando-se com varios ribeiros até desembocar no Tejo junto ao Lugar do Reguengo. Cria outras muitas castas de peixes saborosos em todo o tempo: faz moer muitos moinhos, e lagares de azeite; e as suas ribeiras, e margens estaõ cheias de arvoredo silvestre, e frutifero, que as fazem vistosissimas. Sujeita-se porém a oito pontes; e dá abrigo a bastante caça miuda de arribaçaõ.
41 Almioso. He huma ribeira da Estremadura que nascendo pobre no Troviscal, vay desaguar caudaloso no fim da cerca dos Religiosos Capuchos da Certã. Cria muitos peixes miudos, e admitte algumas pontes. As suas margens saõ incultas por fragosas, mas entre as suas areas se acha ouro.
42 Analoura, ou Anhaloura. Nasce entre as Villas de Borba, e Villa Viçosa, rega a Villa de Veiros, e misturada com a ribeira de Fronteira, vay engrossar a de Sauzel, e entraõ ambas por Aviz, até desembocar no Sorraya.
43 Ancora. As aguas deste rio que nascem na serra de Arga, dividem o Concelho de Caminha do de Viana. Dizem que adquirira o nome, que possue, desde que ElRey Ramiro II. lançara nelle sua mulher Dona Urraca atada em huma ancora para ir mais depressa ao fundo. Authores ha que tem isto por fabula. Morre finalmente no mar junto de Caminha, onde fórma huma pequena barra com o fortim da Lagarteira.
44 Anços, antigamente Anceo. Vem da Redinha banhar a Villa de Soure, e dar nome a Villanova de Anços; e junto com outras correntes se mete no Mondego a baixo de Coimbra.
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45 Aravil. Nasce junto de Castellobranco, e morre no Tejo. Pelo Inverno corre arrebatado, e no Veraõ secca. He constante levar nas suas correntes algum ouro, e por isso procurado de gandaeiros.
46 Arcaõ. Nasce no celebre olho de agua Borbolegaõ na Villa de Grandola, e se mete no Sado acima de Alcacer.
47 Ardila, ou Ardita. He huma ribeira furiosa da Villa de Moura. Fazem-na opulenta as enchentes das ribeiras Brunhos, e Lavandeira. Desemboca no Guadiana, passando primeiro pela Villa de Noudar, que a deixa quasi reduzida a Ilha, juntando-se, com a ribeira da Murtiga.
48 Arestal. He huma lagoa profunda, que fica na Beira, e na serra do seu mesmo nome. Em todo o anno lança agua para todas as partes, e faz nascer della dous ribeiros. Dizem que se communica com o mar.
49 Arunca. Nasce na ribeira de Gaya, e augmentando-se com as aguas de outras ribeiras, vay correndo até à Villa de Pombal pelo espaço de tres leguas, fertilizando de caminho muitos pomares, e quintas. Antes de se meter no Mondego, passa pelas Villas de Soure, e Villanova de Anços. No tempo de Inverno se enfurece, e corre com tanto impeto, que leva comsigo searas, e edificios. Os antigos lhe chamaraõ Tapiço.[223]
50 Asturãos. Rio do Minho, que nasce no sitio de Azevosa com muita humildade, e continuando com a mesma brandura, vay acabar no Lima, deixando de si saudades nas deliciosas, e frescas margens por onde passou.
51 Ave. Procede da serra de Agra, e de huma ribeira, a que chamaõ da Lage; e unindo-se com hum regato ao pé da serra de Cabreira, já com bastante cabedal separa o Concelho de Vieira das montanhas[Pg 109] de Barrozo, e quatro leguas antes de entrar no Oceano, divide o Arcebispado de Braga do Bispado do Porto. Rega os Conventos de Bairaõ, e de S. Tyrso, e os campos do Lugar Celeiró. Tendo recebido abaixo de Guimarães o Vizella, ou Avizella, que passa por Pombeiro, caminha apressadamente por baixo de varias pontes muito boas, e finalmente vay sepultarse no mar por entre a Villa de Conde, e Azurara. O Padre Vasconcellos, como traductor de Duarte Nunes, o faz erradamente, como elle, nascer junto de Guimarães, como bem repara Fr. Leaõ de Santo Thomaz.[224] Em algumas partes corre com tanta doçura, e suavidade, que obrigou a cantar delle Manoel de Faria:[225]
De donde ouvindo estava o som divino,
Que faz correndo o Ave crystallino.
Todas as terras, por onde este rio passa, e vay regando, saõ deliciosas, e elle abundante de barbos muy grandes, e saborosissimos.
52 Aviz. He huma ribeira, que nasce acima de Monforte, e passando pela Villa de Fronteira, e outras terras, em que recebe varios riachos, com que se engrossa, chega à Villa de Aviz onde adquire o nome, e passa por huma ponte de boa fabrica, até ir acabar ao Tejo incorporado com o Sorraga, e Divor.
53 Azibo. Com forças medianas discorre pelos limites da Villa de Chacim, sete leguas de Moncorvo. Principia no Lugar de Podense, termo de Bragança, e depois de caminhar quasi sete leguas, vay introduzirse no rio Sabor por cima da ponte de Remondes, limite da Villa de Castro-Vicente.
54 Baça. Este rio, juntando-se com outro chamado Coa, nasce da parte Oriental de Alcobaça, e[Pg 110] fazendo volta para o Occidente, rega por grande espaço os fertilissimos campos de Mayorca, e Abbadia, até que junto da Villa da Pederneira se mergulha no Oceano.
55 Balocas. Ribeira, que se mete no rio Alva.
56 Balsemaõ. Em distancia de quatro leguas da Cidade de Lamego nasce este rio na serra da Rosa, mas elle o naõ parece; porque tanto que póde correr, caminha furioso, rompendo, e lavrando pedras com tal estrondo, que ensurdece ainda pelo Veraõ, quando leva menos agua. Vay à ponte de Lamego, atravessando o sitio da mayor fertilidade, a que chamaõ da Ribeira, e se mergulha impetuoso no Douro juntamente com o Baroza com quem se havia communicado. Antigamente lhe chamavaõ Unguio.
57 Barcarena. Nasce esta ribeira nos limites de Bellas termo de Lisboa, e fertilizando os Lugares da Agualva, e de Laveiras, aqui se esconde no Tejo por baixo do Convento da Cartuxa. Faz trabalhar com a sua agua no sitio de Barcarena a magestosa fabrica da polvora reedificada no anno de 1729 pelo Hollandez Antonio Cremer.
58 Baroza. Nasce este rio de dous principios: hum he no monte de S. Joaõ de Tarouca, e nasce muy bravo, mordendo pedras até a ponte de Mondim, que muitas vezes derruba. Mais para baixo lhe entra outro braço, que nasce em Barcia da Serra, donde chega a Lazarim à ponte de Baroza. Baixa aos campos de Tarouca muito brando, mas com a aprasivel serenidade solapa nocivo terras, e campos muito bons, e os leva. Unido vay a Ucanha adornar a nobre ponte da Torre, muy grandiosa, e adiante lhe entra a ribeira de Salzedas, com que em fim morre no Douro.
59 Barroco. Nasce este rio na serra da Arada em a Beira, e fazendo varias voltas, e passagens, se precipita por entre penhas no escuro pego do Vouraõ[Pg 111] até ir acabar no Vouga. As suas margens saõ deliciosas pelas grandes sombras de arvoredos com que convida aos passageiros.
60 Basegueda, ou Besadega. Tem o seu nascimento este rio na serra Marvana, tres leguas distante de Penamacor, onde tem huma ponte de cantaria com cinco olhaes. A sua corrente he muy socegada, excepto no Inverno, que corre arrebatada. Cria excellentes trutas, e rega pelas suas margens vistosos, e frescos arvoredos; e deixando-nos saudades com as suas areas de ouro, vay morrer Castelhano em o rio Erga.
61 Beça. He rio do Minho, e nasce em Tras os Montes; corre sempre arrebatado, e furioso por penedia, e por isso he infrutifera a sua corrente. Depois de caminhar seis leguas, se mete no Tamega com bastante copia de boas bogas, e trutas.
62 Bezelga. Nasce junto da Villa de Ourem; e correndo mais de legua e meya, vay descançar no rio Nabaõ por entre Thomar, e Cinceira.
63 Biturim. Entra no Douro pela Provincia do Minho.
64 Borbolegaõ. He este hum celebre olho de agua, que nasce na Villa de Grandola, e passa pela natural ponte dos Aivados, que suas mesmas aguas formaraõ galantemente em huma rocha. Mais para baixo vaõ taõ violentas no sitio chamado Diabroria, que fazem moer a hum moinho entre dia, e noite moyo e meyo de trigo. Neste olho de agua, que será do tamanho de huma roda de carro, se lança de alto hum homem a pique, e cravando-se nelle até os peitos, o impeto das aguas o faz vir pouco a pouco para cima, até que arremeça com elle na margem com tanta furia, como se fora huma leve cortiça. O mesmo faz a qualquer pezado madeiro, que lhe lançaõ. Dentro nelle se ouve estrondo como o que faz na costa o mar bravo. Finalmente vay morrer no Oceano pela Villa de Sines.
[Pg 112]
65 Botova. O nascimento deste rio he nas serras de Albuquerque, e se augmenta com as enchentes do Xévora, que nascendo ao pé da serra de S. Mamede, e correndo pelos penhascos do monte chamado dos Sete, passa por S. Juliaõ da Codiceira, onde recolhe as aguas do Abrilongo. Desta sorte juntos vaõ communicarse com o Guadiana à vista da Cidade de Badajoz. Deste rio faz mençaõ Antonino em o seu Itinerario com o nome de Budua.
66 Brescos. Na Freguezia de Santo André, termo da Villa de Santiago de Cacém, existe esta lagoa que tem de circuito meya legua, cujo especial peixe, que delle se tira em abundancia, se arrenda todos os annos. Muitas pessoas distinctas vaõ fazer alli por divertimento suas pescarias. Devemos esta noticia ao M. R. Padre Fr. Francisco de Oliveira Dominicano, que por carta nos communicou.
67 Briteiros. Nasce no Minho na Freguezia, e Coito de Pedralva, e fenece no Ave. No seu principio he pobre, mas enriquecido com varias levadas, se faz rio opulento, cheyo de muitas trutas, e escalhos saborosissimos.
68 Bugaõ. Tem este rio a sua origem na Freguezia de Santiago de Villa-Chã, termo da Villa da Barca, e se mete no Lima arrebaradamente. Todo o peixe, que nelle se cria, he de admiravel gosto.
69 Cabraõ. He hum pequeno regato, que corre pela Freguezia de S. Lourenço, termo da Villa dos Arcos de Valdevez. Com a pouca enchente, que leva, caminha com arrebatada furia, e passando pela ponte de cantaria, a que chamaõ do Rodalho, divide as aguas do Lima, onde finaliza. Criaõ-se nelle boas trutas, porém tambem naõ lhe faltaõ sanguisugas.
70 Cabrella. He ribeira do Alentejo, que nasce nas Silveiras termo de Montemor. Recolhe as correntes de outras duas ribeiras chamadas da Safira, e S. Romaõ, que lhe ficaõ ao Nascente, e da parte[Pg 113] do Norte se engrossa com outras duas, e se mete no mar com o nome de Marateca. O seu curso em partes he furioso, pelo embaraço que lhe fazem as penedias por onde corre.
71 Cachoeiras. Nasce na Comarca de Alenquer formado de varios regatos, e vay acabar no Tejo entre a Villa nova da Rainha, e a Castanheira. Tem duas pontes huma de páo, outra de pedra no Lugar do Carregado.
72 Cadavai. He ribeira, que fertiliza as hortas no termo da Villa do Sardoal, e se mete no Tejo.
73 Caldo. Corre pela Villa de Monte alegre na Provincia Transmontana, provendo de peixe os seus habitadores.
74 Cambas. He pequeno rio, que entra no Zezere.
75 Campanhaõ. Entra no Douro.
76 Campilhas. Entra no rio Sadaõ muy corpulento em Alvalade.
77 Caná. Faz delle mençaõ Macedo.[226]
78 Canal. He ribeira da serra de Ossa, donde procede, e enriquece a ribeira de Tera.
79 Canha. Rega esta ribeira os valles, e os campos de Montemór o novo, e se submette a duas pontes, huma chamada de Alcacere, e outra de Evora, e fenece no Tejo. A esta ribeira foy parar o corpo da gloriosa Virgem, e Martyr Santa Quiteria, da qual a lançaraõ os barbaros com huma mó de moinho ao pescoço pelos annos 300 pouco mais, ou menos depois de Christo, cujo corpo sendo achado pelos Christãos, o foraõ occultar em huma cova no sitio de Monfurado, para baixo de hum monte, onde está huma Ermida da invocaçaõ de S. Christovaõ; mas até agora está taõ occulto, que ninguem tem dado com elle. Nos fins de Julho de 1738 correo a noticia que hum tal Manoel da Costa Pedreiro,[Pg 114] natural da mesma Villa, achara muito por acaso a mó; com que a Santa foy lançada no mesmo rio. Tinha de diametro dous palmos, e de altura seis dedos, e era de pedra branca com salpicos pretos; mas naõ se assentou em cousa certa. Veneraõ-se hoje tres imagens de Santa Quiteria na Provincia do Alentejo. Huma em Montemór o novo na Igreja de S. Joaõ de Deos: outra na Ermida de S. Christovaõ; e outra em a nova Igreja dos Monges das Covas no Altar collateral da parte da Epistola, collocada no anno de 1759.
80 Carbuncas, ou Cabruncas. Nasce na serra de Freixedas do Bispado de Leiria. Diffunde-se até a Villa de Pombal, onde adiante com o Danços caminha a Soure, e vay finalizar no Mondego.
81 Carcedo. Faz mençaõ deste rio Macedo nas Flores de Hespanha, sem dizer onde nasce, ou por onde corre.
82 Cardeira. Nasce esta ribeira das vinhas de Béja, e correndo de Norte a Sul, depois de passar pela ponte de hum arco, expira no Guadiana em a Freguezia de Santa Catharina de Quintos, termo da mesma Cidade de Béja.
83 Carnide. He huma ribeira que nasce no termo de Leiria, e vay buscar o Louriçal, onde tem huma ponte, e depois de andar seis leguas, vay morrer no Mondego por cima da barra da Figueira.
84 Castelãos. Nasce no Lugar de Cadraço, que fica no Concelho de Guardaõ, e correndo por entre montes, e penhascos, vem a formar o rio Crins, que se mete no Mondego.
85 Cávado, a quem os Romanos chamavaõ Celando, e Ptolomeu appellida Cavus. Nasce nas Asturias, conforme alguns, ou na Serra do Gerez, segundo outros; e precipitando-se ao Valle para receber outras ribeiras, especialmente o chamado Homem, cerca, e poem em Peninsula as mesmas terras, por onde passa huma legua de Braga. Rega[Pg 115] com suas aguas frigidissimas as Villas de Prado, onde tem ponte; os muros de Barcellos, onde tem outra formosa ponte, e vay acabar no mar por entre Faõ, e Esposende; e de Faõ até a barra dá huma volta para o Norte quasi do feitio de hum C, e nesta volta quebraõ muito sua força as marés. Vejaõ os curiosos as perguntas, e respostas, que acerca deste rio fez o Reverendo Padre Argote.[227] Pescaõ-se neste rio muitos salmões, relhos, e outra variedade de peixe, e se achaõ tambem nelle amethystos, jacinthos, e crystaes muy finos. Entre todas as pontes por onde se deixa vadear, he muy famosa, e magnifica a que existe na Freguezia de S. Thomé de Perozelo; pois consta de doze arcos de cantaria, obra Romana; e por aqui fazia transito huma das vias militares que sahiaõ de Braga para Astorga.
86 Cá-vay. Este rio passa pelo termo de Castellobranco naõ muy distante da Igreja de Nossa Senhora de Mercoles.
87 Caya. Nasce em Castella na serra de S. Mamede junto do monte chamado dos Sete, termo da Villa de Marvaõ; e correndo pelo meyo dos soutos da Villa de Alegrete, e perto de Arronches, vem separar Campo-Mayor da Cidade de Elvas, e passa pela celebrada ponte de Caya antes de entrar no Guadiana proximo a Badajoz. He esta ribeira muy conhecida, porque sobre a ponte, que alli se levanta, se costuma fazer a entrega das Pessoas Reaes de Portugal, e Castella, que por casamento mudaõ de Reino: assim o vimos em 19 de Janeiro de 1729 nas Reaes entregas das Serenissimas Princezas do Brasil, e das Asturias.
88 Cayde. He hum ribeiro, que nasce no monte de Santo Antonio perto da Vila de Guimarães, e se mete no Celho.
89 Ceife. Ribeira, que corre pela Freguezia de[Pg 116] Santa Margarida do termo da Villa de Proença a velha.
90 Cellinho. Desde o Lugar do Reboto junto a Guimarães corre com o Celho, e se esconde no Lugar dos Sumes, e torna a surgir no Lugar de Sercedelo para se intrometter com o Ave.
91 Celano. O mesmo que o Cávado.
91 Celho. Tem seu nascimento na fonte de S.Torcato perto de Guimarães, e conduzido com o augmento de outros riachos, vay passando triunfante pelos arcos de diversas pontes, a da Madre de Deos, a de Caneiros, a do Miradouro, a do Soeiro, e se vay esconder no rio Ave por baixo da ponte de Servás, conservando sempre o mesmo nome. No Lugar de Penouços deraõ as aguas deste rio de beber às Tropas Portuguezas, e Castelhanas, que se acharaõ na batalha da Veiga das Favas.
93 Ceiça. Ribeira, que entra no Nabaõ, e nasce no termo da Villa das Pias.
94 Cerdeira. Ribeira, que corre pela Villa de Coja, e entra no Alva.
95 Ceras, antigamente Ceres. Entra no Nabaõ.
96 Cértoma. Nasce no Couto da Vacarissa perto do Bussaco, e vay acabar no Agadaõ muy soberbo. As suas aguas antigamente eraõ pessimas: depois que tiveraõ a felicidade de beber dellas Santa Isabel, ficaraõ com tal virtude, que até os gados que alli bebem, saõ as suas carnes de melhor sabor que os de outra parte.[228]
97 Ceira. Rega as Villas de Goes, e Cerpins, fertilizando seus campos, e enriquecendo seus moradores de grãos de ouro, que suas correntes levaõ.
98 Chança. Esta ribeira fica distante meya legua da Villa de Ficalho, e divide por esta parte o nosso Reino do de Castella.
99 Chinches. Corre ao Norte da Cidade de Elvas[Pg 117] por hum amenissimo valle povoado de fresquissimo arvoredo, hortas, e pomares, e repartindo os montes de Nossa Senhora da Graça, e do Castello. Visto este rio da Cidade, faz huma agradavel perspectiva.
100 Chileiros. Nasce este rio na lagoa de Malveira, Lugar da Freguezia de Alcainça, termo da Villa de Cintra; e discorrendo pelas margens do monte Malhamartello, passa por baixo da estrada Real de Mafra, onde se augmenta com os riachos Sexeira, e Pinheiro, que lhe daõ forças para cortar com mayor efficacia o alto monte chamado de Moncharro. Depois entra pelas terras da Freguezia da Igreja nova, e passa pelos Lugares de Moinhos, Granja, Lage, e Farello, onde recebe as aguas do ribeiro Bocco da banda do Sul, e da mesma parte recolhe outro, que nasce na fonte de Danços. Daqui vay caminhando até o moinho das Peras pardas, onde se lhe introduzem as correntes do rio Mouraõ, e as do Almargem do Bispo. Alli faz hum salto, de cujo impulso formaõ as aguas hum profundo poço, que está sempre provido de muito, e bom peixe; e metendo-se pelas Freguezias de Chileiros, e Carvoeira, vay até à Igreja de Nossa Senhora do Porto occultarse no mar. Tem este rio mais de quatro leguas de comprido, em cuja distancia fertiliza boas terras, que todas se fabricaõ. Da Mouxeira para baixo vay banhando deliciosas planicies cheias de muitas vinhas, que só a Freguezia da Carvoeira dizima hum anno por outro trezentas pipas de vinho. Criaõ-se nelle muitos bordallos, mugens, e fataças, que entraõ pela foz, quando se rompe com as cheias.
101 Chouchou. He ribeira, que banha a Villa de Serpa.
102 Coa. No Reino temos dous rios deste nome: hum, que corre junto de Alcobaça, e que se préza de dar nome à dita Villa; outro, que nasce na serra de Xalma, porçaõ da Gata, e entra em[Pg 118] nosso Reino por Folgosinho. Outros lhe daõ o nascimento mais perto de Alfayates, e concordaõ em se meter no Douro em Villa nova de Foscoa. Os Romanos lhe chamavaõ Cuda, e aos povos, por cujas terras passava, davaõ o nome de Cudanos, e Transcudanos. As aguas deste rio saõ boas para tingir lãs, e caldear ferro; porém pessimas para se beber, porque causaõ melancolia, e dores de cabeça.
103 Cobres. Nasce esta ribeira pouco abaixo de Castro-Verde, e unindo-se com o Terges, se vaõ incorporar ambos com o Guadiana, onde perdem o nome.
104 Corgo. Nasce perto da Villapouca, discorre pelos limites de Villa-Real, e vay sepultarse no Douro abaixo de Canellas, e Poyares. Os Romanos lhe chamavaõ Corrugo.
105 Corona. Em distancia de huma legua de Grandola corre este rio pelas raizes da serra dos Algares, e serve de linha divisoria dos termos de Grandola, e Alvalade.
106 Coura. Corre este rio de Nascente para o Poente, e cerca juntamente com o Minho a Villa de Caminha, e se metem no mar ambos, formando duas barras, e a ilha Insoa.
107 Criz. He hum rio composto de muitas ribeiras, o qual passando pela Villa de Santa Comba Daõ, se mete no Mondego.
108 Daõ. Nasce na serra de Carapito pela parte do Sul, ficando-lhe da parte do Norte a serra da Estrella; e dando volta ao Poente, vay ao Castello de Penalva com furia bastante. Faz as extremas dos Bispados de Viseu, e Coimbra pelas terras do Concelho de Besteiros, e por baixo da Villa de Santa Comba Daõ, a que dá o nome, se mete no Mondego.
109 Danços. Tem sua origem junto da Igreja de Nossa Senhora da Estrella por cima da Redinha, Bispado de Coimbra. Mistura-se com o Mondego.
[Pg 119]
110 Davino. Tem seu nascimento na serra, que fica para a parte do Sul da Villa de Grandola, e corre do Poente para o Nascente; e junto da Villa, atravessa huma formosa varzea de vinhas, e muitas arvores de fruta, que fazem deliciosa vista, dando por aqui passagem sobre ponte de pedra para o Algarve, e Campo de Ourique.
111 Degebe, ou Odigebe. Nasce este rio na herdade do Passo, Freguezia de S. Bento do Mato do Alentejo. Atravessaõ-no tres pontes em outros tantos braços no caminho de Estremoz. Tem outra ponte por onde passaõ os que vaõ de Monte de trigo, termo de Portel, para a Villa do Redondo. No Veraõ corre pouco, e conserva a agua só em alguns pégos, ou poços, por cuja causa os Mouros lhe deraõ o nome que tem, que na sua lingua significa fosso, ou cisterna.[229]
112 Deste. Nasce acima de Braga huma legua pouco mais, ou menos para a parte do Nascente: rega os arrebaldes de Braga: tem huma ponte de pouca fabrica, e logo adiante se ajunta com o Ave. Antigamente se chamava Aleste.
113 Diabroria. He huma lagoa, que ha no termo da Villa de Grandola por baixo do olho de agua chamado Borbolegaõ, de que já fallamos, a qual se fórma de huma corrente de agua, que se despenha de huma altissima rocha; e sem já mais ter diminuiçaõ em tempo algum, nem se lhe achar fundo, cria muitos safios, eirozes, e outras castas de peixes, que se pescaõ à cana. Chama-se esta lagoa Diabroria por causa de hum moinho que alli ha, o qual moe entre dia, e noite dous moyos e meyo de paõ.[230]
114 Douro. Conforme as melhores informações nasce este grande rio nas montanhas de Cantabria junto à Cidade de Soria, cujos povos antigamente[Pg 120] eraõ chamados Duraços. Surte de huma portentosa lagoa, e descendo por alcantiladas penedias, discorre pelo Reino de Leaõ, onde se lhe agregaõ o Pisuerga, Carrion, e Tormes. Com este augmento chega a Çamora, e daqui se introduz em Portugal, passando primeiro por Miranda, e Freixo. Logo desce ao Porto, e recolhe os rios Coa, Tua, Pinheiro, Barroza, Tamega, Ferreira, Sousa, e outros, até ir lançarse no mar em S. Joaõ da Foz. He taõ grande a magestade deste rio, que quando nelle se introduzem as aguas dos outros, posto que opulentos, naõ fazem demonstraçaõ alguma na sua entrada.
115 Em Portugal he dos que naõ admittem ponte, porque sempre corre precipitado, e por isso nunca lha puderaõ fazer. Só nas Caldas abaixo de Lamego, onde chamaõ os Piares, estaõ sinaes de arcos de ponte, e por naõ se poderem proseguir, deixaraõ a empreza. Fertiliza muito as terras, por onde corre, com frutos de todo o genero muy excellentes. Pescaõ-se nelle grande numero de saveis, e lampreas, que na Primavera sahem do mar, e desovaõ pelo rio acima vinte leguas até S. Joaõ da Pesqueira, onde no meyo está hum fragoso cachaõ, que embaraça a passagem para diante. Em tempo de André de Resende intentou o Desembargador Martinho de Figueredo desimpedir este precipicio, e fazer navegavel o Douro mais para cima; porém encontrou taes contratempos, e resistencia na inveja dos homens, mais duros que o mesmo rochedo, que se deixou da empreza começada.
116 Tem fama de trazer areas de ouro, e de facto ha pessoas, que no lugar, onde o Tua entra no Douro, vaõ alli gandaiar, e naõ debalde, como affirma o grande Argote.[231] O Doutor Francisco da Fonseca Henriques, fallando deste rio, diz, que as[Pg 121] suas aguas tem virtude deobstruente, porque passaõ por muita tamargueira, e assim saõ uteis para os opilados do baço. Tambem se affirma, que a vista das suas aguas causa melancolia, e dores de cabeça.
117 Elja, ou Elga. Corre direito ao Sul, e passa por entre Valverde, e Castello das Eljas. Divide por dez leguas Portugal de Castella, e se diffunde no Tejo entre Rosmaninhal, e Alcantara.
118 Enfesta. Pequeno ribeiro, que desagua no Minho.
119 Enguias. Corre esta ribeira por hum Lugar do seu nome, que fica no termo da Villa de Belmonte.
120 Enxarrama, ou Xarrama, nasce do ribeiro do Louredo, e se junta depois com o da Lage perto do Convento do Espinheiro de Evora. Tem sete pontes pequenas, e huma grande. A primeira da Cidade para o Espinheiro: a segunda no caminho que conduz para Villa Viçosa: a terceira na estrada para Béja: a quarta da quinta do Sande: a quinta a dos fornos da cal: a sexta a que vay para Portel: a setima do Louredo: a oitava grande, e sumptuosa, que fica da parte do Norte da Villa do Torraõ. Por ella passa quem vay para Alcacer do Sal, e para Alcaçovas, ficando no meyo desta o grande ribeiro das Banhas. Depois finalmente que desagua na ribeira do Sado, vay com ella o Enxarrama meterse no rio de Alcacer do Sal.
121 Enxurro. Corre perto da Villa da Pederneira este ribeiro, que lhe serve de grande utilidade.
122 Erra. Rega esta ribeira os campos de Coruche, e nella se mete a do Odivor.
123 Escura. He huma lagoa assim chamada, e muy celebre no mais aspero da serra da Estrella, que tem muitos passos de circuito, e consta de aguas tristes, e verdenegras, a que nunca se lhe achou fundo, nem cria cousa alguma. Quando o mar anda bravo, se embravece tambem a agua da lagoa, dando[Pg 122] bramidos a modo de trovaõ, que se ouvem dalli muitas leguas; donde querem dizer os naturaes que se communica com o mar, naõ obstante estar delle muito affastado, e serem doces as suas aguas; porque affirma Joaõ Vaseu teremse-lhe achado mastros de navio. Perto desta lagoa nascem os celebres rios Mondego, Zezere, e Alva.
124 Mons. Marvellú, que teve a curiosidade de ver, e observar o melhor deste Reino para a sua Historia natural que intentava compor, escreve nas suas Memorias,[232] que subindo, e penetrando a altura desta serra, e fazendo lançar dentro da lagoa Escura hum moço atado com huma corda, observara este, que tendo andado cento e cincoenta passos, sentira que as aguas puxavaõ fortemente por elle; donde se póde inferir, que as aguas, que alli formaõ aquelle lago, tem alguma abertura, ou voragem por onde desaguaõ impetuosamente.
125 Esporaõ. Nasce na Povoa da Margem da parte do Sul do Concelho de Guardaõ, e se mete no Criz.
126 Fervença. Banha a Cidade de Bragança.
127 Figueiró. He ribeira, que se diffunde pela Villa de Niza, e nasce na serra de Portalegre.
128 Filvida. Corre pelo Concelho de Sever, e faz parte da divisaõ dos Bispados de Viseu, e Coimbra.
129 Folques. He huma ribeira de Arganil, que entra no Alva.
130 Freixiandas. Discorre por Alvayazere.
131 Freixo. Atravessa este grande ribeiro a mata da Bardeira da Villa do Vimieiro. Passa por entre Selmes, e Cuba, Aldeas no termo de Béja. Corre sempre por penedias, de que procede criar singulares bordalos.
132 Fresno. Mantem, e fertiliza este rio a Cidade[Pg 123] de Miranda, a quem cerca pela parte do Occidente, e onde he recebido em ponte de pedra lavrada. Ha aqui proxima huma fonte, cuja agua vem por arcos conduzida do Lugar de Villarinho.
133 Fulias. Desagua no Minho.
134 Gafaria. Entra no Douro.
135 Garcia menino. He hum celebre pego, cujas aguas enriquecem o rio Sadaõ, e onde se acha em todo o anno muito peixe, especialmente as nomeadas tainhas de boca vermelha.
136 Germunde. Entra no Douro.
137 Gobe. Entra no Guadiana da parte de Portugal.
138 Grefões. D. Francisco Manoel cuida que he o Celando, que nós appropriamos ao Cávado. Veja-se o Padre Poyares no Diccionario pag. 347.
139 Gogim. Faz este rio com suas aguas, que banhaõ a Freguezia do Salvador de Sabadim, Comarca de Viana, augmentar grandemente o rio Vez, com o qual se incorpora.
140 Guadiana. Nasce quatro leguas de Montiel em huma lagoa chamada Roidera na terra de Alhambra; e sumindo-se junto de Argamansilha, resurge dalli sete leguas perto de Daimiel, onde chamaõ os olhos do Guadiana; e correndo do Oriente para Poente, entra em Estremadura. Chegando a Medalhim, muda seu curso para Meyo dia até chegar huma legua antes de Merida, donde torna ao Poente, banhando seus muros, e os do Castello de Lobon, e Cidade de Badajoz, a huma legua da qual, e duas da Cidade de Elvas, divide os termos de ambas por huma parte, e o rio Caya por outra.
141 O nome proprio antigo de Guadiana foy Ana, derivado, conforme a opiniaõ de alguns, de Sic-ano, que dizem ser Rey de Hespanha; porém, segundo Samuel Bocharto,[233] he palavra Syriaca,[Pg 124] a qual significa ovelha, porque nas margens deste rio se apascentaõ grandes rebanhos desse gado. Os Mouros lhe chamaõ Guad-hana, que quer dizer cousa, que se esconde. Entra em fim em Portugal abundante de aguas de outros menores rios, que se lhe introduzem, e perdem nelle o nome. Continúa seu curso, dividindo a antiga Betica da Lusitania, e se lança no Oceano Athlantico entre Ayamonte, e Castro-Marim.
141 Enobrecem-no tres formosas pontes, a de Merida, Badajoz, e Olivença. Nesta ponte mandou ElRey D. Joaõ II. edificar huma torre de tres sobrados com suas janellas, e seteiras, que defendiaõ a passagem do rio. Depois a mandou reedificar ElRey D. Manoel, ficando huma das mais galhardas, e formosas pontes de todo o Reino por sua fortaleza, arquitectura, e fabrica, a qual assenta sobre os penhascos do rio, que naquella parte corre alcantilado sobre dezoito arcos, e tudo he passo importantissimo para soccorrer Olivença, em que os passageiros pagavaõ certo direito, que já naõ permanece. No principio das ultimas guerras de Castella, que aconteceraõ o anno de 1709, a arruinaraõ os Castelhanos. Fr. Bernardo de Brito na Geografia de Portugal, fallando das aguas deste rio, diz, que costumaõ fazer negra a farinha do trigo, que com ellas se moe. Tem ellas virtude diuretica, e deobstruente, como nos diz o Aquilegio Medicinal.
145 Herdeiro. Corre este rio chegado aos muros de Guimarães. Traz sua origem da fonte do Bom-Nome, que está no Casal, que chamaõ d’Entre as vinhas, na Freguezia de S. Pedro de Azurey. Tem huma só ponte de pedra lavrada, que chamaõ de Santa Luzia, mais magestosa do que convinha à pobreza das suas aguas. Vay acabar no rocio de S. Lazaro, aonde ajudando-o outro regato, vaõ ambos incorporarse com o Celho no Lugar do Reboto.
144 Homem. Tem seu berço na serra do Gerez,[Pg 125] e no sitio chamado Lamas de homem. Dalli correndo direito ao Poente precipitado por entre penedias, vay engrossando com os cabedaes de outras ribeiras até se despenhar estrondosamente na Portela de Homem; donde voltando a corrente para o Meyo dia dentro do espaço de meya legua, torna a enriquecerse com as aguas de treze rios, com as quaes muito mais poderoso vay desembocar no rio Cávado a huma legua de Braga.
145 Jarda. Ribeira bem conhecida no termo de Lisboa, e na Freguezia de Bellas, por onde corre.
146 Inha. He huma ribeira muy impetuosa, que corre de altos precipicios, e onde se criaõ aguias. Mete-se no Douro.
147 Jocete. Mete-se no Guadiana.
148 Isna. Divide os termos das Villas da Certã, e Abrantes.
149 Junqueira. Rio, que desagua na enseada da Villa de Sines.
150 Lamas. A Geografia Blaviana o assina no Alentejo.
151 Lampas. Entra no Guadiana da parte de Portugal.
152 Laurede. Tambem entra no Guadiana da mesma parte.
153 Lavandeiras. Corre pela Villa de Moura, e faz hum profundo fosso a hum dos seus baluartes, a que dá nome, e se mete no Ardila para ir desembocar no Guadiana.
154 Leça. Principia doze leguas acima da foz do Douro. Outros lhe descobrem a origem no monte Corva, e concordaõ em que elle depois de discorrer pelo termo da Cidade do Porto, se vay lançar no mar em Matozinhos, fazendo apraziveis os campos, por onde passa. Deste rio tomou nome o Mosteiro de Leça, da Ordem de S. Joaõ de Malta, e foy muy celebrado na lyra do insigne Sá de Miranda. Ha nelle tres pontes de pedra boas, e[Pg 126] grandes, em Matozinhos, no Mosteiro de Leça, e em Alfena. Alguns Authores equivocaõ este rio com o Celando, especialmente Manoel de Faria, e ainda com o Lethes, chegando a dizer naõ só na Europa Portugueza tom. 3. p. 3. cap. 7. mas na Fonte de Aganippe part. 2. Poema 8.
El Leça, que por hondo, y fresco valle
Corriendo con sociego grave, y blando
Occupa, angosta, y tortuosa calle
Con los nombres de Lethes, y Celando;
Pero si del olvido se appellida,
Quien una vez le vê, já mas le olvida.
Equivocaçaõ, em que tambem cahio Resende, como bem notaõ Joaõ Salgado de Araujo, e o incansavel Academico D. Jeronymo Contador de Argote na Geografia de Braga.
155 Lena. Nasce perto da Villa de Porto de Mós, e caminhando até Leiria, se incorpora com o Lis, e ambos se vaõ esconder no Oceano.
156 Lima. He rio de grande fama. Nasce nas Asturias, conforme Estrabo, vem por Galiza passar a Portugal pela ponte da Barca, e Ponte de Lima até ir fazer foz propria em Viana. Pescaõ-se nelle, além de outros peixes, os grandes salmões, e solhos. Fr. Bernardo de Brito[234] deduz o nome deste rio da terra, onde nasce, que he Limia em Galiza, a qual se chama assim por causa dos muitos lamarões, e lagoas, que tem, chamadas em Grego Lymnas, e em Latim Lymum, donde se derivou Lima em Portuguez.
153 Pomponio Mella, e Hermoláo Barbaro dizem, que se chamou Belion e depois Lethes. Assim cantou o mellifluo Bernardes na Eglog. 7.
Junto do Lima claro, e fresco rio,
Que Lethes se chamou antigamente.
[Pg 127]
A causa deste nome Lethes, que significa esquecimento, foy pela sabida desavença, que entre si tiveraõ os Celtas, e os Turdulos nas passagens das suas margens, chegando a alterarse em fórma, que mataraõ seu General, de cujo delicto envergonhada a gente, determinaraõ logo ausentarse, impondo ao rio hum nome de esquecimento, para que ficasse desvanecida, e sepultada a memoria de semelhante insulto.
158 Assim permaneceo este nome expressivo do successo, e proprio ao idioma dos Turdulos. Vieraõ depois os Gregos, e os Latinos, e perdida já a noticia do vocabulo, mas naõ do acontecimento, que por tradiçaõ perseverava, se contentaraõ de lhe chamar rio Lethes. De tudo vimos a concluir contra a persuasaõ vulgar, que ainda que o nosso rio Lima fosse em algum tempo chamado Lethes, nem por isso tem dependencia com o Lethes fabuloso dos antigos, de que fallaõ os Authores abaixo;[235] porque este nome Lethes se acha imposto a outros rios illustres, como diz Claudiano:[236] e todos os rios, que tem adquirido semelhante nome, he porque houve nelles motivos, ainda que incognitos, de especial esquecimento, e taes saõ os que sinala Estrabo[237] em Macedonia, e em Candia, sem que por este principio haja dependencia, que faça perverter o certo com o fabuloso.
159 Porém se nos argumentarem com o caso dos Romanos referido por Lucio Floro,[238] que chegando às prayas deste rio, repugnaraõ atravessallo, crendo que se esqueceriaõ das suas patrias, porque estavaõ persuadidos era elle o verdadeiro Lethes; respondemos, que este conceito era futil, e aerio; pois Junio Bruto, Proconsul, que os governava,[Pg 128] para lhes offuscar o panico terror, que os surprendia, passou-se da outra parte do Lima, e de lá recitou muitas cousas particulares de Roma, para que vissem ser falso que aquelle rio fazia esquecer, pois elle atravessando-o, se lembrara do seu Paiz, e dos successos anteriores: e como adverte Adaõ Ruperto, commentando Lucio Floro, toda aquella repugnancia dos Soldados nasceo da infamia do nome, que lhes offerecia o rio, e naõ de causa, que nelle houvesse para produzir o esquecimento; no que tambem se conforma Isacio Vossio, commentando a Mella pag. 229. contra cujo parecer, mas sem fundamento, está o famoso Caramuel, que no Prologo do seu Filippe Prudente, fallando do Lima, attribue às suas aguas serem nocivas à memoria, e que daqui se occasionara a fabula. O certo he, que este rio corre com tal brandura, que naõ só parece que corre esquecido de correr, mas que faz esquecer os olhos, que o vem, de que o vissem correr alguma hora, como galantemente disse D. Francisco Manoel em huma das suas cartas, e o imitou nosso insigne Botelho, e o Padre Reys.[239]
160 Liria. He ribeira de Castellobranco.
161 Lis. Nasce no termo de Leiria no Lugar das Cortes, que fica numa legua distante da Cidade. Rodea-lhe o Castello, e deixando a Cidade, e o Castello à maõ esquerda, vay dobrando contra o Norte, onde estaõ os arrebaldes da Cidade, até se ajuntar com o rio Lena.
161 Lixosa. Nasce esta ribeira na serra de S. Mamede, donde vem circulando pelo espaço de huma legua ametade dos pomares de Portalegre, fazendo trabalhar os seus moinhos, e lagares. Toma o nome de Lixosa, porque passa por huma quinta assim chamada. Dahi a duas leguas entra pelo Crato,[Pg 129] onde tem ponte de nove arcos, e se lhe ajuntaõ os ribeiros de Linhares, e Xocanal. No fim de quatro leguas passa pela Villa de Seda, onde toma este nome; e caminhando tres leguas se incorpora com as ribeiras da Fronteira, e Sarrazola para entrar em Aviz mais opulento. Todas estas correntes quando chegaõ à cerca dos Freires, fazem hum grande pégo, a que chamaõ do Barco, e dahi por diante fica sendo huma só ribeira com o nome de Aviz. Finalmente entra no Tejo com o nome de Sorraya depois de ter enriquecido as suas margens com abundancia de peixes, especialmente de saveis, que no mez de Mayo se mataõ à espada.
163 Lobos. Ribeira, que nasce na serra do Lugar de Bornes, termo de Bragança; e tendo caminhado tres leguas, entra no rio Tua junto a Mirandella.
164 Lousaõ. He huma ribeira no termo da Villa de Thomar da parte do Meyo dia, que rega huma formosa, e amena planicie.
165 Locía. He hum pequeno regato, que passa pelo meyo da Villa de Amarante.
166 Lucefece. Nasce na serra d’Ossa, e correndo junto da Villa de Terena da parte do Norte, fertilizando o Alandroal, e Redondo, se vay meter no Guadiana.
167 Maçaõ. Nasce perto da serra chamada Teixeira, e entra no Douro.
168 Maratéca. He huma das grandes ribeiras do Alentejo naõ muito longe da Agualva. Por ella se passa para a Moita.
169 Marcabron. Serve esta ribeira de separar os termos de Villa Alva, e o de Villa de Frades. Por outra parte divide os limites de Béja dos de Villa Ruiva, e Alvito: mete-se no de Odivellas, que vay parar ao Sado.
170 Marnel. Discorre pelo lado meridional da Villa de Vouga.
[Pg 130]
171 Mendo-Marques. No termo de Arrayolos, e no sitio da Freguezia de S. Gregorio corre esta ribeira.
172 Mente, ou Rabaçal. He rio, que nasce perto de Pentes, Lugar de Galiza, e rega o termo da Villa de Monforte, donde caminha para o Tua, no qual se mergulha junto ao Lugar de Chellas em Mirandella depois de caminhar doze leguas. Pescaõ-se nelle boas trutas.
173 Merce. He huma ribeira, que nasce junto do Lugar de Val de Prados, termo de Bragança; e correndo perto da Villa de Cortiços, passa por huma ponte de dous arcos, para se ir incorporar com o Tua.
174 Minho. Para diante do Lima tres leguas ao Norte corre o Minho quasi taõ opulento como o Douro. Estrabo lhe dá o nome de Benis. Nasce perto da Cidade de Lugo, e caminhando o espaço de trinta e seis leguas, rega em Portugal as Villas de Melgaço, Monçaõ, Valença, Cerveira, e vem fenecer no mar entre a Cidade de Tuy, e a Villa de Caminha. Dizem que o chamarse Minho he por causa da cor, que as suas aguas recebem do fundo, que tiraõ hum pouco a vermelho: outros o attribuem ao vermelhaõ, que nasce nelle; porém Joaõ Salgado na Hydrografia deste rio diz, que se deriva da fonte Minhaõ, onde nasce, quatro leguas ao Norte de Lugo. Fallaõ deste rio os Authores abaixo allegados.[240]
175 Mondego. Tem sua origem na serra da Estrella; e discorrendo pela Cidade de Coimbra, lhe communicaõ suas aguas fecundidade, e recreyo nos[Pg 131] campos, e nos bosques; e depois de banhar todo o terreno, e passar pela famosa, e formosa ponte, vay concluir seu curso, e formar o porto de Buarcos. Da serenidade do seu progresso se lembrou Camões, quando cantou:[241]
Vaõ as serenas aguas
Do Mondego descendo,
E mansamente até o mar naõ paraõ.
Falla o Poeta de quando elle corre no tempo do Estio; porque no Inverno se precipita furioso, causando muitos estragos, e ruinas; donde Vasco Mousinho veyo a dizer:[242]
Mondego no Veraõ sereno, e brando,
Turvo no Inverno, bravo, e dissoluto.
Té lá onde na foz, que vay buscando,
Paga de suas aguas o tributo.[243]
176 Montijo. He rio da Villa de Aldea-Gallega. Nasce em hum bom porto, huma legua antes que se sepulte no mar: he muy espaçoso, e navegavel quasi com todo o vento: com baixamar espraya, mas nem por isso (se for preciso) deixaráõ a toda a hora de receber os seus canaes com segurança as embarcações, que vaõ de Lisboa.
177 Mós. He huma pequena ribeira, que corre perto da Villa de Mós. Caminha quatro leguas antes de se meter no Douro: hum quarto de legua afastado da Villa tem ponte de tres arcos.
178 Murtigaõ. Ribeira, que passa junto ao Convento da Tomina.
179 Nabaõ, antigamente chamado Nava de Juncoso.[244] Corre este venturoso rio pela Villa de Thomar; e damos-lhe o nome de venturoso, naõ só porque[Pg 132] deu fama, e nome à insigne Cidade de Nabancia, que esteve aqui fundada, e foy regada com suas aguas, mas porque ellas tiveraõ a fagrada prerogativa de conduzirem até Santarem o bemaventurado corpo da gloriosa Santa Iria, que junto dellas martyrizou o cruel Banaõ por ordem de Britaldo, filho do Governador de Nabancia; donde Fr. Joaõ Felix disse:[245]
Præcipitat Naban, Irenes Virginis olim,
Qui sacra mærenti corpora vexit aqua.
Nasce elle na fonte do Agroal junto da foz da ribeira das Pias; e entrando com arrogancia pela Villa dentro de Thomar, e pela ponte da Granja, sahe por outra, que fica para o Sul, chamada das Ferrarias; e engrossado com outros riachos, se occulta no Zezere para entrarem ambos no Tejo junto à Villa de Punhete.
180 Neiva. Este rio sahe das montanhas de Avoim, e vem fertilizando os campos da Ponte da Barca, e Ponte de Lima; e depois de se sujeitar a quatro pontes, entra no mar Oceano pela foz, que naõ dista muito de Viana. Duarte Nunes diz,[246] que este rio se mete no Cávado, para ambos entrarem no mar entre Faõ, e Esposende; porém outros[247] emendaõ esta equivocaçaõ com a noticia mais certa, que temos expendido; porque as duas povoações de Faõ, e Esposende ficaõ para a parte do Norte muito mais adiante, donde o rio desemboca.
181 Niza. Cerca por hum lado a Villa de seu nome, e nasce na serra de Portalegre.
182 Noeime. Nasce junto da Guarda com dous braços: hum delles na fonte Dorna, que corre ao Poente, vira para o Norte, e depois continúa ao[Pg 133] Nascente; o outro principia no Lugar de Porcas pela parte do Sul, e se mete no rio Coa por baixo da Miuzella: he a informaçaõ, que nos dá Joaõ Salgado de Araujo pag. 108.
183 Obidos. No termo desta Villa está a celebre lagoa, que tem de Norte a Sul huma legua de comprido, de Nascente a Poente tres quartos de legua, desorte que faz a fórma de numa Cruz com os braços de mar que humas vezes se lhe communica, e outras naõ. Serve de pé a esta Cruz a barra a que chamaõ Foz, a qual com os ventos Nortes se entupe tanto de area, que divide o mar da mesma lagoa. Nella entraõ tres rios, dous pelo Sul, e hum pelo Nascente: os dous saõ os que passaõ pelo arrabalde de Obidos, e pelo lugar da Amoreira, onde chamaõ Aboboriz: o terceiro vem das Caldas.
184 Quando esta lagoa está communicavel com o mar, he fertil de toda a qualidade de peixe; pescando-se nella muitas douradas, robalos, solhos, tainhas, safios; e até excellente marisco, de ostras, amejoas, berbigões, e admiraveis camarões; de cuja fertilidade se utilisaõ as duas Villas de Obidos, e Caldas, e mais terras circumvisinhas; tomando todos o deleitavel divertimento de fazerem alli repetidos lanços; e juntando-se às vezes na lagoa mais de vinte bateiras para esse effeito.
185 No sitio a que chamaõ da Cabana, memoravel naõ só pela Ermida da Senhora do Bom Successo, de muita devoçaõ; mas pelo ameno, e delicioso do lugar povoado de grande arvoredo, o Senhor Rey D. Joaõ IV. teve o gosto de jantar alli, como consta de hum padraõ aberto em lamina de pedra, que diz: O Serenissimo, e feliz Restaurador deste Reino ElRey D. Joaõ IV. jantou nesta Cabana: a 14 de Setembro de 1645 foy feita. Em outro padraõ está outro letreiro, que diz assim: O Magnanimo Monarca D. Joaõ V., e os Serenissimos Infantes D. Antonio, e D. Manoel jantaraõ nesta Cabana aos 14 de Abril de 1714.
[Pg 134]
186 Acha-se no meyo deste bosque huma mesa de pedra lavrada, simplesmente inteiriça, que tem duas varas e meya de comprido, e vara meya de largo: por ambos os lados ha dous bancos tambem de pedra do mesmo comprimento, e nas cabeceiras outros dous. Defronte da mesa corre huma fonte de cinco bicas de agua perenne, que faz o lugar mais aprazivel. Aqui se divertiraõ na caça dos galeirões, e ades em Outubro de 1761 o Fidelissimo D. Joseph I. com a Rainha Nossa Senhora, o Serenissimo Infante D. Pedro, a Serenissima Princeza, e mais Pessoas Reaes com a mayor parte da Corte.
187 Ocreza. He huma ribeira, que corre junto da Villa de Sarzedas.
188 Odemira. Banha Villa nova de Mil fontes no Algarve, e a pouco espaço se mete no mar.
189 Odiége. Fórma-se de duas ribeiras nas Freguezias de S. Brissos, termo de Montemór o novo, e de S. Sebastiaõ da Gesteira, termo de Evora. Tem ponte, e passada ella, se vê no alto de hum oiteiro da parte do Sul a milagrosa fonte da Senhora da Esperança das Alcaçovas, de que fallaõ o Santuario Mariano tom. 6. pag. 320. e o Diccionario Geografico de Cardoso tom. 1. pag. 143.
190 Odivelas. Nasce na serra de Portel, e vay regar a Villa de Alvito. Tem duas pontes, huma da banda do Sul no caminho que faz o correio desta Villa para Béja, donde dista cinco leguas: outra em Villa Ruiva na estrada por onde se vay desta Villa para Evora: esta ponte foy fabrica dos Romanos, por ser transito da via militar de Evora para Béja. Para diante da Aldea de Alfundaõ separa o termo de Béja do Torraõ, e incorporado com a ribeira do Marcabron, vay morrer ao Sado.
191 Odivor. Fertiliza pela parte do Norte os campos da Villa das Aguias; e discorrendo pelo termo de Arrayolos, tem na Freguezia de Santa Anna duas pontes, e dá movimento a sete moinhos.[Pg 135] Esta ribeira he a mesma que a de Arrayolos.
192 Olivença. Passa esta ribeira pelo termo da Villa de seu nome. Alguns dizem, que nasce nas serras de Salvaterra, outros na de Salva Leon; mas sempre concluem, que tem sua origem em Castella, cujas correntes fazem apartar aquelle Reino do nosso: mete-se no Guadiana.
193 Olho de Pedralva. He huma pequena ribeira, que nasce de huma fonte no Lugar de Pedralva, termo da Villa de S. Lourenço do Bairro, Bispado de Coimbra.
194 Orãos. He hum dos rios, que banhaõ a Villa de Soure, e vem da Villa de Pombal para se meter no Mondego.
195 Paiva. Nasce este rio em o sitio de Nossa Senhora da Lapa; e chegando à Freguezia de S. Martinho do Gafanhaõ, divide o Bispado de Lamego do de Viseu: depois correndo até o Castello de Paiva, perde o nome, entrando no Douro cançado de ter andado doze leguas. Escreve delle Jorge Cardoso,[248] donde tirou o que diz a Corografia Portugueza.[249]
196 Palhas. He hum rio, que corre por Villar-Mayor, conforme vemos no Mappa de Joaõ Bautista Lavanha.
197 Paul. Rio, que entra no Zezere.
198 Pega. Ribeira, que corre perto da Villa de Pinhel, e desagua no Coa.
199 Pedonde. Nasce em Arouca abundante de gostosas lampreas, e acaba no Douro.
200 Pera. He rio menor que o Zezere onde se embebe; cerca a Villa de Pedrogaõ, e utiliza a de Figueiró com a copia de seu peixe. Deste rio se lembra Camões.[250]
201 Pera-manca. Tem seu nascimento nas vinhas[Pg 136] de Evora, e corre junto da cerca dos Capuchos de Valverde, e se mete no Odiege depois de passar por huma ponte.
202 Pernes. Esta famosa ribeira deu o nome, ou o tomou do Lugar, que fica no termo de Alcanede: he abundante de agua, e assim a communica por muitos moinhos, que anima, e a muitas hortas, e pomares, que fertiliza. A agua da levada, que corre mais junto da ponte, dizem, que por intercessaõ de hum Bispo, que por alli passara, lhe infundio virtude para sarar toda a casta de chagas. Cria bom peixe, e desagua no Tejo.
203 Pias. Dá esta fertilissima ribeira nome a huma Villa, e nasce em hum lago junto da Ermida de S. Marcos dentro da quinta chamada da Figueira de huns formosos olhos de agua; e costeando a serra de Monchite, se mete no Nabaõ, fertilizando em tal fórma as terras, por onde corre, que lhes faz duplicar dentro de hum anno todo o genero de frutos.
204 Piodaõ. Corta pelo meyo o Concelho de Vide de Foz de Piodaõ, e entra no Alva.
205 Pipa. Rega pela parte do Norte a Villa da Arruda.
206 Pisco. Pela parte do Oriente da Villa de Langroiva corre este rio, que fertiliza seus campos de paõ, azeite, e frutas.
207 Ponsul. De tal fórma cerca a Villa de Idanha a velha, que a reduz a Peninsula. Em distancia de huma legua para o Nascente de Castellobranco tem ponte.
208 Pontega. Passa pelas Freguezias de S. Gregorio, e Nossa Senhora da Consolaçaõ, termo de Arrayolos, e se mete no Odivor.
209 Quarteira. Este rio he do Algarve, e corre junto a Faro.
210 Rabaçal. He o mesmo que o rio Mente.
211 Ramalhoso. Ribeiro, que passa pela Villa de S. Vicente, e seu termo.
[Pg 137]
212 Regalvo. Desagua na enseada da Villa de Sines.
213 Rezes. Ribeira do termo do Sardoal.
214 Riba-Pinhel. Nasce perto da Igreja de Nossa Senhora da Lagoa: começa sua corrente pelo termo da Guarda encaminhado ao Sul: passa ao termo de Jarmelo direito ao Nascente, e torna a voltar para o Norte por entre Jarmejo, e Castello-Mendo. Vay à ponte de Pinhel, e huma legua adiante entra no Coa.
215 Ribeira de Freixas. He hum pequeno rio, que corre meya legua distante da Villa de Trancozo.
216 Ribeira dos Gallegos. Corre pelo termo da Villa de Vinhaes, e junto da Freguezia de Santa Cecilia dos Casares, onde se pescaõ muitas, e boas trutas.
217 Ribeira da Murta. No termo de Alvaiazere discorre esta ribeira pela Freguezia de S. Pedro do Rego, e divide este termo do da Villa das Pias.
218 Rio das Maçãs. He huma ribeira, que corre junto à Villa de Collares.
219 Rio Mourinho. Passa pelo termo de Montemór o Novo, e por junto do Convento dos Religiosos Paulistas, que os provê de grandes pardelhas.
220 Rio Tinto. Corre huma legua distante do Porto. Chama-se tinto, porque quando foy a geral destruiçaõ de Hespanha, mataraõ os Cidadãos do Porto tantos Mouros, que o sangue chegou a tingir a agua.[251] Mete-se no Douro.
221 S. Romaõ. Nasce na Freguezia de S. Martinho das Amoreiras, termo de Ourique. Corre pelas Villas de Alvalade, Garvaõ, e termo de Panoyas, até desaguar no porto delRey, termo da Villa de Alcacer do Sal.
222 Sabor. Nasce por cima do Lugar de Rabal, que fica na raya de Galiza, mas he termo de Bragança,[Pg 138] donde dista duas leguas. Discorre sempre por altas, e alcantiladas penedias, até chegar aos confins da Villa de Castro Vicente; e depois de ter andado dezaseis leguas, e obedecer a cinco pontes, algumas de cantaria, e de perfeita arquitectura, com orgulho desagua no Douro.
223 Sacavem. Este rio, que discorre pelo Lugar de seu nome duas leguas distante de Lisboa, desemboca no Tejo, e faz huma profundissima foz, na qual podem entrar os mayores navios deste porto; e ficando quasi ao Norte da Cidade, volta contra o Noroeste, navegando-se até a Mealhada, e da sua ribeira se levantaõ huns montes, que a cultura tem feito apraziveis, os quaes se vaõ estendendo com huma larga volta contra o Poente, levando sempre ao pé hum fundo valle aberto por muitas partes com regatos, que por elle correm. Por ordem delRey D. Joaõ. V. se reformou a barca da passagem deste rio pela admiravel idéa do nosso insigne Maquinista Bento de Moura, com grande commodidade para os passageiros.
224 Sadaõ, ou Sado. O nascimento deste rio foy ignorado por Duarte Nunes na Descripçaõ de Portugal; porém Joaõ Salgado de Araujo diz, que nasce nas faldas da serra de Monchique junto à Villa de Almodovar, e passando por Ourique, recebe as ribeiras de Aivados, Gracido, Ferrarias, Campilhas, Figueira, Roxo, e Garcia menino, onde faz hum grande lago, e mais para diante outro, que chamaõ de Santa Margarida, até que copioso vay acabar em Setubal. André de Resende ignorando-lhe tambem o principio, e dando-lhe o nome de Callipode, que o tirou de Ptolomeu, diz que depois de se ajuntarem as torrentes do Enxarrama, Santa Detença, e Odivellas acima de Porto de Rey, he que se começa a chamar Sado; nome que usurpa pela demora que faz no esteiro de Alcacere, antigamente Salacia; e por naõ viver muito tempo soberbo,[Pg 139] e desvanecido com tanto roubo, morre dahi a pouco em Setubal, formando-lhe huma grande foz, e bahia. He navegavel este rio por doze leguas até Porto de Rey; e as terras por onde passa, adornadas de muitas fontes, e arvoredos, ficaõ ferteis, e e cheias de nata para corresponderem abundantes na breve producçaõ dos seus frutos.
225 Safrins. Corre em distancia de meya legua da Villa de Ferreira, e a provê de bordalos taõ bons, que se mandaõ dar aos doentes.
226 Sarmenha. He huma ribeira, que dista do rio Douro duas leguas, e nasce nas raizes da serra do Maraõ.
227 Sarrazola. Caudalosa ribeira, que banha Benavilla, huma legua distante de Aviz.
228 Seda. Nasce esta ribeira nas serras de Portalegre, e rega a Villa, a que dá o nome.
229 Sertima. Rio, que corre pelo termo da Villa de S. Lourenço do Bairro, e que se augmenta com muitos ribeiros, que fertilizaõ o mesmo termo.
230 Sequa. Divide, ou corta pelo meyo a Cidade de Tavira, o qual nascendo do sertaõ, faz este transito por huma boa ponte de sete arcos.
231 Sever, ou Severa. Tem sua origem na serra de S. Mamede no Alentejo, e com as fontes, que se despenhaõ das serras de S. Braz, e Portalegre, se faz copioso. Desta sorte correndo pela Villa de Ouguela, paga seu tributo ao Tejo junto a Villa Velha, onde se pescaõ as mais excellentes trutas. O Padre Poyares no Diccionario Geografico lhe dá o fim no Guadiana à vista de Badajoz.
232 Silveira. Pequena ribeira, que se despenha da serra d’Ossa da banda do Sul.
233 Sizandro. Principia a descubrirse na Sapataria de huma fonte chamada Sizandro, e vem cercar Torres-Vedras, que para mayor commodidade se atravessa com cinco pontes.
234 Sobrena. He huma ribeira do Alentejo, que[Pg 140] nasce entre Viana, e Villa nova da Baronia, a qual regando os seus pomares, se mete em Odivellas.
235 Sorraya. He huma ribeira, que pela parte do Sul banha a Villa de Erra.
236 Sor. He huma caudalosa ribeira, que banha a Villa da Ponte de Sor pela banda do Oriente, e se mete no Tejo ao pé de Coruche. Os Romanos fundaraõ aqui huma grandissima ponte, para por ella fazerem a estrada de Santarem para Merida.
237 Sordo. Na Freguezia de Santa Eulalia da Comieira do Concelho de Penaguiaõ corre este rio da parte do Norte; e passando pelo Lugar de Relvas, se vay esconder no Corgo.
238 Sozeis. Dista esta ribeira duas leguas de Evora no caminho de Béja, e se recolhe no Enxarrama.
239 Sousa. Nasce junto à Igreja de Moura entre o Mosteiro de Pombeiro, e o de Cramos; e daqui descendo a fertilizar todas as terras, a que vay dando nome por espaço de oito leguas, vay acabar no Douro defronte do Lugar de Arnelas, duas leguas acima do Porto.
240 Soberbo. Deixou este rio de ser Tavora por ser Soberbo, depois que o ultimo Marquez daquelle titulo Francisco de Assiz padeceo no caes de Bellem a 13 de Janeiro de 1759 a injuriosa morte pela conjuração em que entrou contra o Fidelissimo D. Joseph I. E porque naõ corresse mais com o nome de Tavora, cujo appellido recebia, tanto que fazia alto na venda do Cepo, daquelle dia por diante se mandou chamar o rio Soberbo. Origina-se elle de huma fonte chamada de Joaõ Duraõ perto de Trancoso, e do Mosteiro de S. Francisco. Augmentado com outros pequenos rios alcança nome; e caminhando para o Norte até a ponte do Abbade, divide os dous Bispados de Viseu, e Lamego. Avista Sernancelhe, e o Mosteiro da Ribeira, que he de Freiras de Santa Clara, e com ponte de madeira se[Pg 141] vay indo direito Nornordeste ao Villar, e por ponte de pedra se diffunde a Fonte Arcada; e voltando outra vez para o Norte, marcha por entre Paredes, e Castello de Cabriz até descer ao Mosteiro de S. Pedro das Aguias. Estende-se a Espinhosa, e vay buscar sua ponte de pedra, onde he chamado o Poço do fumo. Visita a Villa de Tavora, e o Lugar de Taboaço, e daqui caminha para o Douro.[252]
241 Sul. Rega a Villa de S. Pedro do Sul, a que deu nome, e consente vadearse com duas pontes de pedra, que mandou fazer o Infante D. Luiz, que foy Senhor do Concelho de Lafões.
242 Tamega. He dos principaes rios do Reino. Nasce em Galiza junto da serra do Larouco na fonte, a que chamaõ Tamega, de que herdou o nome. Atravessa grande parte do Minho de Norte a Sul, até que entra pela Villa de Chaves por huma excellente ponte feita pelos naturaes da Villa em tempo, que governava o Imperador Trajano, como consta do letreiro, que se lê esculpido em hum pilar della, o qual transcreve Grutero, e Argote,[253] e vem a ser:
IMP. CÆS. NERVÆ.
TRAIANO. AUG. GER.
DACICO. PONT. MAX.
TRIB. POT. CONS. V. P. P.
AQUIFLAVIENSES
PONTEM LAPIDEUM.
D. S. F. C.
Quer dizer: Imperatori Cæsari Nervæ Trajano Augusto Germanico Dacico Pontifici Maximo Tribunitiæ Potestatis Consuli quinto Patri Patriæ Aquiflavienses Pontem lapideum de suo fieri curarunt.
[Pg 142]
243 O Doutor Joaõ de Barros infere, que esta ponte devia ser feita antecedentemente de madeira, porque a inscripçaõ diz: Pontem lapideum; e como aquella estrada era muy frequentada dos Romanos para Braga, mandaraõ fabricalla de pedra. O certo he, que esta ponte tem já dezaseis seculos de duraçaõ, e he toda de cantaria muy forte com noventa e tres passos de comprido, vinte e seis de largo, e trinta e dois de alto.
244 Passa este rio pela Villa de Canavezes, e de Amarante, onde tem outra ponte feita, e ordenada pelo glorioso S. Gonçalo. Chegando em fim à Villa de Entre ambos os rios, se mete ao Douro, seis leguas pouco mais, ou menos acima do Porto; e duas leguas para baixo de Amarante ha outra ponte de cantaria nobre sobre o mesmo rio, à qual chamaõ de Canavezes, que mandou fazer a Rainha D. Mafalda, filha delRey D. Sancho I. Tem mais a ponte de Cavez muy alta com cinco arcos. Chama-se de Cavez, porque o Arquitecto que a fabricou, assim se chamava. Consta de hum monumento, onde jaz o seu corpo, que he no fim da ponte, em que se lem as letras da Era, em que se acabou de fazer, que foy pelos annos de Christo 1226. Ha mais a ponte de Mondim, que parece mais moderna do que as outras; e porque o rio he nesta parte fundo, se vay damnificando pouco a pouco.
245 No anno de 1109 aconteceo neste rio hum admiravel prodigio, que referem a Monarquia, e a Benedictina Lusitana,[254] e foy dividirem-se suas aguas pelo mez de Dezembro para darem passagem ao sagrado corpo do glorioso S. Giraldo, e a toda a mais gente, que o acompanhava, quando lhe foraõ dar sepultura na Cidade de Braga.
245 Taveiró. He ribeira, que banha as Villas da[Pg 143] Bemposta da Beira, e de Castello-Novo, e entra no Ponsul.
247 Tedo. Nasce em Caria, onde chamaõ Granja do Tedo. Recebe o ribeiro de Leomil, avista a Villa de Nagoza, e vay ao Douro por baixo de Santo Adriaõ.
248 Teja. Provê esta ribeira de peixe a Villa de Nomaõ.
249 Tejo. Entre Escritores Gregos, e Latinos foy sempre muy celebrado o Tejo, e por isto alguns lhes daõ a primazia entre os mais rios do Reino. Nasce nas serras de Molina junto da Cidade de Cuenca: outros o fazem natural de Mancha de Aragaõ: outros das serras de Albarracin; e discorrendo pelo Reino de Castella a nova, e Provincia da Estremadura Castelhana, rega os povos de Zurita, Aranjuez, Toledo, Talavera de la Reyna, Almaraz, e Alcantara, em cujo progresso recebe as correntes de muitos rios, principalmente o Henares, Xarrama, Mançanares, e Guadarrama; e com cento e vinte leguas de jornada vem por Santarem descançar em Lisboa, fazendo na melhor Cidade o melhor porto de mundo: e se a vulgar fama dos antigos, que lhe attribuia areas de ouro,[255] nos serve sómente hoje de admiraçaõ, e naõ de experiencia, fica semelhante falta bem supprida com os avanços das copiosas riquezas, que todos os annos lhe estaõ entrando pela sua famosa barra nas opulentas frotas do Brasil.
250 E quando nem isso fora, bastava para estimaçaõ, e riqueza encerrar em si o preciosissimo thesouro do glorioso corpo de Santa Iria, sepultado debaixo de suas aguas defronte de Santarem. Duas vezes foy visto milagrosamente: a primeira, quando o tio da Santa, chamado Celio, com a mayor[Pg 144] parte do povo de Nabancia, assim Ecclesiasticos, como seculares, o foraõ ver por permissaõ de Deos, fazendo com que se separassem as aguas, e Celio chegou a abrir o sepulchro, e tirar da Santa parte de seus cabellos, e pedaços da tunica: a segunda no anno 1324 pela Rainha Santa Isabel, e ElRey D. Diniz, em cuja occasiaõ se abriraõ tambem as aguas para dar passagem à Santa Rainha, e tempo a se fazer hum padraõ de pedra, que indica o sitio do sepulchro,[256] que o Senado de Santarem mandou aperfeiçoar no anno de 1644. Do Tejo escrevem os Authores abaixo allegados.[257]
251 Temitólas. Nasce em Lumiares, e pela Villa de Armamar se vay direito ao Douro.
252 Tera. Tem seu nascimento na serra d’Ossa naquella parte, que olha para Estremoz, e corre junto da Villa de Pavía: tem ponte, por onde se vay para Aviz, e paga seu tributo ao Guadiana.
253 Terena. Esta ribeira he a mesma que a Lucefece: dá nome a huma Villa, e mete-se no Guadiana.
254 Tinhella. Nas serras de Carrezedo de Monte-Negro, termo da Villa de Chaves, tem este rio o seu berço. Fertiliza a Villa de Murça de Panoya, e depois de caminhar oito leguas vay desaguar no Tua.
255 Tourões. Esta ribeira nasce perto do Lugar de S. Pedro do Rio Seco, termo da Villa de Almeida; e vindo separando o Reino de Leaõ, entra no Agueda abaixo de Escarigo.
256 Trancaõ. He huma ribeira no termo de Lisboa,[Pg 145] que passando pelo Milharado, Sapataria, e Bussellas, vem regar, e fertilizar a grande quinta dos Conegos Regulares de S. Vicente acima do Tojal, entrando-lhe pelo meyo della; e correndo por penedias furioso no tempo de Inverno vay buscar Unhos para morrer no Tejo; fazendo primeiro trabalhar muitas azenhas, e lagares com as suas correntes precipitadas.
257 Trogalha. Corre entre Sarzedas, e Castellobranco, e entra no Tejo.
258 Trovella. Fertiliza os Coutos de Correlhã, e o da Feitosa pouco distante de Ponte de Lima.
259 Tua. Nasce em Galiza proximo ao Lugar de Pias: corre por Mirandella, onde he recebido em ponte de dezanove arcos de cantaria; e fertilizando muitas terras, vay fenecer no Douro no porto de Foz-Tua.
260 Vade. Fertiliza com saborosas trutas o termo da Villa da Ponte da Barca.
261 Val de Abrahaõ. Pequena ribeira, que nasce, e desce da serra d’Ossa da parte do Sul.
262 Val de Lobos. Ribeira, que passa por hum Lugar da Freguezia de Bellas, e faz animar muitas azenhas, e fertilizar muitos pomares.
263 Valdouro. Corre esta ribeira huma legua distante da Villa de Ferreira, e a enriquece de grandes bordalos, e pardelhas.
264 Valla. Discorre junto da Villa de Mayorga, e com prejuizo de hum formoso campo, que pelo Inverno padece suas inundações.
265 Varche. Meya legua distante da Cidade de Elvas corre este ribeiro pelo valle de seu mesmo nome.
266 Varzeas. Faz dividir Melgaço de Galiza pela parte do Oriente, e desagua no Minho.
267 Vascaõ. Corre por Alcoutim, e entra no Guadiana, separando o Reino do Algarve de Campo de Ourique.
268 Vez. Banha este rio primeiramente o Val[Pg 146] de Poldros, termo da Villa dos Arcos, onde nasce nas montanhas de Penella; e continuando seu caminho pelos campos de Valdevez, a que dá nome, vay logo perdello dahi a huma legua, por se misturar com o Lima junto de S. Pedro do Souto, posto que já caudaloso com os muitos regatos, que entraõ nelle.
269 Vellarva. He huma ribeira, que rega o Lugar de Santa Justa, que fica no termo de Alfandega da Fé, onde desagua a ribeira Alvar.
270 Velariça. Nasce na serra de Montemel acima do Lugar da Burga, termo de Bragança. Despenha-se pela serra até parar em hum valle, a que dá o nome, e por elle detido o espaço de seis leguas, fertiliza todo aquelle terreno bastantemente. Depois vay pagar o tributo ao Sabor meya legua acima do Douro.
271 Vereza. No cimo da serra da Gardunha nasce esta ribeira, e vem logo refrescando o Lugar do Louriçal, que fica no termo da Villa de S. Vicente, e vay avistar Castellobranco, passando por boa ponte.
272 Videgaõ. Passa esta ribeira naõ muy distante da Villa de Cabeço de Vide, fertilizando muitas hortas, e pomares.
273 Vide. Cerca esta ribeira a Villa de Castello de Vide.
274 Vizella. Fórma-se de tres regatos, que nascem no Concelho de Monte-Longo; e lavando com suas aguas a Aldeya de Arricanha, se mistura com o Ave, e perdem ambos o nome, mergulhando-se no mar pela Villa do Conde. Alguns lhe chamaõ Avizella. Delle cantou Manoel de Faria:[258]
Corre el Visela amado
Progresso sonoroso,
O crystalino parto de una peña,
A ser favor de un prado.
[Pg 147]
275 Unhaes. Pequeno ribeiro, que passa pelo pé da Villa de Alvares, e se mete no Zezere.
276 Voliarça. Nasce esta ribeira na Freguezia de S. Brissos, termo de Béja, e correndo de Poente a Nascente, se mete no Guadiana, passando primeiro entre Béja, e Cuba, da qual dista huma legua.
277 Vouga. Assinaõ o nascimento deste rio na fonte da Senhora da Lapa, ou na serra de Alcoba. Daqui vem descendo ao Mosteiro de S. Bento, que ha em Ferreira de Aves, pela parte do Poente; rega muitos Lugares, até que misturado com os rios Sul, e Agueda, entra em Aveiro com bastante soberba, segundo diz Fr. Joaõ Felix na Isagoge:
Amnibus innumeris, Agathoque superbus in æquor
Piscoso latè gurgite Vacca fluit.
Tem huma grandiosa ponte, acabada no anno de 1713 por ordem do Fidelissimo Rey D. Joaõ V.
278 Xever, Xevera, Xeverete, e Xola. Saõ ribeiras, que procedem da serra de Portalegre.
279 Xudruro. Ribeiro, que nasce na fonte Freja do Concelho do Guardaõ, e fertiliza muito o Lugar de Janardo.
280 Zacharias. Com este nome corre huma ribeira pelo termo da Villa de Alfandega da Fé sujeita a huma ponte de quatro arcos, e tem seu nascimento na serra de Sambade, que outros chamaõ de Montemel. Tendo corrido seis leguas, vay acabar no rio Sabor junto do Lugar dos Picões.
281 Zezere. A este rio chama Camões caudaloso, e na verdade o he com as enchentes de outros, que entraõ nelle. Nasce na serra da Estrella sobre a Villa de Manteigas pela parte de Levante; e dando volta ao Poente, recebendo varios rios, e ribeiros, enfadado da jornada se vay a Sudoeste, e se torna para o Sul receber outros riachos, e dá entrada ao Nabaõ, que com o ribeiro da Cortiça, e[Pg 148] regatos daquelles montes fertiliza Thomar. Na Aldea da Mata se deixa atravessar com a barca da Esteveira: e pela famosa ponte do Cabril, que faz a divisaõ dos termos de Pedrogaõ grande, e pequeno. Vay finalmente acabar em Punhete, mergulhando-se no Tejo com tanto impeto, que na distancia de mil e quinhentos passos ainda conserva a mesma cor azul, e sabor doce das suas aguas, como bem advertem Resende, e outros.
[221] Monarq. Lusit. tom 1. liv. 4. c. 8. Vasconcel. lib. 5. de Ebor. Municip.
[222] Strab. apud Resend. lib. 2. de Antiquit. tit. de Flumin. Duart. Nun. Descripç. de Port. cap. 21.
[223] Cardos. Agiolog. Lusitan. tom. 1. pag. 305.
[224] Fr. Leaõ, Benedictin. Lusitan. tom. 2. p. 15. Monarq. Lusit. liv. 14. cap. 5.
[225] Far. Font. de Aganip. part. 4. Eglog. 4.
[226] Macedo nas Flor. de Hespanh. cap. 2. excel. 2.
[227] Argot. nas Memor. do Arcebispado de Braga tom. 2. pag. 865.
[228] Cardoso Diccion. Geogr. tom. 2. pag. 613.
[229] Fonseca Evor. glor. p. 89. fin.
[230] Corograf. Port. tom. 3. p. 336. Bluteau tom. 1. do Suplem. ao Vocab. p. 315.
[231] Argot. nas Antiguid. da Chancellar. de Braga pag. 20.
[232] Mem. instr. tom. 1. pag. 204.
[233] Bochart. Geograf. Sacr. liv. 1. cap. 35.
[234] Brit. Monarq. Lusit. liv. 2. cap. 4.
[235] Virgil. liv. 7. Æneid. Silio Italico liv. 1. Lactancio Firmiano lib. 7. c. 22. de Div. Instit. & alii.
[236] Claudian. liv. 2. de Raptu Proserpinæ p. 218.
[237] Strab. lib. 10. e 14.
[238] Lucio Flor. liv. 2. cap. 17.
[239] Botelh. no 7. do Alfonso est. 31. Reys em a Nota 124. da Epistol. ad Jametem.
[240] Plinio lib. 33. cap. 7. Vitruvio lib. 7. cap. 9. Strab. lib. 3. Pompon. Mella lib. 3. cap. 1. Bochart. tom. 2. p. 626. Nicol. de Santa Maria na Chron. dos Coneg. Regrant. liv. 6. cap. 1. Maced. Poema Olisip. cant. 2. est. 80. Joaõ Salgad. nos Success. Militar. p. 40. D. Francisc. Xavier da Garma no Theatro de Hespanh. tom. 1. p. 76. Argot. Mem. de Brag. p. 105. e nas Antiguid. da Chancel. de Brag. p. 32. e outros, que deixo de allegar.
[241] Cam. Canc. 4.
[242] Mousinh. cant. 3. est. 38. do African.
[243] Veja-se a Monarq. Lusitan. p. 4. liv. 4 cap. 18. Joaõ Salgad. Success. Milit. p. 106. Corograf. Portug. tom. 2. pag. 2.
[244] Brand. na Monarq. Lusitan. liv. 9. cap. 27.
[245] Fr. Joaõ Fel. na Isagoge pag. 35.
[246] Duart. Nun. Descripç. de Port.
[247] Araujo Success. Milit. liv. 1. cap. 1. Benedictin. Lusit. tom. 2. p. 109.
[248] Cardos. Agiolog. Lusitan. tom. 3. p. 573.
[249] Costa, Corograf. Portug. tom. 3. p. 260.
[250] Cam. Canç. 12. est. 2.
[251] Benedictin. Lusitan. tom. 2. p. 256.
[252] Joaõ Salgad. Success. Milit. p. 108. Cardos. Agiolog. Lusit. tom. 2. p. 714. Santuar. Marian. tom. 3. p. 172.
[253] Gruter p. 162. n 4. Argot. nas Antig. da Chancel. de Brag. p. 108. e Joaõ de Barr. na Descripç. do Minho.
[254] Brand. na Monarq. Lusit. liv. 8. cap. 25. Benedictin. Lusit. tom. 2. pag. 299.
[255] Catul. Juven. Estaço, Ovid. e outros apud Macedo nas Flor. de Hespanh. cap. 4. excel. 2.
[256] Vasconcell. Histor. de Santar. part. 1. liv. 2. cap. 23.
[257] Plin. liv. 4. cap. 22. & lib. 33. cap. 3. Mela lib. 3. cap. 1. Ludovic. Nun. Hispan. illustrat. tom. 3 cap. 35. Rodrig. dos Sant Histor. Hispan. part. 1. cap. 3. Resend. lib. 2. de Antiquit. Vasconcel. Descr. Lusitan. p. 407. Duart. Nun. Descr. de Portug. p. 33. Nicoláo de Oliveir. Grand. de Lisb. p. 21. Joaõ Salgad. Success. Milit. p. 175. D. Francisc. Xavier de Garma no Theatr. de Hesp. tom. 1. p. 68. e outros muitos.
[258] Far. Font. de Aganip. part. 3. Canç. 5.
1 Neste Capitulo fazemos só memoria daquelas fontes, que por alguma particularidade se fazem dignas de admiraçaõ; pois seria intentarmos hum quasi impossivel querer dar noticia de todas as que circulaõ por nossas terras, sendo verdadeiramente innumeraveis. Nós em outra Obra[259] já referimos algumas, e o Doutor Francisco da Fonseca Henriques em o seu curioso Aquilegio faz mençaõ de outras. Repetiremos outra vez as mais singulares, pois que assim o pede o assumpto, e a ordem, que seguimos, nomeando primeiramente para mayor clareza as terras, donde emanaõ, e onde correm.
2 Abrantes. Na distancia de quatro leguas desta Villa sobre a ribeira de Sor ha huma fonte, a que chamaõ da Fedegosa, a qual nascendo em mineral de enxofre tem qualidades frescas, e sara muitos achaques, que peccaõ em quentura. E no seu termo junto da Ermida de nossa Senhora do Tojo ha outra fonte de taõ excellente agua, que a mandaõ[Pg 149] buscar para os doentes beber: e accrescentaõ os moradores huma cousa (diz a Corografia Portugueza, que para mim he incrivel) e vem a ser: que havendo algumas differenças sobre quem ha de encher primeiro, visivelmente se diminue a agua na mesma fonte.[260]
3 Aguiar de Sousa. Na Freguezia de S. Mamede de Val-Longo ha no mais alto da montanha hum poço muy profundo, que de Inverno secca-se, e de Veraõ tem tanta abundancia de agua frigidissima, que serve naõ só de regalo à gente, mas tambem aos milhos, que com ella se regaõ.
4 Alandroal. A fonte desta Villa he memoravel pela grande copia de agua, que expulsa, a qual dizem que se lhe communica de hum rio subterraneo. Formou aqui a natureza huma larga concavidade, a que os moradores chamaõ Algar, em cujo fundo se acha hum poço com bocal feito ao picaõ, e delle sahe huma levada de agua muito grande.[261] Nesta mesma Villa, na estrada, que vay para Terena, ha outra fonte, que naõ corre de Inverno, senaõ no Estio.[262]
5 Alcacer do Sal. Na herdade das Praxanas, distante duas grandes leguas da Villa, existe huma fonte, cuja agua he buscada de muitas leguas para remedio contra o mal da pedra; e tem as mesmas virtudes da que ha na Villa de Almada.
6 Alcanede. No termo desta Villa, e no Lugar dos Amiaes debaixo corre huma fonte, que bebendo da sua agua qualquer pessoa, que tiver sanguisugas na garganta, immediatamente lhas faz expellir, e se comprova com muitas experiencias.
7 Aljustrel. Em distancia de meya legua desta Villa, chegado à Ermida de S. Joaõ do Deserto, ha huma fonte de agua taõ azeda, que ninguem a bebe, nem ainda os animaes; porém tomada como[Pg 150] medicina, serve de excellente vomitorio, e boa para lançar fóra sezões.
8 Almada. Nesta Villa ha huma fonte, cuja agua tem conhecida virtude para os achaques de pedra, e areas.[263]
9 Amarante. No campo chamado da Feitoria, que fica defronte do Convento de S. Gonçalo desta Villa, brota huma Fonte abundantes aguas, que tambem tem notoria analogia, e semelhante virtude à de Almada.
10 Ançaõ. Nesta Villa se acha huma fonte, que lança de Veraõ agua frigidissima, e pelo Inverno tepida. Tambem por experiencia se tem observado, que a sua agua bebida facilita os partos, e preserva dos achaques de pedra, e outras enfermidades.
11 Armamar. Huma fonte ha no termo desta Villa, que tem virtude as suas aguas para varias enfermidades. No sitio, onde nasce, ha muitas pedrinhas quadradas semelhantes àquellas, que vem da India, e se attribue, que a virtude, que tem a agua, será communicada das pedras.
12 Batalha. Perto desta Villa ha huma fonte no Lugar das Brancas, cuja agua com facilidade, e em breve tempo se transmuta em sal.
13 Besteiros. Fica este Lugar no termo da Villa de Anciães, e aqui existe huma fonte de agua taõ delgada, que com ella naõ se póde fabricar azeite.
14 Braga. Em distancia de hum quarto de legua desta Cidade, na quinta dos Religiosos de Santo Agostinho corre de huma fonte agua taõ fria, que no tempo mais ardente do Veraõ mal se póde aturar a maõ dentro della nem ainda em quanto se reza huma Ave Maria; e em poucos minutos reduz a vinagre hum frasco de vinho, se o meterem dentro della.
15 Bragança. Além de outras fontes, que ha[Pg 151] nesta Cidade notaveis, ha huma na quinta de Val de flores, que a sua agua he efficacissima para facilitar a digestaõ, e abrir a vontade de comer.
16 Cadima. Ha aqui neste Lugar, que fica em distancia de Tentugal duas leguas, a celebre fonte chamada Fervença, de que fallaõ muitos Authores,[264] a qual sorve quanto lhe deitaõ dentro da voragem, que sempre está em continua fervura. A causa deste fenomeno he, porque alli ha alguma occulta cataracta, ou precipicio, como bem explica o doutissimo Feijó.[265] Tambem na Freguezia de S. Mamede, termo de Alcacer do Sal, donde dista quatro leguas, está da parte do Poente hum grande olho de agua, que corre para o rio Sado, o qual sorve tudo quanto lhe lançaõ dentro: chamaõ-lhe a Anceira.
17 Caldezes. Fica este Lugar no Concelho da Povoa de Lanhoso, e tem huma fonte chamada do Tojal da qual sahem misturadas com a agua muitas pedras quadradas, como já dissemos das de Armamar, e que tem a mesma virtude alexifarmaca.
18 Cano. Junto desta Villa ha huma fonte, a que chamaõ dos Olhos, porque em seu nascimento está sempre a agua fervendo, e tem a particularidade de converter sua agua facilmente em pedra as cousas, que lhe lançaõ dentro.
19 Castello de Vide. Entre a grande quantidade de fontes, que regaõ esta Villa, pois passaõ de trezentas, ha especialmente huma no arrebalde, que chamaõ da Mealhada, com a excellente virtude de livrar de dores nefriticas aos que costumaõ beber da sua agua: e no termo da Villa de Oiteiro ha outra, que dizem ter a propriedade, e natureza do vinho.
[Pg 152]
20 Coimbra. Perto desta Cidade, e no meyo da estrada poucas leguas antes de chegar a ella, está a celebre fonte de Alcabedeque huma das mais copiosas, que ha no Reino, cujo nome lhe deraõ os Mouros pela sua virtude, pois Alcabedeque na lingua Arabe quer dizer Agua de Deos. Elles que lhe sabiaõ o prestimo mais do que nós, a estimavaõ tanto, que fizeraõ junto della hum forte para a guardar. Veja-se a Corografia Portugueza no tom. 2. pag. 34.
21 Covilhã. Na cerca dos Religiosos de S. Francisco desta Villa está huma fonte de agua frigidissima; e já tem acontecido algumas vezes acharem convertido em vinagre o vinho, que mandavaõ aqui resfriar.
22 Envendros. Existe huma fonte no sitio do Alpalhaõ, termo desta Villa, cuja agua bebida no lugar em que brota, he ingrata ao gosto, mas estando em casa, se faz de bom sabor. Attribuem os moradores, que a causa de se viver aqui muito, e com saude, procede da boa qualidade desta agua.
23 Ervedal. Quasi chegado à estrada, que vay do Ervedal para Benavilla, termo de Aviz, corre huma fonte, que no mez de Outubro secca, e vindo Março torna a correr, e dura todo o Estio, por mais ardente que seja. Reduz tambem a pedra quanto lhe deitaõ dentro.[266]
24 Estremoz. A fonte da Lagoa, que ha na herdade dos Alens no termo desta Villa, tem a mesma analogia que a antecedente, pois secca-se de Inverno, e corre de Veraõ.
25 Ferreirim. Huma legua distante de Lamego, na cerca do Convento de Santo Antonio de Ferreirim, ha huma fonte de agua taõ fria, que tambem converte promptamente o vinho em vinagre.
26 Freixeda. Este Lugar, que fica no termo de Miranda, comprehende com admiraçaõ huma fonte[Pg 153] de agua muito fria, e taõ corrosiva, que consome no espaço de meya hora a carne, que se lhe lança dentro, deixando os ossos esburgados.
27 Grandola. Da serra dos Algarves, que dista huma legua desta Villa, manaõ dous olhos de agua com duas propriedades bem contrarias, sendo irmãs no nascimento; porque as que sahem para a parte do Sul, saõ excellentes, e as que correm para o Norte, naõ ha quem as possa beber, e por isso lhe chamaõ agua azeda. De outro olho de agua, que sahe com mayor abundancia, se tem observado, que toda a terra, que banha a sua corrente, fica infrutifera, deixando tambem hum fortissimo gelo, por onde passa.
28 Guarda. Por baixo da Cruz da Faya nos limites desta Cidade emana huma fonte de agua fria com qualidades taõ nocivas, que passaõ a mortiferas.
29 Guardaõ. Fertilissimo he este Concelho de aguas admiraveis: tal he a fonte da Pipa junte da Povoa da Longera, a do Lugar das Paredes, a fonte das Amexieiras, a chamada das Donas, e outras de singular qualidade, que refere a Corografia Portugueza.[267]
30 Guimarães. Afastado da Villa para o Sul fica a milagrosa fonte de S. Gualter, cuja virtude para varias enfermidades faz attrahir muita gente, que ou bebendo, ou lavando-se em sua agua, experimentaõ conhecida melhoria.
31 Marmellos. He este hum Lugar, que fica no termo da Villa de Lamas de Orelhaõ, onde existe huma fonte de igual virtude curativa de varias enfermidades, que a experiencia tem mostrado infallivel.
32 Massouco. Junto da Igreja Matriz deste Lugar, que he do termo da Villa de Freixo de Espadacinta,[Pg 154] ha huma fonte, a que chamaõ do Xido, a qual principia a correr do mez de Março por diante: e tem os moradores feito observaçaõ, que se o anno ha de ser fertil, expulsa muy pouca agua; e quando ha de ser esteril, brota com abundancia; e desta fórma vem a ser hum quasi reportorio para as gentes daquelles contornos.
33 Monchique. Com a mesma propriedade ha outra fonte neste Lugar, que fica no Algarve, a qual em Dezembro totalmente se secca. De igual singularidade se admira outra em Monforte, meya legua distante da Villa, a qual se secca no mez de Setembro, e em Mayo torna a rebentar com grande torrente. Em Monsanto tambem corre outra com as mesmas circunstancias do tempo.
34 Olmos. A fonte chamada do Gogo, que fica no termo desta Villa, lança agua de fórma, que faz fio como clara de ovo, e affirma-se ter virtudes medicinaes.
35 Ouguella. Bebem os moradores desta Villa a agua de huma fonte, que dizem naõ cria cousa viva dentro em si, senaõ sómente rãs. Saõ presentaneas para matar sanguisugas, e lombrigas. Se por acaso, ou inadvertencia poem a cozer legumes com esta agua, he escusado gastar tempo, porque nunca os coze.
36 Santarem. Nos limites desta Villa, e no Lugar de Rio-Mayor ha hum olho de agua salgada seis leguas distante do mar.
37 Sardoal. Aqui ha a fonte de Penha, que tem a circunstancia de naõ correr, senaõ tambem de Veraõ, e seccarse pelo Inverno. Tal he a providencia de Deos.
38 Serra da Estrella. Emana do sitio chamado Valderosim huma fonte de agua taõ fria, que em pouco espaço de tempo transmuta em vinagre o vinho, quando o querem resfriar.
39 Setubal. Tem a praça desta Villa huma formosa[Pg 155] fonte, cuja agua he petrificante; por isso o seu aqueducto he aberto, para se desintupir desembaraçadamente.
40 Thomar. Em a Freguezia dos Formiguaes, que he do termo desta insigne Villa, e no Lugar da Quebrada rebenta de Inverno huma fonte com alguns olhos de agua, pelos quaes sahem alguns ouriços de castanha, naõ havendo dalli a tres leguas castanheiros.
41 Valverde. Só em dia de S. Joaõ Bautista lança agua huma fonte chamada por este motivo Santa, que existe neste Lugar do termo da Villa da Alfandega da Fé.
42 Vinhaes. Affirma-se que a melhor agua, que ha na Provincia de Tras os Montes, he a que existe no rocio desta Villa em huma fonte admiravel. Por mais que se beba della, nunca offende o estomago, e facilita muito a exclusaõ de areas, e pedra. No Lugar dos Casares, termo da dita Villa, ha outra fonte de agua taõ fria, que metendo-lhe dentro hum quarto de carneiro, o come todo sem lhe deixar mais que os ossos; e naõ faz damno aos moradores que della bebem.
43 Urros. Chamaõ à fonte, que ha nesta Abbadia da Comarca da Villa de Moncorvo, a fonte Santa, porque dizem que Santo Apollinario a fizera rebentar neste sitio; e muita gente se aproveita de suas aguas para algumas molestias, usando dellas com fé: mas naõ consiste aqui só a maravilha, porque estando huma legua distante do Douro, se communica de sorte com elle, que tambem se altera, quando elle se ensoberbece.
44 Com estas, e outras innumeraveis fontes enriqueceo a Providencia divina este nosso terreno, encontrando-se pelas Provincias do Reino aguas nativas de exquisitas propriedades, que se a alguns dos Leitores, ou estranhos, ou forasteiros, fizerem duvida, offerecemos a fé, e credito dos mesmos naturaes,[Pg 156] que o affirmaõ, quando a verdade desta sincera narraçaõ naõ baste; pois o nosso objecto por agora naõ attende a sondar, nem a averiguar os occultos arcanos da natureza, como cousa impropria ao intento Geografico. O Doutor Francisco da Fonseca Henriques escreveo deste assumpto hum livro, que intitulou Aquilegio Medicinal, a que os curiosos podem recorrer.
[259] Recreaçaõ Proveitosa part. 1. p. 309. & seq.
[260] Corograf. Portug. tom. 3. p. 190.
[261] Novaes na Relaçaõ dos Bisp. de Elv.
[262] Fonseca, Aquileg. p. 194.
[263] Duart. Nun. Descripç. de Port. pag. 31. Vasconcell. ib. pag. 4O4.
[264] Monarq. Lusitan. tom. 1. liv 2. cap. 5. Resend. lib. 2. de Antiquit. Duart. Nun. Descripç. de Portug. pag. 30. Costa, Corograf. Portug. tom. 2. pag. 85. Caram. no seu Philipp. Prud. Proem. §. 1. num. 3. Plinio lib. 2. cap. 103.
[265] Feijó, Theatr. Critic. tom. 9. pag. 43.
[266] Leit. nas Miscelan. pag. 347.
[267] Corograf. Portug. tom. 2. pag. 192.
1 Da abundancia das aguas saudaveis procede o beneficio dos banhos, ou Caldas, de que o Reino tambem goza, de cujo assumpto, supposto escreveraõ alguns dos nossos,[268] daremos informaçaõ das mais especiaes, por naõ defraudarmos deste apontamento o nosso Mappa.
2 Alcafache. Huma legua de Viseu, e no termo de Azurara nascem de huma fonte, que está chegada ao rio Daõ, aguas sulfureas, que fazem o mesmo effeito com sua virtude medicinal, como as de S. Pedro do Sul, ainda transferidas para outras partes distantes.
3 Alvor. Afastado quatro leguas desta Villa no Lugar de Monchique estaõ huns banhos medicinaes, onde se foy curar ElRey D. Joaõ II. de huma hydropezia.
4 Anciães. Junto ao Lugar do Pombal, termo da Villa de Anciães, ha humas Caldas, que nascem de huma fonte em serra aspera, e as suas aguas saõ[Pg 157] sulfureas, que tomadas em banhos servem para debilidades de nervos, estupores, vertigens, e outros achaques desta classe: ha occasiões, em que a experiencia tem mostrado bastar ao doente hum só banho para sarar de todo.
5 Aregos. No Concelho de Aregos, Comarca de Lamego, ha muitas Caldas da mesma natureza que as referidas.
6 Cascaes. As Caldas desta Villa estaõ na quinta do Estoril junto ao Convento dos Religiosos de Santo Antonio: nascem de tres olhos de agua, e servem para paralyzias, rheumatismos, convulsões, e para todas as queixas espurias, e de calor.
7 Chaves. Para achaques frios de nervos saõ estas as melhores Caldas do Reino. Nascem entre a muralha da Praça, e o rio Tamega: procedem de mineraes de enxofre, caparrosa, salitre, e pedra hume. Os Romanos usavaõ muito dellas para as suas molestias.
8 Covilhã. No termo desta Villa, e no Lugar chamado Unhães da serra ha Caldas procedidas de huma fonte de agua sulfurea, presentanea para achaques frios de juntas, e nervos.
9 Evendros. Debaixo de hum penedo nesta Villa brota hum chorro de agua mais que tepida, a qual tomada em banhos tem grande virtude para achaques frios, e cutaneos.
10 Favayos. Estaõ no termo desta Villa humas Caldas, que nascem de mineraes de enxofre, e usaõ os naturaes dellas para quaesquer molestias, que padecem, porque para todas encontraõ virtude naquellas aguas.
11 Gerez. Nesta serra ha algumas aguas calidas, e sulfureas, que tem prestimo para achaques frios de nervos.
12 Guimarães. Estaõ estas Caldas na Freguezia de S. Miguel, distante huma legua da Villa, e se compoem das aguas calidas, que nascem de huma[Pg 158] fonte por sete olhos: applicaõ-se a achaques frios.
13 Lagiosa. No areal do rio Daõ, que corre por esta Freguezia duas leguas afastada de Viseu, se acha em qualquer parte delle agua tepida, e sulfurea, tomando muita gente os banhos na abertura de covas, que costumaõ abrir na mesma area, e saõ admiraveis para frialdades.
14 Leiria. Brotaõ no rocio desta Cidade duas fontes, que parecem numa só pela uniaõ, e lançaõ dous tornos de agua differentes, porque hum he frio, outro tepido, e delles se formaõ as Caldas, boas para achaques frios.
15 Lisboa. Entre os chafarizes delRey, e dos Páos estaõ estas Caldas, chamadas vulgarmente os banhos das Alcaçarias: saõ estas aguas admiraveis para intemperanças quentes das entranhas, e mais partes do corpo. A continuaçaõ dos enfermos, que a ellas concorrem sempre, acreditaõ muito o seu prestimo.
16 Longroiva, e Monçaõ. Participaõ estas Villas de suas Caldas admiraveis para enfermidades frias, e para convulsões, estupores, paralyzias, e vertigens.
17 Obidos. Chamaõ-se os banhos, que ha junto desta Villa, Caldas da Rainha, porque a Rainha Dona Leonor, mulher delRey D. Joaõ II. mandou fazer alli Hospital para os enfermos se curarem. Vem as suas aguas por mineraes de enxofre, e salitre, infundindo-lhe tal virtude para differentes achaques, como a experiencia frequentadissima o publica. ElRey D. Joaõ V. tomou aqui banhos em Agosto de 1742 com a assistencia de toda a Corte, e continuou nos dous annos seguintes para remedio do ataque da paralyzia, que lhe debilitou a parte esquerda. Vendo porém o quanto estava destruido o edificio, o mandou reedificar desde o anno de 1747 com toda a magnificencia, e commodidade para os doentes, que alli vaõ curarse naquelle verdadeiramente[Pg 159] Regio Hospital. Diogo Patulhet, Francez, Sargento mór da Artelharia, mas muito curioso, e de grandes experiencias Medicas, compoz no anno de 1752 hum excellente livro de observações destas Caldas, a cujas aguas justamente intitula divinas, e os seus banhos prodigiosa Piscina.
18 S. Pedro do Sul. Tambem estas Caldas saõ famosas. Ficaõ tres leguas distantes de Viseu, e se compoem de aguas sulfureas, e nitrosas, e taõ calidas, que metendo-se no lugar, onde nascem, qualquer animal, logo o pellaõ. Servem para estupores, paralyzias, e outros achaques. ElRey D. Affonso Henriques tomou aqui banhos, e delles ha huma Descripçaõ impressa em livro de quarto muito boa, e erudita.
19 Pena-garcia. Na Comarca de Castellobranco, e na raiz da serra de Pena-garcia se admiraõ varias fontes de agua tepida com a prodigiosa virtude de sarar varias enfermidades, ou bebida, ou applicada em banhos.
20 Penaguiaõ. Neste Concelho ha duas Caldas sulfureas, que remedeaõ achaques frios de nervos.
21 Ponte de Cavez. Ao pé desta ponte ha hum nascimento de agua com a mesma virtude, que as que nascem de mineraes sulfureos.
22 Nossa Senhora do Pranto. No termo da Villa de Montemór o velho, e no Lugar da Azenha ha as Caldas de Nossa Senhora do Pranto, cujas aguas saõ salitrosas, e sulfureas, e com a mesma virtude analoga, que já temos referido.
23 Ribeira do Boy. Estas Caldas estaõ no termo da Villa de Touro, Comarca de Castellobranco: compoem-se de aguas sulfureas, onde se tem descuberto remedio para estupores, e debilidades de nervos.
24 Villar da Veiga. Na Freguezia de Santa Anna, que está neste Lugar situado no monte Gerez, ha pouco tempo se descubriraõ estas Caldas, que dizem[Pg 160] saõ as melhores do Reino. Veja-se ao Reverendo Padre Argote.[269]
[268] Jacob de Castr. Histor. Medic. Fonsec. Aquileg. Medicin. Curv. na Polyanth. &c. Vasconcel. Descript. Lusit. p. 402. Duart. Nun. cap. 12.
1 Quando fallámos de cada Provincia em particular, dissemos a benigna qualidade do sitio, e clima favoravel, que pertencia a cada huma; e pelo que vimos, naõ ha em Portugal palmo de terra, que seja esteril em quasi todo genero de frutos. Os Authores antigos naõ só lhe daõ o titulo de Paiz pingue, senaõ do mais delicioso do mundo;[270] e porque esta verdade necessita de mais individual expressaõ para inteirar o conceito dos estranhos, comecemos pelos mantimentos, e pelo mais preciso.
2 Trigo. Todos os nossos Escritores affirmaõ,[271] que em outro tempo houve mais trigo no Reino, que no tempo de agora; e já Luiz Nunes na sua Lusitania,[272] comparando sómente Santarem com Sicilia, naõ quiz que esta Villa cedesse àquelle Reino na secundidade deste producto. Esta abundancia naõ só de Santarem, mas de outras muitas terras nossas puderaõ os naturaes experimentalla da mesma sorte presentemente, se naõ houvera tanta extracçaõ de farinhas para as Conquistas, e houvera mais applicaçaõ para a agricultura. Tambem este ponto he muy lamentado pelos zelosos da patria.[273]
3 A verdade he, que temos muitas terras baldias,[Pg 161] que se quizeramos aproveitarnos dellas, cultivando-as, daria-mos trigo a todo o mundo. No Reino do Algarve ha grandes valles, e fertilissimos, porém devolutos. No Alentejo ha charnecas, que nunca viraõ arado, nem enxada, e por causa da ociosidade se achaõ infrutiferas, que de si o naõ saõ; e neste sentido se deve entender o Padre Mariana, que chama a esta Provincia esteril.[274] Na mesma Provincia, e no sitio das Vendas Novas, que he terreno de area solta, e até aqui tida por infrutifera, desde que ElRey D. Joaõ V. mandou fabricar alli hum grande Palacio no anno de 1728, se principiou a plantar vinhas, pomares, e hortas muito boas, de que se colhe grande renda.
4 Certos Authores[275] dizem, que se abrirem o lamaraõ de Sacavem até Alverca com vallos por dentro, e fizerem diques pela parte do rio, dará paõ para meya Lisboa, e linho canamo para enxarcias, e amarras. O mesmo se poderá fazer em outras muitas partes do Reino, onde se achaõ lamarões, sapaes, e terras alagadiças, tomando o exemplo dos Romanos, Venezianos, e Senhores de Ferrara, os quaes, como diz Botero,[276] assim o executaraõ com as lagoas Pontinas, campos de Polesene, e valles de Comachio em grande proveito de seus vassallos, e interesse dos direitos Reaes. Deste projecto se aproveitou em outro tempo ElRey D. Sancho I. que se honrou muito de ser chamado o Lavrador,[277] e o mesmo cuidado teve ElRey D. Joaõ II.
5 Sem embargo de toda esta negligencia, ou ociosidade, que naõ he defeito das terras, mas dos homens, se naõ houvera tanta gente superflua estrangeira, que habita em nosso Reino, e a grandeza[Pg 162] de herdades particulares, teria elle para os naturaes paõ superabundante, e do melhor da Europa, principalmente do Alentejo, e termo de Lisboa, onde vemos ainda assim as melhores tercenas, ou celeiros de toda a Europa com a provisaõ deste genero de alimento. Nas outras Provincias, onde naõ ha tanta abundancia de trigo, suppre o milho, a castanha, a cevada, e o centeyo, de que fazem farinha, e se sustentaõ.
6 Azeite. He tanta a abundancia de azeite, que escusamos repetir o que neste particular affirmaõ nossos Escritores,[278] principalmente da fertilidade, e bondade, que ha deste genero em Santarem, Abrantes, Thomar, Torres-Novas, Montemór o Novo, Coimbra, Evora, Moura, Elvas, Béja, Beringel, termo de Lisboa, e na Torre de Moncorvo, onde só o dizimo importa mais de seiscentos almudes, gastando-se na fabrica do sabaõ dous mil cantaros, e provendo-se Galiza, e outras terras de Castella do muito, que daqui levaõ.
7 Vinho. Deste producto soccorre o nosso Reino a muitos dos estranhos, principalmente das partes Septentrionaes, porque aos Portuguezes lhes he impossivel dar consumo à grande copia de vinhos, que todos os annos recolhem das Provincias, sendo os mais gabados os de Alvor, Béja, Villa de Frades, Vidigueira, Cuba, Peramanca, Alcochete, Almada, Caparica, Carcavelos, Camarate, Oeiras, Ourem, Lamego, Monçaõ, deixando os da Beira, e Tras os Montes taõ excellentes, que os naõ tem melhores todo o mundo, sendo todos estes ordinariamente bem incorporados, e com especialidade os tintos, que tem força para lotar os outros. Os Francezes, e Inglezes gostaõ muito dos vinhos extrahidos do Lugar chamado Barra a barra, que fica da[Pg 163] outra banda de Lisboa; porque dizem, que saõ mais delicados, e menos cubertos,[279] e por isso conduzem muitos de Alhos vedros, e outras terras para as suas; naõ deixando de se admirar de que nós naõ estimemos o licor de Baco, tanto como elles, e que as fontes sejaõ ordinariamente as que nos mataõ a sede, e naõ as vides. Os peyores vinhos do Reino saõ os do Minho, chamados verdes,[280] porque duraõ pouco; e ou pela sua aspereza lhe chamaõ de enforcado, (ou talvez porque lançaõ as vides, e cachos pendurados nas arvores,) donde veyo a dizer o sentencioso Sá de Miranda, alludindo ao dito de Cineas:[281]
Depois nos Olmos mostrado,
Nunca vi, disse, enforcado,
Que a forca, assim merecesse.
8 Carnes. Da grande copia em todo o genero de gados, que ha no Reino, ninguem duvída. O grande consumo, que se faz delles no provimento de armadas, e frotas, e a consideravel extracçaõ de lãs para o negocio do Norte, e Inglaterra, bastava para prova desta opulencia, se já o naõ tiveramos mostrado só na fecundidade da Provincia do Minho. No que se deve reparar he no sabor, e mimo das Vacas, e Vitellas da Beira: Carneiros, Cordeiros, e Leitões do Alentejo: Cabritos da serra de Cintra, e Caldeiraõ, sem omittir a preciosa provisaõ do Leite, Natas, Manteigas e Queijos muito melhores que os Flamengos, e Parmazanos: nem nos esquecermos dos excellentes Presuntos da Beira, e Chacina do Alentejo.
9 E que diremos da montaria, e caça Real? Sem encarecimento Castella naõ a tem melhor. Admiraveis saõ as Corças, e Cervos da serra do Algarve: os[Pg 164] Veados das serras de Mertola, Portel, Almeirim, Arrabida, Cintra, e tapada de Villa Viçosa: Javalis da Tapada, Pinheiro, serras de Portel, Vascaõ, Grandola, e Alcacer: Lebres, e Coelhos das Berlengas, Alcantara, e Nossa Senhora do Cabo, pelo especial gosto, que lhe causa o pasto do perrexil.
10 Aves. Deixando a grande creaçaõ das domesticas, que em grandes ninhadas, e bandos vemos por todo o Reino em abundancia, Galinhas, Patos, Pombos, e Perús, naõ ha cousa como os Perdigotos, e Perdizes do termo de Lisboa, das serras de Cintra, Beira, e Caldeiraõ: Tordos de Thomar, e do Alentejo, Taralhões de Cezimbra, Rolas de Alcacer, Adens, e Galeirões dos Paús de Palma, Obidos, e Benavente, com outros varios bandos de passaros de arribaçaõ, que com o cibato das nossas terras se fazem muito mais saborosos que os Hortolanos de Pariz. Aqui se póde aggregar a quantidade grande de canoras, e vistosas aves, os Rouxinoes, Pintasilgos, Chamarizes, Codornizes, Cochichos, Lavercos, Verdelhões, Tentilhões, Melros, Pintarroxos, Tutinegras, e outros mil suaves passarinhos, que pelos bosques, e ramos dos alemos, choupos, freixos, loureiros, e outros arvoredos espessos divertem os olhos, e os ouvidos com excellente musica natural em distinctos córos.
11 E ainda que as terras saõ differentes em arvores, e frutos, os de Portugal saõ tantos, e taõ bons, que se produzem nelle todos os que nas outras partes saõ estimados; porque de frutas de espinho tem por toda a parte admiraveis Laranjas da China, doces, e bicaes, a que os estrangeiros chamaõ frutas propriamente de Portugal: prodigiosas Limas da serra d’Ossa, Limões em Colares, Cintra, Peninha, Loures, Póvos, Azeitaõ, Setubal, Couto do Bouro, Condeixa, Borba, Santiago de Cacem; e as admiraveis Cidras do Landroal.
[Pg 165]
12 Das frutas de pevide tem especial estimaçaõ as Camoezas de Thomar, Alcobaça, Torres, Lourinhã, Montemór o Novo: saborosissimas Peras de muitas castas, e nomes: De Rey, de Conde, Bergamotas, Bojardas, Cornicabras, Carvalhaes, Conforto, Flamengas, Gervasias, Codornos, de Rio frio, Engonxo, de S. Bento, de Bom Christaõ, Virgulosas, e Lambe-lhe os dedos, com as formosas, e appetitosas Maçãs de Abrantes, Baunezas, Leirioas, Melapios, Repinaldos, Verdeaes, e até Rainetas de França na Villa de Mafra, com outras muitas, que em dilatados, e frescos pomares daõ que invejar a Reinos estranhos, pois só na Villa de Montemór o Novo ha quatrocentos pomares de regadio muy deliciosos.
13 Antecipaõ-se a estes deliciosos productos aquellas frutas de caroço, que lograõ universal estimaçaõ por primeiras, e por gostosas: taes saõ as Cerejas de Palayos, Busselas, e Pampilhosa, e as chamadas de Saco da Lousã, Coimbra, Leiria, e Portalegre: as Ginjas garrafaes de Lamego, Borba, e Alenquer: as Frutas novas, e Ameixas reinoes de Montemór o Novo, com as Brancas, Saragoçanas, e Abrunhos de Cintra, Collares, Azeitaõ, e Cezimbra: os gentis Figos lampos, e Perinhas de cheiro do termo de Lisboa, e Setubal, com os graciosos Damascos, Alperches, e Pessegos de tantas castas em Abrantes, Aviz, Azeitaõ, e Villa-Franca, sem nos esquecermos das mimosas Amoras, e Morangos, e das bellas Uvas moscateis de Jesus, Tamaras, Ferraes, Diagalves, e Malvazias de Punhete: do chamado singular Bastardo de Cassilhas, Barreiro, e Almada, com os seus excellentes, e incomparaveis Figos brancos: dos selectos Melões da Vellariça, Chamusca, Arrayolos, Benavente, e Muxagata: das doces, e vermelhas Melancias de Patayas junto da Nazareth, de Coruche, e Chamusca: das Romãs, Marmellos, e Gamboas de Santarem, com a quantidade sem numero de Castanhas verdes, e piladas da Beira, e Minho:[Pg 166] de Amendoas, Passas, Figos, e Alfarrobas do Algarve, principalmente de Estoy: Nozes, Sorvas, Nesperas, e Avelãs da Estremadura: Bolotas, Azeitonas, e Pinhões do Alentejo, sem fazermos caso dos Medronhos, Murtinhos, Camarinhas, e Amoras de silva, que a natureza como frutos agrestes produz nos matos, e nas charnecas: a que se podem ajuntar as chamadas Tuberas da terra, de que a Béja se vaõ vender aos alqueires, e saõ especial prato, ou feitas à semelhança de Coelho, ou à imitaçaõ de favas.
14 Seguia-se lembrarmo-nos das hortaliças, que naõ tem que invejar as nossas cousa alguma às de Italia, ou França; pois em parte alguma haverá Couves taõ grandes, e Nabos taõ monstruosos, que se possaõ igualar com as da Beira, especialmente as Murcianas de Azeitaõ, e Setubal: Repolhos da Villa do Conde: Cardos das hortas de Béja, e Baleizaõ, e toda a hortaliça de Santarem: e muito menos com a riqueza, regalo, e recreaçaõ das muitas quintas, e hortas, tendo só Lisboa em si, e seu termo mais de sete mil; porém toda esta especie naõ cabe na memoria por infinita, e da mesma sorte a copiosa fertilidade de legumes de todo o Riba-Tejo, raizes, arbustos, e hervas comestiveis, e aromaticas. Só com as medicinaes pudera Portugal supprir os balsamos, as massas, e especiarias da India, se os Portuguezes foraõ mais curiosos em se dar à intelligencia da Botânica, ou virtude das hervas, e plantas, sendo certo, como confessaõ os estrangeiros,[282] naõ haver terreno mais bastecido, e fertil de hervas medicinaes, que Portugal, ainda no mais escabroso das suas serras.
15 Assim vemos que por ellas cria a natureza prodigamente sem a diligencia da cultura o Alecrim, a Arruda, o Aypo, a Argentina, a Alfavaca de cobra,[Pg 167] os Almeirões, os Agrões, a Agrimonia, a Artemija, a Avenca, as Azedas, a Bisnaga, a Borragem, o Cardo santo, a Carqueja, a Celidonia, a Centaurea, a Congossa, a Douradinha, a Dormideira, o Endro, o Ensayaõ, a Erva cidreira, a Erva doce, a Escabiosa, a Escorcioneira, a Eufrazia, o Funcho, a Filipendola, o Gilbarbeiro a Hepatica, a Hera, o Hyssopo, o Jaro, a Labaça, o Lirio, a Lingua de Vaca, a Losna, a Macela, a Malva, o Malvaisco, a Mangerona, o Mastruço, o Marroyo, o Meimendro, o Millefolio, a Moleirinha, a Murta, o Nardo celtico, a Neveda, o Oregaõ, a Ortelã, as Papoilas, a Peonia, a Pimpinella, os Poejos, a Rabaça, o Rosmaninho, a Salgadeira, a Salsa, o Saramago, a Segurelha, a Sanguinaria, a Semprenoiva, a Serpentina, a Solda, a Tamargueira, a Tanchagem, o Tomilho, o Trevo, o Trovisco, a Valeriana, o Verbasco, a Versa, a Veronica, a Viola, e outras de experimentada virtude, e prestimo,[283] de que tambem os multiplicados enxames de abelhas se aproveitaõ para a fabrica do mel nos excellentes colmeares, principalmente nas serras de Serpa, Portel, termo de Palmella, e toda a Provincia de Tras os Montes, que costuma repartir com os visinhos: naõ sendo menos util a copiosa colheita do Linho, Grã, e Esparto das Provincias do Minho, Beira, Estremadura, e Algarve, de que tanto se aproveitaõ as Nações estrangeiras.
16 Ainda para recreyo dos sentidos, vista, e olfato se mostra a natureza taõ provida, e liberal em nossos campos na producçaõ de infinitas flores, humas brancas, outras encarnadas, outras roxas, outras amarellas, azuis, e verdes, que naõ ha monte, nem valle, que no tempo do Veraõ deixe de respirar alegria, e suavidade com o esmalte, e fragrancia das Boninas, Junquilhos, Mosquetas, Lirios, Madresilva,[Pg 168] Legacaõ, Azareiro, Giesta, Murta, Flor de laranja, e outra muita diversidade, que exhalando agradavel cheiro, nascem, e se criaõ em qualquer prado, compondo hum continuado ramalhete; porque a industria da arte nas cercas, e nos jardins tem em todo o anno constante o Abril, e florecente a Primavera com vistoso matiz de Amarantos, Ambretas, Amores perfeitos, Angelicas, Aquilegias, Araras, Assucenas, Artemijas, Azareiros, Anemolas, Bordões de S. Joseph, Botões de ouro, Barboletas, Caracoleiros, Caxias, Cravos, Cravinas, Disciplinas, Ervilhas de cheiro, Esporas, Flores pombinhas, Flores do Cabo de boa esperança, Flores de Liz, Girasoes, Goivos, Jasmins, Jacintos, Junquilhos, Lilazes, Malmequeres da sessia, Malvas da India, Maravilhas, Mauritanas, Margaritas, Melindres, Mogarins, Narcisos, Noturnos, Novelos, Orelhas de Urso, Papagayos, Papoulas da India, Perpetuas, Piramides, Primaveras, Rainunculos, Rosas, Saudades, Selindres, Suspiros, Tulipas, Valverdes, e Violas, com as frondosas latadas de Caracoes, Trepadeiras, Chagas, e Martyrios, e o verde adorno dos crespos, e cheirosos Mangericões.
17 Quanto ao Peixe, além de o gabar Marineo Siculo,[284] e Botero,[285] tem Portugal razaõ forçosa para o ter em abundancia, e muy saboroso, por ser hum Paiz verdadeiramente maritimo, lançado, e estendido pela costa do Oceano, onde o mar continuamente o está regalando de differentes peixes, huns mayores, outros menores, merecendo especial memoria os deliciosos Salmões do Minho: as gabadas Azevias de Alhandra: os raros Solhos, e Tainhas do Sado: os saboros Saveis, e Lampreas do Mondego, e Coa: as Douradas, Escolares, e Atum do Algarve: os Salmonetes, Linguados, Redovalhos, Bezugos, e Sardas de Setubal: as admiraveis Trutas,[Pg 169] e Mugens da Beira, e Minho: as selectas Bogas, Barbos, e Escalhos de Alviella: os Ruivos de S. Joaõ da Foz, e Villa do Conde: as famosas Pescadas, e Curvinas de Cezimbra, Cascaes, Ericeira, Caminha, e Esposende: os Congros, e Roballos de Peniche, e Buarcos: os Safios, Eirozes, Cachuchos, e Gorazes do Tejo. E deixando de particularizar outras innumeraveis especies de peixe, que os rios, ribeiras, e lagoas nos tributaõ com a fecunda pescaria de Sardinhas, e Carapáos, e os celebrados Camarões de Villa-Franca, com os saborosos cardumes de Ostras, Bribigões, e mais Mariscos de Aveiro, e Setubal, vimos a concluir, que de tanto genero de mantimentos, e regalos, com que nos provê benigna a natureza, se vem a fazer hum todo admiravel contra o que diz Virgilio, que non omnis fert omnia tellus, pois todas as cousas vemos em tanta copia juntas nesta opulenta Peninsula.
[269] Argot. nas Antiguid. da Chancel. de Brag. pag. 382.
[270] Strab. lib. 3. Athen. lib. 4. Gymnosoph. Polyb. lib. 38.
[271] Apud Duart. Nun. Descripç. de Port.
[272] Jactitet se Cereris dono Sicilia, nihil video cur Santareno præferantur.
[273] Duart. Nun. Descripç. de Portug. cap. 34.
[274] P. Marian. Histor. de Hesp. liv 10. p. 1. cap. 13.
[275] Luiz Mendes de Vasconcel no Sitio de Lisb. O A. dos Serões do Principe part 1. disc. 6. § 9. Sever. de Far. Notic. de Portug. disc. 1.
[276] Boter. de Ration. Stat. lib. 8.
[277] Nun. na Vid. de Sancho I.
[278] Duart. Nun. Descripçaõ de Portugal cap. 25. Fr. Nicol. de Oliv. Grand. de Lisb. tract. 1. cap. 4. Maced. nas Flor. de Hespanh. cap. 3. excel. 4.
[279] Le Baron de Lahontan tom. 3. Voiages de Portug. p. 208.
[280] Far. Europ. Portug. tom. 3. part. 3. cap. 8. n. 2.
[281] Sá de Miranda cart. 2. est. 10.
[282] Mervelleux Memoir. instr. tom. 1. p. 193. e 216. Barlamont no Elixir do Univ. cap. 4. e 5.
[283] Gabr. Grisley Desengan. da Medicin. Duart. Nun. Descripç. de Port. Vigier Histor. das Plant.
[284] Marin. Sicul. de Reb. Hispan. lib. 1.
[285] Boter. Relaç. Univ. part. 1. liv. 1. pag. 14.
1 A tanta fertilidade, e mimo de especies sensitivas, e vegetaveis, como temos summariamente mostrado haver neste nosso Reino, quiz Deos tambem ajuntarlhe as estimaveis riquezas de preciosos mineraes. Os de ouro, e prata saõ muito antigos em toda a Hespanha, como refere a Escritura sagrada;[286] e taõ naturaes em o nosso Portugal, como affirma Plinio,[287] e o confirma Estrabo,[288] rendendo ao Senado de Roma cada anno dos[Pg 170] direitos, que se tiravaõ das minas de Asturias, Portugal, e Galiza, trinta mil marcos de ouro: sendo este sem duvida o unico attractivo, e reclamo, que chamou de taõ longe os Frigios, Fenices, Tyrios, Carthaginezes, e Romanos a fazernos guerra, e tributarios à sua cubiça.
2 Mas deixando a lembrança das minas antigas, como as de que faz mençaõ Justino[289] que havia na Provincia do Minho, e as que houve na Freguezia de S. Mamede de Val-Longo do Concelho de Aguiar de Sousa, e no Lugar de Villa-Verde, termo de Mirandella,[290] e no termo de Grandola, e no sitio de Alfarella da Provincia de Tras os Montes, e no Lugar do Seixo naõ longe de Anciães,[291] e em outras muitas partes do Reino, esgotadas pela ambiçaõ dos Romanos.
3 He certo que no anno de 1290 concedeo ElRey D. Diniz privilegios aos que tiravaõ ouro na Adiça, junto à foz do Tejo entre Almada, e Cezimbra, que era a officina mais antiga, donde se tirava ouro neste Reino em grande copia. Os mesmos privilegios concederaõ os mais Reys até ElRey D. Manoel, em cujo tempo com o descubrimento das riquezas da Asia foraõ diminuindo as extracções das minas de Portugal, como tudo conta a Monarquia Lusitana.[292]
4 Tambem no anno de 1628 se descubrio no Lugar de Paramio, tres leguas da Cidade de Bragança, huma mina de prata taõ fina, que de oito arrobas de pissarra ficavaõ na fundiçaõ seis de prata; e havia tanta quantidade della, que promettia o Superintendente oito arrobas cada dia livres para ElRey.[293] Bem sabido he, e celebrado pelos antigos o purissimo ouro, que se tirava de entre as areas do Tejo,[Pg 171][294] e tambem naõ he para esquecer o Cetro, que ElRey D. Joaõ III. mandou fazer do ouro extrahido das mesmas areas, o qual Cetro affirma Duarte Nunes,[295] que muitas vezes vira nas mãos dos nossos Monarcas em occasiaõ de Cortes, e que ainda se conserva no Thesouro Regio.
5 Se nós fizermos huma natural reflexaõ acerca do muito, que nossos primeiros Reys dispendiaõ, já com o sustento de grandes exercitos em continuas campanhas; já com grossas armadas; já na erecçaõ de Templos, e Palacios sumptuosos; nos thesouros riquissimos, que deixavaõ a seus filhos; nas distribuições generosas, e soccorros poderosissimos, com que ajudavaõ a muitos Principes Catholicos,[296] sem que naquelle tempo houvesse tanta renda dos direitos Reaes, nem o descubrimento das riquezas da Asia tivesse ainda contribuido com seus thesouros para supprir estes gastos, forçosamente devemos inferir, que em Portugal havia opulentas minas. Este pensamento confirma com bastante erudiçaõ o Doutor Fr. Serafim de Freitas,[297] dizendo, que antes do descubrimento da India naõ havia Reino na Europa mais opulento que Portugal: por isso com elevado episodio, e sabio fundamento introduzio o erudito Botelho na infancia de Portugal a idade preciosa de ouro,[298] que o singular Camões no cant. 9. e 10. attribuio ao tempo, e governo do sempre saudoso Rey D. Manoel.
6 Esta observaçaõ he só por huma natural conjectura; porque he infallivel haver sempre muitas[Pg 172] minas de ouro, e prata por todo o Reino, como ainda ha na Villa de Borba, Béja, Evora, no termo de Barcellos, e Thomar, em Tras os Montes, e em outras partes conhecidas,[299] as quaes naõ se praticaõ hoje por certa razaõ de Estado, que aponta Plinio[300] nas de Italia, e Duarte Nunes,[301] e as Memorias instructivas de hum viajor nas de Portugal: ou tambem porque com o descubrimento das Minas da America no Estado do Brasil taõ fecundas, e com as mais modernas de diamantes, descubertas no Serro do Frio, de cujos riquissimos transportes resulta ao Reino taõ copioso lucro, (pois chega a vinte milhões de cruzados o que nos vem todos os annos das Minas,) attrahidos desta fertilidade, e opulencia os Portuguezes, se esqueceraõ do que tinhaõ mais perto.
7 Naõ só enriqueceo a natureza o Reino de ouro, e prata, mas tambem de pedras preciosas. No monte do Oiteiro, que cerca a Villa de Borba, achaõ-se finissimas Turquezas, as quaes naõ saõ de cor verde, como disse Duarte Nunes,[302] e por sua informaçaõ Manoel de Faria, e a Corografia Portugueza,[303] mas sim de cor azul opaco, segundo bem adverte, e emenda o Padre Bluteau.[304] Na ribeira de Bellas, pouco distante de Lisboa, e principalmente no Lugar do Suimo, ha muita quantidade das pedras preciosas chamadas Jacinthos, que na cor arremedaõ muito à flor Bemmequer.[305] No Algarve achaõ-se Rubís. Na serra de Cintra ha minas de Magnetes, ou pedras de cevar,[306] de que os estrangeiros se tem aproveitado mais do que nós. E[Pg 173] no rio Cávado apparecem Amethystos, Jacinthos e Crystaes finissimos.
8 Tudo isto he muy conforme com o que dizem Botero, e Gil Gonçalves de Avila,[307] que em Portugal naõ só ha muitas minas de preciosos metaes, mas muitas pedras preciosas; donde Fr. Marcos de Guadalaxara Xivier, tratando da nova França, diz,[308] que naquella terra se achaõ Diamantes semelhantes aos que ha no Tejo: e isto naõ póde causar duvida, quando sabemos que na Real Capella de Villa-Viçosa ha huma Custodia, cuja pedraria, de que está cravejada, foy toda extrahida das minas de seus contornos.[309]
9 De Cobre se descubrio no anno de 1620 na serra de Grandola huma mina muito boa. De Estanho, e muito fino temos em Amarante, Bouzella, S. Pedro do Sul, Belmonte, e em outras partes,[310] que nós vimos no anno de 1736 pela diligencia de Monsieur Damy. De Ferro ha bastante copia nas Villas de Penella, e Thomar;[311] e affirma o erudito Severim de Faria,[312] que he o melhor ferro do mundo, pois delle se costumaõ fabricar espingardas muy estimadas de todos os Principes. O Crystal em muitas partes deste Reino se acha em pedaços; e refere Duarte Nunes,[313] que na Villa do Crato havia no seu tempo poços, donde se tirava grande quantidade. O mesmo se acha nas montanhas de S. Mamede de Val-Longo, termo de Aguiar de Sousa, e em S. Vicente de Caldellas, termo de Pica de Regalados.[314]
10 No Concelho de Gondomar na Freguezia de S. Christovaõ de Rio-Tinto ha minas de Talco taõ[Pg 174] bom, que se conduz por negocio para muitas partes. Chumbo se extrahe de Aremenha. Que diremos das grandes cantarias de tantas variedades de pedras, quantas vemos em todo o Reino? Os marmores brancos taõ admiraveis, que se tiraõ da Villa de Estremoz: os pretos de Cintra: os vermelhos, azuis, amarellos, e pardos de Pedro Pinheiro, com os quaes se fabricou o Real Templo de Mafra, que, com o adorno de tanta diversidade de pedras, bem podemos dizer, que he huma joya preciosa, ou hum vistoso ramalhete, em que está unida a robustez com a delicadeza, o natural com o artificioso. Com igual estimaçaõ vemos os pórfidos de Setubal, e os celebrados marmores da serra da Arrabida, e os de Montes Claros, e os de Villa Viçosa, dos quaes se tem aproveitado ainda os melhores edificios de terras estranhas.[315]
11 Naõ longe de Coimbra ha huma casta de pedra muy clara, e lustrosa, mas taõ branda, que basta qualquer prego sem maceta para a lavrar.[316] Outra mais admiravel se produz no Lugar das Antas, termo da Villa da Arruda, com a qual costumaõ ladrilhar os fornos, em que se coze o paõ; porque tem ella tal virtude, e calor intrinseco, que basta receber pela manhã a quentura sufficiente, para a conservar todo o dia, sem ser necessario renovar-se o fogo, ou administrarlhe mais lenha.[317] A esta especie podemos ajuntar as pedras molares de Cezimbra, e Porto de Mós, e as admiraveis pederneiras de espingarda, que ha por Alcantara junto de Lisboa, com todas as suas pedreiras matrizes de muita differença de pedra, que com a falta de curiosidade inda ignoramos.
12 Poucas terras levaráõ vantagem à nossa na[Pg 175] producçaõ dos Barros finos, aptos para a fabrica de cousas domesticas. Entre todos merece o primeiro lugar o barro vermelho, e odorifero de Estremoz, de que se fazem preciosos pucaros, os quaes naõ só tem a galantaria de ficarem prezos, e pendurados nos beiços, quando por elles se bebe, mas tem a virtude bezoartica, e alexifarmaca, com que se extenuaõ as qualidades do veneno,[318] pelo que he bem merecida a estimaçaõ, que em toda a parte lograõ. Em Roma no Museo do Padre Kirker, e Bonani, que se conserva no Collegio dos Padres Jesuitas, os vimos com especial recato; e em muitos gabinetes de Monsenhores, e Principes de Italia constituem naõ pequeno adorno. Depois destes seguem-se os de Lisboa, chamados pucaros da Maya, ou do Romaõ, feitos com summa delicadeza, e formosura especialmente aquelles, a que chamaõ de alètria, de hum barro tambem odorifero, com os quaes lá lhe achou huma bella analogia o discreto Camões[319] para comparar as formosas Damas Lisbonenses. Os de Montermór o Novo, Sardoal, Aveiro, e Pombal saõ fabricados de barros igualmente selectos, naõ sendo para desprezar a louça de barro, que se fabrica na Villa das Caldas.
13 De Azeviche ha muitos mineraes, mayormente na Villa da Batalha, de que se fazem curiosos brinquinhos, e figuinhas, as quaes trazidas à vista dizem que saõ contra o quebranto, e fantasmas melancolicas:[320] por isso rara he a criança neste Reino, que naõ ande armada de muitas destas figas contra o máo olhado. O Padre Eusebio Nieremberg[321] approva a virtude natural do azeviche para este effeito, mas condemna a effigie.
14 A formosura do Coral nos contribue muitas[Pg 176] vezes o mar de Peniche, lançando-o pelas prayas em ramos, e esgalhos bem galantes, de que temos visto alguns. O Vermelhaõ se colhe no rio Minho, donde tomou o nome, e de que falla Justino.[322] No tempo delRey D. Manoel se descubriraõ minas de vermelhaõ, e de Azougue.[323] O cheiroso Ambar acha-se algumas vezes pelos areaes de Troya defronte de Setubal, que o mar lança fóra, quando tem andado tempestuoso. O Salitre naõ falta pelas grutas de Alcantara.[324]
15 O Sal se coalha copiosamente nas muitas marinhas, que ha em Aveiro, Santo Antonio do Tojal, e em Setubal, bastando só os direitos Reaes destas salinas de Setubal para satisfazerem aos Hollandezes os milhões, que se obrigou o Reino a pagarlhe pelo Tratado da liga defensiva, concluindo-se o anno de 1703 o seu ultimo pagamento. Bastante prova he desta fertilidade o grande numero de navios estrangeiros, que continuamente vemos em nossos portos a fazerem carregações do sal, que lá nas suas terras naõ tem: e he isto taõ antigo, que affirma Pedro de Mariz[325] verse em tempo delRey D. Pedro I. nos portos de Lisboa, e Setubal muitas vezes quatrocentos, e quinhentos navios a esta carga, e outras nossas mercadorias. Seguia-se tratarmos agora do Commercio do Reino; mas como reservamos esta noticia para quando descrevermos Lisboa, primario archivo de todas as grandezas, e trafegos de Portugal, passemos à averiguaçaõ das moedas, que se tem lavrado, com toda a sua diversidade, e valor.
[286] 1 Machab. 8.
[287] Plinio lib 33. cap. 4.
[288] Strab. lib. 3. de Situ Orbis: Nec in alia parte terrarum tot sæculis hæc fertilitas. Plin. alleg.
[289] Justin. lib. 44.
[290] Costa, Corograf. Port. tom. 1. p. 374 e 452.
[291] Ibid. tom. 3. p. 337. Argot. Antig. da Chancel. de Brag. p. 224. e 332.
[292] Monarq. Lusit. liv. 16. cap. 30.
[293] Ibid. Monarq. Lusit.
[294] Silio Italico, Martial, e outros apud Maced. Flor. de Hespanh. cap. 4. excel 2.
[295] Duarte Nun. Descripç. de Portug. cap. 14.
[296] Resend Chron. delRey D. Joaõ II. cap. 61. Marian. lib. 25. c. 11. Osor. liv. 2. de Reb. Emman. Andrad Chron. delRey D. Joaõ III. part 3. cap. 15.
[297] Freitas de Justo Imperio Lusit. cap. 16. Ita ut ante Indiæ explorationem nullum ex Europæis Regnum opulentius Lusitano inveniretur.
[298] Botelh. no Alfonso da impressaõ de Salamanc. ann. 1731 liv. 10. est. 76. & seqq.
[299] Far. na Europ. Portug. tom. 3 part. 3. cap. 8. n. 10. Corograf. Port. tom. 3. p. 171.
[300] Plin. lib. 33. c. 4.
[301] Duart Nun Descripç. de Port. cap. 14. Memor. instruct tom. 1. p. 210.
[302] Duart Nun. Descripç. de Portug. p. 44.
[303] Far. na Europ. Port. tom. 3. p. 183. Corograf. Port. tom. 2. p. 513.
[304] Bluteau, Vocab. verb. Turqueza.
[305] Corograf. Portug. tom. 3. pag. 52. Blut. verb. Jacintho.
[306] Memor. instruct. tom. 1. pag. 112.
[307] Boter. Relaç. Univ. part. 1. liv. 1. Avila, Grand de Madrid. liv. 4.
[308] Xivier part. 5. Pontif. lib. 3. cap. 4.
[309] Serões do Princip. part. 1. disc. 6. § 10.
[310] Corogr. Port. tom 2. p. 393.
[311] Duart Nun. Descr. de Port. p. 42.
[312] Sever. Notic. de Port. disc. 1.
[313] Duart. Nun Descripç. de Port. p. 42.
[314] Corogr. Port. tom. 1. p. 244. e 374. Monarq Lusit. liv. 16. cap. 30.
[315] Duart. Nun. Descripç. de Portug. p. 45. Luiz Mendes no Sitio de Lisb. p. 192.
[316] Far. Europ. Port. tom. 3. p. 183.
[317] Rodrig. Mend. da Silv. na Poblac. gener. de Hesp. p. 130. e Duart. Nunes ut supr.
[318] Aldrovand. in Musæo Metal. lib. 2. pag. 229. Curvo na Polyanth. p. 592. mihi n. 15. Fonseca no Aquil. p 210.
[319] Cam. cart. 1.
[320] Dioscorid. lib. 5. cap. 103. Plin. liv. 25. cap. 10. S. August. de Civit. Dei cap. 91.
[321] Nieremb. Filosof. Natur.
[322] Justin. lib. 44. cap. 4.
[323] Monarq. Lusit. tom. 5. p. 80.
[324] Mervelleux Memoir. instr. tom. 1. p. 216.
[325] Mariz Dialog. 3. cap. 6.
[Pg 177]
1 As moedas mais antigas, de que ha noticia em o nosso Reino, saõ as do famoso Sertorio, Capitaõ Romano, o qual vindo a Portugal no anno 83 antes de Christo com o projecto de se fazer senhor de Hespanha, mandou bater moedas. Tinhaõ de huma parte esculpido o seu rosto de meyo perfil, e da outra banda a figura de huma corça, como offerece huma estampada o erudito Chantre de Evora Manoel Severim de Faria.[326] Era ella de prata do tamanho de seis vintens, e semelhante a esta foraõ achadas outras. Foy isto muito antes dos Imperadores Romanos.
2 Com a morte porém de Sertorio, ficando a nossa Lusitania reduzida a Provincia sujeita ao Imperio Romano, o dinheiro que entaõ corria nestas partes, era o mesmo de Roma; e ainda que se achaõ algumas moedas daquelle tempo abertas em algumas Cidades, e terras nossas, era por especial privilegio dos Imperadores, dos quaes se tem descuberto em todas as nossas Provincias muita quantidade das de ouro, prata, e cobre, como referem o mencionado Severim, e outros.[327]
3 Acabado o Imperio dos Romanos, seguiraõ-se os Godos; e desde o anno 411 de Christo até o de[Pg 178] 570, que he o em que governou Leovigildo com poder absoluto, tambem naõ ha memoria de moeda alguma. De Leovigildo até D. Rodrigo, ultimo Rey Godo, achaõ-se algumas, ainda que mal abertas, de ouro, e prata, como as expressa o allegado Severim no §. 3. Fr. Bernardo de Brito diz, que no tempo do Rey Godo Flavio Recaredo, o qual morreo pelos annos de Christo 601 havia moedas de ouro, e prata batidas em diversas partes da Lusitania; e que além da que refere Ambrosio de Morales batida em Evora com seu rosto de ambas as partes, e a letra de seu nome com a outra ELBORA. JUSTOS; conservava elle em seu poder outra de ouro baixo com seu rosto esculpido grosseiramente, e no reverso huma Cruz com esta letra OLISBONA, PIUS. Donde se deixa ver, que havia em Lisboa officina de bater moeda em tempo deste Rey. Tambem diz que vira outra do Rey Svintila, de ouro, batida na Cidade de Evora, com seu rosto de huma parte, e ao redor SVINTILA REX: da outra banda huma Cruz com esta bordadura: EBORA VICTOR. Vencedor em Evora. Sem embargo de que o Padre Argote diga, que naõ vira em Author algum moeda de prata do tempo dos Godos.[328]
4 Seguiraõ-se depois os Mouros no anno de 714, ou 716, e introduziraõ as suas moedas por toda a Hespanha em todos os tres generos de metal, ouro, prata, e cobre, de que se tem achado ainda algumas, principalmente no Alentejo, e terras do Algarve, e nós vimos bastantes de prata com certos caracteres Arabicos, que se descubriraõ em Loulé. Hum dos dinheiros, de que usavaõ os Mouros, era chamado Maravedi, e permaneceo tanto em Hespanha, que até o reinado delRey D. Fernando I. de Leaõ todas as computações das contas se faziaõ por[Pg 179] maravedis, assim como nós as fazemos agora pela valia de reis. Pouco depois se estabeleceo a Monarquia Portugueza com Reys proprios, e das moedas, que estes mandaraõ lavrar, e das que presentemente correm, faremos huma resumida memoria pelo estylo, que observamos.
5 Alfonsim. Esta moeda mandou lavrar ElRey D. Affonso IV. que delle tomou o nome, com o consentimento do Clero, e Povo.[329] Era de tres qualidades, cobre, prata, e ouro: o Alfonsim de cobre valia pouco mais de hum real dos nossos: o de prata era do tamanho de hum tostaõ, e valia pouco mais de quarenta reis. Tinha de huma parte sobre o nome Alfo huma coroa, e por baixo do nome delRey havia humas, que tinhaõ a letra L, por serem abertas em Lisboa, outras a letra P, por serem feitas no Porto, e pela orla tinhaõ esta inscripçaõ: Adjutorium nostrum in nomine Domini. O mesmo se lia da outra parte, onde estavaõ os cinco escudos do Reino postos em Cruz. O Alfonsim de ouro valia quinhentos e tantos reis.[330] Todas estas moedas tinhaõ o mesmo cunho.
6 Aureo. Foy moeda, que correo no tempo delRey D. Sancho II. pelos annos 1240, como se acha em escrituras publicas. O Reverendo Padre Fr. Francisco de Santa Maria em hum Tratado, que fez das moedas de Portugal, e anda incorporado no tom. 4. da Historia Genealogica da Casa Real a pag. 261. he de parecer, que esta moeda fosse daquellas mesmas dobras de ouro, que fez lavrar ElRey D. Sancho I. com a sua figura armado a cavallo, com a espada na maõ, e a letra: Sancius Rex Portugaliæ de huma banda, e da outra os cinco escudos em Cruz, que nós chamamos quinas, e dentro em cada hum cinco dinheiros naõ mais, e a letra à[Pg 180] roda: In nomine Patris, & Filii, & Spiritus Sancti. Amen;[331] e sendo esta tal moeda, valia o tal Aureo pouco mais de cento e vinte reis da nossa moeda corrente, e he a mais antiga, que se acha no Reino.
7 Barbuda, ou Celada. Foy moeda de prata muito ligada, que mandou lavrar ElRey D. Fernando com o valor de 36 reis. De huma parte tinha hum capacete com viseira, e peito de malha, a que tudo chamavaõ Barbuda, ou Celada, donde tomou o nome, e em cima huma coroa, e pela orla da moeda a letra: Si Dominus mihi adjutor, non timebo: da outra parte huma Cruz da Ordem de Christo, que tomava todo o vaõ, e no meyo da Cruz hum escudo pequeno com as quinas de Portugal, e nos angulos da Cruz quatro castellos, e em roda a letra: Fernandus Rex Portugaliæ, Alg. No tom. 4. da Historia Genealogica da Casa Real vem aberta a sua figura, cuja circumferencia se póde ver melhor, que por informaçaõ dos Authores, os quaes discrepaõ muito nas medidas da sua grandeza.
8 Calvario. Era certa moeda de ouro de 22 quilates, e tambem chamavaõ cruzados, que mandou lavrar ElRey D. Joaõ III. com o valor de quatrocentos reis, que depois subio a seiscentos reis. Tinha de huma parte a Cruz sobre o monte Calvario, que daqui tomou o nome, com a letra em roda: In hoc signo vinces: da outra banda o escudo Real coroado, e a letra: Joann. III. Port. & Algarb. R. D. Guin.
9 Ceitil. Mandou lavrar esta moeda de cobre ElRey D. Joaõ I., ou na occasiaõ em que tomou a Cidade de Ceuta aos Mouros, como dizem alguns Authores, ou porque era cada dinheiro destes a sexta parte de hum real de cobre, e por isso ceitil he o mesmo, que sextil, e esta nos parece a mais verdadeira[Pg 181] deducçaõ. Lavraraõ-na os Reys successores até ElRey D. Sebastiaõ.[332]
10 Conceiçaõ. Esta moeda mandou lavrar ElRey D. Joaõ IV. em ouro, e em prata no anno de 1648. A de ouro valia doze mil reis: tinha de huma parte a effigie da Senhora da Conceiçaõ com tres symbolos deste Mysterio por cada lado, e em circulo as letras: Tutelaris Regni: da outra parte estavaõ as armas Reaes no meyo de huma Cruz da Ordem de Christo, e na cercadura: Joannes IIII. D. G. Portugaliæ, & Algarbiæ Rex. A de prata tinha o mesmo cunho, mas era de mayor diametro, que os cruzados novos, e corria com o valor de seiscentos reis. A origem, que houve para se cunhar esta moeda, foy assim:
11 Depois que o felicissimo Rey D. Joaõ IV. fez tributario o Reino de Portugal à Conceiçaõ da Senhora em cincoenta cruzados de ouro cada anno, applicados para a sua Real Capella de Villa Viçosa, jurando, e tomando neste Mysterio a Senhora por Protectora do Reino em Cortes do anno de 1646[333] tratou logo de lhe pagar o tributo em moeda especial, e para isso mandou abrir a França hum cunho da fórma, que temos dito, o qual trouxe, e fez Antonio Ruiter, a quem se deu tres mil reis, que dispendeo com a abertura do ferro, como consta do liv. 1. do Registo da Casa da Moeda pag. 256. vers. donde inserimos, que o primeiro anno, em que ElRey fez a sobredita offerta, seria no anno de 1648, por ser este anno o que se vê expresso na sobredita moeda, a qual desde o anno de 1651 principiou a ser moeda corrente pela ley, que sahio para isso. E sem embargo de que no tom. 4. da Historia Genealogica da Casa Real pag. 287. se diga, que humas,[Pg 182] e outras moedas corriaõ com pezo de huma onça, foy equivocaçaõ; porque da mesma ley, que vem no dito tomo a pag. 359. se vê, que as de ouro corriaõ com o pezo de doze oitavas, e valiaõ por doze mil reis; e as de prata com pezo de huma onça, e corriaõ por seis tostões: e pezo de doze oitavas he onça e meya.
12 ElRey D. Affonso VI. continuou tambem a mandar lavrar as sobreditas moedas em todo o tempo do seu governo, e da mesma sorte ElRey D. Pedro II. e nesta moeda se fazia a offerta de vinte e quatro mil reis no dia da festa da Conceiçaõ, em cujo dia trazem pendente ao pescoço os tres Officiaes, que administraõ a Casa da Senhora, huma das taes moedas. No anno porém de 1685 teve fim a fabrica destas moedas, porque desde entaõ nunca mais se lavrarão, entregando-se os referidos vinte e quatro mil reis em outra qualquer moeda para a despeza da festa de Villa Viçosa.
13 Coroa. Foy moeda de ouro, que mandou lavrar ElRey D. Duarte com o valor de 216 reis. ElRey D. Manoel tambem a mandou lavrar, e valia 120 reis: chamava-se Meya coroa. Este preço conservou até o reinado delRey D. Joaõ III. e ElRey D. Sebastiaõ.[334]
14 Cruzado. Quando o Papa Pio II. mandou a Bulla da Cruzada para a guerra santa contra os Turcos, ordenou ElRey D. Affonso V. que se lavrasse huma moeda de ouro subido de 24. quilates, e que se chamasse cruzado em reverencia da Bulla, e com o valor de 400 reis. Tinha de huma parte a Cruz de S. Jorge com a letra: Adjutorium nostrum in nomine Domini; e da outra o escudo Real com a coroa sobre a Cruz da Ordem de Aviz com estas letras: Cruzatus Alphonsi Quinti R. Manoel de Faria[Pg 183][335] mostra que vio huma moeda destas com differente cunho. No anno de 1561 valia cada cruzado destes 500 reis, e depois foraõ subindo ao valor de 600 reis, e deste ao de 640.[336]
15 Presentemente correm cruzados novos de ouro, que mandou lavrar ElRey D. Joaõ V. desde o anno de 1718 com o valor intrinseco de 400 reis, e na estimaçaõ commua de 480. Por Decreto de 8 de Fevereiro de 1730 mandou o mesmo Senhor que se lavrasse nas Minas quartos de escudo de ouro com o valor extrinseco de 400 reis cada hum, e intrinseco de 375 reis, tendo de huma banda o retrato delRey, e da outra na parte superior huma coroa Real, na inferior a era, em que se fabricaõ, e na circumferencia o nome delRey. A esta moeda chamamos cruzado, dos quaes já naõ ha muitos.
16 ElRey D. Joaõ IV. mandou lavrar cruzados de prata com o valor de 400 reis, e meyos cruzados com 200 reis de valia. Depois foraõ subindo até o reinado delRey D. Pedro II. que levantou os cruzados a seis tostões, e os meyos cruzados a tres tostões, mandando tambem lavrar cruzados novos de prata com o valor de 480, e meyos cruzados com o de 240, a que presentemente chamamos doze vintens, e que ainda correm nos nossos tempos.
17 Dinheiro. Foy moeda de cobre, que tinha de huma banda a Cruz da Ordem de Christo com duas estrellas, e duas meyas luas nos vaõs, e a letra A. Rex Portugaliæ: da outra parte tinha as cinco quinas com a letra: Algarbii. Valia hum ceitil menos hum decimo. Destes dinheiros faz mençaõ a Ordenaçaõ velha liv. 4. tit. 1. §. 17.
18 Dobra. Moeda de ouro de varias castas: Portuguezas, Castelhanas, Mouriscas, ou Barbariscas. As Portuguezas chamavaõ-se Cruzadas, que mandou lavrar ElRey D. Diniz com o valor de 270 reis: outras[Pg 184] se chamaõ Dobras delRey D. Pedro, e valiaõ 147 reis. Das Dobras Castelhanas havia humas, que se chamavaõ da Banda, por serem lavradas por ElRey D. Affonso XI. de Castella, e tinhaõ de huma parte a banda, insignia da Ordem Militar, que o mesmo Rey instituio, e valiaõ 216 reis: com este nome faz dellas mençaõ a Ordenaçaõ velha liv. 4. tit. 1. Tambem se chamavaõ Valedias, porque valiaõ, e corriaõ em Portugal. Havia outras dobras com o nome de Dona Branca, e outras Sevilhanas, que mandou bater em Sevilha ElRey D. Affonso o Sabio, e valiaõ 600 reis. Tinhaõ de huma parte ElRey armado a cavallo com a espada na maõ, e a letra em roda: Dominus mihi adjutor: da outra parte as armas de Castella, e Leão com o letreiro: Alfons. R. Castellæ, & Leg.[337] As Mouriscas, ou Barbariscas valiaõ 270 reis. ElRey D. Pedro I. mandou lavrar Meyas dobras com o valor de 73 reis e meyo.
19 Ducataõ de ouro. Quando ElRey D. Sebastiaõ foy a Guadalupe, mandou lavrar esta moeda: huma com o valor de quarenta mil reis, outra de trinta, outra de dez cruzados.[338]
20 Engenhoso. Foy moeda de ouro, que fez lavrar ElRey D. Sebastiaõ no anno de 1562 com o valor de 500 reis. Tinha de huma parte a Cruz com a letra: In hoc signo vinces; e da outra banda o escudo do Reino com a letra: Sebastian. I. Rex Portugal. Chamou-se esta moeda do Engenhoso, por assim se chamar Joaõ Gonçalves, natural de Guimarães, que fez o cunho. Ordenou o elle de sorte, que as moedas sahiaõ fundidas de pezo, e com hum circulo ao redor para naõ se poderem cercear.[339]
21 Escudo. Moeda de ouro com muita liga, que mandou fazer ElRey D. Duarte com a valia de 90 reis. ElRey D. Manoel a mandou desfazer.
[Pg 185]
22 Espadim. Houve neste Reino moedas com este mesmo nome de tres castas. Espadins de ouro mandou-os lavrar ElRey D. Joaõ II. com o valor de 320 reis. Tinha de huma parte o escudo do Reino com a letra: Adjutorium nostrum in nomine Domini; e do reverso huma espada empunhada com a ponta para cima, e em circulo o nome delRey. Em tempo delRey D. Manoel valia 500 reis. Espadins de prata, que mandou abrir ElRey D. Affonso V. com o mesmo cunho que os de ouro, só com a differença de ter a ponta da espada voltada para baixo. Chamou-se Espadim em memoria da Ordem da Espada, que instituio para a Conquista de Fez, como diz Severim.[340] Valiaõ 24 reis. Espadins de cobre prateados mandou bater ElRey D. Joaõ II. com o valor de quatro reis.
23 Forte. Com este nome mandou lavrar ElRey D. Diniz huma moeda de prata com o valor de dous vintens, ou quarenta reis; e meyos Fortes, que valiaõ hum vintem. Tinha hum, e outro de huma parte o habito de Christo com a letra: Dionysius Rex Portugal. & Algarb. da outra parte as armas do Reino, e a letra: Ajutorium nostrum in nomine Domini. Houve outros Fortes, e meyos Fortes, que fez bater ElRey D. Fernando em preço de 29 reis, que depois abateo a 16.
24 Frizante. Foy moeda de prata, que corria no tempo de nossos primeiros Reys, mas naõ se sabe de que valor era. A Monarquia Lusitana faz mençaõ desta moeda.[341]
25 Gentil. ElRey D. Fernando mandou lavrar esta moeda de ouro, mas de quatro castas. Havia Gentil de hum ponto, e valia 162 reis: Gentil de dous pontos 144 reis: Gentil de tres pontos 126 reis: Gentil de quatro pontos 116 reis. Fr. Antonio[Pg 186] da Purificaçaõ[342] diz, que o Gentil delRey D. Fernando valia 720 reis.
26 Grave. Moeda de prata, que mandou bater ElRey D. Fernando do tamanho de meyo tostaõ, e valia 21 real. Tinha de huma parte a letra F, primeira do seu nome, e sobre ella huma coroa dentro em hum escudo, e nos lados duas Cruzes, com a letra na orla: Si Dominus mihi adjutor. No reverso tinha a Cruz de S. Jorge sobre hum escudo rodeado de quatro castellos, e o nome do Rey na cercadura.
27 Indios. Mandou ElRey D. Manoel no anno de 1499 lavrar esta moeda de prata com o valor de 33 reis em memoria do descubrimento da India. Tinha de huma parte a Cruz da Ordem de Christo com o letreiro: In hoc signo vinces; e da outra parte as armas do Reino com a letra: Primus Emanuel.
28 Justo. Esta moeda era de ouro, que mandou fazer ElRey D. Joaõ II. e valia 600 reis. De huma parte tinha o escudo Real já com as quinas direitas sem a Cruz de Aviz, e o nome delRey na cercadura; e no reverso tinha a effigie delRey sentado em hum throno com a espada na maõ entre dous ramos de palma, e a letra em roda: Justus ut palma florebit.
29 Leal. Era moeda de prata, que mandou fazer ElRey D. Joaõ II. com valor de doze reis. Tinha de huma parte a letra Leal por baixo de huma Cruz; e da outra parte o escudo do Reino com o nome delRey na orla.
30 Livra. Foy moeda lavrada em varios reinados, e de varias castas, donde procede a alteraçaõ de seu valor. A Livra de ouro em tempo delRey D. Diniz valia oito vintens: o mesmo valor tinha já no reinado delRey D. Affonso III. No tempo delRey D. Joaõ I. valiaõ pouco mais de 82 reis. A Livra[Pg 187] de prata era de dous generos: Antigas, e novas. Havia livras antigas, por cada huma das quaes se haviaõ de pagar setecentas das novas, e assim valia cada huma das antigas 36 reis: e havia tambem livras antigas, por cada huma das quaes se pagava quinhentas das novas, e entaõ valia cada huma 25 reis. A Livra de cobre era de tres sortes; porque havia livra de dez soldos, que valiaõ tres reis e meyo: livras de dez livras pequenas, e valiaõ meyo real: livras de tres livras e meya, que valiaõ real e meyo, e corriaõ até o anno de 1407.
31 Maravedim, ou Morabitino. Foy moeda, que introduziraõ no Reino os Mouros Almoravides, ou Morabitos, que significa Fieis, segundo o mostra Aldrete.[343] Havia maravedim de ouro, que mandou lavrar ElRey D. Sancho I. com o valor de 500 reis. Tinha de huma parte a effigie delRey a cavalo com a espada nua na maõ, e pela orladura: In nomine Patris, & Filii, & Spiritus Sancti. No reverso tinha o escudo Real, e o nome delRey em gyro. Os maravedís Mouriscos naõ tinhaõ mais que huns caracteres, ou attributos de Deos de huma parte, e da outra, o nome do Principe, que os mandara abrir. Houve tambem maravedís de prata, que corriaõ com o valor de 27 reis.
32 Mealha. Naõ era moeda, que tivesse cunho particular, mas era metade da moeda, que chamavaõ Dinheiro, e valia meyo ceitil.
33 Nomeada. Moeda de prata, que fez lavrar ElRey D. Joaõ I. e seu filho ElRey D. Duarte. Naõ se sabe o que valia. Tinha de huma banda a Cruz de S. Jorge com a letra: Dominus adjutor fortis; e da outra o escudo do Reino com o nome delRey na circumferencia.
34 Patacaõ. Era moeda de cobre com o valor[Pg 188] de dez reis, que mandou fazer ElRey D. Joaõ III. Tinha de huma parte o escudo Real coroado com o nome delRey, e da outra parte a letra X, com a inscripçaõ: Rex Quintusdecimus. Havia tambem meyos patacões com a letra V, que valiaõ cinco reis. ElRey D. Sebastiaõ reduzio esta moeda ao valor de tres reis.
35 Peças. Moeda de ouro, que corria no tempo do Infante D. Pedro, Duque de Coimbra. ElRey D. Joaõ II. a mandou desfazer.
36 Pé-Terra. Moeda de ouro, que fez lavrar ElRey D. Fernando com o valor de 216 reis.
37 Pilarte. Foy moeda de prata, que lavrou ElRey D. Fernando com o valor de treze reis, e dous ceitis. O nome de Pilarte foy posto em attençaõ, ou memoria dos pagens dos soldados estrangeiros, que lhe levavaõ os capacetes, ou barbudas, a que o Francez chama Pilartes.
38 Portuguez. ElRey D. Manoel, do ouro, que lhe vinha das Conquistas da Asia, fez lavrar humas moedas, que se chamaraõ Portuguezes de 500 ducados cada huma, e depois mandou lavrar outras, que valiaõ quatro mil reis. Destas houve tanta copia, que nas praças naõ se pagava por quasi todo o Reino com outra moeda, senaõ com a chamada Portuguezes de ouro.[344] Tinha de huma parte a Cruz da Ordem de Christo, e a letra em roda: In hoc signo vinces; e da outra o escudo Real coroado com as letras: E. R. P. A. C. U. A. D. G. que queriaõ dizer: Emmanuel Rex Portugaliæ, Algarb. q. Citra, Ultra Afric. Dommus Guineæ. Tinha outro letreiro por fóra junto à garfila, ou orla: C. C. N. E. A. P. I. que dizia: Comercio, Conquista, Navegaçaõ, Ethiopia, Arabia, Persia, India. ElRey D. Joaõ III. tambem os mandou lavrar da mesma fórma. ElRey D. Joaõ V. mandou lavrar em Lisboa no anno de 1718 Portuguezes[Pg 189] de ouro de 22 quilates, e com o valor de 19200 cada Portuguez, os quaes foraõ sómente para se lançar nos alicerses da Real Igreja de Mafra. Tambem ElRey D. Manoel mandou fabricar Portuguezes de prata no anno de 1504, e valia cada hum 400 reis. A estes Portuguezes depois resuscitou ElRey D. Joaõ IV., e ElRey D. Pedro II. chamando-lhe Cruzados.
39 Quatro vintens. Mandou lavrar esta moeda de prata ElRey D. Joaõ III. que de huma parte tem o nome do Rey com coroa, e o numero LXXX. e na orla a letra: Rex Portug. & Algarb. Da outra parte tem a Cruz de S. Jorge com a sabida inscripçaõ: In hoc signo vinces.
40 Real. Esta moeda a mandou lavrar em prata varias vezes ElRey D. Joaõ I. sempre com o mesmo valor, mas cada vez de menor pezo. Os primeiros valiaõ nove dinheiros, os segundos seis dinheiros. Até o tempo delRey D. Manoel corriaõ Reaes de prata com o valor de vinte reis, e outros de trinta. ElRey D. Joaõ III. tambem os mandou lavrar com o valor de quarenta reis, e com os mesmos cunhos da moeda de quatro vintens, mudando o numero 80 em 40. A mesma moeda fez lavrar D. Joaõ IV. e he o chamado meyo tostaõ, que hoje corre. Havia Real de cobre de varias sortes: huns tinhaõ mistura de estanho, com que ficavaõ mais claros, e se chamavaõ Reaes brancos. Mandou lavrallos ElRey D. Duarte, e D. Affonso V. Os que se lavraraõ antes do anno de 1446 valiaõ dez ceitis. Havia outros Reaes chamados Pretos, por serem de cobre puro, e valiaõ pouco mais de hum ceitil. ElRey D. Joaõ II. para desterrar tanta confusaõ de Reaes, fez lavrar Real de cobre de seis ceitis. O mesmo fizeraõ seus Successores até ElRey D. Joaõ III. Tinhaõ de huma parte hum R, debaixo de huma coroa, e da outra o escudo do Reino com o nome delRey na orla. ElRey D. Sebastiaõ fez lavrar Meyos[Pg 190] Reaes com a valia de tres ceitis: tinha de huma banda hum S coroado, e da outra hum R entre dous pontos.
41 Sinquinho. Moeda de prata delRey D. Joaõ II. e D. Manoel: valia cinco reis. O delRey D. Manoel tinha de huma parte os cinco escudos do Reino em Cruz com as letras: Emmanuel P. R. & Al. da outra huma malta com a mesma letra. Tambem ElRey D. Joaõ IV. fez lavrar Sinquinhos de prata.
42 Soldo. Foy moeda das mais antigas do Reino lavrada em ouro, prata, e cobre. A de ouro valia oito reales, ou dezaseis vintens: a de prata dez reis: a de cobre hum real. Este soldo em tempo delRey D. Joaõ I. chamava-se Moeda-Febre.
43 Talento. Corria esta moeda no governo delRey D. Sancho I. no anno de 1188, e valia quatro ducados, ou cruzados, e era de ouro.
44 Tornezes. Moeda de prata em tempo delRey D. Pedro I. Tinha de huma parte a cabeça delRey com barba comprida, e a letra: Petrus Rex Portugal. & Algarbii: da outra banda o escudo do Reino, e na orla a letra: Deus adjuva me. Valia treze reis. ElRey D. Fernando tambem lavrou Tornezes, que valiaõ oito soldos, ou quatorze reis.
45 Tostaõ. ElRey D. Manoel mandou bater esta moeda em ouro, e em prata. A de ouro era o quarto de ouro dos Portuguezes: a de prata valia cem reis. Tinha de hum lado a Cruz da Ordem de Christo com a letra: In hoc signo vinces; e do outro as armas do Reino com coroa, e o nome do Rey na orladura. Mandou lavrar tambem Meyos tostões com os mesmos cunhos, e letras, e valiaõ cincoenta reis.
46 S. Vicente. Moeda de ouro, que fez lavrar ElRey D. Joaõ III. com o valor de mil reis. Tinha de huma parte a imagem de S. Vicente com huma náo na maõ esquerda, e hum ramo de palma na direita com a letra: Zelator Fidei usque ad mortem:[Pg 191] da outra parte o escudo Real com a letra: Joan. III. Rex Portug. & Algarb.
47 Vintem. Moeda de prata, que teve principio no tempo delRey D. Affonso V. e todos os mais Reys continuaraõ a mandar lavrar, ainda que com a fórma, e figura mudada, mas sempre com o valor de vinte reis. Em tempo dos Reys Filippes houve a moeda de meyo vintem em prata, que valia dez reis.
Em ouro. | Valor. | Pezo. |
---|---|---|
Dobraõ de | 24U000 | 15 oitavas. |
Meyo dobraõ de | 12U800 | 1 onça. |
Dobra de 4 escudos | 6U400 | 4 oitavas. |
Meya dobra de 2 esc. | 3U200 | 2 oitavas. |
Moeda de ouro de | 4U800 | 3 oitavas. |
Meya moeda | 2U400 | oitava e meya. |
Escudo | 1U600 | 1 oitava. |
Quarto de moeda | 1U200 | 54 grãos. |
Meyo escudo | U800 | meya oitava. |
Cruzado novo | U480 | 21 grãos. |
Quarto de escudo | U400 | 18 grãos. |
Em prata. | Valor. | Pezo. |
---|---|---|
Cruzado novo | 480 | 4 oitavas 59 grãos. |
Doze vintens | 240 | 2 oitavas 29 grãos. |
Seis vintens | 120 | 1 oitava 14 grãos. |
Tostaõ | 100 | 1 oitava. |
Tres vintens | 60 | 43 grãos. |
Meyo tostaõ | 50 | 36 grãos. |
Vintem | 20 | 17 grãos. |
Em cobre. | Valor. |
---|---|
Moeda de | 10 reis. |
Moeda de | 5 reis. |
Moeda de | 3 reis. |
Moeda de | 1 real e meyo. |
[Pg 192]
Por Ley do anno de 1732 prohibio ElRey D. Joaõ V. que se lavrassem Dobrões de doze mil e oitocentos, Moedas de quatro mil e oitocentos, nem outras, que excedaõ o valor de seis mil e quatrocentos reis; e que em todas, assim nas que corriaõ, como nas que se lavrassem, se pozesse a sarrilha, que tem as de prata.
Rey. | Metal. | Valor. |
---|---|---|
D. Sancho I. | Ouro | 6U480. |
D. Pedro I. | Idem | 7U380. |
Idem | Prata | U945. |
D. Fernando | Idem | U900. |
D. Joaõ I. | Idem | 2U600. |
D. Affonso V. | Idem | 1U260. |
D. Manoel | Idem | 2U280. |
D. Joaõ III. | Ouro | 30U000. |
Idem | Prata | 2U600. |
D. Sebastiaõ | Idem | 2U400. |
Idem | Idem | 2U680. |
D. Henrique | Ouro | 40U000. |
Idem | Prata | 4U000. |
D. Joaõ IV. | Ouro | 42U240. |
Idem | Idem | 51U200. |
Idem | Idem | 55U680. |
Idem | Idem | 80U000. |
Idem | Prata | 3U600. |
Idem | Idem | 4U000. |
Idem | Idem | 5U000. |
D. Affonso VI. | Idem | 4U400. |
Idem | Idem | 4U600. |
D. Pedro II. | Ouro | 85U312. |
Idem | Idem | 96U000. |
Idem | Prata | 5U600. |
D. Joaõ V. | Ouro | 96U000. |
Idem | Prata | 5U600. |
[326] Manoel Severim de Faria Notic. de Portug. disc. 4. §. 2.
[327] Idem ibid Far. Europ. Port. tom. 3. part. 4. cap. 11. Argot. Memor. do Arcebisp. de Brag. tom. 3. no Supplem. ao liv. 4. pag. LVII. Sousa na Histor. Geneal. tom. 4. p. 107.
[328] Argot. ut supr. pag. LX. Monarq. Lusit. l. 6. c. 19. 21. e 22.
[329] Chronic. delRey D. Fernand. cap. 58.
[330] Fr. Anton. da Purificaç. Chronic. de S. Agost. part. 2 liv. 7. tit. 6. §. 6.
[331] Monarq. Lusitan. liv. 10. cap. 7.
[332] Sever. de Far. Notic. de Portug. disc. 4. § 27. Cunha, Histor. Eccl. de Lisb. tom. 1. p. 2. cap. 20. Far. na Europ. Port. tom. 3 part. 4. cap. 11. n 10.
[333] Brandaõ na Monarq. Lusit. liv. 19. cap. 23. part. 6. Maced. Eva, c Ave part. 2. cap. 15. n. 27.
[334] Fr. Anton. da Purific. allegad. e o illustr. Cunha na Histor. Eccles. de Lisb. allegad. Ordenaç. delRey D. Man. liv. 4. tit. 1.
[335] Far. na Europ. Port. tom. 3. part. 4. cap. II. n. 12.
[336] Cunha na Histor. Eccles. de Lisb. tom. 1. part. 2. cap. 20 n. 10.
[337] Cunha, Histor. Eccl. de Lisb. part. 2. cap. 20. n. 13.
[338] Fr. Manoel dos Sant. Histor. Sebast. p. 488.
[339] Barbos, Remiss. à Ord. tit. 21. liv. 4. p. 30.
[340] Manoel Severim de Far. Notic. de Portug. disc. 4. §. 29.
[341] Monarq. Lusit. p. 3. in Append. n. 16.
[342] Purific. Chronic. de S. Agost. allegada.
[343] Aldret. no Thesouro da lingua Castelh. vide etiam Bochart. in Geograf. Sacra no principio da sua vida.
[344] Far. no Comm. das Lusiad. de Cam. cant. 1. p. 115.
[Pg 193]
1 A primeira lingua, que se fallou em Portugal, foy a que communicou Tubal aos Turdulos, primeiros habitadores de Lisboa, os quaes multiplicando-se foraõ povoar depois parte da Turdetania, ou Andaluzia;[345] porém que lingua fosse aquella, he toda a difficuldade. Dizem huns, que fora a lingua Hebraica,[346] outros a Caldaica, ou alguma das setenta e duas, em que Deos prodigiosamente dividira a primitiva na torre de Babel. Muitos se capacitaõ, que a lingua primeira, e geral de toda a Hespanha fora a Vasconça, ou Biscainha.
2 Filippe de la Gandara julga[347] que era idioma particular, e distincto do Caldeo, e Hebreo; mas conforme os caracteres, de que usavaõ os antigos Turdulos Portuguezes, infere Fr. Bernardo de Brito,[348] que seria a lingua dos Hetruscos, usada em Italia desde o tempo de Noé; porém ou fosse hum, ou outro idioma, he certo que a tal lingua dos Turdulos naõ foy universal em toda esta nossa Peninsula, porque comprehendia differentes nações, e cada huma, em quanto viveo sobre si, conservou seu particular idioma, conforme assevera Plinio.[349]
3 Com a fama, e attractivo das riquezas de Hespanha fizeraõ transito a estas partes muitas gentes de[Pg 194] outras nações;[350] e como as linguas entraõ nas Provincias com os seus Conquistadores, introduziraõ os Cartaginezes, e Gregos muitos vocabulos dos seus idiomas, que ainda conservamos, e retemos.[351] Depois vieraõ os Romanos, e para expulsarem de Hespanha aos Cartaginezes, gastaraõ naõ menos que duzentos annos até a vinda de Augusto Cesar.
4 Em todo este espaco de tempo foraõ os Romanos intromettendo, e espalhando pouco a pouco as suas leys, costumes, e locuçaõ;[352] e confederando-se com os nossos por casamentos, fundando Colonias, e estabelecendo Conventos Juridicos, para que todo o governo de paz, e guerra dependesse delles, obrigaraõ por este modo politico, e sagaz a que todos os Lusitanos fallassem Latim. Nelle sahiraõ taõ insignes alguns, que depois o foraõ ensinar dentro a Roma.[353]
5 Corria o anno de Christo 409, quando os Godos, Alanos, Vandalos, Suevos, e outras Nações barbaras Septentrionaes invadiraõ Italia, França, e Hespanha e assim como esta barbaria Gotica fez descahir da pureza da lingua Latina aos Romanos, produzindo em Italia o dialecto Italiano, em França o Francez, em Hespanha o Castelhano, assim em nossos Paizes fez nascer a lingua Portugueza.[354] Verdade he que os Godos desejaraõ muito accommodarse com a lingua Romana, mandando verter em Latim os nomes dos officios de seus palacios, Corte, e exercitos; porém como era gente mal[Pg 195] disciplinada, misturou de tal fórma hum com outro idioma, que enchendo-o de sollecismos, barbarismos, e impropriedades, relaxou, e corrompeo totalmente o Latim, que os nossos fallavaõ, mudando-lhe até os caracteres Latinos em letras Goticas, que introduzio o Bispo Ulfilas,[355] especialmente nos livros sagrados, e Ecclesiasticos.
6 Sobrevieraõ os Mahometanos, e entaõ se acabou de arruinar, e perverter a lingua totalmente com as palavras Arabigas. Hum nosso Author muito erudito[356] diz, que na invasaõ dos Mouros, ficando livres as montanhas de Asturias, para onde foraõ refugiarse os Hespanhoes, que ficaraõ depois do ultimo Rey Godo D. Rodrigo, se conservara entre elles illezo o Romance, que era vulgar no dominio Gotico, sem mescla do idioma Arabe. Assim seria; mas quem poderá negar que dos Arabes se deduziraõ, e permanecem ainda em o nosso dialecto muitas dicções, que principiaõ por al, e xa, e as que finalizaõ em z, como observou o insigne Joaõ de Barros?[357]
7 Entrou finalmente em Portugal o Conde D. Henrique, primeiro tronco dos Reys Portuguezes; e como elle era Francez, e casou com Princeza Castelhana, causou na lingua outra mudança, aggregando-lhe novo complexo de palavras Castelhanas, e Francezas; porque como bem advertio o discreto Bembo,[358] tratando da alteraçaõ, que tinha havido na lingua de Roma até o anno de 1540, conforme saõ os Soberanos, que governaõ, assim saõ os idiomas, que se fallaõ; porque o discurso como o corpo se costuma vestir, e ornar, segundo o uso, que ordinariamente sempre segue o exemplo do Rey: e attendendo a este peregrino, e verbal matiz, disse[Pg 196] o Padre Joaõ de Mariana,[359] que a lingua Portugueza era mesclada de Latim, Francez, e Castelhano. Todavia as composições feitas em vulgar Portuguez, que daquelle seculo permanecem, saõ de fórma, que hoje se fazem imperceptiveis, e de ingrata dissonancia aos mesmos compatriotas.[360]
8 Ainda no tempo delRey D. Diniz, do qual affirma Manoel de Faria[361] que fora douto, e Poeta, e que o nosso idioma grangeara por esse respeito mais perfeita cultura, se conferirmos, e cotejarmos o estylo, e as palavras daquella era com as de agora, acharemos infinita differença. O Padre D. Antonio Caetano de Sousa[362] transcreve huma carta daquelle Rey em resposta de outra de sua Santa consorte a Rainha Santa Isabel, cuja locuçaõ bem confirma o que dizemos. Veyo ultimamente o grande Virgilio Portuguez Luiz de Camões com as suas Poezias epicas, e lyricas, e o incomparavel Demosthenes Lusitano o Padre Antonio Vieira com as suas declamações Evangelicas, para communicarem o ultimo resplandor, formosura, e perfeiçaõ à lingua Portugueza.
9 Com este augmento, e estado participa ella presentemente de todos aquelles attributos, que a podem fazer summamente estimavel entre as melhores da Europa, porque tem abundancia de termos, e copia de palavras, com que se explica; e algumas taõ efficazes, que as que saõ nativas, e propriamente Portuguezas, em nenhuma outra lingua se encontraõ semelhantes, nem ainda equivalentes. Só o Portuguez com a unica palavra Saudade sabe exprimir com muito mayor força, e energia a constancia[Pg 197] do amor ausente; e com a voz Magoa a penetrante dor do sentimento. Para fallar em todo o genero de assumptos tem a extensaõ necessaria de vocabulos, e modos abundantes: por isso disse bem o Tito Livio Portuguez Joaõ de Barros,[363] que se Aristoteles fora nosso natural, naõ fora buscar lingua emprestada para escrever na Filosofia, e em todas outras materias, de que tratou; e se lhe faltara algum termo succinto, fizera o que vemos em muitas partes aos presentes, que quando carecem de termos Theologaes os Theologos para entendimento real da cousa, os compozeraõ, e assim os Filosofos, Mathematicos, Juristas, e Medicos: e o recurso a idiomas estranhos na introducçaõ de vozes novas naõ só he licito, mas preciso.
10 Nós naõ podemos negar que a nossa lingua se tem valido, enriquecido, e aproveitado das vozes, e frazes de outras Nações, como até agora temos visto: mas qual será o idioma, que naõ tenha usado deste subsidio? Naõ nos dá o breve methodo, que seguimos, lugar para nos deter com exemplos demonstrativos; porém só notamos, que a lingua Castelhana, (da qual intenta mostrar hum Author[364] que a Portugueza he seu dialecto,) mendigou tambem da nossa algumas palavras; e se nós foramos mais solicitos nas traducções Latinas, como tem sido a gente Castelhana, Italiana, e Franceza, tiveramos avocado muitos mais vocabulos, e vozes da lingua Latina, em fórma que a Portugueza naõ parecesse já corrupçaõ sua, como lhe chamou Camões,[365] mas muito mais semelhante a ella, como filha legitima de mãy taõ nobre.[366] E assim como por meyo das conquistas da Asia, e Africa adquirimos as palavras: Lascarim, Chatino, Zumbaya, e outras muitas, que nos saõ já domesticas,[Pg 198] da mesma sorte tiveramos conquistado inteiramente a lingua Latina, cujos vocabulos ainda assim tem degenerado taõ pouco no idioma Portuguez, que sem violencia podem nelle comporse muitos discursos com a mesma conformidade com a Latina,[367] o que naõ succederá facilmente às outras locuções, que se prezaõ de serem seus dialectos.
11 Participa mais a lingua Portugueza da estimavel circumstancia de se poder articular com huma pronunciaçaõ sonora, desembaraçada, e suave; porque nem he gutural, nem finaliza as dicções em consoantes asperas, como saõ: d, n, t, x, assim como ouvimos a muitas linguas da Europa. E quando naõ houvera a confissaõ constante de muitos Authores graves Castelhanos,[368] que affirmaõ haver na lingua Portugueza esta mesma suave prolaçaõ, bastava o provar aquella aptissima, e notoria facilidade, com que os Portuguezes adquirem, e fallaõ com cadencia todas as linguas estrangeiras, a que se applicaõ, o que naõ he taõ factivel aos outros com a nossa, que poucas vezes atinaõ com a sua verdadeira pronunciaçaõ.[369]
12 Attribuem muitos esta difficuldade àquella frequencia do nosso dipthongo aõ, corruptamente deduzido do om Francez, e Gallego, em que nossos compatriotas antigamente acabavaõ todas as dicções, que hoje terminamos em aõ, excepto os da Provincia do Minho, que pela mayor visinhança de Galiza ainda claudicaõ nisso. A quem se faz mais difficil articular este dipthongo, he à gente Castelhana, porque tem o costume, de finalizar com a letra n quasi todas as palavras, que nós acabamos[Pg 199] em m. Este embaraço pretendeo desterrar do nosso idioma Antonio de Mello da Fonseca no seu Antidoto da lingua Portugueza, cujo arbitrio naõ foy bem aceito pelo sabio, e prudente juizo dos criticos, porque este proprio mytacismo, (se assim lhe quizermos chamar) convem muito com o am dos Latinos, terminaçaõ frequente assim de nomes, como de verbos, e com tudo a defende Quintiliano;[370] nem deixa de parecer grave, e suave a cadencia Latina com estas terminações, que com mayor facilidade suavizaremos, usando do remedio, que em outra parte advertimos[371] para a boa elegancia, e eloquencia Portugueza.
13 Desta magestosa armonia procede fazerse o idioma Portuguez apto, e opportuno para todos os estylos, e assumptos, e para o verso com especial propriedade. Tal era o apreço, e estimaçaõ, que as Musas Castelhanas faziaõ da nossa lingua para expressar quaesquer affectos por meyo do Numen, ou Enthusiasmo Poetico, que deixavaõ a sua lingua para compôr no rithmo Portuguez. Assim o affirma Argote de Molina,[372] allegando humas Coplas Portuguezas de Macias, Poeta Castelhano: Si alguno le parecer que Macias era Portuguez, esté advertido, que hasta los tiempos delRey D. Enrique III. todas las Coplas, que se hazian, commummente por la mayor parte eran en aquella lengua. De maneira, que assim como em Italia entre todos os idiomas era a lingua Provençal a escolhida para o verso por todos os Poetas, ainda que naõ fossem Provençaes,[373] assim na Hespanha era reputada mais propria para a Poezia a locuçaõ, e fraze Portugueza por todos os Poetas Hespanhoes, por lhe acharem genio, e caracter especial para isso. Com o governo porém delRey D. Joaõ I. que mandou usar da lingua Castelhana nas cousas publicas,[Pg 200] de entaõ para cá deixaraõ os Castelhanos de compor versos no idioma Portuguez.[374]
14 A vantagem de escrevermos da mesma sorte, que pronunciamos, tambem he huma das perfeições, que se encontra na lingua Portugueza, e que se naõ acha nas outras, porque só assim se dá huma regra geral, para que todos observem huma igual orthografia; pois as etymologias ainda das linguas mais doutas sempre saõ distantes, e incertas, e como já mortas se tem corrompido, e alterado muito, havendo varias palavras Portuguezas, que se derivaõ de outras linguas mais modernas, e naõ entroncaõ com a Latina, Grega, Arabiga, e Hebraica, senaõ depois que as Nações menos antigas beberão nas fontes, e alteraraõ a sua nativa pureza.
15 Neste particular tem grande força o uso, e por isso o grande P. Vieira, revendo os seus proprios livros, (aos quaes só elle podia emendar,) disse onde imprimiraõ Devoçaõ, lea-se Devaçaõ; mas o primeiro ficou prevalecendo. Alguns Compositores se tem mostrado nimiamente declarados por esta parte, querendo que a palavra Homem, e outras assim semelhantes se escrevaõ sem H, como os Italianos. O melhor he seguir a mediania, como fazem os doutos, cujo exemplo he só assequivel, e naõ proceder com affectaçaõ, e estravagancia, assim como fez certo Author moderno, (posto que engenhoso) em huma nova orthografia, que usa, pondo tambem ligados dous rr no principio da dicçaõ,[375] contra toda a norma, e costume dos eruditos. Outras muitas propriedades, e predicados da nossa lingua observou curiosamente o Chantre de Evora Manoel Severim de Faria no discurso, que temos allegado.
[345] Monarq. Lusitan. liv. 2. cap. 5.
[346] Matut. Prosapia de Christ. Edad 2. cap. 4. § 8. Marin. Siculo, Garibay, e outros apud D. Thomaz Tamayo na Defensa de Flavio Dextro p. 103.
[347] Gandara, Triunf. del Rein. de Galiz. no Append. cap. 5.
[348] Monarq. Lusit. ut supr.
[349] Plin. lib. 3. cap. 1.
[350] Strab. lib. 1. & lib. 15. Vasæus lib. 1. cap. 11.
[351] Resend. lib. 1. Antiq. e nas Notas ao Poem. de S. Vicent. liv. 2. not. 44. Far na Europ. Port. tom. 3. part 4. cap. 9. Matut. ut sup. §. 5. Joaõ Franco Barreto na Ortogr. Port. Luiz Martinho nas Antiguid. de Lisb. liv. 1. c. 13.
[352] Resend. lib. 3. Antiquit. Abiere tandem in Romanorum mores Lusitani, & civilitatem, linguamque Latinam, sicut & Turdetani accepere. Aldret. nas Antiguid. de Hesp. liv. 1. cap. 11.
[353] Manoel Severim de Faria Notic. de Port. disc. 5. §. 2.
[354] Kirquer de Turri Babel lib 3. p. 131. Ex adventu Gothorum, Alanorum, Vandalorum ingentem corruptionem passa, quaternas alias peperit, Italicam, Gallicam, Hispanicam, Lusitanicam.
[355] Marian. Histor. de Hesp. tom. 1. liv. 9. cap. 18. Yañes liv. 2. p. 644. de la Era, y Fechas de Hesp.
[356] Martinh. de Mendoç. Disc. Philolog. contr. P. Feijó impress. em Madrid ann. 1727.
[357] Joaõ de Barr. Dialog. do louv. da nossa linguag. p. 56.
[358] Bemb. nas Pros. liv. 1. p. 16. vers.
[359] Marian. Histor. de Hesp. lib. 1. cap. 5.
[360] Veja-se a Far. na Europ. Portug. tom. 3. part. 4. cap. 9. e no Comm. das Rim. de Cam. tom. 4. part 2. pag. 81. Brit. Chronic. de Cister liv. 6. cap. 1.
[361] Idem Far. na Europ. Portug. tom. 3. part. 4. cap. 9.
[362] Sousa no Agiolog. Lusit. tom. 4. pag. 58. Veja-se o Apparat. da Histor. Geneal. do mesmo Author tom. 1. p. 208. e a Leitaõ Ferreira nas Noticias Chronolog. n. 574.
[363] Joaõ de Barr. Dialog ut supr. pag. 55.
[364] Gregor. Lop. Madeira no Disc. del monte Santo de Granad. part. 2. cap. 19. p. 70.
[365] Camões Cant. 1. Lusiad. est. 33.
[366] Kirquer de Turri Babel lib. 3. cap. 1. p. 131.
[367] Joaõ de Barros, Manoel de Far. Joaõ Franco Barreto já allegados. Manoel Severim de Far. Disc. var. disc. 2. Macedo nas Flores de Hespanh. cap 22 excel. 7.
[368] Marian. Histor. de Hesp. liv. 1. cap. 5. Lope da Vega na Descr. da Tapada, e na Dorot. act. 2. scen. 2. pag. 40.
[369] Veja-se a Faria no Prologo do tom. 1. da Europ. Port. e a D. Bernarda Ferreira na España libertada cant. 1. est. 6.
[370] Quintil. lib. 9. cap. ult.
[371] No Espelho da Eloquencia §.7. n.4.
[372] Molina liv. 2. de la Nobleza de Andaluzia p. 273.
[373] Bembo nas Pros. pag. 10.
[374] Sever. de Far. Disc. var. disc. 2. p. 85. Brandaõ na Monarq. Port. liv. 16. cap. 3.
[375] Veja-se o tom. 1. das Cart. Famil. de Francisco Xavier de Oliv. Cart. 7. p. 54.
[Pg 201]
1 Hum dos pontos mais precisos, e uteis, que se costuma sinalar no assumpto Geografico, he a informaçaõ, e pintura dos genios, usos, e inclinações das gentes de qualquer Paiz:[376] por isso depois de ter dado noticia do material do sitio, qualidade, abundancia, e outras especies memoraveis do terreno Portuguez, como primeira base do nosso intento, segue-se expôr as propensões naturaes, e costumes de seus habitadores.
2 E se nós houveramos de deduzir esta informaçaõ desde a raiz de sua primeira origem, e segundo a examinou diligentemente Estrabo, (que por agora omittimos,) com serem os primeiros Portuguezes povos incultos, e agrestes, nem por isso veriamos as suas condições taõ barbaras, e intrataveis, que presentemente nos pudessemos envergonhar de serem elles nossos progenitores.[377] Com a melhor cultura, e Religiaõ se melhoraraõ alguns abusos, que depois se foraõ alterando com a entrada de outras nações; mas como os ramos naõ degeneraõ da substancia do tronco, nenhuma se atreveo até agora a questionarnos o esforço, espirito, valentia, e gloria militar.
3 Esta primeira prerogativa, e brazaõ, que como herança alcançaraõ os Portuguezes de pays a filhos sempre com a mesma honra, que os antepassados, se acha soberanamente acreditada, e expendida[Pg 202] nos Annaes, e Historias do mundo em todos os seculos. Diodoro Siculo affirmou,[378] que os Lusitanos eraõ os homens entre os Hespanhoes os mais fortes, e valentes. O mesmo conceito ratificaraõ Vegecio, Plutarco, Tito Livio, Valerio Maximo, e outros muitos Authores antigos, e estranhos, com quem os modernos se conformaõ,[379] cujos testimunhos, e ditos naõ referimos por extenso, por ser este hum ponto de mayor grandeza, e indubitavel.
4 Só he preciso conhecer que o caracter desta valentia naõ he furor, que offusca o juizo, mas sim hum valor virtuoso, que obra por impulso da razaõ. He hum natural movimento, que, segundo a opportunidade das acções, sabe sempre usar com bizarria. Como todo o Portuguez, só estima o apreço da honra, despreza qualquer perigo para o conseguir. Este brio, e alento intrepido faz ser aos Portuguezes homens de ferro para o trabalho marcial, commettendo, e executando façanhas, que tem mais de verdadeiras, que de verosimeis, e conforme disse nosso Poeta,[380] excedem as sonhadas, fantasticas, e fabulosas, que as estranhas Musas tanto souberaõ engrandecer.
5 A Lealdade a seus Principes soberanos he outra admiravel prenda, de que só os corações Portuguezes[Pg 203] podem blazonar com grande singularidade. Todas as Chronicas do mundo, se bem repararmos, estaõ salpicadas do sangue de parricidios, e inconfidencias dos vassallos para seus Reys; só da naçaõ Portugueza naõ consta que faltassem já mais à fé promettida de seu verdadeiro Soberano. Foy observaçaõ do doutissimo Thomás Bosio,[381] natural de Gubio, Cidade de Urbino, e de outros gravissimos Authores.[382] Ardem os Portuguezes no amor do seu Rey, e com esta preclara segurança triunfaõ nossos Monarcas de todo o receyo, podendo-se chamar Reys naõ de vassallos, mas de filhos.[383]
6 Com as dilatadas viagens das Conquistas acabaraõ elles de confirmar, e appropriarse a virtude desta fiel obediencia, e respeitosa constancia, sem ser possivel desviallos, ou arrancallos em obsequio della ainda os immensos trabalhos, e perigos, que padeceraõ, (e padeceráõ, quando a occasiaõ o peça,) de climas encontrados, e asperos; de fomes, sedes, frios, e traições malevolas de inimigos. Foy o que disse Vasco da Gama por boca do nosso famoso Poeta[384] ao Rey de Melinde:
Crês tu que se este nosso ajuntamento
De Soldados naõ fora Lusitano,
Que durara elle tanto obediente
[Pg 204]Por ventura a seu Rey, e a seu Regente?
Crês tu que já naõ foraõ levantados
Contra seu Capitaõ, se os resistira,
Fazendo-se piratas obrigados
De desesperaçaõ, de fome, de ira?
Grandemente por certo estaõ provados,
Pois que nenhum trabalho grande os tira
Daquella Portugueza alta excellencia
De lealdade firme, e obediencia.
Com termos de grande elogio particularizaõ tudo Authores de grave authoridade.[385] E posto que a 13 de Janeiro de 1759 vimos no Caes de Belem desta Cidade lastimosamente punidos por traidores, perfidos, e parricidas huns miseraveis, que se denominavaõ Portuguezes, foy bem acordado à suprema Junta da Inconfidencia, antes de sentenciar o insulto, desnaturalizar aos aggressores; para que em nenhum tempo servisse de ludibrio a huma Naçaõ taõ fiel ao seu Rey, hum exemplo taõ indigno, e execrando. A mesma fé, e palavra estipulada na correspondencia de qualquer negocio, ou com o estrangeiro, ou nacional, se observa sempre inviolavel.[386]
7 O heroico titulo de Conquistador he huma das excellencias felicissimas, que particularmente compete tambem ao genio Portuguez. Desde o feliz reinado delRey D. Joaõ I. pelos annos de 1415 meteraõ os Portuguezes o braço, e asseguraraõ o pé nas quatro partes do mundo com inveja gloriosa de todo elle; e se as generosas ousadias conseguem o brazaõ de grandes já desde o seu primeiro intento, muitos annos antes da sua execuçaõ residia no sublime[Pg 205] peito, e mente Regia de nossos antigos Principes o mesmo glorioso projecto.[387] Por este meyo se vio a Monarquia Portugueza augmentada sem diminuir os Reinos alheyos; fez-se grande sem fazer nenhum pequeno; e com grandeza verdadeiramente propria até o tempo delRey D. Joaõ III. numerou trinta e dous Reinos remotos tributarios, e quatrocentas e trinta e tres Praças presidiadas, com outras muitas Ilhas consideraveis,[388] naõ havendo no mundo clima, em que as sagradas Quinas Portuguezas naõ se exaltassem triunfantes.[389]
8 Mas sobre todas as prendas, nenhuma acredita melhor de estimavel o genio Portuguez, que o zelo, e fervor, com que abraçaraõ, dilataraõ, e conservaõ a Fé de Christo. Elles foraõ os primeiros, que na Europa erigiraõ Templos sagrados para o culto da verdadeira Religiaõ: elles foraõ os que debellaraõ, e expulsaraõ de suas Provincias aos Sarracenos muitos centos de annos antes que outro algum Reino de Hespanha podesse livrarse de taõ vil gente: elles foraõ os que depois de limpar as suas terras da infecta naçaõ Arabe, continuaraõ em perseguilla na Asia, e Africa, naõ com outro motivo, senaõ para lhes intimar, e propagar a Fé Catholica. Aos Portuguezes devem todos aquelles dilatados povos[Pg 206] do Oriente o conhecimento da verdade Evangelica, a obediencia aos Summos Pontifices da Igreja, e a salvaçaõ das suas almas:[390] elles saõ finalmente os que para gastar no culto Divino tem mais ambiçaõ do que o mundo todo cubiça para adquirir ouro, e riquezas. Todo este zelo, e piedade he ponto, que para caber no breve espaço deste nosso Mappa, he preciso resumillo, e assinallallo com caracteres miudos.
9 Nas Sciencias supposto que antigamente floreceraõ nellas alguns Portuguezes, de que faz mençaõ Antonio de Sousa de Macedo,[391] com tudo naõ era com aquella fertilidade, com que pelos seculos mais chegados aos nossos deraõ os Portuguezes a conhecer a extensa capacidade do seu talento, e engenho. A confusaõ, e estrondo das armas, e das guerras naquelles primeiros tempos taõ continuas, e o acommettimento de inimigos taõ differentes naõ permittiaõ a tranquilidade, e socego, que requerem as Musas. Havia mais Portuguezes valerosos, que letrados. Produzia Portugal Scipiões, Cesares, Alexandres, e Augustos no valor, mas destituidos do adorno das sciencias, como lamentou Camões,[392] e Francisco de Sá de Miranda:[393]
[Pg 207]
Dizem dos nossos passados
Que os mais naõ sabiaõ ler,
Eraõ bons, eraõ ousados,
Eu naõ gabo o naõ saber.
10 Até o tempo delRey D. Diniz, sexto Rey deste Reino, ainda naõ se conhecia nelle que cousa eraõ gráos de Doutores, nem de Bachareis, nem de Mestres: aos que sabiaõ alguma cousa chamavaõ-lhe Escolares, porque hiaõ estudar fóra do Reino. De sorte, que o primeiro Rey, que instituio Escolas publicas para se aprenderem as sciencias, foy ElRey D. Diniz, o qual fundou tambem a insigne Universidade de Coimbra, donde continuamente se estaõ produzindo Mestres eruditissimos, e formando infinitos homens prodigiosos em todo o genero scientifico. Tudo cantou Camões na. 97. do 3.
Fez primeiro em Coimbra exercitarse
O valeroso officio de Minerva,
E de Helicona as Musas fez passarse
A pizar do Mondego a fertil herva.
Quanto póde de Athenas desejarse,
Tudo o soberbo Apolo aqui reserva:
Aqui as capellas dá tecidas de ouro,
De Baccaro, e do sempre verde louro.
11 Esta habilidade intellectual confirmaremos com provas mais evidentes, quando mostrarmos o genio, e engenho dos Portuguezes em toda a faculdade literaria. Passemos a expressar outros predicados. Na producçaõ de alguns inventos saõ elles naõ só fecundos, mas utilissimos. Henrique Garcez foy o primeiro, que achou na America o uso do azougue para purificar o ouro. Portuguezes foraõ os que usaraõ primeiro que outrem comer sentados em cadeiras. Bartholomeu Dias descubrio o Cabo da Boa Esperança; e Fernando de Magalhães o Estreito, a que deu nome. Os famosos Mestres Rodrigo,[Pg 208] e Joseph, Medicos delRey D. Joaõ II. inventaraõ o Astrolabio, instrumento Mathematico, o qual abrio caminho a taõ estupendas navegações. O Infante D. Henrique inventou a carta de marear; e em outros muitos raros inventos tiveraõ nossos nacionaes a primazia, e industria, que largamente mostra Manoel de Faria.[394]
12 Saõ os Portuguezes commummente pouco inclinados a aprender linguas estranhas, com a sua se contentaõ, que muito prezaõ. Para as que mais se dedicaõ alguns, saõ a Latina, Castelhana, Italiana, e Franceza, e nas duas primeiras fallaõ, e compõem com energia, e elegancia. Parece que nos reinados gloriosos delRey D. Manoel, e D. Joaõ III. havia mayor curiosidade em se applicarem os nossos às linguas Orientaes pela precisa interpretaçaõ conducente a facilitar o commercio daquelles povos, em cujos idiomas foraõ insignes, além de outros, Pedro da Covilhã, e Fernaõ Martins, dos quaes se lembraõ Joaõ de Barros, e Camões.[395]
13 O primor, brio, e bizarria saõ attributos muy proprios da gente Portuguesa. Naõ emprendem cousa alguma, por difficultosa que seja, que gloriosamente naõ a consigaõ. Affectaõ muito nas occasiões publicas ostentarse pomposos com gravidade, mayormente os Nobres, e quando estaõ fóra do Reino. Daqui nasce serem os Fidalgos Portuguezes reputados por vãos, presumidos, e soberbos; donde o Criticon de Gracian[396] disse: Que serian famosos, si non fuessen fumosos; porém naõ póde deixar de haver muito fumo, onde ha muito fogo: e como bem observou o eruditissimo Feijó,[397] toda esta jactancia da Fidalguia Portugueza naõ he mais que hum chiste, garbo, e dasafogo da vivacidade[Pg 209] do seu espirito. A urbanidade, cortezania, e attençaõ, com que trataõ a todos, he incompativel com a soberba, e orgulhosa arrogancia, e inchaçaõ, que se lhes attribue. Saõ muito amigos de valer a quem busca o seu patrocinio; e nas acções de piedade excedem a todo o mundo, dispendendo com maõ generosa, e liberal. Para mi tengo colegido que los Nobles de Portugal, es gente cuerda en lo que hacen, y agudos en lo que dizen: disse D. Antonio de Guevara em huma das suas Cartas.
14 Com desconfianca nos reputaõ os estrangeiros[398] por naçaõ extremosamente aferrada às maximas, e costumes nacionaes, que só estimamos, e encarecemos por vantajosos. Póde ser que se assim fora em todos esta constancia, naõ nos levariaõ elles muita parte da honestidade, verdade, compostura, modestia, honra, e desinteresse, que nossos antepassados professaraõ, e que em lugar destas boas prendas nos não vissemos agora cheyos de cautella, ambiçaõ, ociosidade, soltura, brindes, banquetes, e outras desordens, que as Nações estrangeiras nos introduziraõ;[399] porém este conceito naõ se compadece com o que ordinariamente estamos vendo, que he o nimio apreço, que quasi todos fazem das acções, modas, e costumes estrangeiros, desamparando com aleivosia aquelles, em que foraõ criados, sem mais razaõ que por serem os outros estranhos. Este vicio nacional foy reprehendido por hum dos nossos Poetas antigos,[400] dizendo:
Se hum estranho à terra vem,
Dizeis todos em geral:
Nunca aqui chegou ninguem;
E do vosso natural
Nada vos parece bem.
[Pg 210]
Em fim que por natureza,
E constelaçaõ do clima,
Esta naçaõ Portugueza
O nada estrangeiro estima,
O muito dos seuss despreza.
Imitou-lhe o conceito, e a sentença com igual graça o grande Francisco Rodrigues Lobo no fim da Egloga 1.
Ouvir qualquer estrangeiro
Fallar de seus naturaes,
Dá delles taõ bons sinaes,
Que o naõ tem por verdadeiro.
Falem-vos n’um natural,
Dizeis faltas que naõ tem;
Mente o outro para bem,
Nós mentimos para mal.
15 Quanto ao traje, e modo de vestir, naõ se póde dizer que o temos proprio: as invenções dos estrangeiros saõ os modélos, ou moldes dos nossos habitos. Até o tempo delRey D. Joaõ III. pouca alteraçaõ, e mudança houve no modo de trajar. Naquelle feliz seculo delRey D. Manoel, em que o Reino nadava em ouro, trajavaõ os Principes vestidos, que hoje desprezariaõ os filhos de qualquer mecanico humilde. ElRey D. Joaõ III. sendo ainda moço, e vendo em differentes occasiões variar de traje, nunca deixou o Portuguez, dizendo, que nenhuma cousa havia de ser bastante a fazello parecer estranho em sua patria.[401] Neste mesmo reinado, e pelos annos de 1530 he que em Portugal começaraõ a entrar as galas de Castella, e as delicias Asiaticas, que nos corromperaõ a modestia, e parsimonia antiga, de que tanto se lamentou Sá de Miranda.[402] Concorreo depois a communicaçaõ das[Pg 211] gentes de outros paizes, que com suas extravagantes invenções nos tem feito servos dos seus caprichos, e por imitar o alheyo perdemos o proprio. Bem o disse, e deplorou Simaõ Machado.[403]
Vellos-heis, disse, à Franceza,
Depois disso à Castelhana,
Hoje andaõ à Bolonheza,
Á manhã à Sevilhana,
E já nunca à Portugueza.
Confirma-o Francisco Rodrigues Lobo na Egloga 4.
Por isso qualquer profano
Nos toma para entremez,
Porque fazemos cada anno
Té no traje Portuguez
Mais mudanças que hum cigano.
Naõ tomamos isto em grosso,
Vestimos por tantos modos
Cada hora, que dizer posso,
Que naõ temos traje nosso,
Porque o tomamos de todos.
16 O que tem mais permanecido, he na gente Civil a capa, e volta, e na plebe o uso do capote, de que os estrangeiros naõ gostaõ, porque dizem ser contrario à boa politica, por causa de servir de grande rebuço às pessoas mal intencionadas;[404] porém a boa commodidade, que este habito faz no Inverno, e ainda às vezes no tempo calido, póde justificar o seu uso, e dissimular a indifferença da má intençaõ, que se lhe attribue. As espadas antigamente se traziaõ debaixo do braço sem a prizaõ do boldrié: os Italianos he que inventaraõ, e nos introduziraõ a moda do talim; donde Camões nos seus chamados Disparates veyo a picar esta introducçaõ.
[Pg 212]
Vereis mancebinhos de arte
Com espada em talabarte,
Naõ ha mais Italiano, etc.
Tambem se costumavaõ adagas, que hoje estaõ prohibidas; e até o adereço das espadas já tem degenerado em espadim, e cotós. As barbas compridas até à cintura se foraõ diminuindo no tempo delRey D. Joaõ IV. em que ainda se usavaõ bigodes: depois no governo do Senhor Rey D. Pedro II. se extinguiraõ, e entrou o uso das cabelleiras já agora taõ domesticado, que se faz reparavel o que naõ usa dellas; e ainda neste genero de compostura ha cada dia differentes novidades.
17 Entre todas as nações do mundo he só a Portugueza naturalmente conhecida por namorada. Perguntou a Madre Soror Maria de la Antiga em certa occasiaõ a Christo, se era Portuguez? O Senhor lhe respondeo: Sim filha, que tudo que diz amor, e mais amor está em mim; e essa parte dos Portuguezes saõ de natural mais nobre; e por certa natureza que naquelle Ceo influem os Planetas, saã commummente alli as gentes dessas qualidades.[405] Derretidos de amor nos chamaõ os Castelhanos; mas este affecto foy, e he sempre exercitado por aquelle teor, e modo, que aperfeiçoa as pessoas, e as incita a acções decorosamente galantes. As venerações, e cultos do amor candido saõ taõ antigos em Portugal, que já em tempo dos Cartaginezes havia templo em Villa Viçosa dedicado a Cupido, a cujo idolo, que era de prata, e chamavaõ Endovelico, hiaõ em romaria os Portuguezes fazer os seus sacrificios, offerecendo no principio de cada mez por victima hum cordeiro branco,[406] para mostrarem o sincero, e racionavel exercicio da mais poderosa paixaõ da alma.[Pg 213] Daqui se infere, que na chamma do amor Portuguez naõ ha fumo de torpeza: por isso Valerio Maximo reprehendeo asperamente a Q. Metelo Pio por delinquir nos excessos de Venus dentro da Provincia Lusitana, que só amava os furores de Marte.[407] Assim o deraõ a entender tambem aquelles Cavalleiros da Ordem Militar dos Namorados, que na celebre batalha de Algibarrota obraraõ tantas maravilhas em pura, e honesta contemplaçaõ das suas Damas;[408] e por desafronta de outras passaraõ a Londres no anno de 1390 os doze celebrados Portuguezes, que com gloria, e lustre da patria ficaraõ vencedores.[409] Foraõ finalmente os Palacios dos Reys sempre escolas universaes da fina galantaria. Celebravaõ-se saráos, e festins entre Damas, e galantes nas vodas, nascimentos de Principes, e vindas de Embaixadores, e a este exemplo o faziaõ os particulares com toda a modestia. Hoje está muy sincopada, ou, para melhor dizer, extincta a galantaria;[410] donde o grande Sá de Miranda[411] dizia já no seu tempo:
Traspozeraõ os amores,
E deixaraõ o Paço às cegas.
18 Este amor, e estimaçaõ para com o bello sexo faz ser aos Portuguezes mais ciosos de suas mulheres, do que merece a sua grande honestidade, e por conta dos zelos praticaõ cautelas bem escusadas, de que os estrangeiros naõ costumados a semelhantes precauções bastantemente se admiraõ, e estranhaõ.[Pg 214] As mulheres civis raras vezes sahem de casa; e quando chega a occasiaõ, que he no Domingo, ou dia Santo, vaõ acompanhadas de suas criadas, e cubertas com hum manto de seda preta, mas com tal ar, e garbo, que os mesmos estrangeiros reconhecem especial genero de attractivo na sua grave compostura, e meneyo. Antigamente usavaõ de guardinfantes: pouco ha se extinguiraõ os donaires: hoje todo o luxo anda pelos pés, e de rastos; bom final para se acabar. Na formosura, talento, e sagacidade excedem as Portuguezas às mulheres de todo o mundo: parece todavia que com a prenda natural da formosura naõ vivem algumas com toda a satisfaçaõ, obrigando-as a sua mal fundada desconfiança, ou ambiçaõ de parecer melhor, a pôr no rosto alguns unguentos, e certos sinaes, ou retalhinhos redondos de tafetá negro; porque imaginaõ se fazem daquelle modo mais bellas, e que realçaõ muito a alvura da cara, de cujo accidente nem todas participaõ, porque de ordinario as mais delas saõ de cor algum tanto morena, porém o cabello, e olhos pretos com graça, e viveza.
19 Nos casamentos usavaõ as antigas Portuguezas da Provincia do Minho naõ sahirem de casa de seus pays para as de seus esposos, senaõ como violentadas: os seus parentes faziaõ a ceremonia de puxarem por ellas para fóra da porta arrebatadamente, e indo no meyo de dous padrinhos, adiantava-se a toda a comitiva hum moço, que levava a roca cheya de linho, e o fuso. No tempo do Doutor Joaõ de Barros, que floreceo pelos annos de 1549, ainda permanecia quasi este costume; porque a noiva, quando sahia da casa de seus pays, diz elle na Descripçaõ do Minho, chorava muito, dando assim a entender saudosa, que se apartava da sua companhia contra vontade. Tambem costumavaõ, quando sabiaõ que alguma moça estava contratada para casar, juntarem-se as visinhas, e parentas della, e[Pg 215] fiarem todas à porfia huma noite até pela manhã, a que chamaõ fazer seraõ; e como ordinariamente todas as mulheres desta Provincia saõ grandes fiandeiras, chegavaõ em semelhante empreza a fiar muitas varas de panno para o enxoval da noiva.[412] Desta sorte ajudaõ huns aos outros para o dote das filhas, e no dia da voda fazem grandes festas, e banquetes.
20 No livro dos costumes antigos de Béja se acha escrito, que os moradores desta povoaçaõ se queixarão a ElRey D. Diniz no anno de 1339, dizendo: que os Fidalgos, e poderosos, quando casavaõ seus filhos, e parentes, rogavaõ ao Alcaide mór, Alvazis, (isto he, Vereador) Fidalgos, e homens bons da terra, com os Alcaides das Aldeas, e que com toda esta companhia hiaõ pelos montes pedir carneiros, gallinhas, e outras cousas, que lhe naõ podiaõ negar em abundancia com vergonha do acompanhamento que levavaõ. Este excesso remediou ElRey, mandando que dalli por diante naõ houvesse acompanhamentos semelhantes, permittindo que só o noivo com hum companheiro fosse recolher a voluntaria offerta de seus paizanos. Assim o refere Fr. Francisco Brandaõ na Monarquia Lusitana liv. 18. cap. 30. accrescentando: que este costume que agora pareceria incivil, e pouco decente para os noivos, que sempre haõ de ostentar grandezas, e naõ indigencia, conforme o costume moderno cheyo de fausto, e ostentaçaõ, julgava a singeleza advertida daquella boa idade por decorosa correspondencia dos novos casados, gratificando nesta parte do estado da Republica, que pelo Matrimonio se amplia.
21 Muitas vezes acontece escolherem as filhas o marido contra a vontade dos pays, e para obviar esta opposiçaõ na eleiçaõ livre do seu estado, e de[Pg 216] seu esposo, consentem que estes as tirem por justiça. Vaõ logo ser depositadas pelo Meirinho Ecclesiastico em alguma casa de pessoa honesta; e procedendo a perguntas, se persistem na mesma vontade, se recebem, ficando os pays da noiva obrigados a contribuir com o dote proporcionado aos bens, que lhe competem.
22 O divertimento da caça he generico em todo o Portugal. Os Gregos, quando vieraõ a Lisboa,[413] introduziraõ o da altenaria, que se pratica com açores, falcões, e gaviões, de que compoz huma excellente Arte Diogo Fernandes Ferreira; porém este exercicio nobre foy mais proprio dos nossos Principes, e muito usado até o tempo delRey D. Sebastiaõ. Permanecem hoje os outros generos de caça mais laboriosos em grande risco das mais ligeiras aves, que se naõ livraõ da destreza dos tiros para abonarem à custa da sua vida o primor, e acerto da espingarda Portugueza. Offerecem igualmente hum admiravel passatempo as muitas ribeiras, e rios com a pescaria de seus peixes. Os jogos da péla, tabolas, bola, e cartas entertem a muitos ociosos, e às vezes passa a occupaçaõ cheya de damnos, e perigos. Nas academias, ou casas publicas destes jogos he costume dar barato, ou alguma porçaõ do lucro aquelle, que tiver ganhado, aos que estaõ em roda vendo.
23 Sobre todos os divertimentos, o mais celebre, e plausivel he o combate dos touros, ou seja de pé, ou de cavallo: festa que traz origem do Gentilismo, para o qual todos concorrem com grande gosto, e se fazem com muito apparato, e magnificencia.[414] Esta he só a occasiaõ em que os estrangeiros dizem[415] que podem à sua vontade ver as Damas Portuguezas ornadas com todos os seus enfeites;[Pg 217] mas todavia he este genero de espectaculo taõ perigoso, que só o costume lhe podia tirar o horror, e que justamente reprova nosso D. Francisco Botelho em huma das suas Satyras latinas. Mais vistosas saõ as outras festas, que às vezes fazem os Cavalleiros Portuguezes, chamadas Justas, Torneyos, Alcancias, e Cavalhadas, onde se vê a destreza, brio, e desembaraço de andar a cavallo, em que algumas pessoas de qualidade saõ insignes.
24 Amaõ os Portuguezes com especial affecto a Poezia, e a Musica. Hoje anda muito em moda no applauso de qualquer acçaõ meritoria transferir o Parnaso para o sitio do elogiado, e alli glosando motes, e compondo versos de improviso, mostraõ as Portuguezas Musas nestes oiteiros laudatorios, que naõ tem inveja de Apollo no seu aprazivel monte de Acaya. O instrumento musico, a que chamaõ Viola, he propriamente Portuguez, e que serve em todos os festejos domesticos, e publicos, a cujo som entoaõ ordinariamente motetes, e cantigas pateticas com aquella variedade, que pede a intençaõ do divertimento. O grave aspecto da compleiçaõ nacional parece que insinúa pouca familiaridade entre huns, e outros compatriotas: daqui vem serem raras as pessoas, que convidaõ a seus amigos para jantar com elles; mas quando o fazem, he com mesa farta, limpa, e saborosa, e as mais das vezes ostentando grandeza, vaidade, e desperdicio.
25 Outros muitos costumes omittimos, naõ só porque seria preciso hum grande volume, se houvessemos de descrevellos pontualmente, mas porque estas extensas narrações saõ mais proprias para a Historia, que para a Geografia. Com tudo antes de clausular este Capitulo, diremos alguns sentenciosos attributos dos Portuguezes para mayor conhecimento do seu genio, segundo a discreta observaçaõ, e experiencia de alguns Authores nossos.
[Pg 218]
Os Portuguezes sempre tiveraõ pouca duvida nos grandes casos.[416]
Lastíma muito mais aos Portuguezes o louvor alheyo, que o esquecimento do seu proprio.[417]
Tem o Portuguez por disfavor usado com elle o favor, que vê usar com o seu companheiro.[418]
He muito proprio de Cavalheiros Portuguezes com a inveja da primeira gloria estorvarem-se a si o logro da segunda, querendo mais ficar sem alguma, que ver a outrem com vantagem.[419]
Cada hum dos Portuguezes da primeira grandeza tudo querem para si, e todos nada para alguem.[420]
Cada hum dos Portuguezes presume que se lhe deve tudo; e assim qualquer cousa, que se dá aos outros, cuida que se lhe rouba.
Sempre o animo Portuguez esteve alegre nos perigos, e ainda nos tormentos.
Amou sempre mais hum Portuguez a fidelidade, que a fortuna.
Nenhuma cousa logrou a mayor antiguidade, que a naõ lograsse a gente Portugueza.
A gente Portugueza para com seus desejados Principes mil vezes substituio a adoraçaõ pelo decoro.
Naõ se sujeitou já mais a gente Portugueza sem alguma soberania.
Nunca a espada Portugueza deveo triunfos à multidaõ dos exercitos, senaõ à grandeza dos corações.
Mil vezes tem sido a confiança natural cutello da Naçaõ Portugueza.
Na gente Portugueza desde os fundamentos está de posse encommendar ao espirito o que outras Nações à copia.
[Pg 219]
A Nação Portugueza sempre se prezou mais de ser acredora da voz da fama, que de sujeita a seus favores.
A gente Portugueza sempre foy affectadora de estimações, e decoros pela ostentaçaõ do pomposo, e do grave, e ainda do vaõ.
Mais cabem no mundo os Portuguezes, que elle nelles.
Ao coraçaõ Portuguez ainda hum mundo lhe vem estreito.
Com a gente Portugueza nunca pode tanto o furor da guerra, como a affabilidade dos Principes.
Os Portuguezes saõ como o mar, muy serenos no socego, e na colera insoportaveis.
As mulheres Portuguezas em seguindo o caminho da modestia, saõ unicas nella; e tambem unicas em liberdades, se tomaõ o caminho de livres.
Naõ poucas vezes as matronas Portuguezas depozeraõ a roca pela espada, fiando vidas assim como linho.
Todo o zelo he mal soffrido, mas o zelo Portuguez mais impaciente que todos.
He natureza, ou má condiçaõ da nossa Lusitania naõ poder consentir que luzaõ os que nascem nella.
He timbre da nossa Naçaõ, tanto que sahe à luz quem póde luzir, tragallo logo, para que naõ luza.
Os Portuguezes deraõ fundo com as ancoras, onde Santo Agostinho naõ achou fundo com o entendimento.
Nenhum golpe deu a espada dos Portuguezes, que naõ accrescentasse mais huma pedra à fabrica da Igreja.
Os Portuguezes para os infieis tem a espada, para os Catholicos tem o escudo.
Os Portuguezes primeiro se chamaraõ Mundanos, e depois Lusitanos, para trazerem no nome a luz do mundo.
[Pg 220]
Os Portugueses sempre descobriraõ Imperios para si, e cubiças para outros.
O mayor louvor da nossa Naçaõ he chegarem os Portuguezes com a espada, onde Santo Agostinho naõ chegou com o entendimento.
Em Portugal esteve sempre certo o descuido com quem mereceo cuidado.
A Naçaõ Portugueza mais se préza de fazer, que de dizer.
Quem quizer inteirarse mais do genio Portuguez, e sem a desconfiança de ser informado por algum nacional, póde ver entre os estranhos sem suspeita aos Authores abaixo citados,[421] e outros, que allega Hoffman,[422] porque nós concluimos com o que promette aos Portuguezes o grande Camões em hum dos seus Cantos.
Por mais que da fortuna andem as rodas
Naõ vos haõ de faltar, (gente famosa)
Honra, valor, e fama gloriosa.
[376] Bentivoglio tom. 4. Relac. p. 86.
[377] Resend. liv. 1. de Antiquit. Neque tunc quidem malos, neque modo nobis erubescendos.
[378] Diodor. Sicul. lib. 6. cap 9. e Boem. de morib. gent. lib. 3. cap 25. e Fern. Nun. no Commento à Copla 48. de Juan de Mena.
[379] Justin. lib. 44. Bos. lib. 5. cap 23. e outros apud Maced. nas Flor. de Hesp. cap. 14. per totum Justo Lipsio lib. 5. Epist. 66. Famian. Strad. de bel. Belgico lib 4. pag. mihi 188. Boter. nas Relaç. p. 2. liv. 4. p. 93. e 101. Joaõ Bautista Moreli na Reducion, y Restaur. de Port. p. 15. e 183. Garibay tom. 4. liv. 35. cap. 16. Fr. Anton. de S. Roman. Histor. da India liv. 1. cap. 16. Sandoval Histor. de Carl. V. part. 2. liv. 22. §. 4. Marian. Hist de Hesp. tom. 1. liv. 10. cap. 13. Lope da Vega na Arcad. liv. 3. p. 109. Dos nossos veja-se a Gaspar Estaço nas Antig. de Port cap. 74. Monarq. Lusit. tom. 3. liv. 10. cap. 15. Bento Pereira na Pallas togata, & armata clas. 4. p. 319. Fr. Francisc. de Maced. no Propugn. Lusit. part. 1. cap. 6. p. 146. Far. nos Comm. das Lusiad. p. 245. Fr. Manoel Hom. no Memor. das arm. cap. 37.
[380] Cam. Cant. 1. est. 11.
[381] Bosio tom. 1. de Signis Eccles. Dei cap. 1. lib 8 Nulla natio ab orbe condito præter Lusitanicam reperitur, quæ per tot sæcula civilibus bellis minùs adversùs Reges suos fuerit commota. Imò nunquam commota adversùs Reges communi decreto constitutos... Hanc laudem deberi Lusitanica genti, ut Regum suorum studiosissima fuerit... Catholicis hoc Lusitanis ab orbis exordio divinitùs est concessum, ut nunquam Reges suos communi decreto constitutos armis petiverint.
[382] Barr. decad. 4. liv. 1. cap. 6. Duart. Nun. na Vida delRey D. Sancho II. e na Descripç de Port. cap. 85. Monarq. Lusit. liv. 1. cap. 20. Freit. de Just. Imper. Lusit. cap. 15. n. 2.
[383] Cam. cant. 10. est. 148.
[384] Idem cant. 5. est. 71. e 82. das Lusiad.
[385] Franc. de Monçon Espejo de Princip. lib. 1. cap. 89. Zurita tom 5. liv. 3. cap 30. Gil Gonçalv. d’Avila Grandez. de Madr. liv. 4. Marian. Histor. de Hespanh tom. 1. liv. 10. cap. 13. e liv. 12. cap. 4. Joaõ Baptista Moreli na Reducion, y Restaur. de Port. pag. 39.
[386] Veja-se a Macedo nas Flores de Hespanh. cap. 13. per totum. Monarq. Lusitan. part. 4. pag. 165. Miguel Leit. nas Miscel. p. 47.
[387] Cam. cant 8. est. 70.
[388] Bos. de Sign. Eccl. tom. 1. lib. 8. sign 32. cap. 1. n 2. 3. 4. Nulla unquam gens, ex quo mundus est productus, tot maria transmitit, ac tàm longè dissitas terras obivit, ut Lusitanica.... Nulla unquam gens ab humani generis exordio in tot, ac tàm longè positis oris sedes fixit, coloniasque deduxit, ut gens Lusitanica. Videbatur hoc esse Romanorum, vel etiam Macedonum, Phœnicumque: sed his proculdubiò Lusitani superiores. Romani namque Colonias nullibi posuerunt, nisi intra Imperii sui confinia, quæ non protendebantur ultra gradus nonaginta ab Occidente in Orientem; Lusitanorum verò sunt ultra gradus 250. Nulla unquam natio tàm remota regna, terrasque in suam potestatem redigit, ut Lusitanica. Plures quidem plura, sed non adeo longinqua. Igitur Lusitani non modò remotissimas oras adierunt, & in hoc omnibus præcellunt, sed et in iis domos posuerunt, amplius etiam subegerunt imperio suo.
[389] Bucanan. e Scaliger. apud Freit. de Just. Imper. pag. 29. 82. e 83. Maced no Olisip. p. 24. est. 60. Cam. cant. 1. est. 8. e cant. 7. est. 14.
[390] Freit. de Just. Imper. Lusit. cap. 18. n. 12. 13. e 14. Bosio de Sign. Eccles. tom. 1. lib. 4. cap 2. pag. mihi 245. Toti Lusitanicæ genti debetur hæc laus, ut nobis ad remotissimas oras, & antiquis invias, facillimus, ac tutus fuerit aditus apertus, ita ut Christiana in amplissimis regionibus religio longè, latèque potuerit disseminari. Aubert. Miræus in Politica Ecclesiast. liv. 2. cap. 15. Lusitanis itaque in Indiam commigrantibus, & Imperio latè propagato, Christi cultus, ac reverentia per vastissimum illum Asia tractum sese erigere cœpit. Gerard Mercat. in Tabula Lusit. Marian. tom. 1. liv. 10. cap. 13. Joaõ Pinto Ribeiro, Desengano ao parecer enganoso Gil Gonçalv. d’Avil. Grandez. de Madrid: Siendo(los Portuguezes) los primeros hombres, que seminaron en el Indo la semilla de la palabra Divina, aumentada con el riego de su sangre, haziendo se mas gloriosos con las palmas del martyrio.
[391] Maced. nas Flor. de Hesp. cap. 8.
[392] Cam. est. 95. do 5.
[393] Sá de Miranda na epist. 4.
[394] Far. na Europ. Port. tom. 3. part. 4. cap. 8. e no Comm. do Cant 5. de Cam. est. 25. e Joaõ de Barr. Decad 1. liv 4. cap. 2.
[395] Idem ibid. liv. 3. cap. 5. Camões Cant. 5. est. 77.
[396] Gracian part 3. do Criticon cris. 8
[397] Feijó tom. 6. do Theatr. Critic. disc. 3. §. 4. n. 6.
[398] Mervelleux Memoir. instr. tom. 1. pag. 86. Gracian. no Critic. ibid.
[399] D. Franc. Man. na Visita das Font. pag. 218.
[400] Simaõ Machad. na. Comed. de Alfeo p. 72. Veja-se tambem a Man. de Far. na Font. de Agan. part. 3. Ode 15. est. 11. Franc. Rod. Lobo Eglog. 1.
[401] Faria no Comm. das Lusiad. Cant. 2. est. 97.
[402] Idem nos Com. das Rim. de Cam. Eglog. 1. est. 2. Francisc. Nun. de Velasco no Dialog. 11. Sá de Mirand. cart. 2.
[403] Simaõ Machado na Comed. de Alfeo part. 1.
[404] Description de la Ville de Lisbone pag. 92.
[405] Sor. Mar. de la Antigual. 12. cap. 13.
[406] Monarq. Lusit. part. 1. liv. 2. cap. 11.
[407] Valer. Maxim. lib. 9. cap 1. n. 5. En ubi ista? Non in Græcia, neque in Asia, quarum luxuria severitas ipsa corrumpi poterat; sed in horrida, et bellicosa Provincia, cum præsertim acerrimus hostis Sertorius Romanorum exercituum oculos Lusitanis telis perstringeret.
[408] Fr. Jacinto de Deos no Escudo dos Cavall. §. 59.
[409] Cam. Lusiad. cap. 6. est. 43. & seq. e seu Commentador Manoel de Faria tom. 2. pag. 113.
[410] D. Franc. de Port. na Arte de Galantaria, e D. Francisc. Man. na Visit. das Fontes p. 279.
[411] Sá de Miranda cart. 2. est. 76.
[412] Joaõ de Barr. na Descripç. do Minho cap. 9.
[413] Figueiroa na Plaça Univ. disc. 12. §. 2. n. 3.
[414] Veja-se a Blauteau no Vocab. verb. Tourear, e a Colmenar. nas Delicias de Portug. pag. 857.
[415] Memoires pour un Voyageur tom. 2. p. 131.
[416] Far. tom. 3 da Asia p 1. c. 1. n. 15.
[417] Ibid. tom. 1. c. 5. parr. 2.
[418] Ibid. cap. 7.
[419] Idem tom. 1. da Asia part. 4. c. 1. n. 2
[420] Ibid. part. 2. c. 2.
[421] Justo Lipsio na epist. 96. do liv. 5. Andr. Scot. na Bibliotheca Hispanica tom. 2. clas. 9. & tom. 3. clas. 2. Bosio tom. 3. de Sign. Eccles. lib. 8. cap. 1. Cæsar de Bello Gallico lib. 3. Fr. Jeronym. Rom. Republic. do mund. liv. 4. cap. 18. Magin. in nova Geograp. §. Portugalenses.
[422] Hoffman. Diccion. verb. Portugallia. Veja-se tambem a Mons. de la Hontan, Mervelleux, Davity, Maffeu Historia da India, Sanson, Moreri, Coronelli, e outros muitos, que por brevidade deixo de allegar.
[Pg 221]
FIM DA PRIMEIRA PARTE.
MAPPA
DE
PORTUGAL.
PARTE II.
1 Entramos nesta segunda parte do nosso Mappa com a laboriosa averiguaçaõ de hum dos pontos historicos mais difficil do seculo primeiro Lusitanico. Os Antiquarios Hespanhoes, e commummente os doutos convem uniformes em que dos descendentes de Jafet, terceiro filho do Patriarca Noé, (entre os quaes se repartio[Pg 222] a povoaçaõ de toda a Europa, e parte da Asia depois do universal diluvio,) coubera a Tubal, seu quinto filho, plantar, e propagar Hespanha.
2 Modernamente D. Francisco Xavier da Garma[423] pretendeo excluillo do continente Hespanhol, substituindo em seu lugar por primeiro Povoador delle a Tharsis, sobrinho de Tubal, filho de seu irmaõ Javan, e neto de Jafet: porém esta opinião já seguida antecedentemente por outros, desfaz com razões mais provaveis o erudito Padre Joseph Moret da Companhia de Jesus.[424]
3 Assentando pois que os Hespanhoes, e por consequencia os Lusitanos se originaõ de Tubal, vista a grande authoridade dos Escritores, que o affirmaõ,[425] nasce daqui hum reparo, e vem a ser: que dizendo Josefo,[426] procederem os Iberos de Tubal, e interpretando S. Jeronymo, Santo Isidoro,[427] e outros aos Iberos pelos Hespanhoes, todavia como na Asia se achaõ tambem semelhantes povos Iberos desde aquelles primeiros tempos, duvida-se justamente quaes devem ser reputados por primarios descendentes de Tubal?
[Pg 223]
4 Os Authores, que se persuadem fora o mundo povoado pouco a pouco, e principiara do Oriente, estendendo-se os povos à medida, que a gente crescia, dizem, que a Iberia Hespanhola, ou Occidental, foy Colonia dos Iberos Asiaticos.[428] A outros porém se lhes faz mais verosimel que os Hespanhoes levassem à Asia por transmigraçaõ o nome de Iberos;[429] donde Rufo Festo Avieno veyo a dizer:[430]
......Asper Iberus
Hic agit: hic olim Tyrrhenide pulsus ab ora
Cespitis Eoi tenuit sola.
5 Esta opiniaõ parece que se conforma mais com o sentido natural do Genesis, que no capitulo 10. dá a entender como os primeiros netos de Noé logo se dividiraõ a povoar o mundo; e cabendo à familia de Tubal lançar os alicerses, e estabelecer os limites de Hespanha, veyo positivamente a ella, ou fosse por mar em pequenas embarcações, passando da Armenia ao Egypto, do Egypto a Africa, e daqui atravessando o Estreito de Gibraltar até o Promontorio, que depois se chamou Sacro; ou fosse por terra, caminhando do Egypto a Jerusalem pela Natolia, depois penetrando a Tartaria, Hungria, Alemanha, França, Hespanha, e Portugal, sem lhe ser necessario por este caminho passar braço algum de mar consideravel; ou finalmente transitando por outra qualquer via, que lhe destinasse a Providencia, para soccorrer a necessidade da segunda povoaçaõ do genero humano com viagem, que[Pg 224] fosse prudente, e naõ temeraria, como bem adverte o erudito Yañes.
6 Collocado já Tubal, e sua familia nestas partes Occidentaes da Europa pelos annos 150 depois do diluvio, conforme a melhor Chronologia,[431] resta saber em que parte da Hespanha fez o seu primeiro assento? Nisto, por mais que se intente indagar, naõ póde haver certeza; porque o grande Abulense, julgando ser esta entrada pelos montes Pyrineos, attribue a Pamplona a primazia das fundações de Tubal em todo este tracto Hispanico,[432] Floriaõ do Campo a Andaluzia,[433] Martim de Viciana a Valença,[434] Joseph Moret a Tafalla,[435] outros a Toledo,[436] e Fr. Bernardo de Brito, Heitor Pinto, e outros muitos a Setubal em Portugal.[437] Mais facil será crer (diz Manoel de Faria judiciosamente) ter sido Tubal fundador de muitas povoações na Hespanha, que o assegurar a primazia de alguma entre todas;[438] e deste parecer foy o erudito Malvenda, que já allegámos. Todavia o insigne Commentador de Virgilio Francisco de Lacerda, allegado por Luiz Marinho de Azevedo, diz, que da Lusitania sahiraõ os primeiros fundadores de Hespanha[Pg 225][439] a estabelecer povoações em varias partes della.
7 O certo he, que dos tempos immediatos à primitiva povoaçaõ de Portugal, até que as armas Cartaginezas, e Romanas abriraõ o caminho à communicaçaõ das gentes occidentaes da Europa, naõ pode a Historia dar hum passo, senaõ às escuras, e com a vehemente suspeita de claudicar na verdade; porque alguns Escritores fundados em documentos ou apocrifos, ou de pouca authoridade, e exame, constituiraõ em Hespanha, e Portugal com demaziada, e incauta crença o governo de alguns Reys duvidosos, como foy Ibero, Jubalda, Briga, Beto, e outros, de que naõ ha historia verdadeira. Sómente consta, que havia em nossas terras alguns Regulos, como foy Lucinio, Culca, Gorgoris, Abides, Argantonio, Theron, Mandonio, e alguns outros, de que fazem memoria Authores veridicos.[440]
8 Tambem temos por certo, que naquelles principios todo este nosso Continente estava occupado de varios povos, cada hum com seu nome, costumes, e usos differentes, formando distinctas especies de pequenas Republicas com suas leys, especialmente desde o governo de Gorgoris, ou Gorgaris. Naõ será relaçaõ importuna communicarmos aqui hum breve monumento destes povos primitivos para melhor intelligencia da Historia.
9 Abobricenses; ou Aobricenses. Habitavaõ pouco distantes de Chaves.[441] A Hoffmani lhe parece[Pg 226] que eraõ os da Villa do Conde, e a Joaõ de Barros os da Nobrega, ou Valdevez.
10 Amaienses. Eraõ povos da Lusitania.[442]
11 Amfilocos. Habitavaõ na Cidade Amfiloquia, que estava na Provincia de Galiza, a que hoje chamaõ Orente, a qual no tempo dos Romanos veyo a pertencer à Chancellaria de Braga.[443] Da vida de Alexandre Magno escrita pelo segundo Xenofonte Arriano Nicomediense, consta que os Amfilocos naõ estavaõ muy distantes da Ambracia,[444] que, conforme alguns,[445] foy Barcellos. Ortelio colloca os Amfilocos entre os Calaicos, e os Bracaros.
12 Ancodeos. Povos nacionaes, que viviaõ nas visinhanças do monte Gerez.[446]
13 Arevácos. Procediaõ dos Celtiberos, e eraõ os ultimos povos, em que se terminava Galiza junto do Douro.[447]
14 Artabros, que depois se chamaraõ Arrotebras, occupavaõ desde o Promontorio Celtico até os Astures.[448]
15 Astures. Occupavaõ a Provincia de Tras os Montes, e eraõ notaveis mineiros.[449]
16 Barbaros, ou Sarrios. Habitavaõ por toda a serra da Arrabida até Lisboa, ou todo aquelle tracto de terra, que fica entre o Tejo, e Setubal. Viviaõ sem ley, sem policia, e com pouca, ou nenhuma Religiaõ. Sustentavaõ-se dos frutos, que a terra produzia, e da caça, que na montanha apanhavaõ. Este modo de viver barbaro, e agreste os fazia taõ rigidos, que naõ só tiveraõ sanguinolentas[Pg 227] guerras com os Celtas seus visinhos, mas fizeraõ huma das mayores resistencias, que experimentou Julio Cesar na conquista da Lusitania. No anno 501 antes de Christo, vendo que a patria os naõ podia manter com a sua multiplicaçaõ, determinaraõ que todos os moços até à idade de quarenta annos fossem buscar outras terras desoccupadas, em que viver; e depois de varios transes foraõ cultivar muita parte da Beira, principalmente aquellas terras, que se extendem por algumas leguas à roda do rio Soberbo.[450]
17 Bardulos, ou Vardulos. Habitavaõ onde agora se chama Guipuscoa. Plinio diz, que os Bardulos eraõ os mesmos, que os Turdulos da Lusitania. Baudrand diz, que eraõ diversos huns dos outros.
18 Belitanos. O mesmo que Lusitanos.
19 Berones. Querem alguns[451] conjecturar que habitavaõ na Provincia da Beira, sendo que o Padre Argote[452] naõ convem nisso. Baudrand, e Hoffmani dizem, que eraõ povos sujeitos aos Celtiberos, e a sua principal Cidade era onde hoje está Trejo.
20 Bibalos. Conforme Joaõ de Barros[453] habitavaõ em Val de Bouro na Provincia do Minho. O Padre Argote os situa nas visinhanças de Orense, e fóra do territorio de Portugal;[454] porém Resende he de parecer que a palavra Bibalos naõ era nome de povos, mas de Cidade,[455] porque assim o diz expressamente a inscripçaõ da ponte de Chaves sobre o Tamega, na qual estaõ gravados os nomes dos povos de todas aquellas Comarcas, que concorreraõ para trabalharem nella: mas nisto achamos pouca razaõ a Resende; porque ainda que a tal inscripçaõ[Pg 228] diga Civitates X. he sem duvida que as Cidades naõ haviaõ de ir trabalhar na ponte, mas sim os moradores das taes Cidades, os quaes pela mayor parte seriaõ os daquellas visinhanças de Chaves, como bem adverte Frey Bernardo de Brito.[456] Finalmente Baudrand diz, que estiveraõ situados junto do rio Lima.
21 Bracaros. Ficavaõ estes povos na Provincia do Minho, e era nome generico, que abraçava outros muitos povos particulares,[457] e comprehendia povoações muito notaveis, como era Braga, Porto, Ponte de Lima, Neiva, Caminha, e outros.[458]
22 Calaicos. Eraõ de duas especies, Bracarios, e Lucenses: os primeiros existiaõ na Provincia de Tras os Montes, os segundos no Minho, e Reino de Galiza, onde hoje he Compostella.
23 Callenses. Habitavaõ na Cidade de Gaya fronteira ao Porto.
24 Caperenses. Lembraõ-se Resende, e Baudrand por boas conjecturas de existirem estes povos na Estremadura Lusitana entre Merida, e Placencia.[459]
25 Celerinos. Eraõ os povos, que habitavaõ na Cidade Celiobriga, a qual, conforme a indagaçaõ do Padre Argote, ficava ou em Celorico de Basto, ou nas suas visinhanças.[460] Baudrand, allegando a Sanson, julga que os Celerinos eraõ os habitadores de Barcellos. Na ponte de Chaves, mandada fazer pelo Imperador Vespasiano, vem assinados os Celerinos, os quaes eraõ povos daquella Comarca de Chaves, parte dos quaes ficava em Portugal, parte em Galiza.
26 Celtas. Existiaõ na Provincia do Alentejo,[Pg 229] e confinavaõ da parte do Meyo dia com os Turdetanos, da banda do Norte com o Tejo: pelo Occidente lhe ficava a ribeira de Canha, tendo tambem por visinhos os Barbaros da Arrabida. Eraõ as suas principaes povoações Elvas, Estremoz, Villa Viçosa, e Evora. Havia na Andaluzia outros Celtas, porém diversos destes.[461]
27 Celtiberos. Eraõ povos, que se originaraõ dos Celtas do Alentejo, os quaes passando-se para Andaluzia, e confederando-se com os que habitavaõ pelas ribeiras do Ebro, deraõ origem aos Celtiberos, gente muy conhecida em toda a Hespanha por valerosa, e que fizeraõ forte resistencia aos Romanos, e Cartaginezes. Delles fallaõ muitos dos Authores antigos allegados.[462]
28 Cerenecos. Povos, que habitavaõ onde hoje chamaõ Concelho de Thuyas junto a Canavezes.[463]
29 Cinesios. Viviaõ junto dos Ostidanienses.
30 Colarnos. Eraõ visinhos dos Turdulos modernos, e occupavaõ aquella parte da Estremadura, que está entre os rios Tejo, e Odivor.
31 Curetes. Habitavaõ no Algarve, fundaraõ Sylves, e vieraõ a Hespanha quasi no tempo de Tubal.[464]
32 Grayos, ou Gravios. Tinhaõ sua habitaçaõ na Provincia do Minho, e nesta mesma Provincia viverão os Gronios.[465] Alguns Historiadores querem que os primitivos Grayos, e todos os mais povoadores desta Provincia daquelles primeiros seculos fossem de naçaõ Grega;[466] porém temos por mais provavel, que todas, quantas noticias se nos offerecem nas Historias de fundações Gregas, e nomes[Pg 230] Gregos anteriores ao ultimo anno do reinado de Argantonio, saõ fabulosas; pois consta de Herodoro, o mais antigo Historiador daquelles tempos, serem os Fenices os primeiros Gregos, que emprenderaõ de proposito o descubrimento de novas terras, até chegarem a Hespanha em tempo, que ainda reinava Argantonio, que foy 543 annos antes de Christo.[467]
33 Herminios. Tinhaõ sua habitaçaõ na serra da Estrella da Provincia da Beira.[468]
34 Ibéros. Este nome era generico a todos os Hespanhoes.
35 Labricanos. Residiaõ junto das ribeiras do Ave por aquella parte, em que se lança no mar pela Villa do Conde.[469]
36 Lancienses. Estavaõ naquellas partes da Provincia da Beira, que se extende do Norte para o Meyo dia, do Ponsul até o Tejo; e do Oriente ao Occidente, do Elja até o Zezere.
37 Limicos. Viviaõ junto das margens do Lima.[470]
38 Luancos, ou Lubenos. Habitavaõ na Provincia do Minho, mas ignora-se a paragem certa.
39 Lusos ou Lusitanos. Possuiaõ terras entre o Tejo, e o Douro, e occupavaõ tambem todo o lado Occidental, que corre desde a foz do Douro até o Promontorio Celtico, e pelo lado Septentrional desde este Promontorio até adiante da Corunha. O nome de Lusitanos era universal, porque comprehendia outros muitos povos, como Celtiberos, Turdulos, Vetones, &c.
40 Narbassos. Eraõ visinhos dos Vacceos, e viviaõ[Pg 231] junto a Freixo de Espadacinta.[471]
41 Nemetates. Existiaõ na Provincia de Tras os Montes desde Bragança até o monte Gerez, separando-os de Galiza o rio Lima. No Mappa de Ortelio os vemos situados junto de Araduca, passando-lhe pelo meyo o Tamega.
42 Ostidanienses. Occupavaõ aquelle angulo de terra, que se termina no Cabo de S. Vicente pelo espaço naõ mais que de duas leguas.[472]
43 Pesures. Estes povos eraõ pouco conhecidos; por isso na inscripçaõ da ponte de Alcantara estaõ no ultimo lugar. Tinhaõ a sua habitação na Covilhã, e Castellobranco, e parte da serra da Estrella. Naõ saõ os mesmos, a que Resende chama Meidobrigenses, ou Plumbarios.[473] O Padre Bluteau diz, que elles saõ oriundos dos antigos Celtas, e que o nome Pesures era ignominioso, pois significava gente cobarde, e nisto concorda com a Monarquia Lusitana.[474]
44 Sarrios. Eraõ os barbaros da Arrabida.
45 Seurbos. Povos, que viviaõ pouco acima de Braga.
46 Tamacanos. Viviaõ nas margens do Tamega pelo sitio, onde elle entra no Douro.[475]
47 Transcudanos. Pelos annos de 560 pouco mais, ou menos antes de Christo, deixando alguns dos Turdulos antigos a costa maritima, em que viviaõ, foraõ habitar aquelle espaço de terra, que se extende de Norte a Sul entre os rios Coa, e Agueda; e pela situaçaõ, em que ficaraõ além do Coa, se vieraõ a chamar povos Transcudanos.[476]
48 Turdetanos. Possuiaõ a mayor parte do Algarve,[Pg 232] e do Alentejo, e era tudo o que vay de Béja até Sines. Foraõ reputados por insignes guerreiros até à segunda guerra Punica. Eraõ engenhosos, tinhaõ politica, e amavaõ as sciencias com fruto, e cultura. Prezavaõ-se de ter leys escritas em verso, e todas as suas antiguidades conservadas em livros de seis mil annos anteriores; mas cada anno constava só de tres mezes. Estrabo os julga taõ opulentos, e ricos, que escreve tinhaõ até nas estrebarias argolas de prata.[477]
49 Turdulos. Eraõ de duas especies, huns antigos, outros modernos. Os Turdulos antigos foy a gente mais veterana, e nobre da Lusitania: tinhaõ por domicilio todas as terras, que estaõ do Norte ao Meyo dia entre o Tejo, e o Douro, das quaes eraõ as principaes Lisboa, Santarem, Alfeizeraõ, Coimbra, Leiria, Aveiro, Lamego, e Viseu. Os Turdulos modernos tinhaõ o Tejo pela parte do Norte: pelo Meyo dia confinavaõ com os Celtas, e nos costumes pouco se differençavaõ huns dos outros. Christovaõ Cellario[478] situa os Turdulos no Alentejo, e em parte do Algarve com pouca distancia dos Turdetanos. Samuel Bocharto confunde huns com outros.[479]
50 Turolos. Habitavaõ nas margens do rio Minho da parte esquerda, onde está a Freguezia de S. Martinho de Lanhelas.[480]
51 Tyrios. Eraõ povos, que antes dos Cartaginenses vieraõ com os Celtas acommetter aos Iberos.[481]
52 Vacceos. Tinhaõ a sua habitação entre Coimbra, e o Porto, e tomaraõ o nome do rio Vouga.[482]
53 Vetones. Viviaõ junto do Tejo na Estremadura entre os povos da Lusitania.[483]
[Pg 233]
54 Todos estes povos, ou os mais delles, independentes huns dos outros se governavaõ conforme as leys, e costumes particulares, que tinhaõ. Nas guerras elegiaõ seus Capitães, a que obedeciaõ com tanta efficacia, que desprezavaõ a vida, se acaso aquelles morriaõ na batalha. Armavaõ-se regularmente com duas espadas, huma comprida, outra mais curta, ao modo das nossas espadas, e adagas, que ainda alcançámos ver. Os naturaes da serra da Estrella foraõ os primeiros, que a inventaraõ; donde veyo a cantar o nosso Botelho:[484]
Van muchos del confin, y heroico assiento,
Que ilustra la altivez del monte Herminio:
La espada Lusitana, que es su invento,
Manejaban con fuerte predominio.
55 Usavaõ tambem de huma certa especie de pequeno escudo, que mais propriamente era broquel, que adarga, a que chamavaõ Cetras, segundo explica Diogo Mendes de Vasconcellos nos Escolios de Resende; e batendo huns nos outros, faziaõ hum tripudio sonoramente horrivel.[485] Assim cantou delles Silio Italico:[486]
- - - - - -Misit dives Gallæcia pubem,
Barbara nunc patriis ululantem carmina linguis,
Nunc pedis alterno percussa verbere terra,
Ad numerum resonas gaudentem plaudere cetras.
Em parte o quiz imitar Botelho:[487]
[Pg 234]
Vinieron los Calaicos, a quien lavan
Las dos orlas del Miño difundido,
Y sus antiguas cetras los muravan,
Que servieron un tiempo a su alarido.
Em dizer este Poeta que as cetras, ou escudos os muravaõ, ou cubriaõ todos, naõ se conforma com a advertencia critica de Vasconcellos.
56 Solemnizavaõ com louvores, e festas, a que chamavaõ Gymnopodia, aos que morriaõ pelejando;[488] e nas mayores solemnidades faziaõ o sacrificio das Hecatombas, que era matar cem animaes de huma mesma especie.[489] Adoravaõ a Marte, Minerva, e Hercules; donde parece, (diz de la Clede)[490] que a veneraçaõ, e culto, que elles davaõ a Hercules, póde servir de huma prova da vinda, que este Heroe fez a Portugal, para livrar muitos de seus habitadores da oppressaõ de varios tyrannos, e fundar aquelle famoso Templo no Cabo de S. Vicente, chamado Promontorio Sacro, onde se adorava o Sol com ritos, e ceremonias Egypciacas, e donde o mesmo Hercules se mandou sepultar.
57 Áquellas tres divindades fabulosas offereciaõ em sacrificio as mãos direitas dos seus prizioneiros de guerra, que elles cortavaõ ao pé dos altares; e da observaçaõ, que faziaõ nas abertas entranhas dos mesmos inimigos, prognosticavaõ bons, ou máos successos para as suas batalhas.[491]
58 Nas doenças, e enfermidades servia de Medico todo aquelle, que tinha experiencia do remedio prestante, e concernente à queixa. Para isso costumavaõ expôr os enfermos nas portas das casas, ou nos transitos das ruas, para que o passageiro[Pg 235] applicasse o que soubesse, e fosse opportuno pela observaçaõ, que tivesse feito em outra semelhante molestia;[492] e destas bem sortidas experiencias sacou depois Hypocrates documentos, e aforismos admiraveis para a sua medicina.[493]
59 Com estes, e outros usos viviaõ os mais dos Lusitanos na sua primitiva liberdade, quando acontecendo aquella extraordinaria secca, e fome, de que faz mençaõ Justino, e as Historias de Hespanha,[494] poz em incrivel consternaçaõ toda a terra. Despovoou-se o Alentejo, o Algarve, e parte da Estremadura, e foraõ seus habitadores refugiarse nas serras da Beira, e Minho, como mais ferteis, e frescas; outros foraõ para Italia: taõ grande, e continuada foy a calamidade, que padeciaõ, posto que Vaseu duvída muito della.[495]
60 Applacou finalmente o Ceo sua ira, e restituidos à patria os ausentes, e saudosos de tanto tempo, vieraõ tambem entre os nacionaes muitos dos Gallos Celtas. Depois acontecendo pelos annos 1380 do diluvio, conforme Vaseu, aquelle memoravel incendio nos montes Pyreneos, que penetrando até as cavernas da terra, causou horrorosos tremores, e fez descubrir muitas minas de ouro, e prata,[496] divulgou-se a noticia desta fluente riqueza, a qual com a vehemencia da sua virtude attrahindo de taõ longe a ambiçaõ dos Fenices, foy causa de expedirem promptamente huma grosta armada, que aportou na Ilha de Cadiz, e daqui vindo costeando as[Pg 236] margens maritimas das nossas terras, ancorou no Algarve.
[423] Garma no Theatr. Univ. de Hesp. tom. 1. c. 1.
[424] Moret, Anales de Navarra, tom. 1. no Append. §. 1.
[425] Strabo, Anselmo Laurunense, Lyra, Abulens. Delrio, Alapide, e outros apud Malvend. de Anti-Christo lib. 6. cap. 22. Genebrad. Chronol. lib. 1. p. 31. Arias Montan. in Isai 66. v. 19. Villalp. in cap. 27. Ezech. v. 13. Sá ibid. Heitor Pint. ib. c. 38. v. 2. Torniello, Annales Sacri ad ann. 1931. n. 22. Pineda lib. 4. de reb. Salom. cap. 15. § 7. Bent Per. in Genes. tom. 2. liv. 15. Marin. Sicul. lib. 6. cap. 1. Vasæus, Chronic. Hisp. tom. 1. ann. 143. Munster, Cosmograf. liv. 2. p. 56. D. Rodr. Arceb. de Toled. liv. 1. cap. 3. Flor. do Camp. liv. 1. cap. 4. Garibay tom. 1. liv. 4. cap 4. Escolan. Hist. de Valenç. liv. 1. cap. 4. Henao, Antig. de Cantabr. liv. 1. c. 1. Pined. Monarq. Eccles. liv. 1. cap. 18. §. 4. Matut. Prosap. de Christ. edad. 2. cap. 3. §. 3. Aldret Orig. da ling. Castelh. liv. 2. cap. 15. Clericat. etá 2. del mondo pag. 7. Marian. liv. 1. c. 1. c. 7. Kircher de Arc. Noé cap. 9. Yañes España en la S. Biblia part. 1. cap 1.
[426] Jofeph. de Antiq. lib. 1. cap. 7.
[427] D. Hieron quæst. Hebraic. in Genes. 10. & in cap. 32. Ezech. S. Isidor. lib. 9. cap. 2. Origin. Euseb. lib. 9. cap. 3.
[428] Melancthon in Chron. allegado por Joaõ Guilherme Stukio nos Scholios in Periplum Pont. Euxini de Arriano pag. 32. e 144. Plin. Strab. Marc. Varr. Arias Montan. apud Hoffman. in Diction. verb. Thubal, & Iberus. Torniel. ad ann. 1931. ainda que duvidoso. Marian. liv. 1 c. 7. Volaterr. liv. 3.
[429] Moret, Anales de Navarra, tom. 1. liv. l. cap. 1. Nicefor. liv.8. cap 34. Yañes España en la S. Bibl. part. 1. cap. 2. n. 5. e 6. e cap. 3. n. 3.
[430] Avien. in Descript. Orbis vers. 882.
[431] Far. tom. 1. da Europ. Port. part. 1. cap. 1. n. 5. Yañes España en la S. Biblia part. 1. cap. 3. n. 2.
[432] Abulens. super Genes. cap. 10. Tubal, à quo Hispani, iste sedem posuit in descensu montis Pyrinæi apud locum, qui dicitur Pampilona. O mesmo repete sobre o Prologo da Biblia, que se chama Epistola ad Paulinum, cap. 1.
[433] Flor. do Camp. liv. 1.
[434] Vician. liv. 1. cap. 6.
[435] Padr. Moret, Anales de Navarra tom 1. p. 4.
[436] Apud Yañes ut supr. n. 6.
[437] Brit. Monarq. Lusit. p. 1. l. 1 c. 3. Heyt. Pint. in cap. 27. Ezech. p. 247. Prima Urbis Hispaniæ, ut aiunt, appellata est Thubal, ab ipso conditore nomine desumpto, quam viri docti eam dicunt esse, que nunc Setubal appellatur in hac nostra Lusitania sita ad Occidentem. Diego de Colmenar. na Histor. de Segovia cap. 1. Dize-se, que fundó Tubal al lado meridional del rio Tajo sobre el grande Oceano un pueblo, que nombró Setubal, nombre al parecer compuesto en honra del S. Seth, su 10. abuelo, hijo de Adan. Matut. Prosap. de Christ. edad. 2. cap. 3. §. 3. e outros apud Fr. Bernard. da Silva na Def. da Monarq. Lusit. part. 1. cap. 10.
[438] Faria ut supr.
[439] Lacerd. in Virgil. apud L. Mar lib. 1. cap. 15. Antig. de Lisb. Ab Lusitania exuberante gente dissipati in reliquam Hispaniam sunt, & tanquam in colonias deducti.
[440] Livius. lib. 3. decad. 4. Macrob. liv. 1. Saturn. Polyb. lib. 3. apud Resend. lib. 3. Antiq. Herodot. lib. 1. cap. 42. Plin. liv. 7. cap. 48.
[441] Idem liv. 4. cap. 20. Mela liv. 3. cap. 1. Resend. liv. 1. de Antiq. Monarq. Lusit. liv. 5. cap. 9. Argot. Memor. do Arcebisp. de Brag. p. 177. e 373.
[442] Resend. liv. 1.
[443] Strab. liv. 3. Justin. liv. ult. cap ultim Resend. liv. 1.
[444] Arrian. res gestar. Alex. liv. 2. Sed Geryonis Regnum in continenti fuisse circa Ambraciam, & Amphilocos, indeque Herculem boves abegisse
[445] Veja se a prim. parte do nosso Mappa cap. 2. n. 5.
[446] Argot nas Antig. da Chancel. de Brag. p. 132.
[447] Plin. lib. 3 cap. 3. Baudrand.
[448] Mela liv. 3. cap. 1. Strab. liv. 3. Plin. lib. 4. cap. 20. Argot nas Memor do Arceb. de Brag. pag. 184. Flores na Espanha sagrada tom. 15. pag. 26
[449] Strab. liv. 3. Argot. ut supr. p. 149. Monarq. Lusit. part. 1. cap. 4. da Geograf. Martial lib. 10. Epigram. 16
[450] Pimentel, Notic. Academic. de 2 de Janeir. de 1727.
[451] Brit. na Geogr. c. 4. Flor. do Camp. Histor. de Hespan. liv 2. cap. 10. Plin. liv. 4. cap. 20.
[452] Argot. nas Memor. de Brag. p. 450.
[453] Joaõ de Barr. nas Antig. do Minho cap. 6.
[454] Argot. ut supr liv. 1. cap 14. n. 285.
[455] Resend. lib. 1. de Antiguit. Sed hæc potius Civitatum sunt nomina.
[456] Brit. na Monarq. Lusit. liv. 5. cap. 9.
[457] Vasæus tom. 1. Chron. pag. 64. Argot. ut supr. p. 155.
[458] Brit. na Geogr. cap. 4.
[459] Resend. lib. 1. Antiq.
[460] Plin. lib. 3. cap. 3. Resend. lib. 1. Argot. nas Memor. de Brag. tom. 1. p. 157. e 317.
[461] Brito na Geograf. cap. 4.
[462] Diodor. lib. 6. Strab. lib.4. Plin. lib. 3. cap. 1. Liv. lib. 5. Flor liv. 2. cap. 17. Lucan. lib. 4. v. 10. Silius Italic. lib. 3. v. 340. Catul. Epigr. 40. Marrial lib. 4. Epigr. 55.
[463] Argot. nas Memor. de Brag. p. 157.
[464] Justin. lib. 44. Strab. lib. 3. Gerund. lib. 1.
[465] Mela lib. 3. cap. 1. Brit. na Geogr. cap. 4.
[466] Plin. lib. 4. cap. 20. Estaço nas Antiguid. c. 9. Resend. lib. 1. Græcorum sobolis omina.
[467] Herod. lib. 1. cap. 163. Hi Phocenses primi Græcorum longinquis navigationibus usi sunt. Adriamque simul, & Tyrrheniam, Iberiam, atque Tartesum occuparunt. Pausan lib. 2. pag. mihi 144. Plin. lib. 7. c. 48. Valer. M. x. lib. 8. cap. 13. Vasæus tom. 1. Chron ann. 129 ab urbe condita.
[468] Monarq Lusit. tom. 1. liv. 4. cap. 1.
[469] Ibid p. 322.
[470] Argot. nas Antiguid. da Chancel. de Brag. p. 128. Resend. lib. 1. Antiq.
[471] Argot nas Memor. de Brag. p. 160. e 322.
[472] Ortel. no Mappa da Lusitan. Cellar. Geogr. antiq. lib. 2. cap. 1.
[473] Brit. na Geograf. cap. 4. Clede na Histor. de Port. tom. 1. liv. 1.
[474] Bluteau, Vocabul. verb. Pesures. Monarq. Lusit. liv. 1. cap. 28.
[475] Argot. Memor. de Brag. pag. 161.
[476] Monarq. Lusit. liv. 1. cap. 30. Pimentel, Notic. da Academ. de 2 de Jan. de 1727. Vasconcel. nos Schol. a Resend.
[477] Baudrand in Diction. Geograp.
[478] Cellar. Geograf. liv. 2. cap. 1.
[479] Bochart. Geograph. Sacr. liv. 1. cap. 34.
[480] Argot. Mem. de Braga tom. 1. p. 162.
[481] Ibid. p. 60.
[482] Agiol. Lusit. tom. 2.
[483] Resend lib. 1.
[484] Botelho no Alphonso liv. 3. oitav. 88. Vide Just. Lipsium lib. 3. de Militia Roman. Dialog. 3.
[485] Vasconcel in Schol. ad lib. 1. Resend. de Antiq. Cùm enim Cetras resonas, (explica o texto de Silio) hoc est tinnitum, & sonitum edentes vocet, manifestè innuit esse illa parva scuta, quæ Bluqueria dicuntur ex ligno fabrefacta, atque ære contecta, quæ clarissimum sonitum inter se collisa edunt; quod coriaceis illis, & maioribus scutis, seu parmis nequaquam convenire potest.
[486] Silius Ital lib 3. vers. 346.
[487] Botelh. no Alphons. liv. 3. est. 90.
[488] Monarq. Lusit. liv. 2. cap. 24.
[489] Ibid. liv. 5. cap. 1.
[490] De la Clede, Histor. de Portug. tom. 1. pag. mihi 21.
[491] Alexand. ab Alexand. lib 6. cap. 26. Lusitanis vetus mos erat, ex intestinis hominum extæ prospicere, atque inde omina, & divinationes captare, abscissasque captivorum dextras pro munere diis offerre.
[492] Bohem. lib. 3. cap. 25. de Vetustis Lusitanorum moribus. Ægrotos vetusto ritu Ægyptiorum in plateis deponunt, ut qui eo morbi genere tentati sunt, commone facere eos valeat.
[493] Garm. no Theatr. Univ. de España tom. 1. p. 195.
[494] Justin. liv. 44. cap. ult. Marian. tom. 1. liv. 1. cap 14. Monarq. Lusit. liv. 1. cap. 23.
[495] Vasæus tom. 1. Chron. ann. 1250. Circa hunc annum ponunt admirabilem illam siccitatem... quod mihi quidem non sit verissimile, quia nulla ejus rei memoria in veterum libris reperitur, qui rem tam stupendam, ac raram proculdubio non tacuissent.
[496] Diodot. Sicul. liv. 1. Arist. de mirab. auscult. Monarq. Lusit. liv. 1. cap. 26.
1 Tanto que a armada Fenicia surgio no porto de Tavira, saltaraõ logo em terra os novos estrangeiros, e introduzindo-se por ella dentro, chegaraõ a invadir, e assolar Andaluzia, onde obrigaraõ os povos a que lhe trabalhassem na extracçaõ dos preciosos metaes, usando com elles inesperadas desattenções. Os Andaluzes achando-se por este modo turbados, e opprimidos, pediraõ soccorro aos Portuguezes Turdetanos seus visinhos. Declarou-se a guerra, fizeraõ-se promptos os batalhões, e logo neste primeiro combate principiou a brilhar o esforço Lusitano com a vitoria, que alcançou do Africano poder; porém o demasiado descuido dos Andaluzes fez eclipsar algum tanto a fama dos alliados; porque deixando respirar quasi à porta as forças do inimigo, pode este conquistar a Betica, paiz fertil, rico, e agradavel.
2 Por este tempo, que foy pouco mais, ou menos 589 annos antes de Christo, querem alguns Chronistas[497] que Nabucodonosor viesse, ou mandasse em alguns navios fornecidos de gente valerosa acometter os Tyrios, e Fenices, que occupavaõ a garganta do Oceano no estreito de Gibraltar, e que estes valendo-se do esforço dos Turdetanos, quebrantaraõ[Pg 237] os projectos do soberbo Rey; porém esta expediçaõ he tida por duvidosa no exame da critica mais exacta.[498] O certo he, que humas esquadras de gente estrangeira vieraõ inquietar os Fenices: que os Turdetanos tomaraõ armas para os defender: que os Fenices em recompensa deste soccorro atacaraõ a seus bemfeitores: e que estes castigaraõ aquella vil ingratidaõ, expulsando-os naõ só da Betica, mas da Ilha de Cadiz.
3 Vendo-se os Fenices expulsos, e destroçados, foy o seu remanente buscar soccorro, e refugio a Sidonia, Cidade capital da Fenicia, e lá formando sufficientes reclutas, conduzio hum importante corpo de exercito, que commandava Mezerbal venturoso, e perito soldado. Começou a litigar com os Turdetanos, os quaes animados com o agigantado valor, e sciencia militar do inclyto Baucio Capeto, a quem Mariana chama Principe,[499] fizeraõ tal destroço no inimigo, que o proprio Mezerbal para salvar a vida lhe foy preciso desamparar o campo, e junto ao rio Gaudalete[500] deixou nas mãos de Baucio a segurança da vitoria com os preciosos despojos, que depois se expozeraõ como trofeos honorificos pendurados nas paredes dos Templos.
4 Dissimulou Mezerbal o estrago, ou a pena dos seus effeitos, e para mayor disfarce fez treguas com os Turdetanos. Pendentes ellas, e à sombra da paz mandou pedir a Cartago novos subsidios, com os quaes mais animoso, rompendo a suspensaõ das armas, atacou os Turdetanos, e os expedio da Betica. Retira-se Baucio à Lusitania, e os Turdetanos naõ querendo exporse a outra ruina, determinaraõ deixar a patria. Passaraõ o Guadiana, e o Tejo, padecendo nesta marcha muitos embaraços, porque os Gallegos pertenderaõ impedirlhes o passo[Pg 238] misturados com Gregos, e Celtas; porém brilhando nesta resistencia o espirito varonil das matronas Portuguezas, triunfaraõ os Turdetanos de seus inimigos, e a vitoria ficou famosa com o titulo honroso de Empreza das mulheres, produzindo-se por meyo della a tranquillidade na Provincia do Minho.[501]
5 Em quanto estas acções se obravaõ na Lusitania, foraõ os Fenices sacudidos da Betica pelos Cartaginezes; e reforçados estes com as tropas auxiliares, que lhe vinhaõ de Cartago, se foraõ fazendo poderosissimos na conducta de Amilcar, Hasdrubal, Hymilcon, Hanon, e outros valerosos Capitães, principalmente Anibal, os quaes, estabelecendo pazes com os Lusitanos, experimentaraõ quanto era melhor a amizade com elles, que a desavença. Em muitas facções de perigo se valiaõ do valor dos nossos, e os nossos conservando sua alliança alcançaraõ vitorias dos Tyrios, e outros povos de Chipre, que vinhaõ com o designio de invadir a Lusitania com hostilidades, e insultos.
6 Passaremos agora em silencio os successos de alguns annos, porque a narraçaõ abbreviada, que expendemos, mais permitte à penna voos, que rasgos. Já os Romanos invejosos da fortuna, que dava conhecida vantagem ao poder dos Cartaginezes, tinhaõ publicado guerra contra elles; e provando alternativamente as armas em varios recontros, chegaraõ a ver mayor que a de Cartago a força Romana. Porém Anibal ainda assim com huma ousadia incomparavel, querendo resarcir tanto de reputaçaõ, quanto havia perdido de gente, partindo de Hespanha se introduz no coraçaõ de Italia à custa de immensos riscos a combater com os Romanos.
7 Constavaõ suas tropas, além de Africanos,[Pg 239] de hum grande numero de Lusitana soldadesca, Vetones, Turdulos, e Celtas, da qual era Commandante Viriato I. A qualidade do exercito augmentou a intrepidez do coraçaõ de Anibal, e em todas as operações de brio, e honra nomeava os Lusitanos, que sempre valentes lhe corresponderaõ à idéa, e desempenharaõ o conceito; e assim foraõ elles os que contribuiraõ para o mayor numero das suas vitorias.[502] Elles foraõ os que em credito da robustez, e constancia de animo supportaraõ com admiravel paciencia a fome, a sede, e todas as fadigas de Marte; bastando a impraticavel passagem dos Alpes, em que até a mesma natureza venceraõ, como emula, para evidente demonstraçaõ do seu esforço.
8 Escolhida pois Italia para theatro da guerra, principiou Anibal a assombrar os Romanos; e sendo muitas, e repetidas as batalhas, em que os nossos occupavaõ sempre as testas dos exercitos, como lugares mais arriscados, vencendo os Consules Cneyo Servilio, Cayo Flaminio, Lucio Emilio, e Cayo Terencio, nenhuma grangeou para a fama nome de mayor permanencia, que a chamada batalha de Canas; na qual depois do primeiro Viriato ter morto seis mil Romanos, lhe tirou a vida o Consul Paulo Emilio, cuja perda resarciraõ os nossos incitados da indignaçaõ, e vingança, chegando a escalar cincoenta mil soldados inimigos em recompensa de hum só Viriato.[503]
9 Sem duvida esta batalha de Canas (assim chamada pelo sitio, em que se deu) teria sido o ultimo rayo de Roma, se Anibal soubesse aproveitarse da vitoria; porém este insigne Capitaõ em vez de marchar no seguimento da sua felicidade para acabar de prostrar as forças Romanas já tibias, se retira a Capua, onde com desgraçado ocio fez adormecer[Pg 240] o heroico alento com os mimos daquella Cidade.[504]
10 Com este enorme descuido de Anibal cobraraõ os Romanos novas esperanças de salvarem a patria mais animosos, quanto mais desfalecidos. Renovaõ os Consules suas tropas, Scipiaõ triunfa dos Cartaginezes, e reduz a seu dominio toda Cartago. Empenhaõ os dous valerosos Capitães em argumento de armas as ultimas forças, e vendo Anibal titubear o conflicto da sua parte, houve por bem eximirse do risco, pondo azas nos pés; e depois tirando-se a si proprio a vida, por naõ cahir nas redes da contraria traiçaõ, Scipiaõ mereceo à fortuna alcançar huma taõ importante vitoria, que os Lusitanos partidarios de Anibal lhe venderaõ bem cara; e destruindo por huma vez as armas Africanas, que mais de trezentos annos subjugaraõ Hespanha, constituio senhora dominante da nossa Peninsula a famosa Roma.
[497] Strab. liv. 15. Monarq. Lusitan. liv. 1. cap. 28. Yañes España en la S. Biblia part. 1. cap. 15. n. 3. e outros muitos.
[498] Estaço nas Antig. de Port. cap 33. n. 4. Paiv. Exame de antiguid. p. 120. Bochart. na Geograf. Sacr. liv. 1. cap. 34.
[499] Marian. tom. 1. liv. 1 cap. 18.
[500] Flor. do Camp. lib. 2. cap. 29.
[501] Monarq. Lusit. liv. 2. cap. 4. Far. Europ. Port. tom. 1. part. 1. cap. 9. num. 9.
[502] Liv. decad. 3. lib. 7.
[503] Sil. Ital. lib. 10. Resend. lib. 3. de Antiquit.
1 Assim continuava a soberania Romana em dominar Hespanha, que sendo até o anno 534 da fundaçaõ de Roma huma só Provincia Consular, pelos annos porém de 557 da mesma fundaçaõ, e 196 antes de Christo, foy dividida em duas Provincias Pretorias, ou Proconsulares, chamadas Ulterior, e Citerior. Naquella se comprehendia a Betica,[Pg 241] e a Lusitania, isto he, Andaluzia, e Portugal: na Citerior todas as mais partes de Hespanha.[505]
2 Para exacto governo dellas eraõ enviados de Roma varios Pretores, ou Governadores fortalecidos com legiões de gente militar para presidio das terras, que hiaõ conquistando; porém como os Lusitanos mal soffriaõ o jugo Romano, foy preciso ao respeito dos Senadores para nos sujeitar à obediencia mandar tambem o Consul Cataõ Censorino, o qual usando de affabilidade, dominou os corações da nossa gente até o ultimo dia do seu governo, pois tanto que Scipiaõ Nasica lhe succedeo, logo se revoltaraõ como leões indomitos contra elle.
3 Inconstante fortuna experimentou Nasica no principio da sua Pretura; porém no fim a logrou taõ favoravel à custa dos nossos, que a sorte, mais que o esforço, o fez vencedor de cento e trinta e quatro bandeiras.[506] Mas naõ perdendo os Lusitanos já mais o acordo na desgraça presente, e appellando para o primeiro conflicto, souberaõ vingar a perda passada com destruiçaõ total do exercito Romano, que governava Lucio Emilio,[507] ruina, que por muitos dias continuos foy deplorada dentro em Roma, e até a vingança, que depois meditaraõ, foy mal succedida.
4 Continuavaõ os Pretores, e Consules o governo da Hespanha, os quaes ou abatidos, ou vitoriosos, sempre confessavaõ por formidaveis as armas Lusitanas, custando-lhe cada palmo de nosso terreno adquirido rios de sangue Romano. Entre os nossos Capitães, que deixaraõ resplandecente nome na veneravel duraçaõ da memoria, foraõ Apimano, Cesaron, Chancheno, Viriato, e Sertorio, cujas gloriosas[Pg 242] proezas occupaõ até as Historias dos que pertenderaõ diminuirlhe a fama.
5 Aquelle espantoso terror, que o brio dos Lusitanos tinha semeada em Roma, chegou a produzir tal impressaõ nos animos de todos, que não havia nem Tribuno, nem Pretor, que se quizesse encarregar da guerra de Hespanha; e por acudirem pelo credito da Naçaõ, buscaraõ o caminho do ludibrio, que foy o da aleivosia, naõ sem escandalo do mundo. Assim se experimentou na morte de Viriato II. pela perfidia de Quinto Servilio, e na de Sertorio pela de Marco Perpenna.[508]
6 Seria alheyo da brevidade, que promettemos, particularizar acções, e successos dos Lusitanos: todas taõ benemeritas da honra, e da eternidade, como indignas de fama as que os Romanos obravaõ em nossos Paizes; e muitas vezes com o dolo, e malicia em taõ vulgarizadas operações, que mal podiaõ occultar a ignominia, que dellas lhes resultava, como aconteceo com Servio Galba, reprehendido no Capitolio pelas manifestas aleivosias, que usava com a gente Portugueza.[509]
7 Mais de duzentos annos tardou a conquista da Lusitania; e depois que se achavaõ nossas forças já lassas, e vigoroso o poder Romano, ainda assim foy preciso ao prudente Conselho dos Senadores para acabar de conquistar Hespanha determinar que se expedissem em diversos tempos dous famosissimos Imperadores, Julio Cesar, e Octaviano Augusto. Aquelle sendo o mayor guerreiro do mundo, padeceo innumeraveis resistencias dos nossos. Que cuidados, e desconfianças naõ causaraõ a Cesar os habitadores da serra da Estrella? Prenderaõ-lhe os Embaixadores, zombaraõ delles, e se naõ usara Cesar[Pg 243] de alguns estratagemas, nem lhe domara a ferocidade, nem os vencera.[510]
8 Pouco tempo durava esta sujeiçaõ, porque os nossos com obediencia forçada, ainda que com forças diminutas, a cada passo se estavaõ rebelando contra os presidios Romanos, querendo antes expôr as vidas aos mayores empenhos da guerra, que renderem-se a quem lhe queria supear a liberdade; e como já tinhaõ perdido as esperanças ao socego da paz, era inconquistavel o seu animo, e orgulho.
9 Seguiraõ-se os incendios tambem na Hespanha das guerras civis entre Cesar, e Pompeo, e entaõ se acabou de ver que se ficavaõ triunfantes aquellas bandeiras, a cuja sombra militavaõ Portuguezes. Veyo finalmente Octaviano Augusto, e conseguida huma paz universal, se viraõ os Lusitanos totalmente sujeitos ao jugo do Imperio Romano. Em agradecimento desta tranquillidade offereceraõ muitas povoações nossas nas fabricas de alguns Templos, eternos elogios, que por acreditarem a duraçaõ, ainda o tempo gastando-lhe as pedras, lhe naõ pode consumir a memoria.
10 Dentro deste feliz, e pacifico silencio nasceo ao mundo a salvaçaõ delle Christo bem nosso; e depois de ter completado Octaviano trinta e seis annos de Imperio formal, se lhe seguio Tiberio, e successivamente outros Imperadores sempre com o dominio das nossas terras, as quaes com a cubiça dos legados fluctuavaõ em mares de turbulencia. Rompiaõ-se os montes para se desentranharem das suas veas o ouro, e a prata.
11 Alguns destes disturbios da ambiçaõ fez serenar a prudencia de Vespasiano, e de seu filho Tito, os quaes com generosa, e liberal affabilidade illustraraõ o Reino com obras, os vassallos com beneficios. A aspereza dos caminhos se vio reduzida a[Pg 244] planicies suaves; os rios caudalosos vadeados com pontes magnificas; e toda a Lusitania para o seu bom regimen dividida em tres Comarcas, cinco Colonias, e tres Municipios.
12 Foraõ passando os annos, e as vidas de outros Imperadores, a quem nossos antepassados reconheceraõ vassallagem, até que no Imperio de Galieno começou a descahir a grandeza Romana,[511] experimentando mais lamentavel estrago em tempo de Arcadio, e Honorio pela invasaõ dos barbaros de Alemanha, que discorrendo sem piedade por todas as Provincias da sujeiçaõ de Roma, entraraõ a sepultar nas ruinas, que abrirão suas espadas, as glorias da Monarquia Imperial por tantos seculos triunfante, mas agora opprimida, e arrastada pelo decreto fatal da Providencia. Será conveniente antes que entremos a informar do estabelecimento do novo dominio, formar hum Catalogo chronologico dos Pretores, e Consules, que nos governaraõ, noticia, que em obsequio, e beneficio da Historia, se fará estimavel aos estudiosos.
Ant. de Chr. | Fund. de Roma | |
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196 | 557 | Na Ulterior Marco Elio, ou Helvio. |
Na Citerior Cneyo Sempronio Tuditano. | ||
195 | 558 | Na Ulterior, quinto Fabio Buteo. |
Na Citerior Quinto Minucio Thermo.[Pg 245] | ||
194 | 559 | Na Ulterior Appio Claudio Nero. |
Na Citerior Paulo, ou Publio Manlio. | ||
Com estes dous Pretores veyo tambem neste anno o Consul Marco Porcio Cataõ Censorino, o qual teve o governo em toda a Hespanha, e com felicidade, porque os Lisbonenses, e os de toda a sua Comarca lhe levantaraõ alguns padrões honorificos, e elle recolhendo-se a Roma riquissimo, introduzio no thesouro publico mais de quatrocentos mil cruzados em ouro, e prata, que extrahio das nossas terras; e para ter estas seguras na sua ausencia, antes que partisse mandou derribar os muros a quatrocentas Cidades, e Lugares fortes.[512] | ||
192 | 560 | Na Ulterior Publio Cornelio Scipiaõ Nasica. |
Na Citerior Sexto Digicio. | ||
Tiveraõ os Portuguezes neste governo grandes batalhas com os Romanos, e estes andavaõ taõ desconfiados, e Nasica taõ temeroso do valor Lusitano, que chegou a fazer votos a Jupiter pela vitoria, a qual com effeito alcançou, porque a fome, e fadiga dos nossos debilitou muito o nosso exercito, e com tudo custou-lhe sete mil e novecentos Romanos, que morreraõ no conflicto. | ||
191 | 561 | Na Ulterior Marco Fulvio Nobilior. |
Na Citerior Cayo Flaminio. | ||
190 | 562 | Na Ulterior Appio Atilio Serrano. |
Na Citerior Marco Bebio Pamfilo. | ||
189 | 563 | Na Ulterior Lucio Emilio Paulo.[Pg 246] |
Na Citerior Cayo Flaminio reconduzido. | ||
Venceraõ os Lusitanos ao Pretor Emilio, matando-lhe seis mil Romanos. | ||
188 | 564 | Ficaraõ reconduzidos os mesmos Pretores, e Lucio Emilio alcançou vitoria dos Portuguezes. |
187 | 565 | Na Ulterior Lucio Bebio Divite. |
Na Citerior Lucio Plaucio Hipseo. | ||
Lucio Bebio morreo em Marselha antes de chegar a Hespanha, e assim os Consules mandaraõ para a Pretura de Portugal a Publio Junio Bruto. | ||
186 | 566 | Na Ulterior Cayo Catinio. |
Na Citerior Lucio Manlio Acidino. | ||
185 | 567 | Os mesmos reconduzidos. |
184 | 568 | Na Ulterior Cayo Calfurnio Pison. |
Na Citerior Lucio Quincio Crispino. | ||
Os Lusitanos unidos com os Celtiberos ganharaõ a estes dous Pretores huma batalha, em que lhe mataraõ cinco mil homens. | ||
183 | 569 | Os mesmos reconduzidos. |
182 | 570 | Na Ulterior Paulo, ou Publio Sempronio Longo. |
Na Citerior Aulo Terencio Varro. | ||
181 | 571 | Ficaraõ reconduzidos. |
180 | 572 | Na Ulterior Publio Manlio. |
Na Citerior Q. Fulvio Falco. | ||
178 | 574 | Na Ulterior Lucio Posthumio Albino. |
Na Citerior Tiberio Sempronio Graco. | ||
O Pretor Posthumio teve huma grande batalha com os Bracarenses, a quem venceo depois de huma grande derrota no seu exercito. | ||
176 | 576 | Na Ulterior Tito Fonteyo Capito.[Pg 247] |
Na Citerior Marco Ticinio Curvo. | ||
174 | 578 | Na Ulterior Marco Cornelio Scipiaõ. |
Na Citerior Publio Licinio Crasso. | ||
Estes dous Pretores naõ chegaraõ a vir a Hespanha, e assim foraõ reconduzidos os antecedentes. | ||
173 | 579 | Na Ulterior ignora-se quem fosse neste anno o Pretor. |
Na Citerior Appio Claudio Cento. | ||
172 | 580 | Na Ulterior Cneyo Servilio Cepio. |
Na Citerior Publio Furio Filo. | ||
171 | 581 | Na Ulterior Marco Macieno. |
Na Citerior Cneyo Fabio Buteo. | ||
170 | 582 | Na Ulterior Spurio Lucrecio. |
Na Citerior Marco Junio. | ||
169 | 583 | Neste anno determinaraõ os Consules que houvesse na Hespanha huma só Pretura, ou Provincia, e assim elegeraõ para Pretor a Lucio Canuleyo. |
167 | 585 | Claudio, ou Marco Marcelo. |
166 | 586 | Publio Fonteyo. |
165 | 587 | Neste anno tornaraõ a dividir Hespanha em duas Preturas, e para a Ulterior veyo Cayo Licinio Nerva, e para a Citerior Cneyo Fulvio. |
153 | 599 | Na Ulterior Marco Manilio. |
Neste governo floreceo hum insigne Capitaõ Bracaranse, chamado Apimano, a quem se seguio Cesaron, que ambos aterraraõ os Romanos. | ||
152 | 600 | Neste anno, conforme Orosio, foy Pretor Sergio Galba; mas Apiano Alexandrino diz que era Calfurnio Pison. |
151 | 601 | Neste anno foy Hespanha Provincia Consular, e para seu governo vieraõ os Consules Q. Fulvio, e Tito Anio. |
149 | 603 | Lucio Luculo, e Albo Posthumio Consules tiveraõ com os Celtiberos, e[Pg 248] Vacceos algumas batalhas taõ mal succedidas, que causou em Roma tanto medo, que naõ havia quem quizesse vir militar para Hespanha; até que Publio Scipiaõ Emilitano, offerecendo-se voluntario, persuadio a muitos a que viessem. |
No governo destes Consules diz Paulo Orosio, que acontecera aquella vil traição, que fez Servio Galba aos Portuguezes do Algarve,[513] e que refere a Monarquia Lusitana.[514] | ||
145 | 607 | No governo dos Consules Cneyo Cornelio Lentulo, e L. Mumio principiou a florecer o esforçado valor do segundo Viriato, dando mayor credito ao valor dos Portuguezes com as repetidas vitorias, que alcançava dos Romanos. |
144 | 608 | C. Vetilio, ou Marco Vetilio, Pretor da Hespanha Ulterior, foy vencido por Viriato. |
143 | 609 | Cayo Plaucio, Pretor da Hespanha Ulterior, tambem vencido por Viriato em muitas batalhas. |
142 | 610 | Claudio Unimano vencido por Viriato com grande infamia dos Romanos. |
Neste governo obraraõ prodigios os Portuguezes. | ||
141 | 611 | Cayo Nigidio, a quem huns daõ o titulo de Pretor, outros de Consul, ficou vencido por Viriato no campo de Viseu em humas grandes vallas, que abrio para isso. Taõ atemorizados tinhaõ aos Romanos estes prosperos successos de Viriato, que lhes foy preciso para esta conquista de Hespanha duplicar os soccorros[Pg 249] com exercitos Consulares. |
140 | 612 | Q. Fabio Consul usou crueldades com os Portuguezes. |
139 | 613 | Q. Fabio Proconsul expugnou muitas Cidades da Lusitania. |
138 | 614 | O mesmo reconduzido, e juntamente os Consules Cayo Lelio o Sabio, e Q. Servilio Cepio, que foy author do assassinio, e morte de Viriato;[515] e Joaõ de Barros diz, que Viriato fora morto no Lumiar, termo de Lisboa.[516] |
137 | 615 | M. Pompilio na Hespanha Citerior. |
136 | 616 | Decio Junio Bruto Consul fez pazes com os Lusitanos. |
135 | 617 | Neste anno sendo Proconsul o mesmo Decio, ou Decimo Junio Bruto, sujeitou ao seu dominio quasi toda a Lusitania, e na passagem do rio Lima lhe aconteceo com os soldados, que naõ queriaõ passar, o que fica referido na primeira parte pag. 127. fallando daquelle rio. A mayor resistencia, que experimentou este Proconsul, foy a que lhe fez a Cidade de Cinania. |
134 | 618 | Neste anno vieraõ a Hespanha o Consul Q. Furio, e os Proconsules Q. Metello, e Q. Pomponio. |
133 | 619 | M. Emilio Lepido Proconsul. |
132 | 620 | Scipiaõ Africano Consul com C. Fulvio Flaco poz hum apertado cerco a Numancia. |
131 | 621 | Neste anno vendo-se os Numantinos taõ fortemente cercados pelos Romanos, determinaraõ pôr fogo à Cidade, e morrer antes todos, que entregarem-se.[Pg 250] Assim o executaraõ de sorte, que os Romanos naõ acharaõ cousa, de que triunfar, mais que do nome de Numancia. |
130 | 622 | Neste anno, e em alguns dos seguintes vieraõ a Hespanha varios Pretores, e Consules, cujos annos de seus governos naõ se podem produzir em chronologia certa. |
107 | 645 | Q. Servilio Cepio, ou Scipiaõ, triunfou dos Portuguezes. |
103 | 649 | Venceraõ os Lusitanos aos exercitos dos Consules P. Rutilio Rufo, e C. Manlio. |
100 | 652 | C. Mario IV. e Q. Luctacio Consules ficaraõ vencidos dos Lusitanos, e a Hespanha Ulterior em grande paz. |
97 | 655 | Lucio Cornelio Dolabella Proconsul da Hespanha Ulterior triunfa dos Lusitanos. |
92 | 660 | Publio Licinio Crasso Proconsul triunfa dos Lusitanos. |
79 | 673 | Neste anno floreceo o valor do Capitaõ Q. Sertorio, que fugindo de Sylla, seu inimigo Romano, veyo a Hespanha, e conciliando a vontade, e animo dos Portuguezes, venceo a muitos Capitães Romanos. Edificou varias obras em Portugal, principalmente Evora. |
75 | 677 | Neste anno veyo a Hespanha Pompeo Magno, a quem Sertorio venceo com grande credito dos Portuguezes. |
69 | 683 | Foy morto Sertorio em Evora atraiçoadamente por M. Perpenna, e outros conjurados. |
68 | 684 | Com a morte de Sertorio conseguio Pompeo que quasi todas as Cidades de Hespanha se lhe entregassem, ainda que[Pg 251] à força de armas, e com bastante resistencia de outras. |
67 | 685 | Publio Pison Proconsul. |
62 | 690 | Neste anno veyo a Hespanha com titulo de Legado hum nobre mancebo Romano, chamado Cneyo Pison, ao qual mataraõ publicamente huns soldados Hespanhoes por industria de Pompeo. Tambem aconteceo neste anno hum notavel tremor de terra na costa de Portugal, e Galiza, com que se arruinaraõ muitos Lugares.[517] |
60 | 692 | Q. Calidio com titulo de Pretor de Hespanha destruio muitas companhias de Lusitanos. |
59 | 693 | Na Hespanha Ulterior Tuberon Pretor. Veyo por seu Questor C. Julio Cesar. |
58 | 694 | Na Hespanha Ulterior C. Julio Cesar Pretor fez sujeitar ao Imperio Romano a Lusitania, e Galiza; e recolhendo-se a Roma, foy feito Consul. |
57 | 695 | Veyo Pompeo a Hespanha, que ao depois administrou por Legados. |
56 | 696 | Publio Lentulo Pretor. |
54 | 698 | Q. Metello Nepos Proconsul. |
53 | 699 | Q. Cecilio Dentato. Houve em Portugal tanta fartura, que os mantimentos se davaõ quasi de graça. |
52 | 700 | Q. Cecilio Metello Neto. |
50 | 702 | Tuberon Proconsul. |
47 | 705 | Foy nomeado Pompeo para Pretor de ambas as Provincias de Hespanha, as quaes administrou por Legados, que foraõ Petreyo, Afranio, e M. Varro. Neste anno andavaõ em grande calor as[Pg 252] guerras civis entre Pompeo, e Julio Cesar. |
46 | 706 | Sendo Julio Cesar Consul, e Dictador, regeraõ ambas as Hespanhas Q. Cassio a Ulterior, e o Proconsul M. Lepido a Citerior. |
44 | 708 | Q. Cassio Longino Propretor da Hespanha Ulterior summamente avaro, e cruel. |
43 | 709 | C. Trebonio Proconsul. |
42 | 710 | Q. Fabio Consul triunfou na Hespanha. Neste anno pelejando Julio Cesar contra os filhos de Pompeo, alcançou delles o triunfo junto da Cidade de Munda no Reino de Granada, em que os Portuguezes mostraraõ grande fidelidade a Pompeo.[518] |
40 | 712 | Q. Pelio Proconsul triunfa na Hepanha. |
39 | 713 | M. Emilio Lepido tambem alcançou vitoria na Hespanha. |
37 | 715 | Tomaõ os Lusitanos a Era de Cesar. |
35 | 717 | Cneyo Domicio Calvino Proconsul triunfa. |
C. Norbano Flaco Proconsul triunfa. | ||
31 | 721 | C. Asinio Polion, discipulo de M. Tulio, ficou governando Hespanha na ausencia de Julio Cesar. |
26 | 726 | Vendo o Imperador Octaviano Augusto o pouco, que as armas Romanas tinhaõ conseguido em Hespanha pelo espaço de duzentos annos, determinou vir em pessoa, e dentro em quatro annos conciliou a paz em toda a Hespanha. Estando em Tarragona, gozou hum pleno[Pg 253] dominio da honra Imperial. Muitos povos Portuguezes lhe dedicaraõ templos, e estatuas pelas mercês, e privilegios, que lhes concedeo, singularizando-se Evora, Mertola, Lisboa, e Santarem, mudando todas os seus nomes, que tinhaõ, em outro, que dissesse respeito aos favores recebidos; e assim Evora se principiou a chamar Liberalitas Julia, Mertola Mirtilis Julia, Lisboa Felicitas Julia, Santarem Julium Præsidium. |
2 | 750 | Neste anno mandou o dito Imperador, estando em Tarragona, publicar o edicto geral para se alistar toda a gente, que havia no mundo sujeita ao Imperio Romano, e pagar certo tributo, que era trinta e seis reis cada pessoa em reconhecimento da vassallagem. De Portuguezes se alistaraõ cinco contos e sessenta e oito mil pessoas cabeças de familias, cuja ordem se passou nas Chancellarias do Reino, chamadas entaõ Conventos Juridicos, e eraõ Merida, que hoje está fóra do territorio de Portugal; Béja, à qual acudia o povo de Alentejo, e Algarve; Braga para o povo do Minho, e Tras os Montes; Santarem para o da Beira, e Estremadura. |
1 | 751 | Neste anno se fez famoso hum Portuguez do Minho, chamado Corocota, que com certo numero de vadios inquietou varias terras, e o Imperador promettendo tres mil cruzados a quem o apanhasse, elle mesmo se lhe veyo offerecer, e o Imperador perdoando-lhe, o admittio para sua guarda. |
Depois do Nascimento de Christo até[Pg 254] os Godos naõ ha cousa memoravel, que pertença à Lusitania, mais que o acharse em huma socegada paz na obediencia dos Romanos. Até os tempos dos Imperadores Maximiniano, e Diocleciano durou o governo de Hespanha em Pretores, e Proconsules: no de Constantino houve outro estylo, porque se instituio hum Vigario do Imperio, a que obedeciaõ todos os Legados, e Regedores das Provincias, e o tal Vigario ainda reconhecia por Superior ao Prefeito do Pretorio, que residia em França, por estar no meyo das terras da sua jurisdicçaõ. Depois se começou a governar por Condes. Havia tambem alguns Regulos, ou Fidalgos, Senhores de Cidades, subditos ao Imperio Romano, qual foy Ont Comero, pay de Santa Engracia, e no tempo dos Godos Castinaldo, Principe de Nabancia, e Cathelio, Senhor de Norba Cesarea, e pay das Santas nove irmãs.[519] |
[504] Valer. Maxim. lib. 9. Just. Lipsio lib. 4. de Magnitud. Roman. cap. 5. Tarselin. Epitom. Historic. lib. 3.
[505] Strab lib. 3. Liv. decad. 4. lib. 3. Plin. lib. 3. c. 3. Guid. Pancirol Notitia Dignit. utriusq. Imper. c. 66. Robortel. de Provinc. Roman. Vasæus tom. 1. cap. 8. n. 14.
[506] Monarq. Lusitan. liv 2. cap. 23.
[507] Oros. liv. 4. cap. 19. Liv. decad. 4. lib. 6. Moral. lib. 7. cap. 11.
[508] Tantus metus Romanas omnes invasit; ut nemo inveniretur, qui vel Tribunus, vel Legatus ire in eam Provinciam vellet. Vasæus tom. 1. cap. 12. Liv. decad. 3. lib. 6.
[509] Orosius lib. 4. cap. 21.
[510] Monarq. Lusitan. liv. 4. cap. 2. e 3.
[511] Monarq. Lusitan. liv. 5. cap. 17.
[512] Liv. decad. 3. lib. 7. Jul. Front. l. 1. c. 1. Val. Max. l. 4.
[513] Oros. l. 4. c. 21.
[514] Monarq. Lusit. liv. 2. c. 30.
[515] Vide Monarq. Lusit. liv. 3. cap. 10.
[516] Joaõ de Barr. na Descripçaõ do Minho cap. 3.
[517] Monarq. Lusitan. liv. 3. cap. 30.
[518] Vid. Monarq. Lusit. liv. 4. cap. 17. e 18. Vas. tom. 1. cap. 12. Resend. lib. 3. Antiquit.
[519] Veja-se a Cujac. liv. 8. cap. 25. Observ. a Vaseu tom. 1. Chron. cap. 13. Resend. lib. 3. de Antiq. Monarq. Lusit. part. 1. liv. 4. cap. 30. e liv. 5. cap. 18. 21. e 24.
1 Pela ambiciosa perfidia de Estelicon, ayo, e sogro do Imperador Honorio, que pertendia recahisse a coroa Imperial em seu filho Eucherio,[Pg 255] o que naõ conseguio, se introduziraõ na Hespanha certas gentes Septentrionaes de Alemanha, chamadas Vandalos, Suevos, Alanos, e Selingos, os quaes depois de terem saqueado Roma, e destruido grande parte de França, invadiraõ nossas terras com huma expediçaõ taõ barbara, talando campos, e edificios, que igualavaõ a colera com a crueldade.[520]
2 O anno, em que se experimentou esta invasaõ, naõ he fixo na epoca dos Escritores: entre os annos de 409, e 416 de Christo sem duvida que aconteceo; mas a mayor parte dos Historiadores Hespanhoes se inclinaõ a assinar esta invasaõ na Era de Cesar 447,[521] que corresponde aos annos 409; e sendo a Cidade de Lisboa a primeira povoaçaõ nossa, que esteve a risco de ser devorada pela fereza daquelles leões, que a tinhaõ em cerco, brevemente o levantaraõ por num pequeno donativo, que os Cidadãos lhe offereceraõ; porém continuando com a mesma ferocidade, arruinaraõ outras terras da Lusitania, e o que estava sujeito ao Imperio Romano, cujo estrago foy o intuito principal, a que todos estes barbaros se encaminhavaõ.
3 Cada parcialidade destas gentes tinha seu Rey, a que obedeciaõ; e por naõ se confundirem nesta assolaçaõ, os Vandalos, e Selingos com o seu Rey Gunderico, ou Mondigelesio, occuparaõ Andaluzia, que delles adquirio nome: os Alanos, e Suevos com os seus Reys Resplandiano, e Hermenerico possuiraõ a Lusitania, e Galiza, ficando Asturias, e Biscaya permanecendo na sujeiçaõ Romana.[522]
4 Morto Resplandiano se lhe seguio Atáces, o qual estribando seu atrevimento nas mayores forças por senhorear mayor parte da Lusitania, foy accommetter[Pg 256] Hermenerico, Rey dos Suevos, a quem tomou algumas terras, especialmente Coimbra, que entaõ se achava existente no sitio de Condeixa a velha, e principiou a edificar a que agora existe, obrigando ao trafego da obra toda a qualidade de pessoas.
5 Quizera Hermenerico resistir, e castigar os atrevimentos de Atáces; convoca em seu favor a Gunderico, Rey dos Vandalos; fortifica-se no Porto, e fortifica tambem a Cidade. Chegaõ a litigar os dous exercitos, e declinando de huma parte o poder, fica Hermenerico derrotado; tudo porém se compoz logo, offerecendo Hermenerico a ElRey Atáces sua filha Cindasunda para esposa com hum thesouro por dote de riquezas consideraveis.[523] Nesta paz viveraõ socegados sogro, e genro, occupando-se unicamente em fazer algumas correrias contra os que seguiaõ o partido Romano.
6 Tinhaõ-se incorporado os Vandalos, e Suevos para maquinarem rijo accommettimento concra os Alanos, que com a soberba do seu Rey Atáces pertendiaõ usurpar as terras dos seus visinhos. Honorio havia feito pazes com os Godos, e tambem com os Vandalos; e soccorridos estes com taes auxilios, deraõ batalha, pelejarão valerosamente, e venceraõ a Atáces.
7 Recuperaõ outra vez os Alanos, e Selingos as terras perdidas, fundaõ a Villa de Alenquer, e já sem Rey, que os governasse, tornaõ a ser feudatarios ao Imperio Romano. Ajustaõ pazes com os Suevos, e com tal uniaõ se enlaçaraõ, que desde esta confederaçaõ se começaraõ os Portuguezes a chamar Suevos.[524] Passaõ os Vandalos para Africa em numero de oitenta mil, e os Alanos, e Suevos se deixaraõ ficar na Lusitania possuindo aquellas terras, que lhe couberaõ em forte.
[Pg 257]
8 Numerava já o mundo Christaõ mais de quatrocentos e cincoenta annos, quando Theodorico, Rey Godo, entrando por Hespanha contra Reciario, Rey dos Suevos, depois de o apertar com huma guerra cruenta, o venceo junto a Astorga, dissipando naquelle dia todas as grandezas, e nome Suevo, para fundar nas suas ruinas o Imperio Gotico; e deixando as terras de Portugal já sujeitas à sua obediencia, se retira a França.
9 Os Suevos vendo-se destruidos recorrem ao Rey Godo por meyo dos Bispos, supplicando-lhe a liberdade de acclamarem Rey proprio, e nacional com o reconhecimento de feudatarios. Orou nessa embaixada eloquentemente Idecio, Bispo de Lamego, por cuja efficacia, e persuasaõ lhe outorgou Theodorico com grandeza regia quanto pediaõ. Voltaõ os Prelados para Braga, e elegem a Masdra para seu Rey.
10 Alguns dos nobres mal satisfeitos da eleiçaõ, com o pretexto de naõ se acharem presentes, acclamaraõ em Lugo por seu legitimo Rey a França. Daqui principiarão a nascer muitas discordias, cujos effeitos descarregando em insultos sobre os povos, lhes fizeraõ sentir, e padecer as molestias, e os riscos daquella opposiçaõ.
11 Socegaraõ em fim com a morte de Masdra, e com o tratado de paz, que seu filho Remismundo, successor no governo, fez com o Franta; mas como a este se lhe seguisse Frumario, e persistisse na teima de ser elle o Rey legitimo, fez resuscitar as antigas contendas, que ultimamente feneceraõ com o fim dos seus dias, ficando Remismundo com todo o principado da Lusitania, e dos Suevos.
12 Para mayor segurança do seu dominio mandou Remismundo pedir ao Rey Godo Theodorico lhe quizesse confirmar o tratado das pazes, que seus antecessores tinhaõ feito, expressando-lhe a prompta fidelidade, e reconhecimento, em que vivia.[Pg 258] Lisongeado Theodorico desta attençaõ, houve por bem suas conquistas, e lhe deu por esposa huma sua filha, a qual, como era Arriana, introduzio em Portugal esta seita, que inficionou todo o Reino,[525] na qual foraõ permanecendo outros Reys até Theodomiro, que foy quem resuscitou a Fé Catholica, e fez que abjurassem os Suevos os dogmas da perfidia Arriana, em que tinhaõ vivido noventa annos.
13 Reinava na Monarquia Gotica Leovigildo, e estimulado das tyrannias, que Andeco usava com os Suevos, em cujo governo se introduzira, voltando as armas contra elle, o cativou, e se fez senhor de todo o Reino, e dominio Suevo pelos annos 585,[526] principiando daqui para diante o governo, e Imperio dos Godos em Portugal.
14 Subordinada já nossa Peninsula ao total poder Gotico, foraõ continuando em seu governo os seus Monarcas, pondo em algumas terras Governadores com titulo de Condes, que residiaõ a arbitrio dos Reys Godos.[527] Passados annos, chegou a Monarquia a perigar na falta de successor; mas por conselho do Romano Pontifice, que para isso teve revelaçaõ divina,[528] foy escolhido Vamba, natural, e habitador de Idanha, onde o foraõ achar bem alheyo de outro governo, que naõ fosse o dispotico exercicio da sua agricultura.
15 Intimaraõ-lhe os Embaixadores o grave negocio, a que hiaõ, e elle, que teve a embaixada por equivocaçaõ, o cargo por impossivel, respondeo, e protestou, cravando a aguilhada na terra, que só entaõ seria Rey, quando aquella vara brotasse flores. Assim succedeo, pois ella começou logo a florecer, e elle sendo obrigado pela palavra, foy conduzido para Toledo, onde o ungiraõ e respeitaraõ[Pg 259] Rey de toda Hespanha[529] na Era de 710.[530]
16 Venceo este Rey varias batalhas, promulgou leys, fez celebrar Concilios, ajustou os limites na jurisdicçaõ das Igrejas, e por hum accidente, em que o reputaraõ por morto, tornando a si, renunciou a Coroa em Ervigio, e tomando o habito de Religioso Benedictino em o Convento de Pampliega, cinco leguas entre Burgos, e Valhadolid,[531] acabou seus dias tranquillamente, deixando de si fama taõ gloriosa, que Arnoldo Ubion o poem no Catalogo dos Santos.
17 Seguio-se Ervigio, que foy jurado Rey com toda a solemnidade, depois Egica seu genro, e a este Witiza seu filho, que collocando sua Corte humas vezes em Braga, outras em Tuy, ou em Toledo, de qualquer parte lançava rayos, como astro maligno, que tudo inficionava. Chamaraõ-lhe o Nero de Hespanha: tal era seu infame procedimento.[532]
18 Com melhor esperança de que extinguisse os escandalos passados acclamaraõ os Godos a ElRey D. Rodrigo; porém depressa viraõ desvanecidos os seus conceitos, porque este Principe tudo obrava por appetite; e o Conde D. Juliaõ, que era seu Capitaõ da guarda, por conservar sua fortuna sempre prospera, executava francamente a arte da lisonja. Vivia no Paço, como era costume, huma filha do tal Conde, chamada Florinda, ou vulgarmente Cava, dama de estremada formosura: affeiçoou-se ElRey della, e para grangear melhor os seus agrados, lhe prometteo na uniaõ do Matrimonio a igualdade da Coroa; porém naõ se passou muito tempo, que repudiasse a Florinda por coroar a Eylata, ou Egilona, formosa Princeza de Africa,[Pg 260] a quem a braveza das ondas fizera por hum incidente arribar a Hespanha.[533]
19 Sentio Florinda aquella affronta, ou violencia, e meditando com seu pay algum genero de vingança, e desaggravo proporcionado, elle se passou a Africa, se acaso naõ estava já lá, como querem outros, por ser Governador daquelles dominios posto pelo mesmo D. Rodrigo; e conciliando hum poderoso exercito de Sarracenos, vieraõ accommetter Hespanha pelas instrucções do Conde, obrando total estrago na florente Monarquia dos Godos.
20 Esta he a substancia de toda a Historia da perdiçaõ de Hespanha, que corre entre os Authores com mais vulgaridade, supposto que em algumas circunstancias haja entre elles differença. Todavia considerando outros com reflexaõ mais prudente a facilidade, com que os Mouros em dous annos conquistaraõ quasi toda a Hespanha, e a negligencia, com que os Hespanhoes a defenderaõ, naõ succedendo assim com os Fenices, nem Cartaginezes, nem Romanos, nem ainda com os mesmos Godos, pois qualquer destas Nações gastou muitos annos para entabolar o seu dominio; julgaõ que o motivo desta fatalidade se originou por haver naquelle tempo alguma guerra civil na Monarquia Gotica, e esta acharse dividida em parcialidades, das quaes a menos poderosa se foy valer dos Arabes, e que estes em lugar de soccorrer a outrem, foraõ conquistando para si, o que alcançaraõ facilmente por causa da mesma divisaõ.[534] E porque os Suevos, e Godos foraõ senhores das nossas terras, he justo que façamos delles total memoria, ainda que seja em resumida chronologia.
[Pg 261]
Ann. de Chr. | |
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409 | Hermerico, ou Hermenerico. Teve guerras com os Alanos. Depois dos Vandalos passarem a Africa ficou senhoreando quasi todo o Reino de Portugal da fórma, que hoje está dividido, e ainda algum pedaço de Galiza. Morreo em Merida de huma doença, que lhe durou sete annos, e governou trinta e dous. |
440 | Rechila, filho do antecedente. Fora Principe perfeito, se naõ seguira o Arrianismo. Com prosperidade, e paz governou sete annos. |
448 | Reciario, filho de Rechila. Teve alguns emulos no principio do seu reinado: casou com a filha de Theodorico, Rey Godo: saqueou, e destruio os Vascões: passou a França a visitar seu sogro, e na retirada conquistou muitas terras de Hespanha. S. Balconio, Bispo de Braga, lhe fez abraçar o Christianismo. Na Cidade do Porto foy degollado por seus inimigos, e nelle se extinguio a linha verdadeira dos Suevos. Governou nove annos. |
457 | Maldra, ou Masdra. Foy eleito na Cidade de Braga pelos Bispos, e alguma Nobreza do Reino; mas padeceo as opposições, que lhe fez Franta, que os do partido contrario introduziraõ no governo, e elle governou tres annos. Seguio-se outro tambem intruso, chamado Frumario, que reinou tyrannicamente dous annos, e a Masdra se seguio |
464 | Remismundo, a quem Santo Isidoro chama Arismundo, filho de Masdra. Ficou prevalecendo[Pg 262] o seu reinado entre os dous precedentes Contendores. Foy cativo, e prezo por ElRey Godo Theodorico, o qual introduzio em Galiza a heresia Arriana. Daqui para diante naõ he muy certa a successaõ dos Reys Suevos por se interromper a sua serie com a morte de Remismundo. Fr. Bernardo de Brito[535] dá por incertos a Theodulo, Veremundo, Miro, Pharamiro. Filippe de la Gandara,[536] seguindo o Chronicon de Marco Maximo, assina depois de Remismundo a Hermenerico no anno 556 com o governo de quasi cincoenta annos: a Rechila II. Reciario II. a quem S. Martinho Dumiense converteo à Fé Catholica, e a Ariamiro, ou |
560 | Theodomiro, filho de Reciario. Converteo-se à Fé juntamente com seu pay, e foy grande defensor da Divindade de Christo. Celebrou-se no seu tempo o primeiro Concilio Bracarense. Os annos do seu governo saõ muito incertos. Santo Isidoro, a quem segue o allegado Gandara, diz que reinou vinte e quatro annos, Yañes dez, Coronelli no seu Prodromo seis, o Abbade de Valclara tambem lhe assina dez annos de governo, e parece o mais provavel. O Padre Argote lhe dá o nome de Theodomiro Junior, porque antes delle diz que houvera outro Theodomiro Senior.[537] |
570 | Miro, ou Ariamiro. Foy excellente Principe em piedade, e Religiaõ. Fez convocar em Braga o segundo Concilio para desterrar alguns abusos, e governou treze annos. Aqui ha grande equivocaçaõ em o nome deste Rey, que alguns confundem com Theodomiro, e[Pg 263] por isso naõ se ajusta entre os Authores a chronologia como deve ser.[538] |
583 | Eborico, ou Eurico. Succedeo no governo ao antecedente. Foy logo despojado do Reino por Andéca, padrasto de Eburico, o qual para mais o inhabilitar para a successaõ, lhe fez tomar o habito de Religioso no Mosteiro de Dume, e professar. Esta violencia vingou pelos mesmos fios Leovigildo, Rey Godo, obrigando tambem a Andéca a se ordenar de Sacerdote; e desterrando-o para Béja, tomou posse de todas as riquezas do Reino, o qual no poder dos Suevos tinha durado em ambas as fortunas cento e setenta e sete annos. |
Advertimos, que o erudito Padre Mestre Fr. Paulo Yañes produz huma serie dos Reys Suevos com diversidade desta, que temos expendido, tanto em os nomes dos Reys, como em o numero, e calculo dos annos.[539] Este Author como o seu intuito foy mostrar, e explicar o cap. 7. de Daniel nestas quatro nações barbaras, que occuparaõ Hespanha, naõ quiz incluir na serie dos Reys aquelles, que foraõ tyrannos, e intrusos, e assim exclue a Frantan, Fumario, e Andéca, numerando sómente oito Reys Suevos legitimos, e verdadeiros.
Ann. de Chr. | |
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411 | Ataulfo. Foy o primeiro Rey Godo, que teve dominio em Hespanha. Suceedeo a Alarico: casou com Gala Placidia, irmã do[Pg 264] Imperador Honorio, aquem este deu em dote as terras de Hespanha com o designio de expellir dellas aos Vandalos, e as outras nações Septentrionaes; porém Ataulfo, portando-se com brandura no governo, foy desobedecido pelos seus, e por elles morto em companhia de sete filhos. Dizem huns que governara cinco annos, outros seis. |
416 | Sigirico. Era valeroso Capitaõ, e por isso elegeraõ para Rey. Quiz levar as cousas pelos termos de paz; e naõ se contentando os Godos com o seu modo, tambem lhe tiraraõ a vida. Governou hum anno. |
416 | Walia. Começou a governar com o projecto de conquistar Africa: perdeo huma grande armada: retira-se a Barcelona, faz pazes com Honorio, e depois guerra aos Vandalos, e os vence. Morre em Tolosa, tendo governado tres annos. |
419 | Theodoredo, ou Theodorico. Fez guerra aos Romanos, e morreo na cruelissima batalha dos campos Catalaunicos, cahindo de hum cavallo. Governou trinta e tres annos. |
452 | Thurismundo, filho de Theodoredo. Foy morto por industria de seus irmãos. Governou hum anno. |
453 | Theuderico, irmaõ de Thurismundo. Venceo, e matou a Reciario, Rey dos Suevos, e em Braga fez grandes hostilidades. Foy morto por seu irmaõ Eurico. Governou treze annos. |
466 | Eurico. Deu leys escritas aos Godos, expulsou aos Romanos de Hespanha, conquistou, e saqueou muitas terras de Portugal. Neste tempo se achava Hespanha dividida em tres Imperios: os Suevos tinhaõ a Galiza, parte da Lusitania: a Betica, e Catalunha era dos Godos: os Romanos eraõ senhores das[Pg 265] Provincias de Cartagena, e Carpentana com o restante da Lusitania. Depois de algumas vitorias morreo em Arlés de França, e governou dezasete annos. |
483 | Alarico II. filho de Eurico. Litigou com Clodoveo, Rey de França, e em huma batalha junto a Carcasona perdeo com ella a vida. Governou vinte e tres annos. |
506 | Gesalico, ou Gesaleuco ou Gensalarico, filho illegitimo de Alarico. Foy acclamado pelos Godos na menoridade de Amalarico. Perdeo o que seus antecessores possuiaõ em França; e sendo vencido por Theodorico, Rey dos Ostrogodos de Italia, avô do herdeiro legitimo, morreo de melancolia. Governou quatro annos. |
511 | Theudorico II. Tendo reinado dezoito annos em Italia occupou o Cetro de Hespanha. Dizem huns que como Rey verdadeiro, outros só como tutor, ou administrador de seu neto. Governou quinze annos. |
526 | Amalarico, filho de Alarico. Teve por mulher a Crotilde, Princeza Catholica, filha de Clodoveo, Rey de França; mas como o marido era Arriano, padeceo com elle grandes trabalhos, até que os irmãos a vingaraõ, matando-o, e destruindo muitas povoações de Hespanha. Governou cinco annos. |
531 | Theudo, ou Theudio, ou Teudis. Tinha sido tutor de Amalarico, e Governador de Hespanha: outros o fazem descendente delRey Theodorico de Italia. Acabou, e extinguio o governo dos Romanos em Hespanha quanto aos Magistrados. Foy morto em seu Palacio por hum homem, que se fingia bobo. Governou dezasete annos. |
548 | Theudiselo, ou Theudisclo. Foy Arriano, e hum dos máos Reys dos Godos. Os seus o[Pg 266] mataraõ em Sevilha, estando em hum banquete. Governou hum anno. |
549 | Agila. Por eleiçaõ dos Grandes foy eleito Rey. Os Cordovezes o venceraõ. Muitos dos seus se rebelaraõ contra elle, e o mataraõ em Merida. Governou cinco annos. |
554 | Athanagildo. De Capitaõ, que se havia rebelado, ficou com o Reino dos Godos. Morreo em Toledo, e governou quatorze annos. |
567 | Liuva, ou Luiva. Depois de reinar hum anno cedeo o senhorio de Hespanha a seu irmaõ Leovigildo, e elle se retira às terras, que tinha em França. Governou hum anno. |
568 | Leovigildo. Alcançou muitas vitorias dos Suevos de Galiza, recopilou as leys Goticas, foy o primeiro, que usou de insignias Reaes, throno, cetro, e coroa. Teve grandes guerras com seu filho Hermenegildo, a quem perseguio, e fez martyrizar em Sevilha depois de huma apertada prizaõ. Governou dezoito annos. |
586 | Flavio Recaredo, filho de Leovigildo, e sobrinho de S. Leandro, e S. Fulgencio. Desterrou a heresia de Arrio das terras de Hespanha, e governou quinze annos. |
601 | Liuva II. filho de Recaredo, que alguns querem que fosse bastardo. Foy pio, e Catholico. Witerico lhe usurpou o Reino, tirando-lhe com tyrannia a vida. Governou dous annos. |
603 | Witerico. Renovou em seu governo a perfidia de Arrio, e por isso o mataraõ, e arrastaraõ pelas ruas publicas de Toledo, dando-lhe immunda sepultura. Governou seis annos. |
610 | Gundemaro. Foy defensor da immunidade Ecclesiastica, e venceo aos Navarros. Governou dous annos.[Pg 267] |
612 | Sisebuto. No principio do seu reinado constrangeo aos Judeos a que seguissem a Ley de Christo, por cujo motivo fugiraõ muitos para França. Acabou de lançar fóra de Portugal aos Romanos, que ainda se conservavaõ neste tempo por toda a costa do Algarve, e entre os Cabos de S. Vicente, e de Espichel. Fortaleceo a Cidade de Evora, e fundou em Toledo a Igreja de Santa Leocadia. Governou oito annos e meyo. |
621 | Flavio Suyntila, filho de Recaredo. Destruio os Imperiaes, e sujeitou ao dominio Gotico todo Portugal. Entregou-se aos vicios, e crueldades de fórma, que o Concilio Toledano IV. em que se achou Santo Isidoro, o excommungou, e a sua mulher, e filhos. Os Vice-Godos o privaraõ do Reino. Governou dez annos. |
631 | Sisenando. Foy sublimado ao throno por favor de Dagoberto, Rey de França, a quem deu dez pezos de ouro taõ grandes, que bastaraõ para acabar o grande Templo de S. Diniz. Governou quatro annos. |
636 | Chintila. Por votos uniformes da Nobreza foy eleito Rey; e querendo perpetuar no estado Regio sua descendencia, convocou alguns Concilios para estabelecer o seu intento. Governou tres annos. |
640 | Tulga. Viveo pouco, porém fez obras de grande piedade, e zelo christaõ. Morreo em Toledo com grande sentimento, e saudade de todos. Governou dous annos. |
642 | Chindasuindo. Entrou a governar por violencia, continuou com justiça de forte, que soube temperar o arduo do principio com o suave do progresso. Convocou em Toledo Concilio, fundou o Mosteiro de S. Romaõ entre Toro, e Torresilhas, onde está[Pg 268] enterrado. Governou seis annos. |
649 | Recesuindo, filho do antecedente. Entrou a governar sem contradiçaõ, e com justiça. Governou vinte e tres annos. |
672 | Wamba, ou Bamba. Foy eleito, e ungido Rey milagrosamente. Ganhou muitas batalhas contra aquelles povos, que se queriaõ eximir do jugo Gotico: até dos Sarracenos triunfou. Hum accidente lhe fez mudar huma coroa por outra: repudiou o Reino, e deixando a purpura pelo habito de Religioso, acabou santamente. Governou sete annos. |
680 | Ervigio. Obteve o Cetro por industrias, que maquinou em vida de Bamba. Governou sete annos. |
687 | Egica, ou Egiza, genro de Ervigio. Tomou por companheiro a seu filho Witiza, e obrigou aos Nobres a que lhe jurassem fidelidade. Divide o governo entre si, e o filho, dando a este o dominio de Portugal, e Galiza, e elle ficando com o restante da Hespanha. Governou dez annos. |
701 | Witiza. Tanto que subio ao Throno, fez estabelecer sua Corte em Braga, e dando-se a todo o genero de vicios, chegou ao extremo da maldade, e tyrannia, mandando tirar os olhos a seu irmaõ Theodofredo, que residia pacifico no governo de Cordova. Concedeo varios privilegios aos Judeos, e depois de outras muitas perversidades, que o fizeraõ aborrecivel de todos, morreo em Toledo. Governou dez annos. |
711 | D. Rodrigo, filho de Theodofredo, e neto de Chindasuindo. Pouco se distinguio nos vicios ao antecessor. Os amores, que teve com Florinda, filha do Conde Juliaõ, foraõ causa da sua ruina e de toda Hespanha, introduzindo-se[Pg 269] por conducta do Conde offendido no desprezo de sua filha hum grande corpo de exercito Arabe, que derrotou a D. Rodrigo, e todo o poder dos Godos, que havia durado na Hespanha mais de trezentos e oitenta annos.[540] |
[520] Paul. Diac. lib. 13. Turselin. Epitom. Historic. lib. 5. pag. 113.
[521] Monarq. Lusit. liv. 6. cap. 2.
[522] Oros. Cassiodor. e outros apud Gandar. nas Palm. e triunf. Eccles. de Galiz. part. 2. l. 6. cap. 10. e 11. Saavedra Coron. Gotic. tom. 1. p. 32. Monarq. Lusit. liv. 6. cap. 2. e 3.
[523] Clede, Histoire de Portug. tom. 1. liv. 3. pag. mihi 224.
[524] Monarq. Lusit. liv. 6. cap. 4.
[525] Morales lib. 11. cap. 33.
[526] Vasæus Chron. tom. 1. p. 39.
[527] Monarq. Lusit. liv. 6. cap. 24.
[528] Faria na Europa Portug. tom. 1. part. 3. cap. 20.
[529] Monarq. Lusit, liv. 6. cap. 25.
[530] Morales liv. 12. cap. 40. e 41.
[531] Berganç. Antig. de Hesp. part. 1. liv. 1. cap. 6. n. 67.
[532] Castilh. liv. 2. disc. 10. Monarq. Lusit. ut supr. cap. 30.
[533] Garibay liv. 36. Clede tom. 1. liv. 3. pag. mihi 309. Monarq. Lusit. liv. 7. cap. 1.
[534] Argot. Memor. do Arcebispad. de Brag. liv. 5. cap. 2. num. 367.
[535] Monarq. Lusitan. liv. 5 cap. 10.
[536] Gandar Triunf. Eccles. de Galiz. part. 2. liv. 7. cap. 7.
[537] Argot. Memor. de Brag. liv. 5. cap. 1.
[538] Veja-se ao Padr. Yañes no liv. 2. cap. 27. num. 4. de la Era, y Fechas de España.
[539] Idem part. 1. cap. 19. de la España en la Santa Biblia.
1 Derrotado, e extincto o exercito dos Godos nas prayas do Guadalete em dia de S. Martinho 11 de Novembro de 714 conforme a melhor computaçaõ,[541] e refugiando-se nas terras de Portugal o infeliz Rey D. Rodrigo, onde passados alguns annos acabou com a morte os seus dias junto a Viseu,[542] entraraõ os Arabes a executar com todo o furor a conquista de Hespanha, vendo-se logo nos seguintes dous annos a mayor parte della, e do nosso Reino sujeita, e subordinada ao dominio barbaro, excepto aquellas porções de Galiza, e Asturias,[Pg 270] que pela aspereza de suas brenhas se fizeraõ inaccessiveis às armas dos Africanos.[543]
2 O lastimoso estado, em que se achariaõ nossas terras com aquelle improviso, e accelerado cativeiro, bastantemente se faz crivel, vendo-se em taõ pouco tempo sem liberdade, afflictas, e tributarias a huma Naçaõ barbara, e contraria da Fé Catholica: as Igrejas, e Sacerdotes desprezados com desacatos, e insultos, experimentando estes golpes primeiro que outras aquellas povoações, que estavaõ mais proximas ao Oceano.[544]
3 Havia-se achado na batalha do Guadalete o Infante D. Pelayo, da antiquissma familia dos Hespanhoes Cantabros,[545] que com as breves reliquias de alguns Godos se tinha acolhido às montanhas das Asturias. Passado algum tempo, resentido da violencia, que hum Governador Mouro fizera a huma sua irmã, tomando-a por mulher, estando elle ausente,[546] com o motivo de taõ justa vingança, e de sacudir dos seus hombros, e de seus nacionaes o gravame de tal jugo, convocou, ou se lhe aggregou muita gente valerosa com armas, e petrechos proporcionados à empreza; e depois de o acclamarem Rey no valle de Cangas, ou Covadonga, noticioso Alahor, Governador Arabe, daquella sublevaçaõ, o mandou accommetter com o formidavel exercito de cento e oitenta e sete mil Mouros, aos quaes milagrosamence destruio D. Pelayo.[547]
4 Divulgada a noticia deste primeiro triunfo, respirou o animo dos Christãos dispersos ao mesmo tempo, que se abateo o furor barbaro; e concorrendo ao estrondo deste feliz successo D. Affonso,[Pg 271] filho de D. Pedro, Duque de Biscaya, descendente do glorioso Recaredo, Rey Godo,[548] se offereceo com bom numero de Biscainhos a ElRey D. Pelayo, o qual reconhecendo animo, e valor heroico na pessoa de D. Affonso, o desposou com sua filha Ermesenda.
5 D. Affonso agradecido a elle favor, querendo explicar bem o seu zelo, e gratidaõ, entrou poderosamente em Portugal pela Provincia do Minho, e recuperando Braga, Porto, Viseu, Agueda, e outras terras deste Reino, libertando-as da escravidaõ Sarracena, se recolheo vitorioso, deixando com estes triunfos aturdidos os barbaros, que já começavaõ a tratar os nossos mais com algum respeito, e menos oppressaõ.[549]
6 O governo politico se praticava, nomeando o Governador Mouro a hum Conde Christaõ em cada Comarca, o qual sentenciava as causas ordinarias segundo as leys Goticas, excepto a sentença de morte, que só a podia dar o Alcaide dos Mouros, que pouco a pouco foraõ introduzindo, e intimando as suas leys.[550]
7 Como o Catholico Rey D. Affonso, (o qual pela morte de D. Favila, seu cunhado, havia recebido o Cetro, e a Coroa,) naõ podia nesta gloriosa conquista pela falta de gente conservar nas terras, que resgatava, aquelle presidio sufficiente, que rebatesse as sublevações dos inimigos; acontecia que humas vezes ficavaõ nossas terras na obediencia dos Christãos, outras na dos Barbaros, e nesta inconstancia de dominio permaneceo o Reino nos tempos de D. Froila, D. Aurelio, D. Silo, D. Mauregato, e D. Bermudo, todos Reys de Asturias, até que ElRey D. Affonso o Casto, reforçado com mayor poder, se avançou desde as Asturias até Lisboa, que bloqueou, venceo, e guarneceo de mayor presidio,[Pg 272] e a outras muitas terras, que lhe ficavaõ intermedias do Minho, e Beira, por onde passara.
8 Teriaõ passado oito annos, quando os infieis, creando novos alentos, sahiraõ com poderoso exercito, que commandava Aliatan, e recuperaraõ todas aquellas terras, que reconheciaõ o nome delRey D. Affonso; porém este fazendo-lhe valerosa oppugnaçaõ, os obrigou a pactear. Em fim com este perturbado governo se foy continuando bastantes annos o estado das nossas Provincias, conforme era a fortuna, que experimentavaõ; e mudando-se para conhecida prosperidade em tempo, que governava ElRey D. Affonso VI. se vio o Imperio Christaõ em grande augmento.
9 Discorriaõ as armas Catholicas taõ felizmente, que ao pregaõ de seus gloriosos progressos vinhaõ muitos Capitães de nome, emulos do valor, e da honra, militar pelo credito da Fé à sombra das bandeiras de taõ venturoso Monarca. Entre estes veyo o illustrissimo, e valeroso Conde D. Henrique, do qual procedeo huma florentissima arvore dos soberanos Monarcas Portuguezes, que no Capitulo seguinte havemos de expôr, demorando-nos agora hum pouco, em quanto mostramos em abbreviado Catalogo a serie dos Reys de Asturias, cujo dominio reconheceo Portugal, como sua primeira, e propria conquista sobre os Arabes; e destes tambem fizera-mos Catalogo chronologico pelo que pertence aos seus Califas, ou Governadores em o tempo do imperio, que tiveraõ em Portugal, se acaso os Escritores Arabes foraõ coherentes nas suas Hegiras, ou Chronologias, cuja confusaõ nos absolve deste trabalho, podendo quem quizer mayores noticias das expedições dos Mouros, e guerras intestinas, que fizeraõ em toda Hespanha, ver a obra de Abulcacim Tarif Abenterique, traduzida em Castelhano por Miguel de Luna, e impressa no anno de 1600, ou o que se acha junto no Chronicon de Vaseu.[Pg 273] Catalogo chronologico dos Reys de Asturias, e Leaõ, que em tempo dos Mouros começaraõ a conquistar, e governar Portugal.
Ann. de Chr. | |
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738 | D. Affonso I. chamado o Catholico, filho do Duque de Biscaya. Casou com a filha delRey D. Pelayo: foy o primeiro Rey de Asturias, que depois da perda de Hespanha teve dominio sobre os Portuguezes, e conquistou aos Mouros terras de nosso paiz: fundou, e reparou muitas Igrejas. Governou dezanove annos. |
757 | D. Froila, ou Fruela, filho de D. Affonso. Ganhou algumas batalhas aos Mouros, e lhe conquistou Béja, Setubal, e outras terras de Portugal. Com inveja de ser mais bem quisto seu irmaõ Vimarano, o matou, deslustrando com esta crueldade todas as boas obras, que tinha feito. Reformou o estado Ecclesiastico de Hespanha, e no seu tempo succedeo a vinda do corpo de S. Vicente a Portugal. Seus vassallos o mataraõ, e foy sepultado na Igreja de Oviedo, que elle fundou. Governou onze annos e meyo. |
768 | D. Aurelio, filho de D. Fruela. Serenou com prudencia num grande tumulto de escravos, que se levantaraõ contra seus senhores. Governou seis annos. |
774 | D. Silo. Succedeo na Coroa, por casar com Adosinda, filha de D. Affonso o Catholico. Teve paz com os Sarracenos, e só com os Gallegos teve huma guerra, em que venceo. Entrou poderosamente na Cidade de Merida, donde tirou o corpo de Santa Eulalia, e o depositou na Igreja de S. Joaõ Evangelista de Pravia, onde elle está enterrado, com huma[Pg 274] inscripçaõ na sua sepultura em labyrintho, que diz, e se lê por todos os lados: Silo Princeps fecit. Governou nove annos. |
783 | D. Mauregato. Obteve a Coroa por usurpaçaõ; porque a Rainha Adosinda pertendeo que os Grandes de Hespanha acclamassem por successor a D. Affonso, seu sobrinho, filho delRey D. Fruela; e sabendo isto Mauregato, filho bastardo de D. Affonso o Catholico havido em huma Moura, anhelando tambem ao Cetro, se foy valer de Abderramen, Rey de Cordova, promettendo-lhe vassalagem, se o soccorresse na sua pertençaõ. Foy o promettimento dar-lhe todos os annos cem donzellas de tributo, cincoenta nobres, e outras tantas plebeas, e se mandavaõ recolher em Asturias, Portugal, e Galiza. D. Joseph Pellizer,[551] a quem segue D. Joaõ de Ferreras,[552] quizeraõ persuadir que este Rey nem se chamava Mauregato, nem promettera ao Mouro o tributo annual das cem donzellas Christãs; porém naõ tem razaõ, segundo o que se lê na Monarquia Lusitana,[553] e o que diz o Padre Fr. Francisco de Bergança.[554] Governou cinco annos. |
789 | D. Bermudo I. filho de D. Fruela. Sendo Diacono, e destinado à Igreja, por instancias dos Grandes do Reino entrou a governar. Naõ quiz contribuir aos Governadores Mouros com o tributo das cem donzellas. Depois de haver governado tres annos, e oito mezes, renunciou o Reino em D. Affonso, filho de seu primo D. Fruela, e passou a buscar o habito de Monge no Mosteiro de Sahagum, onde viveo muitos annos.[Pg 275] |
791 | D. Affonso II. chamado o Casto. Encarregando-se do governo, que lhe cedeo D. Bermudo, começou a se fazer temido dos Mouros. Recuperou Lisboa por assalto, e conquistou as Cidades de Lamego, Viseu, Coimbra, Braga, e outros Lugares. Mahamet fez pazes com elle, e o servia como vassallo. Em seu tempo se descubrio o corpo do glorioso Apostolo Santiago, a quem mandou edificar huma Igreja com magnificencia Real. Governou conforme a nossa Chronologia cincoenta e hum annos; porém a Clave Historial do Padre Fr. Henrique Flores lhe assina trinta e quatro. |
842 | D. Ramiro I. filho delRey D. Bermudo. Logo no principio do seu reinado se levantou contra elle hum Conde das Asturias, chamado Nepociano, a quem venceo, e castigou, mandando-lhe tirar os olhos, supplicio ordinario daquelle tempo. Com fortuna igual ao seu valor ganhou aos Mouros o Porto, Lamego, Viseu, Coimbra, e Montemór o Velho. Aqui poz por Governador a seu tio o Abbade Joaõ, o qual cercado dahi a tempos pelos Barbaros, vendo que todos pereciaõ irremediavelmente por falta de mantimentos, resolveo com os mais, que se as mulheres, velhos, e meninos haviaõ ficar expostos ao furor dos tyrannos, fossem elles mesmos os que sacrificassem a innocencia por victima da sua honra: e assim cada hum degollou por suas proprias mãos a quem mais amava. Sahiraõ logo a acommetter desesperadamente aos Mouros, os quaes naõ podendo soffrer aquelle tremendo modo de pelejar, se deraõ por vencidos à custa de setenta mil que pereceraõ. No outro dia voltando alguns à Villa, se lhes offereceo novo motivo para a admiraçaõ, vendo[Pg 276] que todos os degollados viviaõ resuscitados milagrosamente. Referem este caso nossos Historiadores,[555] e parece que o acredita a tradiçaõ de pays a filhos, que ainda permanece nesta Villa. No seu Castello está hum antiquissimo padraõ, que supposto ter já muitas letras carcomidas, bem se percebe da contextura ser narraçaõ deste prodigio. Havendo finalmente D. Ramiro governado sete annos, e oito mezes, morreo no primeiro de Fevereiro de 850, e está sepultado na Igreja de Oviedo. |
850 | D. Ordonho I. filho de D. Ramiro, a quem succedeo com universal applauso, por ser Principe de grande valor, e talento. Serenou huma rebelliaõ dos Vascões seus vassallos, e venceo ao renegado Musa, de grande nome entre os infieis, por cuja vitoria ficaraõ muy temerosos. Ganhou Santarem, Leiria, e outras terras de Portugal. Morreo de gota, e governou dezaseis annos. |
866 | D. Affonso III. chamado o Magno pelas grandes vitorias, que alcançou dos Mouros, e sumptuosos Templos, que edificou, e esmolas, que deu. Os seus o perseguiraõ, rebellando-se, e os Barbaros oppondo-lhe fortes exercitos; mas elle pacificou huns, e triunfou dos outros. Em Portugal reedificou muitas Cidades arruinadas, Braga, Porto, Chaves, e Viseu. Renovando-se as inquietações domesticas, e sabendo que os seus mesmos filhos queriaõ despojallo do Cetro, pelos naõ vencer a elles naquella violencia, se venceo a si, e repartindo o Imperio, deu a[Pg 277] D. Garcia o governo de Leaõ, Oviedo, e Castella, e a D. Ordonho Galiza, e Portugal, ficando elle só com a espada contra os Mouros, de quem ainda alcançou vitorias. Governou quarenta e quatro annos. |
910 | D. Garcia. Entrou a governar bem, explicando o seu valor na vitoria, que teve dos Mouros em Talavera, prendendo ao General Ayola, que ao depois lhe fugio. Governou tres annos. |
913 | D. Ordonho II. Morto D. Garcia, foy acclamado Rey pelos Bispos, e Principaes do Reino. Combateo a Cidade de Béja, que era a mais opulenta, que os Mouros occupavaõ, e a ganhou matando toda a gente da guarniçaõ. Poz grande terror aos Barbaros, de fórma que ElRey de Merida lhe veyo render vassallagem. Suspeitando que os quatro Condes, que governavaõ entaõ Castella, se queriaõ rebellar, mandou-os vir a Tejares junto do rio Carrion, segurando-lhes queria tratar com elles materias importantes; mas dissimuladamente os prendeo, e os fez degollar. Governou nove annos, e meyo. |
923 | D. Froila II. Naõ se conta deste Rey acçaõ contra os Mouros, antes o culpaõ de tyranno, mandando matar os filhos de Olimundo, e desterrar a Fronimio, Bispo de Leaõ, por terem seguido as partes do Infante D. Affonso. Por isto se fez aborrecivel dos vassallos. Morreo de lepra, e governou hum anno. |
924 | D. Affonso IV. Entrando a governar, e conhecendo-se inutil, renunciou o dominio em seu irmaõ D. Ramiro, e elle foy buscar a vida Monastica no Convento Benedictino de Sahagum. Depois passados seis mezes, largando o habito, se foy a Leaõ, onde o admittiraõ,[Pg 278] e intitularaõ Rey. Sabendo isto D. Ramiro, passou àquella Corte, e cercando-a, obrigou a D. Affonso a entregarse-lhe, e irado lhe mandou tirar os olhos, e prender até acabar seus dias. Os annos do seu governo, e tempo do Monacato pertendem ajustar Fr. Francisco de Bergança,[556] e Fr. Manoel da Rocha.[557] |
931 | D. Ramiro II. Depois de prender a seu irmaõ, e seus sobrinhos, determinou fazer cruel guerra aos Mouros, como com effeito fez taõ felizmente, que sempre os venceo. Ajudando-o visivelmente Santiago, matou junto de Simancas a setenta mil Mouros. Alguns Historiadores[558] dizem, que morrera sendo Religioso. Governou dezanove annos. |
950 | D. Ordonho III. Foy filho de D. Ramiro, e Principe valeroso, e prudente. Casou com a filha do Conde Fernaõ Gonçalves, o qual querendo rebellarse contra elle, repudiou-lhe a filha, e lha mandou a Castella. Sujeitou aos Gallegos, que se haviaõ levantado, e passando a Portugal, chegou até Lisboa, que entrou sem embaraço, saqueando os mais lugares, que estavaõ em poder dos Mouros. Governou cinco annos e meyo. |
955 | D. Sancho I. chamado o Gordo, porque na verdade o era, e foy motivo para ser deposto do throno, e subir em seu lugar o Infante D. Ordonho, filho de D. Affonso IV. intervindo nisto o Conde Fernaõ Gonçalves, e alguns Senhores de Galiza. Passou D. Sancho a Cordova, e alcançando lá remedio à sua queixa, o buscou tambem aos seus interesses, valendo-se delRey Abderramen, que[Pg 279] com hum exercito de Mouros fez com que D. Ordonho lhe restituisse o Reino de Leaõ. Os Condes, que governavaõ as terras do Minho, e Galiza, se conjuraraõ contra ElRey; mas elle pacificando-os, os obrigou a jurarem fidelidade, em cujo acto hum dos Condes lhe deu peçonha, de que morreo. Governou doze annos. |
967 | D. Ramiro III. Tomou a investidura do Reino, tendo cinco annos de idade, e começou este governo pelas direcções de sua mãy, e tia. Fez pazes com ElRey de Cordova, recuperou dos Mouros o corpo do glorioso S. Pelagio, destruio pelo valor do Conde Gonçalo Sanches huma armada de Normandos, que aportou em Galiza. Tratando com pouca attençaõ aos Condes de Portugal, e Galiza, estes acclamaraõ por seu Rey ao Infante D. Bermudo, filho delRey Ordonho, a 15 de Outubro de 982. Contenderaõ ambos rijamente, e a morte de D. Ramiro decidio o argumento. Governou dezaseis annos. |
985 | D. Bermudo II. chamado o Gotoso. Foy pouco afortunado, pois encontrou sempre muy poderoso a seu contrario Almançor. Em Portugal tudo que hia desde a corrente do Douro até o Algarve estava sujeito aos Mouros, e só a pequena Comarca de Entre Douro, e Minho com algumas terras da Beira estavaõ na obediencia delRey D. Bermudo. Unido com ElRey de Navarra, e o Conde Garcia Fernandes, venceo huma grande batalha a Almaçor, que o obrigou a fugir para Cordova, deixando-lhe no campo setenta mil Sarracenos. Morreo arrependido de suas culpas em Galiza, e governou quatorze annos. |
999 | D. Affonso V. filho de D. Bermudo. Succedeo na Coroa, tendo cinco annos de idade.[Pg 280] Foy Principe muy pio, e caritativo. Com intentos de destruir os Mouros passou a Viseu, onde elles tinhaõ as mayores forças, e resistencia, e os cercou apertadamente; mas chegando-se perto das muralhas, huma seta disparada das suas ameyas o atravessou, e fez levantar o sitio. Governou vinte e sete annos. |
1027 | D. Bermudo III. filho de D. Affonso. Foy Principe de grande animo, porém infeliz, porque nas guerras, que teve com seu cunhado D. Fernando, Rey de Castella, mettendo-se na batalha do Carrion por entre as armas, lhe tiraraõ a vida. Governou dez annos. |
1038 | D. Fernando o Magno. Por morte de seu cunhado tomou posse do Reino de Leaõ. Deveo-lhe Portugal a restauraçaõ das suas terras desde o Douro até o Mondego. Depois de muitas vitorias mereceo que o glorioso Santo Isidro lhe revelasse o fim dos seus dias; e antes de morrer repartio seus Reinos por seus filhos: a D. Sancho deixou Castella, a D. Affonso Leaõ, e a D. Garcia Galiza, e Portugal. Governou vinte e nove annos. |
1067 | D. Garcia. No seu governo se deixou este Principe levar das lisonjas de hum seu valido, chamado Verna, que foy causa de se descontentarem os illustres Portuguezes, e Gallegos, os quaes levantando-se, tomaraõ armas, e lhe deraõ huma batalha, que elle todavia venceo. D. Sancho, seu irmaõ mais velho, o metteo em prizões, e o Reino de Portugal, e Galiza se lhe entregou, ficando por entaõ incorporado na Coroa de Castella. Governou quatro annos. |
1071 | D. Sancho II Perseguio fortemente a seus[Pg 281] irmãos, e querendo usurpar tambem do poder de sua irmã Dona Urraca a Cidade de Çamora, que poz em apertado cerco, hum Cavalleiro chamado Velhido Dolfos o matou com huma lança. Governou hum anno. |
1072 | D. Affonso VI. Teve o titulo de Imperador, e reinou em Castella, Leaõ, Portugal, e Galiza. Foy hum dos mais bem afortunados Principes de Hespanha, e o que conquistou mais terras aos Mouros, aos quaes atropelou com o valor do celebrado Cid. Distribuio o governo de algumas Comarcas de Portugal por illustres pessoas. O Conde D. Sisnando governava as terras de entre Douro, e Mondego. Egas Ermigio Arouca. O Conde D. Nuno Mendes a Provincia do Minho, a quem succedeo o illustrissimo Conde D. Henrique, gloriosa origem dos Reys Portuguezes, de cujo assumpto ornaremos só como epitome o Capitulo seguinte. |
[540] Veja-se Loays. nos Concil. de Hesp. Coronelli no Prodrom. part. 4. p. 465. Vasæu tom. 1. Chron p. 39. Resend. lib. 3. de Antiq. Marian. Histor. de Hesp. part. 1. Savedr. Coron. Gotica. Gandar. nas Palm y Triunf. de Galiza part. 2. Berganz. Antig. de Hesp part. 1. liv. 1. Yañes España en la S. Biblia part 1. cap. 19. pag 224.
[541] D. Rodrig, Arceb. liv. 1. cap. 255. Histor. Gen. de Hesp. part. 2. cap. 55. Moral. liv. 12. cap. 69. Berganç. Antiguid. de Hesp. part. 1. liv. 1. cap. 13. n. 212. Yañes de la Era, y Fechas de España lib. 2. cap. 29. p. 482. Chronic. Albendense seguido por Marian. part. 1. liv. 6. cap. 23. Monarq. Lusit. liv. 7 cap. 2. concorda no anno, mas discrepa no dia, porque assenta que foy no meyo de Outubro.
[542] Væseus Chron. tom. 1. p. 113. Monarq. Lusitan. liv. 7. cap. 3. p. 386. Aqui affirma Brito, que na Igreja de S. Miguel do Fetal, que está fóra dos muros de Viseu, vira a sepultura de D. Rodrigo, mas já naõ tinha os ossos delRey, por haver annos, que os haviaõ, trasladado para Castella, e naõ diz onde se depositaraõ.
[543] Moret. Anales liv. 3. cap. 4. e no tom. 1. Append. §. 2.
[544] Ferrer. ad ann. 713. n. 9.
[545] Fr. Franc. Sota Chron. de los Princip. de las Astur. liv. 3. cap. 42. n. 7.
[546] Isidor. Pacens. apud Brit. na Monarq. Lusit. liv. 7. cap. 6.
[547] Monge de Silos apud Bergança nas Antiguid. de Hesp. part. 1. liv. 2. cap. 1. n. 7. Vasæus Chron. tom. 1. ad ann. 716. Marian. part. 1. liv. 7. cap. 1. Monarq. Lusit. liv. 7. cap. 6.
[548] Salazar Histor. da Casa de Lara liv. 2. cap. 1.
[549] Ferrer. tom. 4. na Dedicat.
[550] Monarq. Lusitan. liv. 7. Bergança part. 1. liv. 2. cap. 1. num. 2.
[551] Pellizer Anal. p. 401.
[552] Ferrer. tom. 4. p. 108.
[553] Monarq. Lusitan. liv. 7. cap. 9.
[554] Bergança part. 1. das Antiguid. de Hesp. liv. 2. cap. 3. n. 35.
[555] Monarq. Lusit. liv. 7. cap. 14. Benedict. Lusit tom. 1. trat. 2. part. 2. cap. 6. Fr. Luiz dos Anjos Jardim de Port. n 52. Paes Viegas nos Princip. de Portug. liv. 6. p. 219. Agiolog. Lusit. tom. 3. p. 801. Ann. Historic. tom. 2. p. 257.
[556] Berganç. part. 1. das Antig. de Hesp. liv. 3. cap. 6. n. 65.
[557] Rocha Portug. Renascid. part. 2. n. 124. & seqq.
[558] Apud Berganç. ut supr. cap. 12. n. 138.
Ainda a mayor parte das nossas terras era perseguida, e infestada dos Mouros, sem ter sido bastante o grande poder dos Reys de Leaõ, e Asturias para os lançar fóra de Hespanha, quando apparecendo o Conde D. Henrique no anno de 1080 com o intento de se naturalizar na gloria das conquisquistas[Pg 282] delRey D. Affonso, mereceo com as suas grandes proezas o premio de que este lhe désse por esposa huma sua filha, e em dote naõ só o que estava em Portugal conquistado aos Sarracenos, mas tudo inteiramente o que seu valor aspirasse a conquistar. Desse esclarecido tronco se produzio a fecundissima arvore da Casa Real Portugueza com huma uniaõ de florecentes ramos em periodo gloriosamente continuado, como já entramos a ver.
2 Cinco pontos mais difficultosos exporemos primeiramente na vida deste illustrissimo Conde. O primeiro: Qual he a sua origem? Naõ menos que seis opiniões houve acerca deste verdadeiro conhecimento, que se podem ver no destro politico Duarte Ribeiro de Macedo.[559] A mais certa, e verdadeira, com que os Authores deste seculo se conformaõ, he a que faz ser ao Conde D. Henrique descendente por varonia dos Duques de Borgonha, e da Casa Real de França. Funda-se esta opiniaõ no celebre Exemplar Floriacense, que se achou em França na livraria do Convento de Fleury, donde o alcançou Pedro Piteu para o dar à impressaõ no anno de 1596. He huma Historia Genealogica de França, escrita em tempo do proprio Conde por hum Religioso de S. Bento, a qual he tida por texto indubitavel.
3 Depois de toda esta segurança, e certeza taõ recommendada tambem pelo grande Genealogico D. Antonio Caetano de Sousa,[560] fomos encontrar huma passagem no Capitulo 11. da Historia manuscrita da fundaçaõ de Santa Cruz de Coimbra por Fr. Jeronymo Romano, Religioso douto de Santo Agostinho,[Pg 283] e de quem muitas vezes se lembra nosso Chronista Brandaõ com credito. Este pois referindo o epitafio antigo, que estava na cabeceira da sepultura do invicto Rey D. Affonso Henriques, antes que ElRey D. Manoel a mandasse reformar, diz, que se lia alli, entre outras clausulas, a seguinte:
Aqui jaze sepultado el muy poderoso, y muy excelente Principe Don Alonso Henriques, primero Rey de Portugal, el qual de parte de su Padre Don Henrique, Conde de Astorga, deciende por linea derecha de los Reyes de Aragon, y de parte de su madre de los Reyes de Castilla, &c.
4 Alguma violencia nos causa querer dar assenso à verdade deste epitafio; porque primeiramente lembrando-se delle o grande Brandaõ,[561] diz, que estava em versos Latinos, e os transcreve; mas nem em huma só palavra se conforma com o que diz Fr. Jeronymo. Mais: Accrescenta este huma reflexaõ sobre a mesma clausula da inscripçaõ, digna de reparo, dizendo: En lo que toca a ser su padre el Conde D. Henrique de linage de los Reyes de Aragon, y haver-se llamado Conde de Astorga, es muy facil de provar, y por no ser para aqui, lo dexo.
5 Chamamos reflexaõ digna de reparo, porque o mesmo Fr. Jeronymo no Capitulo primeiro da vida do infante D. Fernando deixou dito, que o Conde D. Henrique era Principe da Casa Real de França,[562] em que coincide com o Exemplar Floriacense, e se aparta da sobredita reflexaõ do epitafio. Sirva isto sómente de noticia, a qual quizemos communicar, porque esta obra, como outras tambem de Fr. Jeronymo, naõ anda impressa, supposto correrem alguns transumptos pelas mãos dos curiosos,[Pg 284] e delle conservamos alguns Tratados. Veja-se porém Damiaõ de Goes na Chronica delRey D. Manoel part. 4. cap. 72.
6 O segundo ponto difficultoso he: Se a Rainha Dona Teresa, mulher do Conde D. Henrique, foy filha legitima delRey D. Affonso VI. de Leaõ? A razaõ de duvidar vem a ser; porque ElRey D. Affonso sendo casado com Dona Ximena Nunes de Gusmaõ, da qual teve a Senhora Dona Teresa, foy depois separado deste matrimonio pelo Papa Gregorio VII. como consta da sua Carta, ou Breve, que principia: Dici non potest, escrita ao mesmo D. Affonso, por se contrahir sem dispensa do parentesco, que a dita Dona Ximena tinha com outra mulher delRey D. Affonso, o qual foy casado seis vezes.
7 Fundados nesta nullidade, affirmaraõ Authores Castelhanos, e ainda Portuguezes, que a Senhora Dona Teresa era filha bastarda, tendo por sua parte esta opiniaõ o Exemplar Floriacense,[563] objecçaõ forçosa, com que argumenta Manoel de Faria.[564] Porém isto naõ obsta; porque além de constar da contextura da Carta Pontificia, que ElRey D. Affonso tinha a Senhora Dona Ximena por legitima mulher, como tambem o dá a entender Baronio,[565] he certo que os filhos havidos de matrimonios separados por falta de dispensaçaõ de parentesco, saõ reputados filhos legitimos, e successores, como bem diz Brandaõ, e com elle Duarte Ribeiro.[566] Este ponto está taõ admiravelmente discutido pelo erudito, e infatigavel D. Joseph Barbosa, que parece escusado duvidar já na legitimidade da Senhora Infanta D. Teresa.[567]
[Pg 285]
8 A terceira difficuldade he: Saber o anno, em que entrou o Conde D. Henrique a governar Portugal, e as terras, que lhe deraõ em dote? Quanto à primeira parte, resolve o laborioso D. Joseph Barbosa[568] que entrara o Conde no anno de 1093. O fundamental Genealogico D. Antonio Caetano[569] he de parecer que viera no anno antecedente; e outros ainda anticipaõ mais esta entrada. Quanto à segunda parte, o dote foraõ as Provincias do Minho, Beira, e Tras os Montes, e em Galiza naõ comprehendia terra alguma, como affirma o Chronista Brandaõ,[570] contra o que alguns disseraõ. Este era o estado de Portugal, que o valeroso Conde augmentou depois com as outras terras, que foy ganhando aos Mouros, por onde livremente podia.
9 O quarto ponto difficultoso he: Se o Reino de Portugal foy dado ao Conde D. Henrique com alguma obrigaçaõ de feudo? Os Authores Castelhanos dizem que sim;[571] porém o certo he que foy dado independente, e sem genero algum de subordinaçaõ aos Reys de Castella. Assim o mostra, e prova com evidencia o erudito D. Joseph Barbosa,[572] e o discreto Academico Joseph da Cunha Brochado;[573] porque naõ se descubrindo em algum Archivo ou nosso, ou de Castella, copia deste contrato dotal, devemos recorrer à mais constante tradiçaõ, de que foy hum dote puro, sem imposiçaõ, ou clausula de reserva de alguma direita soberania.
10 A quinta difficuldade he: Saber em que tempo foy o Conde D. Henrique à conquista de Jerusalem, se antes, ou depois de haver entrado em Portugal? Brandaõ[Pg 286] diz,[574] que depois, e no anno de 1103. Manoel de Faria affirma, que antes, mas em tempo, que já estava casado,[575] e que fora elle hum dos doze Capitães, que Urbano II. Author daquella expedição, nomeara para a mesma empreza. Temos por segura a sentença de Brandaõ.
11 Suppostas estas mayores duvidas, e com brevidade resolvidas, o que resta saber das acções gloriosas deste valeroso Conde, saõ as muitas vitorias, que alcançou dos Mouros. Dezassete se lhe contaõ das de mayor fama. Deu foraes a Coimbra, Tentugal, Soure, Certã, Zurara, S. Joaõ da Pesqueira, Guimarães, e a outras muitas Villas. Dotou, e enriqueceo muitas Igrejas com rendas, e beneficios, e depois de ampliar com egregios merecimentos seu grande espirito, foy chamado pelo Senhor ao descanço eterno em o primeiro de Novembro de 1112, tendo vivido setenta e sete annos, e governado mais de vinte. Jazem seus ossos, e cinzas na Sé de Braga.
12 Nenhum Principe mereceo mais justamente, o titulo de Heroe famoso, e o nome de primeiro Hercules Lusitano, que o preclaro, e soberano Rey D. Affonso Henriques; porque se meditarmos os preciosos trabalhos, que passou na ampliaçaõ da Fé, e estabelecimento da Monarquia Portugueza, naõ lhe fica o epitheto fabuloso, mas taõ verdadeiro, que o excede.
13 Teve o seu nascimento na Villa de Guimarães, (primeiro Solio, e Corte dos Principes Portuguezes) a 25 de Julho de 1109 conforme o melhor calculo;[576] e sendo seu nascimento festejado, assim como era util, moderou o contentamento de[Pg 287] pays, e vassallos hum defeito corporal em sua pessoa. Dos braços de sua ama Dona Ausenda[577] passou logo à cultura, e instrucções de Egas Moniz, varaõ de maduro juizo, e destinado para seu Ayo. Este por continuas deprecações alcançou da purissima Virgem saude, e desembaraço aos pés do Principe, collocando-o por divina revelaçaõ no altar da imagem da Senhora de Carquere junto a Lamego, prodigio, que referem quasi todos os nossos Historiadores, e de que parece duvidar Mons. de la Clede.[578]
14 Corria o anno 1125, e o inclyco Principe contava dezaseis de idade, quando na Igreja Cathedral de Çamora, que por este tempo estaria sujeita à Coroa de Portugal, elle mesmo se armou Cavalleiro, tomando as insignias militares do altar do Salvador.[579] Passados dous annos, considerando-se já em idade competente de poder suster o Cetro, intentou dar principio ao seu governo. Duvidou a Rainha sua mãy, que até alli governava, entregar-lhe o dominio, e foy preciso ao filho excluilla por força de armas, e à custa de huma escandalosa batalha, que lhe ganhou no campo de S. Mamede junto a Guimarães em 24 de Junho de 1128.
15 Deste dia por diante ficou D. Affonso com absoluto senhorio de Portugal; e reclusa a Rainha no Castello de Lanhoso, mandou pedir a ElRey de Leaõ adjutorio, que prompto a veyo soccorrer, mas infelizmente, pois ficou desbaratado na Veiga de Valdevez;[580] porém tornando no anno seguinte com exercito mais poderoso, cercou a Villa de[Pg 288] Guimarães, onde se achava o Principe D. Affonso, e a tanto aperto reduzio a Villa, que se naõ fora Egas Moniz ir occultamente ajustar com o Leonez certas condições, e estipular para isso sua palavra, ficaria D. Affonso a arbitrio de seus inimigos; porém naõ querendo o Principe depois convir nos artigos do Tratado, que Moniz havia feito, dizem,[581] que este fora a Toledo com mulher, e filhos presentarse a ElRey de Leaõ, para que tomasse nelle vingança pela falta do promettido; acçaõ, que o mesmo Rey queixoso julgou sufficiente satisfaçaõ da palavra de hum vassallo taõ fiel a seu Soberano.
16 Proseguia D. Affonso a conquista da Estremadura com a fortuna taõ prospera, que parecendo-lhe já pequenos os limites do seu Estado, passou ao Alentejo, Provincia entaõ sujeita a Ismael, Rey Arabe poderoso, e com o projecto de augmentar o seu dominio, e extinguir os Barbaros chegou ao Campo de Ourique. Aqui triunfou de cinco Reys Mouros, e quinze Regulos confederados, e unidos em hum grosso corpo de quatrocentos mil combatentes.[582]
17 Facilitou-o para taõ memoravel batalha o prodigioso apparecimento de Christo crucificado, o qual escolhendo-o para baze da Monarquia Portugueza, lhe declarou como queria nelle, e nella estabelecer para si hum Reino com as regalias de Imperio, e que para final distinctivo da sua promessa lhe dava por estendarte, e escudo as suas cinco Chagas. Animado o venturoso Principe, antes de entrar no conflicto assentio a que o acclamassem Rey em 25 de Julho, dia felicissimo do anno 1139, a cujo titulo se naõ oppoz, tanto que o soube, ElRey[Pg 289] D. Affonso de Castella,[583] e confirmou depois o Papa Alexandre III. no anno 1179 pela Bulla, que começa: Manifestis probatum est argumentis.[584]
18 A verdade desta mysteriosa visaõ se confirma do juramento do mesmo Rey D. Affonso, que fez na presença dos Grandes da sua Corte, passados treze annos, no de 1152, e se conserva no Cartorio de Alcobaça, donde se tem extrahido alguns traslados,[585] além de hum grande numero de Authores naõ só nacionaes, mas estranhos, que deste admiravel apparecimento fazem memoria, como se póde ver nos que abaixo allegamos,[586] naõ sendo digno de se ler neste particular o Padre Mariana,[587] que a esta visaõ de Christo, e derivaçaõ das suas sagradas Chagas ao nosso escudo tem por fabulosa, contra hum taõ authentico monumento, sendo nelle taõ claros os erros, quando diz aqui mesmo, que o campo do escudo das armas de Portugal, onde estaõ as cinco Quinas, he azul, constando a todos ser branco,[Pg 290] e que a orla dos Castellos de ouro em campo vermelho ajuntara D. Sancho II. constando por escrituras da Torre do Tombo a ajuntara D. Affonso III.
19 Como tudo neste mundo está sujeito ao juizo dos homens, se oppozeraõ os mal affectos, contradizendo esta appariçaõ, a cujos argumentos responderemos com brevidade. Dizem naõ haver noticia em Portugal de hum caso taõ celebre, e maravilhoso, antes de se descobrir a firma do juramento em tempo delRey Filippe II. Responde-se: que na Chronica delRey D. Affonso Henriques, que recopilou de outra antiquissima por mandado delRey D. Manoel o Chronista Duarte Galvaõ se diz assim no cap. 15.: E o Principe sahio fóra da sua tenda; e segundo elle mesmo deu testimunho em sua Historia, vio a Nosso Senhor em a Cruz na mesma, maneira que disse o Ermitaõ. Camões, que morreo muito antes da vinda do Rey Filippe, o cantou tambem no Cant. 3. oitava 45. e 46. O letreiro que mandou pôr ElRey D. Sebastiaõ no arco triunfal do campo de Ourique escrito em Portuguez, e em Latim pelo insigne André de Resende, como elle o confessa no liv. 4. de Antiquit. faz memoria desta appariçaõ. O mesmo affirmaõ outros muitos Escritores antiquissimos.
20 Dizem mais: que para taõ grande favor lhe faltava ao Rey competente santidade. Responde-se que he falso; pois sempre foy tido por Santo; donde Sá de Miranda na Carta 5. est. 9. disse fallando de Coimbra:
Cidade rica do Santo
Corpo do seu Rey primeiro,
Que inda vimos com espanto,
Há taõ pouco tempo inteiro,
Dos annos que podem tanto.
[Pg 291]
Confirma esta santidade a tradiçaõ constante, com que assim o nomea ainda, e publica o vulgo; fazendo-se em nossos tempos na Igreja de Santa Cruz de Coimbra com grande jubilo nova demonstraçaõ da integridade de seu corpo, para servir de huma authentica prova ao projecto, com que o Papa Benedicto XIV. o pertendia beatificar a instancias dos Reys Fidelissimos D. João V., e D. Joseph I. cujo processo ficou suspenso pelo embaraço de outros negocios politicos mais urgentes.
21 Dizem mais: que se o Rey decretou as Armas do Reino com os cinco escudos em memoria das cinco Chagas de Christo, como houve nellas tanta variedade, segundo consta de moedas antigas? Responde-se: que sem embargo de haver nas Armas Variedade no accidental, sempre conservaõ a substancia dos cinco Escudos, e trinta dinheiros contados de diversos modos, como bem mostra Manoel de Faria nos Commentarios de Camões cant. 3. desde a est. 153.
22 Hum dos fortes argumentos he ter a escritura a data da Era de Christo, que naquelle tempo naõ se usava, mas sim a de Cesar. Responde-se: que naõ só esta escritura, porém outras do mesmo Rey se achaõ com a Era de Christo, como he a em que fez o Reino feudatario a Santa Maria de Claraval, que se conserva em Alcobaça com o sello pendente do Rey, e subscripções dos Grandes daquelle tempo, segundo a transcreve Brito na Chronica de Cister livro 3. cap. 5. e outras muitas que se podem ver na mesma Chronica l. 3. c. 6. e na Monarquia Lusitan. liv. 8 c. 26. e na Historia Ecclesiast. de Lisboa part. 2. cap. 56.
23 Deixando outros argumentos, he infallivel, que reconhecendo-se D. Affonso filho obediente da Igreja, quiz expressar esta devoçaõ à Sé Apostolica, offerecendo aos Summos Pontifices, naõ por modo feudatario, mas liberal tributo, dous marcos[Pg 292] de ouro,[588] cujo reconhecimento durou até tempo delRey D. Affonso III. O mesmo acto de vassallagem devota, e pia, fez a Santa Maria de Claraval em cincoenta escudos cada anno: e como a sua religiaõ foy igual à sua fortaleza, tudo, quanto ganhava na guerra, distribuia pelas Igrejas, edificando magestosos Templos, e tantos, que dizem chegaraõ ao numero de cento e cincoenta,[589] dando a todos rendas perpetuas com tanta opulencia, e liberalidade, que alguns delles tem hoje mais, do que entaõ rendia todo Portugal.[590]
24 Instituio as duas Ordens militares; da Aza, que se extinguio; e de Aviz, que permanece: admittindo tambem em seu Reino os Cavalleiros de S. Joaõ de Malta, e Santiago, com quem distribuia donativos cortados com maõ naõ só liberal, mas prodiga. Perseguio fortemente os Mouros, e libertou do seu jugo impio muitas terras da Estremadura, Alentejo, e Algarve em hum progresso continuado de triunfos, que alcançou de vinte Reys, e dous Imperadores.
25 No anno de 1146 casou com a Rainha Dona Mafalda, filha de Amadeo III. Conde de Saboya, e Moriana, cujo Real consorcio Deos fecundou com a producçaõ de tres filhos, e quatro filhas. Contando finalmente setenta e seis annos de idade, quatro mezes, e doze dias, exhalou o espirito aos 6 de Dezembro de 1185, estando em Coimbra, havendo governado cincoenta e sete. Jaz seu corpo inteiro no Convento de Santa Cruz de Coimbra com[Pg 293] grande veneraçaõ, obrando Deos por elle alguns prodigios, como se podem ver no argumento 10. do Apparato Historico, que para a Beatificaçaõ deste veneravel Rey imprimio em Roma no anno de 1728 o Doutor Joseph Pinto Pereira, o qual lhe tece vinte e sete elogios fabricados pelos testimunhos das pessoas mais conspicuas em virtude, que bem acreditaõ os indicios de serem os merecimentos deste santo Rey premiados com a eterna felicidade.
26 Nasceo D. Sancho em Coimbra a 11 de Novembro de 1154, e creado com os exemplos, e instrucções de taõ grande pay, logo nos primeiros annos mostrou os affectos de valor na propensaõ, que tinha ao exercicio das armas. Ainda naõ contava quatorze annos de idade, quando se achou na jornada, ou batalha do Arganhal, em que capitaneando o exercito Portuguez contra o delRey de Leaõ, deixou ao menos indecisa a vitoria, e defendido seu pay.[591] De vinte e hum annos casou com Dona Dulce, filha de D. Ramon, Principe de Aragaõ, e logo no anno de 1178, tendo vinte e quatro de idade, atravessou com hum exercito de doze mil homens por Castella dentro, até se pôr à vista de Sevilha, Cidade a mais bem presidiada dos Mouros, e até alli impenetravel às armas christãs.
27 Os Barbaros olhando-nos com desprezo, e como quem se offendia da nossa confiança, sahiraõ raivosos em tom de batalha, mas foraõ taõ fatalmente cortados pelas nossas lanças, que a grande copia do sangue derramado dos corpos fez sensivelmente mudar a cor às aguas do Guadalquivir.[592] Com este glorioso triunfo mais qualificado ainda[Pg 294] com a opulencia dos ricos despojos, se recolhia D. Sancho a Portugal, quando noticioso do novo, e apertado cerco, em que os Mouros tinhaõ posto a Elvas, voou a soccorrer a necessidade daquella Praça; e desassombrando-a da oppressaõ, que padecia, continuou a jornada, vindo primeiro satisfazer grato ao Ceo as vitorias recebidas com as liberaes offertas, que tributou ao Mosteiro de S. Joaõ de Tarouca, de quem se prezou ser seu especial bemfeitor.[593]
28 Succedeo a morte delRey seu pay, e passados os tres dias das honras funebres, foy D. Sancho acclamado, e coroado Rey em Coimbra aos 9 de Dezembro de 1185, anno em que contava trinta e hum de idade, como bem diz Brandaõ,[594] e naõ trinta e oito, como dizem outros.[595] Logo solicito em introduzir a paz no seu reinado, cuidou em convertella em utilidade publica: fez guarnecer muralhas, reparar edificios, fundar Villas, reedificar Cidades, e cultivar as terras, acções, que lhe grangearaõ os honrosos cognomes de Povoador,[596] e Pay da Patria,[597] manifestando-se muito mais a sua piedade, e grandeza com os donativos, que offerecia às Ordens Militares com tanta prodigalidade, que naõ contente de dar a Deos o que possuia, fazia offerta até do que ainda esperava ter.[598]
29 Com o soccorro de huma poderosa armada do Norte, que caminhando em direitura das terras da Palestina, mas forçada de hum rijo temporal veyo abrigarse na foz do Tejo à sombra de Lisboa, foy D. Sancho conquistar o Algarve; e fundando na Cidade de Silves Igreja Cathedral com Bispo, continuou a conquista de outras terras daquelle Reino, intitulando-se Rey tambem do Algarve desde o anno[Pg 295] 1188 até 1190.[599] Porém no anno seguinte 1191 entrando Miramolim Aben Joseph pelas terras de Portugal com hum poderosissimo exercito, assolou tudo, e recuperou no Algarve o que tinhamos adquirido, sem ser possivel a D. Sancho resistirlhe, por nos ter naquella occasiaõ huma grande peste, e fome attenuado muito as forças.[600]
30 Persuadido em fim que a vista do Principe concilia o amor dos povos, por se fazer amavel, e estimado, visitava as terras mais populosas do Reino, e ainda as que o naõ eraõ, fazendo a todas naõ só a honra da sua presença, mas as mercês da sua generosidade,[601] sendo primeiramente soccorridos os Lugares sagrados com fabricas, e esmolas, experimentando-o especialmente o sumptuoso Convento de Alcobaça, e outros mais da Ordem de S. Bernardo, de quem foy particular bemfeitor,[602] acabando todos de ver o governo, e a piedade deste Rey nas clausulas do seu testamento, pelo qual deixou grandes sommas de ouro, prata, joyas, e tapeçaria repartido por seus filhos, amigos, pobres, Hospitaes, e Igrejas com taõ boa formalidade, que o Papa Innocencio III. lho confirmou por huma Bulla, que se conserva no Mosteiro de Lorvaõ.[603] Depois de reinar vinte e seis annos, deixou em Coimbra no fim de huma grave doença os alentos vitaes para sempre em 27 de Março do anno de 1211, contando cincoenta e sete de idade. Jaz em Santa Cruz de Coimbra.
31 Suspenderaõ-se as mal enxutas lagrimas, que se haviaõ derramado na morte de D. Sancho, com a festiva acclamaçaõ de seu filho D. Affonso[Pg 296] no mesmo dia 27 de Março de 1211, contando vinte e seis annos de idade, e havendo já dez que era casado com a Senhora Dona Urraca, por se ter recebido no anno 1201.[604] Havia nascido em Coimbra a 23 de Abril de 1185, e padecendo na infancia a continuada molestia de hum achaque perigoso, foy livre delle milagrosamente pela virtude de Santa Senhorinha, a quem D. Sancho foy em pessoa supplicar à sua Igreja de Basto a melhoria, gratificando-lhe depois aquelle beneficio com o liberal donativo de muitas terras, e privilegios para ellas.[605]
32 Apenas D. Affonso subio ao throno, expressou logo o seu animo generoso, dando a Villa de Aviz aos Cavalleiros da Ordem militar deste nome, que haviaõ residido em Evora; e como pelos annos 1212 se havia alterada a paz estabelecida entre ElRey D. Affonso IX. de Castella, e Mahomet IV. intentando este a conquista de Hespanha, e empenhando todas as forças, foy tambem preciso a ElRey de Castella valerse, além de outros, do adjutorio delRey de Portugal, que lhe mandou grande numero de soldados, os quaes tiveraõ grande parte no triunfo, que dos Arabes alcançou ElRey de Castella na celebre batalha chamada das Navas, por se appellidar assim sitio, onde se deu, junto à serra Morena a 16 de Junho de 1212.[606]
33 Pouco affavel, e conforme se mostrou D. Affonso com seus irmãos, e assim intentou tirar as Villas, e terras a suas Santas Irmãs, que seu pay lhes havia deixado, de que resultaraõ graves litigios, que em parte fez serenar o Pontifice com censuras, e ElRey de Leaõ com as armas; e temendo igual perseguiçaõ seus irmãos, D. Fernando, desamparando a patria, passou-se para Castella, e D. Pedro para Marrocos.[607]
[Pg 297]
34 No anno de 1217 haviaõ partido de varios portos do Norte differentes náos para a expediçaõ, e conquista da Terra santa, as quaes chegando a incorporarse na altura do Algarve, compunhaõ huma fortissima armada de trezentas vélas. Quizeraõ voltar o Cabo de S. Vicente, e levantando-se furiosa tormenta, vieraõ demandar o abrigo da barra de Lisboa, de cuja vinda aproveitando-se o Bispo della D. Sueiro, (e naõ D. Mattheus, como nossos Historiadores dizem, sem reflectirem no reparo do insigne Chronista Brandaõ),[608] ajudado com outros Commendadores das Ordens Militares, e das reclutas de gente, que ElRey havia mandado conduzir, foraõ todos expugnar a Villa de Alcaçer do Sal, Praça de armas fortissima, presidiada dos Mouros, e huma das mais importantes, que elles conservavaõ na Hespanha. Naõ obstante a grande resistencia, que faziaõ ao nosso sitio com resoluçaõ, e esforço auxiliado dos Reys de Cordova, Sevilha, Jaen, e Badajoz, ficaraõ finalmente rendidos depois de repetidos assaltos, e porfiada peleja.
35 Parece que o aspecto desta vitoria, que alcançámos, taõ formidavel para os Arabes, os devia intimidar; porém elles mais irritados, renovando numerosos esquadrões, entraõ por Portugal com intentos de ganharem Elvas, a quem ElRey com felicidade promptamente soccorreo, e venceo; e penetrando por Andaluzia vitorioso, poz grande terror aos Mouros. Outras muitas batalhas ganhou nosso Monarca sempre em grande credito das armas christãs, até que completando trinta e oito annos de idade, e doze de reinado, concluio seus dias em Coimbra aos 25 de Março de 1223. Jaz no Mosteiro de Alcobaça.
[Pg 298]
36 Foy Coimbra patria de D. Sancho, onde nasceo a 8 de Setembro de 1202, padecendo logo na sua infancia as disposições de pouca saude. Entrou a governar a 25 de Março de 1223, e mostrou que naõ degenerara do valor de seus predecessores, nem nos desejos de dilatar a Fé, nem de extinguir os Arabes; pois ainda que o mayor numero dos nossos Chronistas o infamaraõ de pouco cuidadoso para o governo, sabemos que no anno de 1225 entrara pelo Alentejo na frente de hum poderoso exercito assolando o poder Ismaelita com tanto valor, que mereceo por esta acçaõ os publicos, e honrosos elogios, que o Papa Honorio III. lhe mandou.[609]
37 Continuou a guerra contra os Mouros sempre vitorioso até o anno de 1242, recobrando delles à força de armas muitas Praças, e Villas do Alentejo, e Algarves, Elvas, Jurumenha, Serpa, Aljesur, Mertola, Cacela, Ayamonte, e Tavira. Fez porém ElRey diminuir estes prosperos successos, consentindo na oppressaõ, que se fazia ao estado Ecclesiastico, de que resultaraõ gravames, queixas, e censuras Pontificias. Outros attribuem estas desordens à demasiada introducçaõ dos validos nas cousas do governo, e nimia frouxidaõ delRey, procedida tambem da sua bondade, como diz o Plataõ Portuguez.[610] Porém vendo o Pontifice que as suas admoestações eraõ inuteis quanto ao vexame do Clero, Innocencio IV. o depoz do throno pelo Decreto, que anda inserto no livro 6. das Decretaes cap. 2. que principia Grandi non immerito,[611] substituindo em seu lugar por Governador a seu irmão[Pg 299] D. Affonso, Conde de Bolonha, que entaõ se achava no Reino de França.
38 Chegou o Infante Regente novamente nomeado, e aceito por commum consentimento dos Tres Estados do Reino, e vendo-se D. Sancho infelizmente deposto do governo, se valeo de seu primo ElRey D. Fernando de Castella, o qual formando hum exercito em seu favor, marchou contra Portugal; mas intimando-se aos Generaes Castelhanos as censuras, e Decretos Pontificios contra os que embaraçassem a regencia de D. Affonso,[612] desenganado D. Sancho da sua pertençaõ, se recolheo a Toledo, onde entregue a obras pias, executou acções dignas de eternos elogios; porque naõ satisfeito de ter declarado a sua generosa virtude com a erecçaõ de alguns Templos em Portugal, mandou fazer a Capella dos Reys na Sé de Toledo, onde se mandou enterrar. Acabou finalmente cheyo de desgostos, e merecimentos para alcançar a verdadeira coroa da eternidade feliz em 4 de Janeiro do anno de 1248, tendo quarenta e seis de idade, e vinte e cinco de governo.
39 Era D. Affonso irmaõ segundo delRey D. Sancho, e havia casado no anno de 1235 em França com Matilde, Condesa proprietaria de Bolonha, sendo chamado para governar Portugal pelos defeitos, que inventaraõ, ou criminaraõ a D. Sancho. Jurou primeiramente em França na presença de certos Prelados Portuguezes, que lá se achavaõ a 6 de Setembro de 1245, alguns artigos pertencentes ao bom governo. No anno seguinte entrou no Reino com intento de conquistar o Algarve, empreza, que no anno de 1250 o conseguio quasi plenamente,[Pg 300][613] e em que se distinguio muito o insigne D. Payo Peres Correa, Mestre da Cavallaria de Santiago.
40 Como as conquistas de Portugal, e todas as mais terras de Hespanha occupadas pelos Mouros eraõ sem limite, e ficavaõ no dominio daquelles Principes Christãos, que primeiro as ganhavaõ, intentou D. Affonso depois de sujeitar o Algarve reduzir tambem a seu dominio algumas terras de Andaluzia, como com effeito subordinou as Villas de Aroche, e Arecena, que ao depois passaraõ para o senhorio de Castella.[614]
41 Proseguia D. Affonso com tranquillidade no seu governo, estabelecendo leys muy uteis para o bom regimen;[615] porém no meyo de tanta paz elle mesmo se constituio causa de hum geral escandalo, e perturbaçaõ do Reino com o repudio, que fez de sua legitima esposa a Condessa Matilde, casando segunda vez com Dona Brites, filha bastarda delRey D. Affonso Sabio de Castella no anno de 1253, motivo de haver tanto disturbio com as censuras Ecclesiasticas, que opprimiraõ o povo, e naõ tiveraõ fim, senaõ com a morte da Condessa sua primeira mulher. Entaõ pedindo os Bispos de Portugal ao Pontifice quizesse dispensar com ElRey no segundo matrimonio, tudo concedeo o Papa Urbano IV. e ficou o Reino aliviado dos terriveis effeitos daquella Regia contumacia.[616]
42 Alguns Escritores se enganaraõ[617] em dizer que o Reino do Algarve fora dado em dote a D. Affonso III. e tal naõ foy, como doutissimamente provaõ D. Joseph Barbosa, e outros,[618] porque só[Pg 301] consta que os Reys de Castella eraõ usufructuarios do Algarve desde o anno 1253 até o de 1264, em que se commutou em cincoenta lanças, com que Portugal havia de ajudar a Castella em caso de necessidade. Depois no anno de 1267 se tirou esta pensaõ em agradecimento de hum grande soccorro, que o Infante D. Diniz levou a D. Affonso o Sabio contra os Mouros.
43 Vendo-se ElRey desassombrado das guerras, e censuras Pontificias, tornou a meter o Reino em novas oppressões com o máo tratamento, que dava ao Sacerdocio Portuguez. Os Prelados, querendo defender o seu respeito, queixaraõ-se ao Papa, que entaõ era Clemente IV. o qual reprehendendo-o, e continuando as violencias no estado Ecclesiastico, continuaraõ tambem os Pontifices successores Grerio X., e Joaõ XX. ou XXI. com repetidas censuras, a que finalmente ElRey mostrou querer obedecer, e sujeitarse às determinações do Papa.[619]
44 Naõ obstante esta contumacia, pela qual talvez nosso Poeta[620] equivocadamente lhe chamasse Bravo, foy ElRey D. Affonso de notavel governo: adiantou o commercio, reedificou muitos Lugares do Reino, fundou alguns Conventos, como o de S. Domingos de Lisboa, o de Elvas, e Santa Clara de Santarem.[621] Alimpou o Reino de facinorosos, estabeleceo feiras publicas, e morreo em Lisboa a 16 de Fevereiro de 1279 com trinta e dous annos de reinado, e sessenta e nove de vida. Foy depositado seu corpo no Convento de S. Domingos de Lisboa, e daqui se trasladou para o de Alcobaça no anno de 1289, onde agora jaz.
[Pg 302]
D. Diniz sexto Rey.
45 Nasceo em Lisboa a 9 de Outubro do anno 1261. Conferio-lhe o Sacramento do Bautismo o Bispo do Porto D. Vicente Mendes, e foy seu padrinho D. Egas Lourenço da Cunha, hum dos principaes Cavalheiros desta nobilissima familia, e privado delRey D. Affonso III. Teve por ayos a Lourenço Gonçalves Magro, neto do grande Egas Moniz, e a Nuno Martins de Chacim, que ambos concorreraõ para pulirem o precioso, e Regio animo de D. Diniz, unidos com os desvelos de seu Mestre D. Aymerico, que depois foy Bispo de Coimbra.[622]
46 A primeira acçaõ notavel de D. Diniz, sendo ainda menino de quatro annos e meyo, foy quando seu pay ElRey D. Affonso III. o mandou a Sevilha com hum poderoso exercito soccorrer a ElRey de Castella seu avô[623] contra os Mouros Africanos, que invadiraõ no anno 1266 a Hespanha, e correndo o de 1279 em 16 de Fevereiro, dia, em que morreo D. Affonso III. foy acclamado Rey com todas as ceremonias costumadas em Lisboa, tendo dezoito annos de idade menos oito mezes, e começando a governar em companhia da Rainha sua mãy, naõ consentio muito tempo o novo Rey esta coadjutoria, e assim a excluio com respeito, mas naõ sem mágoa, e sentimento da Rainha.
47 Constituido D. Diniz Senhor do Reino, principiou a visitallo, como era costume, sendo o Alentejo a primeira Provincia, que logrou esta honra da sua presença, da qual tambem participou a Beira, e Estremadura com a confirmaçaõ dos seus foros, e privilegios, fortificaçaõ das fronteiras, e boa administraçaõ da justiça, experimentando tambem as mesmas honras as outras Comarcas do Reino nos annos seguintes.
[Pg 303]
48 No de 1282, estando ElRey em Trancoso, recebeo por sua mulher a Rainha Santa Isabel em 24 de Junho, dia de S. Joaõ Bautista, e neste mesmo anno compoz as controversias, que havia no estado Ecclesiastico, e estabeleceo leys muy uteis para a Republica, especialmente remediando a dilaçaõ nas demandas, e assinando modo facil para se processarem as causas, e que a justiça nos pobres tivesse mais segurança. Este cuidado experimentaraõ tambem as povoações, as quaes ElRey melhorou, mudando algumas para sitios mais defensaveis, e accommodados, como foy Mirandela, e outros.
49 Huma das acções suas bem considerada, e que os Historiadores louvaõ, foy revogar todas as doações inofficiosas, que tinha feito em dispendio dos bens da Coroa logo no principio do seu reinado, incorporando outra vez com melhor acordo, e conselho de pessoas doutas ao Padroado Real todas as terras, e fazendas, que inconsideradamente doara; e costumava dizer, quando lhe fallavaõ nesta materia: Que justamente se tirava o que injustamente se concedera.[624] Passou esta Ley em Coimbra a 26 de Dezembro de 1283, na qual revogaçaõ exceptuou unicamente o Chanceller Mór D. Domingos Annes Jardo, Bispo de Evora, e Lisboa, pelos grandes serviços, que tinha feito ao Reino.
50 Naõ causou pequenos cuidados a ElRey D. Diniz o orgulho de seu irmão D. Affonso, porque andando com o projecto de lhe usurpar o Reino, pois dizia que a elle lhe pertencia, por nascer depois que o Papa revalidara o matrimonio de seu pay com a Rainha Dona Brites, e D. Diniz ter nascido antes, e por isso illegitimo,[625] com este motivo chegaraõ a pegar em armas, e D. Diniz cercando-o em Arronches apertadamente, o fez convir em composições,[Pg 304] intervindo tambem na reconciliaçaõ dos dous irmãos a Rainha Santa Isabel, e a Rainha de Castella Dona Maria, ajustando-se as pazes em Badajoz, onde tambem se acharaõ a nossa Rainha Dona Brites, e sua filha a Infanta Dona Branca aos 13 de Dezembro de 1287.
51 Alcançou D. Diniz do Papa Nicolao IV. no anno 1288 o poder separarse a Ordem Militar de Santiago da sujeiçaõ dos Mestres de Castella; e como era muy amante das letras, e que sabia cultivallas, instituio em Lisboa a primeira Universidade, que houve no Reino, por Bulla do mesmo Nicolao IV. expedida em Roma a 13 de Agosto de 1290,[626] e continuando os estudos publicos em Lisboa com grande fruto, e aceitaçaõ, considerados todavia alguns inconvenientes, ordenou o mesmo Rey que se transferisse para Coimbra no anno 1308.
52 Entre algumas leys notaveis, que fez promulgar, foy huma, em que prohibio as Religiões herdarem bens de raiz, acudindo nisto à eminente ruina do estado dos Nobres, e mais povo, se continuassem as Igrejas nas heranças, como bem adverte o Chronista Brandaõ;[627] e porque esta limitaçaõ nos bens Ecclesiasticos naõ fosse interpretada por acçaõ menos pia, desmentio o minimo conceito contra a sua generosidade, dispendendo na fabrica de Templos, e erecçaõ de Conventos muito cabedal, bastando para prova da sua devota grandeza, e justificarse de naõ desaffecto aos bens da Igreja, a fundaçaõ do Real Mosteiro de S. Diniz de Odivellas no anno de 1295, e o de Santa Clara de Coimbra, e Villa do Conde, dotados tambem em seu tempo, ainda que naõ foraõ estes dous participantes da sua liberalidade.
53 Foy ElRey D. Diniz Principe insigne em[Pg 305] muitas virtudes, e em tres excedeo a todos os Monarcas do seu tempo, na Justiça, Verdade, e Liberalidade. Pela primeira foy eleito Juiz arbitro em companhia delRey de Aragaõ para sentenciar a causa delRey D. Fernando de Castella, e D. Affonso de Lacerda sobre a Coroa de Castella, e Leaõ, em cuja causa deu sentença na Cidade de Tarragona de Aragaõ sem queixa de nenhuma das partes, e compoz outras differenças, que havia entre os Reys de Castella, e Aragaõ.
54 A sua liberalidade foy tanta, que a D. Fernando, hum dos mesmos dous Reys, pedindo-lhe grande somma de dinheiro emprestado, D. Diniz lho deu gratuitamente com grande magnificencia, e ainda mais do que pedia, porque lhe deu hum milhaõ de escudos, e huma copa de huma finissima esmeralda, que se avaliou em onze mil e tantos cruzados,[628] e naõ houve Cavalheiro de ambos os Reinos, que delle naõ alcançasse dadivas, e mercês grandiosas; e com tudo deixou, quando morreo, muita riqueza a seu filho sem offensa de seus vassallos.
55 Elle foy o primeiro, que introduzio no Paço rezarem-se as Horas Canonicas, e ter para isso Capella permanente. Instituio a Ordem Militar de Christo dos bens dos Templarios, que se extinguiraõ no seu tempo. Da Agricultura teve hum especial cuidado, donde obteve o cognome de Lavrador, aos quaes chamava nervos da Republica, e por este augmento, e diligencia mereceo chamarem-lhe tambem Pay da Patria. Teve desavenças com ElRey D. Fernando de Castella, e entrou por seu Reino com poderoso exercito, porém com casamentos serenou a guerra.
58 Em seus ultimos annos padeceo alguns desgostos[Pg 306] com seu filho o Infante D. Affonso, procedidos da dura condiçaõ do Infante, e inveja, que tinha dos favores, que ElRey fazia a D. Affonso Sanches, seu meyo irmaõ. Houve guerras civis com grande disturbio do Reino, e cessaraõ com as supplicas da Rainha Santa Isabel, e de S. Raimundo. Morreo em fim este glorioso Rey em Santarem a 7 de Janeiro de 1325, tendo vivido sessenta e tres annos, e tres mezes, reinado quarenta e cinco, dez mezes, e vinte dias.[629] Jaz seu corpo no insigne Mosteiro de Odivellas em soberbo mausoleo.
57 Começou a empunhar o Cetro ElRey D. Affonso IV. desde 7 de Janeiro de 1325 em idade de trinta e tres annos, e onze mezes, menos hum dia, contados desde 8 de Fevereiro de 1291 de seu nascimento em Coimbra, conforme a exactissima, e verdadeira Chronologia do Academico Francisco Leitaõ Ferreira.[630] Desde a primeira idade mostrou o aspero natural, de que era dotado. Casou em Mayo de 1309[631] com a Senhora Dona Brites, filha delRey D. Sancho o IV. de Castella, e em Lisboa se celebraraõ os desposorios com grande fausto, e pompa.
58 Com o novo estado, que o fez separar de casa, e governo, foy dando entrada a muitas occasiões de o perverterem homens estragados, fazendo capricho de os amparar; e dando-se todo ao exercicio da caça, tomava por occupaçaõ o que só devia ser divertimento, e este excesso lhe causou alguns desgostos. Como o animo, e condiçaõ delRey era aspero, de fórma que por elle grangeou o epitheto de Bravo, emprendeo acções arduas, e teve grandes[Pg 307] discordias com seu pay, e seu sobrinho D. Affonso Rey de Castella, com bastante damno de ambos os Reinos.[632]
59 Todavia estas desavenças naõ foraõ sufficientes para deixar de ajudar com sua pessoa, e vassallos a ElRey seu genro na famosa batalha do Salado contra Ali-Boacem, Rey de Marrocos, e ElRey de Granada, cujos exercitos rompeo, desbaratou, e venceo com grande credito do valor Portuguez em 30 de Outubro de 1340.[633] Fez por duas vezes mudar os Estudos geraes, que seu pay instituio; a primeira de Coimbra para Lisboa no anno de 1338, a segunda de Lisboa para Coimbra no de 1354,[634] concedendo-lhe, e ampliando-lhe varios privilegios.
60 Obrou algumas acções de piedade regia, como foy o edificio da Sé com erecçaõ de Capellas, e renda fixa para os Capellães cantarem; hospitaes, e outras acções pias. O que lhe causou mayor affronta na sua memoria, foy além das discordias, e desobediencia, que temos dito, o consentir que no anno 1355 tirassem a vida com tanta crueldade à formosa D. Ignez de Castro, que clandestinamente estava casada com o Principe D. Pedro seu filho. Falleceo na Cidade de Lisboa em 28 de Mayo de 1357 com sessenta e seis annos de vida, tres mezes, e vinte dias, e de reinado trinta e dous anos, quatro mezes, e vinte e hum dias. Jaz na Basilica de Santa Maria, que foy a antiga Metropole de Lisboa, da parte do Evangelho, e na Capella Mór[635].
61 O dia do nascimento delRey D. Pedro I. he calculado com muita variedade pelos nossos Escritores. O diligentissimo Academico Francisco[Pg 308] Leitaõ Ferreira depois de referir todas as opiniões, que ha neste ponto, conclue, e assina por mais certo o dia 18 de Abril na antemanhã de huma Sesta feira em o anno do Senhor 1320.[636] Tanto que este Monarca tomou posse do governo, que foy a 28 de Mayo de 1357, tendo entaõ de idade trinta e sete annos, hum mez, e nove dias, cuidou logo em se vingar dos que foraõ complices na morte de Dona Ignez. Tinhaõ elles fugido para Castella, e como em Portugal andavaõ tambem refugiados tres Hespanhoes facinorosos, contratou ElRey com o de Castella que lhos entregaria, com condiçaõ de lhe dar a Alvaro Gonçalves, Meirinho Mór, Pedro Coelho, e Diogo Lopes Pacheco, que eraõ os aggressores daquella innocente morte.
62 Fez-se o contrato com grande escandalo, porque dizem que elle havia promettido com juramento a ElRey seu pay de perdoar aos executores da morte de Dona Ignez. Na Villa de Santarem se poz por obra a vingança, e D. Pedro mandando justiçar a dous, (porque Diogo Lopes salvou-se a beneficio de hum pobre, que o avisou antes de prenderem os outros,) com fera, e terrivel execuçaõ lhes mandou tirar os corações a hum pelas costas, a outro pelos peitos, e depois queimallos.[637] Parece que este excesso, com que castigava os delictos, lhe adquirio o epitheto de Justiceiro, que o vulgo com menos respeito, e mais ignorancia mudou para o cognome de Cruel, de que os deixou desenganados o Plataõ Portuguez Sá de Miranda, quando disse delle:[638]
Pedro, que amores teve com a Justiça Real, e naõ cruel inclinaçaõ.
[Pg 309]
63 Socegada a indignaçaõ delRey, passou a mostrar ao Reino com toda a legalidade como Dona Ignez de Castro tinha sido sua legitima mulher, fazendo depois de morta que a reconhecessem como Rainha, e ordenando lhe humas honras funebres nunca até aquelle tempo vistas com tanto apparato, e pompa. Como era taõ amante da Justiça, fez leys para a boa administraçaõ della, que com temor, e reverencia se observava, administrando-a elle muitas vezes, como se fora particular Ministro. Ordenou que naõ houvesse Letrados, que advogassem, e assim evitou as dilações, que costuma haver nos litigios por causa delles.
64 Admiraõ-se com razaõ os nossos Chronistas, quando caracterizaõ o genio delRey D. Pedro; porque sendo por huma parte muy severo, por outra era muy affavel, amigo de festas, e alegrias; muy liberal, de fórma que lhe parecia dia perdido aquelle, em que naõ fazia mercês: e unidas estas boas qualidades com a paz, que conservou no seu reinado, soube infundir em seus vassallos hum tal amor, que depois da sua morte diziaõ, que taes dez annos, como os de seu governo, nem os tinha visto Portugal, nem esperava de os tornar a ver. Achando-se na Villa de Estremoz, faleceo aos 18 de Janeiro de 1367 em huma segunda feira pela madrugada. Viveo quarenta e seis annos, e nove mezes justos; reinou nove annos, sete mezes, e vinte e hum dias. Está sepultado em Alcobaça junto de sua amada esposa a Rainha Dona Ignez de Castro.
65 Em huma segunda feira, que se contavaõ 31 de Outubro de 1345, vespera de todos os Santos, nasceo em Coimbra ElRey D. Fernando, conforme a Chronologia mais bem averiguada.[Pg 310][639] A natureza o dotou de taõ gentil, e regia presença, que ainda disfarçado entre muitos era logo conhecido como Rey pela magestade da pessoa.[640] O genio, e condiçaõ era muy suave, e branda: froxo, e remisso lhe chamou Camões,[641] e totalmente diverso do rigor delRey D. Pedro. Esta brandura ajudada com o assenso, que deu a validos, o fizeraõ arruinar, e correr quasi a mesma fortuna delRey D. Sancho II.
66 Subio ao throno em o mesmo dia, que faleceo seu pay, contando vinte e dous annos de idade, e começando a governar o mais rico, e opulento Rey, que até alli conheceo Portugal, pelos grandes thesouros, que tinhaõ junto seu Pay, e Avós.[642] Cuidou logo em reedificar as Fortificações do Reino, e guarnecer as Praças com o preciso, fazendo mercês com profusa liberalidade.
67 Mal aconselhado intentou a conquista de Castella por morte de D. Pedro o Cruel, tendo por injusto possuidor a ElRey D. Henrique, como bastardo, e fratricida, e pertendendo D. Fernando aquella Coroa como bisneto delRey D. Sancho. Para esta guerra fez liga com ElRey de Granada, e tambem com ElRey D. Pedro de Aragaõ, a quem pedio sua filha Dona Leonor por mulher; e durando algum tempo a guerra com mortes, e damnos de parte a parte, veyo a cessar por intervençaõ do Papa Gregorio XI. fazendo-se o Tratado de paz com Castella na Cidade de Evora no ultimo de Março de 1371.[643]
68 Esquecido ElRey de huma taõ ratificada promessa, rendendo-se ao forte amor de Dona Leonor Telles de Menezes, mulher de Joaõ Lourenço da Cunha, Senhor de Pombeiro, taõ cegamente se namorou della, que buscando pretextos para lhe[Pg 311] annullar o matrimonio, a usurpou, e recebeo por mulher propria, atropelando todos os inconvenientes, e naõ fazendo apreço da murmuraçaõ do povo amotinado.[644] Joaõ Lourenço da Cunha se passou para Castella, e de lá se oppoz quanto pode a ElRey, já militando nas tropas inimigas, já intentando darlhe peçonha, por cujos crimes lhe foraõ confiscados seus bens, que tinha neste Reino.
69 Recebido ElRey D. Fernando, e vendo o de Castella a falta da sua palavra, o repudio, que havia tambem feito da sua filha, e a infracçaõ da paz, porque novamente aliado com o Duque de Lencastro, filho delRey Duarte III. de Inglaterra, que por ser casado com Dona Constança, filha delRey D. Pedro o Cruel, se intitulava Rey de Castella, e pertendia a Coroa, por todos estes motivos estimulado ElRey D. Henrique delRey D. Fernando, ao mesmo tempo que esperava delle satisfaçaõ, entrou por Portugal com grande exercito, dizendo, que naõ embainharia a espada, sem que vingasse primeiro os aggravos recebidos.
70 Chegou até Lisboa, deixando primeiramente devastadas muitas povoações da Provincia da Beira com igual ruina, e estrago dos moradores de tal fórma, que, como bem diz Camões,[645] esteve perto de destruirse o Reino totalmente. ElRey de Castella se alojou no Convento de S. Francisco, e a Cidade, e seus habitadores padeceraõ tanta oppressaõ, que já como desesperados pozeraõ fogo a parte della, e os Castelhanos ajudaraõ a executar, e augmentar o incendio.[646] Achava-se ElRey D. Fernando neste tempo na Villa de Santarem muy socegadamente, vendo correr para Lisboa as bandeiras inimigas, e subir ao Ceo o fumo, e as lavaredas de huma boa parte desta Cidade queimada, e[Pg 312] elle com tanto descuido, como diz Manoel de Faria,[647] sem dar providencia, ou remedio a tanta ruina, e insultos, que os Castelhanos commettiaõ já com soberba descuberta por falta da opposiçaõ.
71 Quiz Deos que o Papa Gregorio XI. que neste tempo ainda residia com toda a Curia Romana em Avinhaõ de França, atalhasse com sua intervençaõ promptamente tantas hostilidades, expedindo para ajustamento de pazes ao Cardeal de Santa Rufina Guido de Monforte, que fez a composiçaõ entre ElRey Henrique de Castella, e o nosso D. Fernando pacificamente aos 19 de Março de 1373, avistando-se ambos os Monarcas no meyo do Tejo defronte de Santarem com grande, e vistosa comitiva de pequenas embarcações, e jurando nas mãos do Cardeal Legado a observancia dos artigos das pazes, e o ajuste dos casamentos da irmã, e filha de D. Fernando.[648]
72 Toda a frouxidaõ, e infelicidade, que ElRey tinha nas emprezas militares, emendou no governo da paz, executando acções muy benemeritas de o constituirem por este lado glorioso. Mandou cercar de novos muros muitas Cidades, e Villas: os de Lisboa, que principiando-se no ultimo de Setembro de 1373, se viraõ de todo acabados no mez de Julho de 1375. Santarem, Obidos, Ponte de Lima, Viana, Almada, Torres Vedras, Leiria, Almeida, com outros muitos Castellos, e fortificações por todas as Comarcas do Reino. Promulgou tambem leys muy uteis; e para que houvesse mais Letrados, tornou a mudar a Universidade de Coimbra para Lisboa no anno de 1377, em razaõ de que alguns Lentes, que mandara vir de Reinos estrangeiros, naõ queriaõ ler senaõ em Lisboa.[649] Inventou novos arbitrios sobre a utilidade do commercio,[Pg 313][650] e fez varias mercês com liberalidade regia.
73 Porém novamente inquieto, renovando a liga com Inglaterra, e rompendo a paz, continuou a guerra contra Castella no anno 1381, e padeceo Portugal tanto damno dos amigos Inglezes, como dos inimigos Castelhanos,[651] concluindo-se finalmente com o casamento de Dona Brites, filha delRey D. Fernando, com ElRey de Castella D. Joaõ I. que se effeituou no anno 1383, e neste mesmo anno faleceo ElRey na Cidade de Lisboa nos Paços do Limoeiro aos 22 de Outubro, tendo de idade trinta e oito annos, menos nove dias, e de governo dezaseis annos, nove mezes, e quatro dias. Jaz no Coro novo do Convento de S. Francisco de Santarem.
74 Com a morte delRey D. Fernando se originaraõ no Reino grandes inquietações pela falta de Principe legitimo, que succedesse na Coroa. A mayor parte dos Portuguezes receava muito que o Reino fosse recahir no dominio dos Castelhanos; e ainda que a Rainha D. Leonor ficou por Governadora, e Regente de Portugal, em quanto sua filha Dona Brites, que havia casado com ElRey de Castella, naõ tinha filho capaz de empunhar o Cetro, ella usando de toda a jurisdiçaõ, e poder, mandou acclamar, ainda que infaustamente, em algumas Cidades, e Villas do nosso Reino a ElRey de Castella, e sua mulher por legitimos successores.[652]
75 Por esta causa se fez a todos odiosa a Rainha, e muito mais pela grande attençaõ, que ella dava ao Conde de Ourem Joaõ Fernandes Andeiro, seu[Pg 314] escandaloso valido, por cujas mãos corriaõ todos os negocios, naõ sem murmuraçaõ do povo, e inveja dos Grandes, os quaes julgando o valimento culpa, e os grandes favores, que a Rainha fazia ao Conde, infamia da Magestade, induziraõ ao Infante D. Joaõ, Mestre de Aviz, irmaõ do Rey defunto D. Fernando, e filho natural delRey D. Pedro, que havia nascido em Lisboa aos 11 de Abril de 1357, a que obviasse as fatalidades, tropeços, e perigos, em que se via titubear a Monarquia, matando ao Conde Joaõ Fernandes Andeiro, pedra de tanto escandalo, como com effeito executou o Infante dentro dos proprios Paços da Rainha, (que hoje servem de Limoeiro) em 6 de Dezembro de 1383.[653]
76 Executou-se esta fatal acçaõ com grande alvoroço, e contentamento do povo, o qual estava taõ affeiçoado ao Infante Mestre de Aviz, que publicamente, e com grandes vivas o declarou Defensor, e Governador do Reino em 16 de Dezembro do mesmo anno de 1383. Este honroso emprego começou a exercer o Infante com muita felicidade, sem embargo de ter contra si a mayor parte da Nobreza, que toda estava pela Rainha, e o grande poder de Castella, o qual intentando opprimir a liberdade do nosso Reino, entrando com violencia pelas suas fronteiras, e pondo sitio a Lisboa por mar, e por terra, foy obrigado a se retirar sem fazer nada depois de perder bastante gente.[654]
[Pg 315]
77 Com esta retirada dos Castelhanos, e conseguindo os Portuguezes algumas vitorias, em que teve grande parte o invencivel valor do famoso Heroe Nuno Alvares Pereira, estando na Cidade de Coimbra o Infante Regente D. Joaõ Mestre de Aviz, foy em acto de Cortes acclamado Rey de Portugal em huma quinta feira, que se contavaõ 6 de Abril de 1385 pelas nove horas da manhã,[655] tendo entaõ de idade o novo Rey vinte e sete annos, menos cinco dias, conforme o calculo de alguns,[656] ou vinte e oito, conforme outros,[657] ou, o que temos por mais certo, vinte e sete annos, onze mezes, e vinte e seis dias, concorrendo tambem muito para esta acclamaçaõ o talento do insigne Jurisconsulto Joaõ das Regras com as efficazes razões, que allegou neste caso.[658]
78 Depois de taõ gloriosa exaltaçaõ, occupado ElRey com mayores cuidados da guerra, e de segurar na cabeça a Coroa, distribuindo primeiro algumas mercês pelos benemeritos, passou o seu valor a occupar aquellas Praças fortes, que conservavaõ o partido de Castella, reduzindo-as à sua antiga obediencia; e ainda que ElRey de Castella continuando os seus projectos veyo atacar Portugal com hum formidavel exercito, o novo Rey lhe desfez inteiramente as forças na celebre, e grande batalha de Aljubarrota, em que triunfou de mais de oitenta mil homens, sendo os nossos em numero taõ desproporcionado, que por isso ajudaraõ a augmentar no mundo a fama de vitoria taõ celebrada, e gloriosa em todas as memorias,[659] e succedida a 14[Pg 316] de Agosto de 1385, vespera da Assumpçaõ gloriosa da Senhora.
79 Na Cidade do Porto, e em 2 de Fevereiro de 1387 se recebeo com a Senhora Dona Filippa, filha do Duque de Lencastre em Inglaterra, e com esta alliança pode recuperar todas as Povoações, e Praças, que nos tinha usurpado ElRey de Castella, com o qual ajustando o Duque hum tratado de paz, houve tambem entre nós, e os Castelhanos huma suspensaõ de armas, que interrompida depois com alguns successos, se veyo finalmente a segurar a paz no anno 1399 entre os dous Reinos.
80 Desta sorte restabelecida a tranquillidade em Portugal, se resolveo ElRey ir pessoalmente expugnar Ceuta, Cidade famosa de Africa, para cuja gloriosa facçaõ mandou compôr huma armada de duzentas e vinte vélas, que com grande estrago dos Mouros, e credito da Naçaõ Portugueza conseguio por augmento da Fé o fim de taõ santa idéa dentro de hum dia, que foy 21 de Agosto de 1415, accrescentando depois aos titulos de Rey de Portugal, e do Algarve o de Senhor de Ceuta.[660]
81 Para evitar a confusaõ, que havia em contar os annos, pondo-se muitas vezes a Era de Cesar juntamente com o anno de Christo, de que resultavaõ embaraços, e duvidas nos documentos, e escrituras publicas, mandou esquecer, e supprimir aquella antiga, e praticada computaçaõ da Era de Cesar, e que se usasse em todas as escrituras calendar o anno pela Epoca do Nascimento de Christo Senhor nosso, passando para isto huma Ley escrita em 22 de Agosto de 1420,[661] que parece só teve pleno effeito do anno 1422 por diante, conforme o daõ a entender quasi todos os Escritores.[Pg 317][662] Nisto imitou o exemplo delRey D. Joaõ I. de Castella, que tambem havia seguido o delRey de Aragaõ, como dizem Yañes, e o erudito Gerardo Casteel na Controversia 1.
82 Continuando ElRey na boa administraçaõ da Justiça, dando com igualdade o premio, e o castigo a quem o merecia, promulgou leys muy uteis, e mandou observar as que havia feito em lingua vulgar o celebre Joaõ das Regras.[663] Para testimunhas da sua grande devoçaõ sublimou à dignidade Metropolitana a Cathedral de Lisboa por Bulla, que o Papa Bonifacio IX. passou à sua instancia em 10 de Novembro de 1394,[664] servindo de iguaes monumentos da sua piedade a erecçaõ de edificios sacros, como foy o Regio Convento da Batalha, o Mosteiro de Penha-Longa da Ordem de S. Jeronymo, o de S. Francisco de Leiria, o de Santa Clara do Porto, o da Carnota junto de Alenquer, a insigne Igreja de Nossa Senhora da Oliveira em Guimarães, a Igreja de Nossa Senhora da Escada junto à de S. Domingos de Lisboa, e outras muitas fundações, para que concorreo com magnifica generosidade, admittindo tambem no Reino os Conegos Seculares de S. Joaõ Evangelista, chamados commummente os Loyos.[665]
83 Além de obras taõ santas fez outras, ainda que profanas, magestosas, e taes foraõ os Palacios de Lisboa, Santarem, Cintra, e Almeirim. Instituio o tribunal da Relaçaõ, e fez outras doações, e mercês, que depois revogou naõ sem escandalo.[666] Finalmente no dia 14 de Agosto de 1433, a tempo que a terra padecia hum tenebroso eclypse do[Pg 318] Sol, exhalou o espirito, deixando de si feliz memoria, e tendo vivido setenta e seis annos, quatro mezes, e tres dias, e reinado quarenta e oito annos, quatro mezes, e oito dias.[667] Foy seu corpo depositado na Igreja da Sé, onde esteve dous mezes, e dez dias, e a 25 de Outubro foy transferido com pompa magestosa em hum carro triunfal até o Convento da Batalha, onde jaz em sumptuosa sepultura, que elegantemente descreve Fr. Luiz de Sousa.[668]
84 Era o Senhor D. Duarte filho terceiro delRey D. Joaõ I. e havia nascido em Viseu a 31 de Outubro de 1391. Os dotes naturaes, e adquiridos foraõ nelle taõ excellentes, como mal logrados. Foy destrissimo, e singular no exercicio nobre de andar a cavallo; muy eloquente, e vigilante da Religiaõ Christã; grande favorecedor dos homens doutos, como particular professor, e amante das boas letras, em cujo estudo se aproveitou de modo, que pudera ser Mestre. Delle existem alguns Tratados, e fragmentos, irrefragaveis provas do seu juizo, e sciencia.[669]
85 Succedeo a ElRey seu pay, tendo de idade quarenta e hum annos, nove mezes, e quatorze dias,[670] e foy acclamado aos 15 de Agosto de 1433 nos Paços do Castello de Lisboa. Havia casado a 22 de Setembro de 1428 com a Rainha Dona Leonor, Infanta de Aragaõ; e subindo agora ao throno, começou a governar com tanta prudencia, que se dizia delle, (talvez por influxo de lisonja) entendia melhor a arte de reinar, que ElRey seu pay.[Pg 319][671] Mandou reduzir a hum só tomo todas as Leys, que andavaõ dispersas, para facilitar a sua liçaõ: promulgou tambem Leys contra o luxo, embaraçando os excessivos gastos dos Grandes, aos quaes ordenou fossem residir nas suas terras para os livrar da assistencia da Corte, que os obrigava a empenhos,[672] excepto aquelles Fidalgos, que por turno lhe haviaõ de assistir por obrigaçaõ de seus cargos.
85 Neste Monarca naõ houve que desejar senaõ melhor fortuna, porque os unicos cinco annos, que reinou, foraõ todos cheyos de desgraças; e bastava para fazer infausto o tempo do seu reinado o cativeiro do Infante D. Fernando seu irmaõ; porque emprendendo os Infantes D. Henrique, e D. Fernando conquistar aos Mouros a Cidade de Tangere, e ficando vencidos, e prisioneiros no anno de 1437, para salvarem as vidas prometteraõ aos Mouros entregarlhe Ceuta, de cuja palavra ficou em refens dos mais o Infante D. Fernando; porém como os Conselheiros de Portugal foraõ de parecer, que naõ convinha entregar todo hum povo Christaõ ao furor dos barbaros pela liberdade de hum só homem, de cujo acordo dizem que tambem fora o Papa, e o mesmo Infante generoso,[673] determinou-se em Cortes, que para isso fez convocar em Leiria ElRey D. Duarte, ficasse o Infante no cativeiro, onde morreo depois de falecer o mesmo Rey, que todavia no seu testamento mandava se resgatasse o Infante seu irmaõ por todo o dinheiro, e ainda a troco da mesma Cidade de Ceuta.[674]
87 Mons. de la Clede[675] accrescenta, que ElRey D. Duarte sem embargo do que determinaraõ as Cortes, excitado do affecto de seu irmaõ cativo, e da justa paixaõ de se vingar dos barbaros, com o[Pg 320] desejo de procurar tambem a liberdade dos Portuguezes, que os infieis retinhaõ em suas infames prizões, mandara pedir ao Papa huma nova Bulla da Cruzada, que se publicou pelas Provincias do Reino, e ajuntando tropas, e apparelhando náos para a expediçaõ desta grande interpreza, foraõ todos os preparos inuteis por causa da peste, que sobreveyo ao Reino, occupando-o de lamentavel consternaçaõ, como bem o descreve Vasco Mousinho no canto 5. do seu admiravel Poema; pois derrubando todas as idéas delRey, o obrigou a andar vagando de Villa em Villa, naõ só para consolar os povos em aperto semelhante com a sua presença, mas para evitar aquelle contagio; até que achando-se na Villa de Thomar, e abrindo huma carta, que vinha inficionada da corrupçaõ venenosa, poz fim aos dias de sua vida afflicta aos 9 de Setembro de 1438, tendo vivido quarenta e seis annos, dez mezes, e nove dias, e reinado cinco annos, e vinte e seis dias.[676] Jaz no Convento da Batalha.
88 Havia nascido o Principe D. Affonso nos Paços de Cintra aos 15 de Janeiro de 1432, e quando morreo seu pay ElRey D. Duarte, contava seis annos, sete mezes, e vinte e cinco dias, e desta idade foy acclamado logo herdeiro da Coroa na Villa de Thomar; porém o governo ficou à disposiçaõ da Rainha Dona Leonor sua mãy, e tutora com a assistencia do Infante D. Pedro, irmaõ delRey D. Duarte, com o titulo de Defensor do Reino, da qual regencia foy depois a Rainha exclusa, e o governo entregue ao Infante D. Pedro, de que se originaraõ tantas perturbações, e de que existem memorias taõ lastimosas.[677]
[Pg 321]
89 Continuava o Infante o manejo dos negocios, e regencia do Reino com applauso commum, quando fazendo quatorze annos ElRey, e sendo preciso entregarse-lhe o Cetro, seu tio Regente o fez com a Solemnidade de Cortes no anno 1446, e ElRey lhe agradeceo muito o bem, que o servira, de cujos louvores existe huma carta delRey escrita ao Infante cheya de grandes, e honrodas expressões,[678] encommendando-lhe, acabado o acto da entrega, que fosse continuando na mesma fórma, dimittindo de si totalmente o regimen, e ratificando o casamento, que tinha feito com a Senhora Dona Isabel, filha do mesmo Infante D. Pedro.
90 Porém a inveja dos emulos fazia taõ máos officios para arruinar a felicidade do Infante, que lhe maquinou, e conseguio a desgraça delRey, o qual intempestivamente passado hum anno mandou dizer ao Infante, que o dava por absoluto, e desobrigado da incumbencia do governo, que lhe encarregara. Daqui procedeo recolherse o Infante às suas terras, nas quaes, declarado ElRey seu inimigo por crimes falsos, que imputaraõ ao Infante, inconsideradamente o foy buscar com maõ armada, e pondo-se o Infante em defensa, foy morto em o sitio de Alfarrobeira a 20 de Mayo de 1449.[679]
91 Desejando depois ElRey expressar o seu animo zeloso da Fé no convite, que o Papa Calixto III. lhe propoz, e tambem a outros Principes Christãos de ir contra o Turco, para o que mandou para este Reino a Bulla da Cruzada no anno 1457, começou ElRey a fazer para esta empreza huns grandes preparos. Escusaraõ-se os outros Principes; porém ElRey naõ resfriando da santa idéa, transferio a guerra para Africa, onde parece que a voz do justo D. Fernando ainda clamava vingança;[Pg 322] e encaminhando primeiramente as proas de duzentas embarcações cheyas de gente para as prayas de Alcacer, o mesmo foy chegar, que vencer no anno de 1458 em Sabbado 30 de Setembro. Com a mesma felicidade ganhou a Praça de Arzila em 24 de Agosto de 1471, e se lhe entregou a de Tangere, cujas gloriosas vitorias lhe adquiriraõ a antonomasia de Africano, e aos titulos da sua grandeza accrescentou elle o daquem, e dalém mar em Africa.
92 Morto ElRey de Castella Henrique IV. que tinha sido casado com a Rainha Dona Joanna, irmã do nosso Rey D. Affonso V. lhe ficou huma unica filha, chamada Dona Joanna, herdeira daquelle Reino. Com ella se dispoz casar ElRey D. Affonso V. seu tio já neste tempo viuvo da Senhora Dona Isabel. Para isto passou a Castella com hum exercito de vinte mil homens, porque assim o pediaõ as contradições, que sobre esta successaõ se levantaraõ, e em Placencia se desposou com sua sobrinha no anno de 1475. Os Castelhanos, que disseraõ naõ era a Senhora Dona Joanna filha delRey Henrique, e que por isso naõ lhe pertencia a herança da Coroa, nomearaõ herdeira a Dona Isabel, irmã delRey Henrique, e a casaraõ com D. Fernando de Aragaõ.
93 Daqui nasceraõ muitas calamidades em Castella. e Portugal; porque nosso Rey D. Affonso, querendo defender o que era seu, como de sua sobrinha, e esposa, foy justamente demandar a D. Fernando de Aragaõ para litigarem este ponto em argumento de armas. Naõ o levou a ambição, como lhe attribue Camões,[680] mas sim razão justificada, sem embargo de ficar desbaratado na baralha de Toro, em que o ajudou valerosamente seu filho o Principe D. Joaõ.
94 Depois desta memoravel batalha succedida em Mayo de 1476, passou ElRey logo a França no[Pg 323] mez de Agosto, onde se deteve até Outubro do seguinte anno de 1477; e vendo frustrada a negociaçaõ, a que lhe faltou ElRey Luiz XI. com pouca fé, se resolveo ElRey D. Affonso a deixar o mundo, e ir peregrinando até Jerusalem. Desta resoluçaõ deu parte a seu filho por huma carta, em que lhe ordenava se fizesse logo jurar Rey de Portugal, que em cumprimento della assim o fez em Santarem a 10 de Novembro do proprio anno.[681]
95 Teriaõ passado quatro dias depois desta solemnidade, quando sabendo o Principe Regente que seu pay tornava outra vez para Portugal, porque ElRey de França lhe embaraçara politicamente a jornada, o foy buscar a Oeiras, e com solemne procissaõ entrou em Lisboa, e continuou a governar como de antes, sem o generoso Principe se intrometer em cousa alguma, proseguindo D. Affonso em executar acções de liberalidade Regia, e tantas, que affirmou hum Escritor nosso[682] fora entre os Reys de Portugal o que fez mayores mercês a seus vassallos, assim de honra, como de fazenda; em tal modo, que dizia o Principe seu filho. quando lhe succedeo: Meu pay me deixou feito Rey das estradas, e caminhos de Portugal; porque quasi todos os Lugares, e terras tinha dado.
96 O Real genio deste Monarca tambem se deixava ver na grande propensaõ, e amor das sciencias, applicando-se aos estudos, e favorecendo aos estudiosos. Elle foy o primeiro, que no Palacio de Evora ajuntou copiosa livraria, e o que determinou se escrevessem na lingua Latina as Historias Portuguezas, mandando para este effeito vir de Italia a D. Fr. Justo Baldino, Religioso Dominico, e insigne Latino,[683] que morreo sem fazer cousa alguma[Pg 324] por embaraços de molestia. Finalmente vendo ElRey que os negocios das suas pertenções se naõ concluiaõ, e achando-se quasi obrigado a convir em hum Tratado de paz, que se publicou em Outubro de 1479, e com o justo sentimento de ver a Senhora Dona Joanna sua esposa com huma honesta violencia da parte de Castella obrigada a entrar em Religiaõ com o unico tratamento de Excellente Senhora, se retirou melancolico a Cintra, e alli na mesma casa, onde nascera, enfermou, e morreo aos 28 de Agosto de 1481, em numa Terça feira, contando de idade quarenta e nove annos, sete mezes, e treze dias, e de reinado quarenta e dous annos, onze mezes, e dezanove dias.[684] Jaz no Mosteiro da Batalha na Casa do Capitulo.
97 Nasceo ElRey D. João II. na Cidade de Lisboa nos Paços da Alcaçova a 3 de Mayo do anno 1455, e a 25 de Junho do mesmo anno foy jurado Principe herdeiro do Reino com todas as ceremonias costumadas. Teria quinze annos, quando, na Villa de Setubal a 12 de Janeiro de 1471 recebeo por esposa a Senhora Dona Leonor de Lancastre sua prima com irmã, e a 15 de Agosto acompanhou seu pay ElRey D. Affonso na gloriosa conquista de Arzilla, onde obrou acções mayores que a sua idade promettia.[685]
98 Depois da morte de seu pay, achando-se em Cintra, e passados os tres dias de nojo, foy acclamado Rey em 31 de Agosto do anno de 1481, e foy esta a segunda acclamaçaõ, que teve. Cuidou logo em dar cumprimento aos legados de seu pay, e applicando-se a conhecer as pessoas, que se sabiaõ distinguir[Pg 325] pela sua capacidade, e talento, as honrava, e premiava de sorte, que se fez amar, e estimar de todos, especialmente do povo.
99 No principio de seu reinado aconteceraõ grandes desasocegos nascidos da altivez dos Nobres, que sahindo da brandura delRey D. Affonso, e dando na integridade do filho, mal sabiaõ viver em taõ desconformes extremos, de que procederaõ conjurações contra elle, que severamente punio, e com grande excesso no Duque de Bragança D. Fernando II. mandando-o degollar na praça de Evora em 21 de Junho de 1483, tragedia reputada horrivel, como effeito da causa, cujas circunstancias naõ mereciaõ tanto rigor,[686] sendo na verdade o Duque Cavalheiro, conforme o juizo de todos, merecedor de melhor fortuna, como bem adverte o elegantissimo Marquez de Alegrete.[687]
100 Foy ElRey D. Joaõ Principe de coraçaõ intrepido, como o deu a conhecer em varias occasiões;[688] de hum engenho muy vivo, e desembaraçado, que nunca se deixou governar de outrem, parecendo-lhe que naõ merecia chamarse Rey aquelle, cuja vontade pendia de arbitrio alheyo. Nunca tardou em fazer mercês, e remunerar serviços, e o que havia de dar, o dava logo, e muitas vezes sem lho pedirem, trazendo occultamente hum livro com os nomes das pessoas benemeritas. As mesmas dadivas mandava distribuir por outras pessoas de outros Reinos, que lhes serviaõ de promptas, e diligentes espias, ardil, que lhe grangeou a sciencia politica de muitos negocios, e segredos reconditos.[689]
101 Attendeo muito ao bem publico, e por conta desta conservaçaõ desfez muitos abusos, e fez[Pg 326] com que se evitassem as casas de jogo, mandando queimar huma, onde concorria mais gente, em cuja acção deixou aos vindouros hum exemplo mais digno de se imitar, que imitado.[690] Publicou tambem leys, em que prohibia todo o excesso de galas, e tudo o que podesse causar destruiçaõ na fazenda, e bons costumes de seu povo. Deu muitas provas da verdade, com que amava a Religiaõ Christã: fez todo o excesso, para que os Judeos, que se vieraõ refugiar em Portugal, se reduzirem à Fé de Christo, obrando a generosa acção de lhes mandar dar embarcações para se irem os que não quizeraõ converterse.
102 As fundações dos Templos saõ tambem sufficiente prova da sua Religiaõ. Elle deu principio à magnifica Igreja do Hospital Real de Lisboa, e lançou a primeira pedra nos alicerces do Mosteiro de Jesus de Setubal, e deu nova Casa às Commendadeiras de Santos no Convento, onde hoje existem em Lisboa. Dispoz que na sua Capella Real se rezassem em Coro as Horas Canonicas, estabelecendo rendas para isso. Aspirando à gloria de fama perduravel, descubrio com suas frotas o Reino do Congo, e nelle fundou Igreja, onde se bautizou o Rey com seus filhos, e bastante parte do povo. Abrio o caminho à navegaçaõ das Indias Orientaes, e solicitou descubrir incansavelmente por mar, e por terra a costa de Africa até aquelle tormentoso Cabo, a que chamou de Boa Esperança, pelas que se abriaõ do descubrimento da India.
103 Taõ grandes brados tinha dado a fama das suas acções, que alguns Principes estrangeiros vieraõ a Portugal de proposito somente para o ver; porque sem duvida na liberalidade, na justiça, na piedade, na generosidade, e na Religião foy singularissimo,[Pg 327] recto, admiravel, pomposo, e Catholico, e assim acabou com a fama de Principe perfeito em 25 de Outubro de 1495 na Villa de Alvor com suspeitas de lhe terem dado veneno. Viveo quarenta annos, cinco mezes, e vinte e dous dias: reinou quatorze annos, hum mez, e vinte e cinco dias. Foy sepultado na Sé de Sylves, donde passados quatro annos, ElRey D. Manoel lhe trasladou seu corpo para o Convento da Batalha, onde se conserva incorrupto, sinal, que alguns pertendem attribuir aos que saõ predestinados.[691]
104 Parece, como bem disse o nosso Homero,[692] que Deos tinha escolhido a ElRey D. Manoel para ser Monarca entre os de Portugal o mais venturoso. Logo no seu nascimento começou a experimentar o Ceo propicio; porque achando-se na Villa de Alcochete sua mãy a Infanta Dona Brites vencida das dores de parto, e com evidente perigo, quasi milagrosamente o deu à luz no mesmo ponto, que lhe passava pela porta o Santissimo Sacramento na Procissaõ solemne do Corpo de Deos, por cuja mysteriosa causa se lhe impoz o nome de Manoel, e por cuja notavel circunstancia de Festa, e Procissaõ infere, e assina judiciosamente o Beneficiado Francisco Leitaõ Ferreira,[693] que o verdadeiro dia natalicio deste Monarca foy no primeiro de Junho de 1469, porque a letra Dominical daquelle anno, que foy A, assim o insinua, prova irrefragavel, que convence a contraria opiniaõ de todos os que collocaraõ este feliz nascimento no ultimo de Mayo do mesmo anno.
[Pg 328]
105 Era D. Manoel Duque de Béja, e de Viseu, filho do Infante D. Fernando, e neto delRey D. Duarte; e com haver nascido sem esperança de reinar, succedeo no Reino depois de ver como para conseguir esta felicidade lhe hiaõ fazendo lugar com a morte algumas pessoas, a quem tocava a successaõ. Subio finalmente ao Throno em 27 de Outubro de 1495, estando em Alcacer do Sal, donde veyo logo a celebrar Cortes na Villa de Montemór o Novo, dando principio ao governo mais feliz, que vio o Reino com a reforma, que fez dos Ministros, e Officiaes de Justiça, e boa arrecadaçaõ da fazenda.[694]
106 Como bom Catholico se lembrou logo da obediencia à Igreja, e assim despedio para Roma promptamente hum Embaixador, para dar noticia ao Pontifice da sua investidura do Reino de Portugal, mandando tambem pedir ao mesmo Papa, que era Alexandre VI. a impetra, para que os Cavalleiros das Ordens Militares podessem casar, como com effeito lhes concedeo,[695] e com a mesma protecçaõ augmentou a Ordem de Christo em gloria, e renda.
107 Imitando o louvavel exemplo dos Reys de Castella, mandou expulsar fóra do seu Reino aos Mouros, e Judeos, excepto os que se quizeraõ converter à Fé de Christo;[696] e logo em Outubro do anno 1497 recebeo por mulher a Senhora Dona Isabel, viuva do nosso Principe D. Affonso, filho delRey D. Joaõ II. e ella filha dos Reys Catholicos D. Fernando, e Dona Isabel.
108 Se pertendessemos narrar todas as acções memoraveis deste Monarca, fariamos hum grande volume; sirva ao menos a expressaõ desta impossibilidade,[Pg 329] segundo a ligeireza do estylo, que guardamos, para provar a sua grandeza. O certo he, que na regencia delRey D. Manoel foy o Reino de Portugal elevado ao mayor gráo do seu esplendor. Então se viraõ quebrantadas as forças dos Reys Africanos; entaõ se acabou de descubrir a navegaçaõ da India Oriental, que ElRey D. João II. havia premeditado, sendo o inclyto Heroe Vasco da Gama o primeiro, que no anno de 1497 logrou a gloria de abordar as prayas de Calecut, e introuduzir o commercio das suas preciosas especiarias em Portugal, naõ obstante a grande resistencia, e embaraço, que a isso fizeraõ os Venezianos.[697]
109 Accrescentou D. Manoel a seu Imperio naõ pequena parte da Ethyopia, Persia, India, dentro, e fóra do rio Ganges, o Brasil, e innumeraveis Ilhas do Oceano até alli incognitas. Sujeitou, muitos Reys; e estando taõ apartados por tanto espaço de mar, e terra, os fez tributarios: outros se fizeraõ confederados, e amigos. Venceo muitas vezes na India as armadas do Soldaõ de Babylonia, e de outros poderosissimos Reys Orientaes. Plantou a Religiaõ Christã na Ethyopia, India, e outras partes do mundo ainda naõ allumiadas com a luz do Evangelho, favorecendo, e amparando aos convertidos. Libertou o estado Ecclesiastico de tributos, e pensões, e dos mesmos aliviou aos mais vassallos, dando novos foraes às terras, de que mandou formar cinco livros, que se conservaõ na Torre do Tombo.
110 Para mayor augmento da sua felicidade se vio jurado Rey de Castella em 28 de Abril de 1498,[698] cuja posse, e titulo brevemente possuio pela intempestiva morte da Rainha Dona Isabel sua esposa, herdeira daquelle Reino. Fundou Templos, que[Pg 330] podem competir com os melhores de Roma.[699] Fez nadar em ouro o Reino, e quasi chover em Portugal perolas, e diamantes; em tal fórma, que se chamou idade de ouro a em que reinou D. Manoel como bem mostra Manoel de Faria.[700] Agradecido aos continuados beneficios com que Deos lhe dilatava o Imperio, quiz religiosamente gratificallos ao Senhor, mandando ao Papa Leaõ X. entaõ reinante, offerecerlhe, e tributarlhe como a Vigario de Christo na terra, as primicias das riquezas da India, e Etiopia. Para isso dispoz huma Embaixada, que a 12 de Março de 1514 fez Tristaõ da Cunha com tanta magestade, pompa, e grandeza, que nunca se vio semelhante em Roma.[701] Em fim naõ houve prosperidade, que elle naõ abraçasse, parecendo ser disto auspicio a grandeza dos braços, que tinha mayores que nenhum outro homem. Tambem amparou as letras grandemente;[702] e cheyo de taõ heroicas acções fechou o gyro de seus dias aos 13 de Dezembro de 1521 pelas nove horas da noite, achando-se em Lisboa nos Paços da Ribeira, tendo de idade cincoenta e dous annos, seis mezes, e dous dias, dos quaes reinou vinte e seis annos, hum mez, e dezoito dias. Jaz no Real Convento de Belém extra muros de Lisboa, que elle mandou edificar para seu jazigo.
111 Succedeo no Throno a ElRey D. Manoel seu filho D. Joaõ III. que havia nascido em Lisboa a 6 de Junho de 1502, dia memoravel pela horrivel tempestade, que houve no Reino de[Pg 331] trovões, rayos, e coriscos.[703] Foy acclamado a 19 de Dezembro de 1521, fazendo-se o acto à porta do Convento de S. Domingos de Lisboa. Os principios do seu reinado foraõ tecidos com egregias acções de piedade, clemencia, e generosidade, adquirindo-lhe estas virtudes amor de seus vassallos, e a estimaçaõ de todos os Principes da Europa.
112 Foraõ os seus primeiros cuidados proseguir logo vivamente as conquistas da India, em que os Portuguezes obraraõ façanhas de eterna memoria, e este mayor projecto lhe fez relaxar aos Mouros de Africa quatro Praças principaes, Alcacer, Arzila, Çafim, e Azamor, de que tanto se lamenta Manoel de Faria,[704] e a cujo consentimento attribue o mayor desacerto deste Rey, ou de seus Conselheiros. Melhorou esta acçaõ, impetrando do Papa Clemente VII. o veneravel Tribunal da Inquisiçaõ para este Reino. Reformou muitas das Religiões, que hiaõ descahindo da sua primitiva observancia. Admittio em Portugal a Religiaõ denominada da Companhia de Jesus, e lhe instituio em diversas partes do Reino Collegios; devendo-se a este Monarca a gloria da conversaõ da gentilidade em taõ continuados progressos na Asia, Africa, e America, que naquelles primeiros tempos souberaõ plantar com zelo aquelles Religiosos.
113 Descubrindo ElRey alguns inconvenientes de haver na Corte estudos publicos, removeo a Universidade outra vez para Coimbra no anno de 1534 conforme dizem huns,[705] e segundo outros no de 1537,[706] mandando vir a este respeito, e com grandes dispendios os melhores Mestres de letras, que havia[Pg 332] na Europa,[707] de sorte que restabeleceo em Coimbra a mais florente Academia das sciencias; e extendendo-se este louvavel affecto para as Conquistas, mandou estabelecer tambem na India escolas para as artes, e sciencias.[708]
114 Por sua instancia se erigiraõ no Reino os tres Bispados de Leiria, Portalegre, e Miranda, e outros nas Conquistas; e levantando em Metropolitana a igreja Cathedral de Evora, reedificou o sumptuoso aqueducto desta Cidade, que se hia arruinando. Continuou o edificio Regio de Belém, e fez outros de novo em publica utilidade, como foy a Alfandega, as Tercenas, os Armazens, e a Torre do Tombo.[709] Para a boa administraçaõ da Justiça instituio o Tribunal da Mesa da Consciencia, e Ordens, e para os mais Tribunaes teve o dom de saber escolher Ministros proporcionados. Amou muito a paz, e por isto dizia, que mais perdia no que se gastava na guerra, ao que lucrava com o que alcançava na vitoria. Finalmente assim nas cousas da paz, como nas da guerra foy ElRey D. Joaõ Principe admiravel, nascido para beneficio dos homens, amparo dos humildes, e estranhos, verdadeiro conservador do culto Divino, e propugnaculo da Religiaõ Catholica. Morreo em Lisboa aos 11 de Junho de 1557, e aos cincoenta e cinco annos, e cinco dias da sua idade, e de governo trinta e cinco annos, e seis mezes. Jaz no Convento de Belém junto de seu grande Pay. Foraõ muitas as lagrimas, que o povo derramou na sua morte, a qual foy tida por termo, que o Ceo punha às felicidades do Reino.
[Pg 333]
115 Foy ElRey D. Sebastiaõ filho do Principe D. Joaõ, e da Princeza Dona Joanna, e neto delRey D. Joaõ III. Nasceo em Lisboa posthumo a 20 de Janeiro de 1544, e dahi a tres annos, morrendo seu Avô, ficou herdando o Cetro, mas sujeito à tutoria da prudentissima Rainha Dona Catharina, e aos preceitos de seu Ayo D. Aleixo de Menezes, e dos do Padre Luiz Gonçalves da Camera, ambos Fidalgos illustres, os quaes em toda a sua educaçaõ lhe inspiraraõ o amor da justiça, e o zelo da Religiaõ Christã.
116 Como os espiritos deste Principe eraõ generosos, e cheyos de hum grande, e admiravel desejo de aquirir gloria, começou logo a idear emprezas verdadeiramente temerarias para a sua idade; de sorte, que chegando aos quatorze annos, se resolveo tomar posse do governo em 20 de Janeiro de 1568, e entaõ dando-se todo ao aspero exercicio das armas, e da caça, fazia brio de se mostrar intrepido, e destemido em todas as occasiões. Quando os ventos, e as ondas andavaõ mais irados, então sahia fóra da barra a lutar com a tempestade; e em fim as suas acções eraõ todas imagens de seu precipicio, como bem diz Manoel de Faria.[710]
117 Tanto confiava em seu valor, que tinha para si podia conquistar todo o mundo; e como sempre sahia bem dos perigos, em que se mettia, se lhe augmentavaõ cada vez mais os desejos de principiar pela conquista de Africa. Este santo intento trouxe quasi do berço, e para o executar se dirigiaõ os seus cuidados, e pensamentos, que assoprados com a lisonja dos que se queriaõ conformar com o seu fogoso genio, mais lhe accendiaõ no peito[Pg 334] deliberações temerarias. Praticou-as, passando primeiramente no anno de 1574 a discorrer pelas terras de Tangere, e Ceuta, onde fazendo differentes correrias, e escaramuças, assustou os barbaros, mas vio a difficuldade, a que a sua ambiçaõ aspirava.
118 Todavia succedendo despojar Muley Maluco dos Reinos de Marrocos, e Fez a seu sobrinho Muley Hamet, este se veyo valer do nosso Rey, offerecendo sua pessoa, e os que o seguiaõ. Preparou-se D. Sebastiaõ para soccorrer a Hamet, e atropellando todos os conselhos prudentes, que lhe dissuadiaõ esta perigosa, e incauta jornada, sahio do porto de Lisboa em 24 de Junho de 1578, anno, e dia taõ infaustos para Portugal.[711] Compunha-se o exercito delRey de dezoito mil homens, dos quaes eraõ tres mil Castelhanos, tres mil Alemães, novecentos Italianos, e os mais Portuguezes, gente a mais luzida, e lustrosa, que havia no Reino, mas sem exercicio militar.
119 Chegou a Arzila, e logo achou aqui na mostra, que mandou passar, diminutos os Regimentos, que naõ passavaõ de doze mil homens. Constava porém o exercito inimigo de cento e cincoenta mil, a mayor parte de cavallo, de cujo fatal numero opprimidos os nossos ficaraõ vencidos a cinco de Agosto do mesmo anno de 1578, dia de Nossa Senhora das Neves, eclipsando-se nesta infeliz, e lastimosa batalha toda a gloria, e lustre Portuguez nos campos de Alcacere, os quaes ficaraõ memoraveis pelos tres Reys, que alli morreraõ. Bem he verdade que ninguem verifica ter visto morrer na batalha a ElRey D. Sebastiaõ, nem depois com certeza o tornaraõ a ver, donde tomaraõ alguns motivo para esperar por elle, delirio, que com teimosa[Pg 335] tradiçaõ permaneceo bastante tempo, pertendendo os seus sequazes em taõ fanatica esperança fazer verdadeiramente crer, que este lamentavel Monarca fosse entre os homens outra ave Fenix, da qual dizem que existe, mas ninguem a vio. Mons. de la Clede assenta,[712] que ElRey naõ morrera no conflicto de Alcacere, mas sim no Castello de San Lucar de Barrameda, opiniaõ, que os nossos Escritores naõ admittem.
120 A noticia desta fatalidade trouxe a Portugal grande confusaõ; porque depois della naõ se via, nem ouvia em todos mais que lagrimas, e impaciencia pela perda geral de hum Reino sem successaõ, e de hum Rey extincto na flor da sua idade, e com elle a flor da Nobreza, vindo-se a concluir todo este catastrofe com as exequias, que se celebraraõ com a possivel expressaõ de sentimento, até que passados quatro annos chegou a Lisboa, mandado pelo Xarife, o corpo, que diziaõ ser delRey D. Sebastiaõ, e se mandou sepultar no Convento de Belém, onde jaz todavia com a incerteza, que indica a inscripçaõ do seu epitafio,[713] o qual dia assim:
Conditur hoc tumulo, si vera est fama, Sebastus,
Quem tulit in Lybicis mors properata plagis.
Nec dicas falli Regem qui vivere credit,
Pro lege extincto mors quasi vita fuit.
121 Tanto que a triste nova da perda delRey D. Sebastiaõ chegou a Portugal, elegeraõ, e acclamaraõ os Tres Estados do Reino ao Cardeal D. Henrique, filho delRey D. Manoel,[Pg 336] que entaõ se achava na avançada idade de sessenta e seis annos, contados desde 31 de Janeiro de 1512 em que nasceo. Era elle ornado de excellentes dotes, e virtudes, muy pio, e temente a Deos, e em tudo mostrou quanto era capacissimo para o Baculo, e para o Cetro. Amou as sciencias, amparou a orfandade, soccorreo a pobreza, confundio as heresias, restaurou Templos, e em fim foy Pastor, e Rey sem embaraçar com as desculpas de Monarca os empregos de Sacerdote.[714]
122 Acclamado porém a 28 de Agosto de 1578 por legitimo Rey, e successor de Portugal, cuidou logo no resgate dos Fidalgos, e mais gente, que ficaraõ cativos na fatal batalha de Alcacere, em que dispendeo muito dinheiro; porém como os achaques, e a idade já decrepita lhe diminuiaõ as forças attenuadas, e comprimidas tambem pelas negociações, e governo de huma Monarquia decadente pela falta de successaõ, muitos Principes da Europa estavaõ attentos naõ só ao fim, que por instantes esperavaõ haver no Reino, mas como se Portugal fora herança, que a todos lhes pertencesse.
123 Eraõ os oppositores cinco descendentes delRey D. Manoel, que pertendiaõ herdar o Reino por linha transversal, além de outros pertendentes, que todos fizeraõ sua opposiçaõ, como foy a Rainha de França Dona Catharina, por allegar que descendia delRey de Portugal D. Affonso III. e de Dona Matilde sua primeira mulher, mas foy exclusa sua pertençaõ por improvavel. Tambem a Sé Apostolica pertendia que fosse huma Coroa o espolio de hum Capello vago, mas naõ se fez caso da pertençaõ do Pontifice, porque na presente opposiçaõ só se tratava dos descendentes delRey D. Manoel, como se vê na Taboa seguinte.
[Pg 337]
ElRei D. Manoel entre outros filhos teve | A Infanta Dona Isabel Imperatriz, que casou com Carlos V. Imperador, e teve a | Filippe II. Rey de Castella 1. pertendente | |
A Infanta Dona Brites, que casou com D. Carlos Duque de Saboya, e teve a | Manoel Filisberto Duque de Saboya, e Principe de Piemõte 2. pertendente. | ||
O Infante D. Luiz Duque de Béja naõ casou, mas de Violante Gomes, chamada a Pelicana, teve a | D. Antonio Prior do Crato, 3. pertendente. | ||
O Infante D. Duarte Duque de Guimarães casou com Dona Isabel filha de D. Jayme Duque de Bragança, e teve a | D. Maria, q casou com o Principe de Parma, de quem teve a | Rainucio Principe de Parma, e 4. pertendente. | |
D. Catharina que casou com D. Joaõ Duque de Bragança 5. pertendente. |
[Pg 338]
Destes foy excluido o Prior do Crato por illegitimo, o Duque de Saboya por estrangeiro, o Principe de Parma por falta de representaçaõ, pois já era bisneto, e tambem porque sua Mãy, casando fóra do Reino, perdeo o direito, que a elle podia ter, como se mostra das Cortes de Lamego; de sorte que só ElRey Filippe, e a Senhora Dona Catharina, como estavaõ em igual gráo, tinhaõ jus para a pertençaõ, e mayor a Senhora Dona Catharina.
124 Naõ queria ElRey D. Henrique decidir este ponto, e assim nomeou em Cortes Juizes para a decisaõ delle, e cinco Governadores para sentenciarem a quem verdadeiramente tocava o Reino; e depois passando-se para Almeirim por causa da peste, que já lavrava em Lisboa, veyo a falecer em 30 de Janeiro de 1580 com sessenta e oito annos de idade, e dezasete mezes de governo. Houve hum grande eclipse da Lua na mesma noite, em que espirou, e hum geral sentimento, porque todos viaõ com aquella morte o Reino tambem eclipsado. De Almeirim foy conduzido seu corpo para Belém, onde agora jaz em nobre sepultura, que lhe mandou fazer o Senhor Rey D. Pedro II. no anno de 1682, e por causa da trasladaçaõ foy visto, e achado seu corpo inteiro, depois de terem passado cento e dous annos, por cujo sinal he crivel esteja gozando da Bemaventurança.
125 Com a morte delRey D. Henrique começaraõ os cinco Governadores a usar do Cetro; mas taõ desunidos, temerosos, e abalados, que cada hum seguia o partido dos oppositores, a que a propensaõ o inclinava, ou talvez o attractivo do interesse. Muito mais ficaraõ perplexos, quando viraõ que ElRey D. Henrique no seu testamento naõ attendera mais que às cousas da sua alma, deixando as do Reino ao arbitrio dos Juizes.
126 O Prior do Crato, ainda que estava excluido, tornou a fomentar a sua pertençaõ; e adquirindo[Pg 339] algum sequito de gente popular, esta o acclamou Rey em Santarem a 14 de Junho de 1580,[715] e logo passando-se a Lisboa, soltou os prezos do Limoeiro, aposentou-se nos Paços da Ribeira, começou a passar Provisões, mandar bater moeda, e finalmente a intitularse Rey, seguindo a sua facçaõ algumas Villas do Reino.
127 Sabendo ElRey D. Filippe de Castella as operações, que em Lisboa executava o Prior do Crato, despedio hum sufficiente corpo de exercito de mais de vinte mil homens,[716] e dous mil gastadores, commandados pelo grande General o Duque de Alva; e chegando a Setubal sem resistencia alguma, fez transito a Lisboa, onde alojou suas tropas junto da ponte de Alcantara. No dia seguinte, que se contavaõ 26 de Agosto de 1580, pelas dez horas da manhã atacou D. Antonio, Prior do Crato, ao exercito Castelhano; porém este desbaratou os esquadrões Portuguezes,[717] e D. Antonio se poz em salvo, passando ao depois varia fortuna até vir a morrer em Pariz no anno de 1595.
128 Pacificada algum tanto a furia dos vencedores, que naõ fez pequeno damno aos arrabaldes de Lisboa, os Governadores della entregaraõ as chaves ao Duque, o qual mandou logo presidiar o Castello com tres mil Castelhanos, e muita artelharia, e a Nobreza do Reino foy à sua presença dar obediencia ao novo Rey introduzido, que à força de armas, invadindo o Reino, decidio o litigio a seu favor, sem esperar pelo acordaõ dos Jurisconsultos contra todo o Direito, e boa consciencia.[718]
[Pg 340]
D. Filippe II. III. e IV. de Castella, e em Portugal Reys decimo oitavo, decimo nono, e vigesimo intrusos.
129 Declarado Rey de Portugal D. Filippe II. nas Cortes, que se celebraraõ em Thomar a 19 de Abril de 1581, caminhou para Lisboa, onde fez huma publica entrada com o mayor apparato, e grandeza, que até alli se tinha visto.[719] Começou a tratar os Portuguezes com muita affabilidade, e industria, fazendo-lhe varias mercês, e augmentando os privilegios do Reino, com a qual politica temperou os desgostos passados. Desta sorte fazia parecer mais suave aos Portuguezes aquella violenta sujeiçaõ, e elles vendo que se diminuiaõ as esperanças de recobrar a antiga liberdade, cuidavaõ muito em merecer a graça delRey Filippe, o qual tornando para Castella, e deixando por substituto a seu filho o Serenissimo Cardeal Alberto, Archiduque de Austria, morreo a 13 de Setembro de 1598 no Convento do Escurial, que elle havia fundado, e onde jaz em soberbo mausoleo, tendo vivido setenta e hum annos, governado em Portugal dezoito, e quarenta e tres em toda a Hespanha.
130 Succedeo no Throno seu filho D. Filippe III. e para nós II. que havia nascido em Madrid a 14 de Abril de 1578, e agora contava já vinte annos de idade. No seu governo deixou facilmente penetrar quaes eraõ os seus designios; e naõ eraõ elles outros mais que reduzir os Portuguezes a huma taõ debil fortuna, que nunca podessem ter forças para sacudir o dominio Castelhano, conforme as normas, que lhe deixara seu pay. Naõ pode porém conseguir tudo o que intentava, porque lho embaraçou a morte, que lhe sobreveyo em Madrid[Pg 341] no ultimo de Março de 1621 com quarenta e dous annos de idade, e vinte e dous e meyo de reinado. Jaz no Convento do Escurial.
131 D. Filippe IV. foy filho do antecedente, e nasceo a 8 de Abril de 1605. Poucos dias depois da morte de seu pay começou a governar com grandes annuncios de felicidades, mas para Portugal com muy poucas; porque naõ cessando de quebrantar as promessas, e juramento, que seu Avô tinha feito de conservar este Reino em seus antigos foros, e privilegios, todo o seu ponto foy abatello, aniquilallo, e obrar tudo em nosso prejuizo. Naõ escapou artificio algum em ordem a consumir o Reino, que deixassem os seus Ministros, e Conselheiros de lhe apontar para nossa ruina. A mesma experimentou a India, e as mais Conquistas, que tanto nos custaraõ a ganhar. Dilatadissima seria a narraçaõ destas desordens, se pertendessemos renovar dellas a memoria: naõ faltaõ Escritores, que as referem.[720]
132 Impaciente já todo o Reino com tanta vexaçaõ, e desejosos todos da commum liberdade da patria, começaraõ a pôr os olhos no Serenissimo Duque VIII. de Bragança D. Joaõ, no qual concorriaõ razão, e justiça para o acclamarem Rey, e Senhor verdadeiro do Reino naõ só pelo direito, que o acompanhava de sua Avó a Senhora Dona Catharina, filha herdeira do Infante D. Duarte, a qual havia de preceder a todos os oppositores da Coroa, porque representava a seu Pay, que se vivera, havia de ser Rey,[721] mas tambem por ser o Serenissimo Duque natural do Reino, e o mayor[Pg 342] Senhor delle, a quem por suas qualidades verdadeiramente Reaes tocava protegello, amparallo, e libertallo das oppressões, que padecia.
133 Por estes, e outros muitos fundamentos, persuadidos os Portuguezes quanto lhe era util acabarem já com taõ pezado jugo, determinaraõ ajustar o modo mais conveniente para negocio taõ arduo. Achava-se presidindo no governo de Portugal a Duqueza de Mantua Margarida de Saboya, prima delRey Filippe IV. desde o anno de 1635, em que passou a fazer assistencia em Lisboa: tinha por Secretario de Estado a Miguel de Vasconcellos, aborrecido do Reino por soberbo, descomedido, e ambicioso, que com industriosa independencia ministrava os negocios de Portugal, e a quem muito favorecia a Princeza Margarida, e o primeiro Ministro de Hespanha o memoravel Conde Duque,[722] ambos interessados na agencia de Vasconcellos, que lhes servia como de canal, por onde se enchiaõ continuamente os seus insaciaveis cofres do perenne curso de dinheiro extrahido da substancia do cabedal do Reino, e de tributos exorbitantes.
134 Esta oppressaõ, e violencia dos Ministros acabou de exasperar mais a todos os Portuguezes; até que escolhendo o dia de Sabbado primeiro de Dezembro do anno 1640 para aquella gloriosa empreza, depois de varias conferencias, que entre si tiveraõ os Fidalgos amantes, e zelosos da patria,[723] convidando tambem a outros com todo o segredo, se acharaõ no terreiro do Paço sem fazerem rumor, e assim que deraõ nove horas accommetteo cada hum aquelle posto, que se lhe destinou por interpreza.[Pg 343] Tudo o que se havia premeditado, a pezar de todos os incidentes, que se atropellaraõ, se poz em execuçaõ no dia predito com tanta felicidade, e maravilha, que dentro em tres horas se vio na Cidade de Lisboa morto Miguel de Vasconcellos, deposto Filippe IV., acclamado o Serenissimo Duque de Bragança D. Joaõ por legitimo Senhor do Reino de Portugal, que no espaço de sessenta annos gemeo debaixo da sujeiçaõ de Principes estrangeiros, aonde o tinha levado a Providencia.
135 Conseguida prodigiosamente a saudosa liberdade do Reino, e restituido com tanta gloria, e justiça o Cetro da Monarquia Portugueza ao Senhor Rey D. Joaõ IV. o qual havia nascido em Villa Viçosa a 19 de Março de 1604, e casado com a Senhora Dona Luiza Francisca de Gusmaõ em 12 de Janeiro de 1633, se expediraõ diversos avisos para os Lugares Ultramarinos da nossa Coroa, para reconhecerem, e acclamarem o mesmo Soberano Rey; e foy esta noticia recebida com tanto gosto, como se experimentou na prompta obediencia da vassallagem, e nos vivas, e festas, com que expressaraõ todos a estimaçaõ daquella felicidade,[724] sendo para admirar completarse este reconhecimento dentro de quinze dias por todo o Reino sem guerra, sem armas, sem violencia, estando todas as Praças governadas, e presidiadas por Ministros, e soldados Castelhanos. O certo he que foy obra da maõ do Altissimo.[725]
136 Logo que o novo Rey chegou de Villa Viçosa a Lisboa, e dispoz as expedições, que temos dito, determinou dia para a sua coroaçaõ, que foy[Pg 344] em 15 de Dezembro, a qual se celebrou com toda a pompa, e alegria do povo. Depois passou promptamente a cuidar nos negocios interiores do Reino: nomeou Ministros para os Tribunaes: Generaes, e Cabos para as Provincias. Estava o Reino destituido de forças, sem armas, sem gente com exercicio militar, sem náos, e sem dinheiro para se poder defender, e isto foy motivo para se descuidarem tanto em Castella, considerando seus Ministros ser impossivel podermos resistirlhe na conjunctura debil, em que estavamos; e assim disseraõ a ElRey Filippe, que naõ era necessario fazer guerra offensiva a Portugal, porque com duas mãos de papel firmadas por S. Magestade se reduziria outra vez brevemente o Reino à sua obediencia.[726]
137 Este mysterioso descuidoso foy causa da nossa prevençaõ, e fundamental seguranqa, dando-nos tempo para mandarmos vir armas do Norte, fortificar Praças, e fazer confederaçaõ com França, Inglaterra, Hollanda, Suecia, e Dinamarca, que todos nos ajudaraõ com gente, dinheiro, munições, e náos de tal fórma, que quando os Castelhanos quizeraõ accommetternos por Olivença, foraõ bem rechaçados, experimentando a mesma adversa fortuna em todos os choques, e batalhas, que tiveraõ com os nossos exercitos, ficando mais memoravel a de Montijo, que no anno de 1644 conseguio com tanta gloria Portugueza o intrepido Mathias de Albuquerque; e desta sorte conseguimos outras muitas vitorias em grande credito da Naçaõ por todas as Provincias do Reino.
138 Naõ causava pequena inveja a Castella este feliz progresso das nossas armas; e vendo que à força dellas naõ podia tomar vingança da nossa liberdade, maquinou a da aleivosia, e astucia, fiando mais do ouro, que do ferro; e corrompendo[Pg 345] com elle algumas pessoas suas affectas com esperanças de mayores augmentos, se conjuraraõ contra ElRey D. Joaõ; porém descubrindo-se, foraõ prezos, sentenciados, e degolados[727] a 29 de Agosto de 1641 em publico cadafalso na praça do Rocio de Lisboa. Eraõ elles o Marquez de Villa Real, o Duque de Caminha, o Conde de Armamar, e D. Agostinho Manoel de Vasconcellos; sendo o principal motor desta conjuraçaõ o Arcebispo de Braga D. Sebastiaõ de Matos, que se mandou meter em segura custodia. Em todos estes movimentos se vio o particular auxilio de Deos, com que sempre livrou a ElRey D. Joaõ da iniquidade de seus inimigos, que intentaraõ tirarlhe a vida por meyo do perverso Domingos Leite, o qual sendo convidado a executar aquelle enorme delicto por quatrocentos escudos, foy tambem descuberto, e castigado como merecia a grandeza da sua culpa.
139 Continuando ElRey o seu governo com tanta felicidade, e desvelo, estabeleceo leys utilissimas para a sua conservaçaõ, erigio novos Tribunaes, o Concelho de Guerra, o da Junta dos Tres Estados, o do Conselho Ultramarino, e o da Junta do Commercio. Foy muito devoto do Mysterio da Conceiçaõ da Senhora, e assim a tomou por Protectora do Reino em Cortes do anno de 1646, fazendo-o tributario em cincoenta cruzados cada anno,[728] e em 25 de Março do proprio anno jurou, e declarou authenticamente a immaculada Conceiçaõ da Virgem Maria Senhora nossa, fazendo com que seus vassallos fizessem o mesmo, mandando intimar às Universidades do Reino, que todos os estudantes, quando tomassem qualquer gráo, jurassem defender o tal Mysterio.[729]
[Pg 346]
140 Finalmente achando-se em Lisboa, e opprimido com huma molesta suppressaõ, fechou o circulo de seus dias em huma segunda feira 6 de Novembro de 1656 na idade de cincoenta e dous annos, sete mezes, e dezoito dias, e de reinado dezaseis annos, menos vinte e quatro dias. Jaz no Convento de S. Vicente de Fóra.
141 Teria o Principe D. Affonso treze annos de idade, contados desde 21 de Agosto de 1643, em que nasceo, até 15 de Novembro de 1656, quando subio ao Throno, e foy acclamado Rey pela morte de seu glorioso Pay; mas em razão da sua menoridade ficou sujeito à tutoria da Rainha sua Mãy, a quem ElRey seu marido tinha deixado por tutora, e Governadora do Reino, que com tanta prudencia, e desvelo exercitou; porém passados seis annos, a 23 de Junho de 1662, contando ElRey dezanove annos de idade, tomou posse do governo com a formalidade costumada.[730]
142 Antes de ElRey tomar posse do governo a tinhaõ já tomado da sua vontade o Conde de Atouguia, Sebastiaõ Cesar de Menezes, e o Conde de Castello-Melhor, descançando neste ultimo o pezo dos negocios da Monarquia, e a cuja disposiçaõ se vio luzir em prosperos successos a fortuna delRey com as vitorias das nossas armas; porque fazendo Castella pazes com França, e unindo em varios corpos de exercito os bellicosos espiritos dos alliados, cercou todas as nossas Provincias com hum estrondoso poder, mas sempre ficou Portugal triunfante. Assim se vio nas celebres batalhas do Amexial, do Canal, e de Montes claros, em que os nossos Generaes acreditaraõ o seu valor, e sciencia militar.
[Pg 347]
143 Naõ correspondiaõ as felicidades da guerra ao governo politico da Corte, porque ElRey desde a idade de tres annos, padecendo hum accidente de paralysia, que lhe deixou arida toda a parte direita do corpo, o mesmo defeito padecia naquella parte interior da cabeça: daqui se originaraõ varios excessos, e desordens, com que desgostou muito sua Mãy prudentissima, e a todo o Reino; e como o principal motor destas indignas acções era hum Antonio Conti, pessoa humilde, mas muito de seu agrado, que lhe inspirava perniciosos conselhos, de algum modo se lhe fez applacar os exercicios escandalosos com o degredo de Conti para a Bahia.
144 Determinou-se o casamento delRey com a Princeza Maria Francisca Isabel de Saboya, a qual chegou a Lisboa em 2 de Agosto de 1666, e naõ se passando muito tempo, que experimentando a Rainha a incapacidade delRey para as obrigações do thalamo, e que muitas vezes lhe faltavaõ aos respeitos de Rainha, resolveo recolherse no Mosteiro da Esperança a 2 de Novembro de 1667, e de lá começou a tratar a nullidade do matrimonio. Logo que se começou o litigio, se teve por certa a sentença da separaçaõ, e com este fundamento os zelosos da successaõ Real propozeraõ ao Serenissimo Infante D. Pedro devia casar com a Rainha pelas razões forçosas, que allegaraõ,[731] e que para evitar mayores damnos na Monarquia avocasse a si o governo.
145 Assim se conseguio, porque ElRey D. Affonso dimittindo o regimen, ficando conservando a magestade na pessoa, mas naõ no exercicio, foy recluso em hum quarto do Paço a 13 de Novembro de 1667, e o Infante D. Pedro foy jurado Principe Regente, e herdeiro da Coroa nas Cortes de 27 de[Pg 348] Janeiro de 1668. Passaraõ depois a ElRey D. Affonso para o Castello da Ilha Terceira, onde esteve seis annos, no fim dos quaes veyo para os Paços de Cintra, onde faleceo a 12 de Setembro de 1683, e jaz no Convento de Belem.[732]
146 Em quanto ElRey D. Affonso foy vivo, não quiz o Serenissimo Principe D. Pedro seu irmaõ outro titulo, que o de Regente do Reino, cujo encargo tomou pelos repetidos rogos de seus vassallos; mas tanto que faleceo D. Affonso, foy conhecido pelo soberano titulo de Rey D. Pedro II. Havia nascido em Lisboa a 26 de Abril de 1648, e se achava já na idade de trinta e cinco annos ao tempo da morte de seu irmão. Como a nullidade do matrimonio entre ElRey D. Affonso, e a Rainha Dona Maria Francisca de Saboya foy julgada, e em virtude da sentença se alcançou Breve para se receber o Principe com a Rainha, de cujo consorcio naõ houve outro fruto mais que a Senhora Dona Isabel, e a Rainha tinha espirado a 17 de Dezembro de 1683, foy preciso que ElRey passasse a segundas vodas para segurar a sua Real descendencia.
147 Naõ custou pouco determinarse ElRey para segundo casamento; mas em fim se completou com a Serenissima Princeza Dona Maria Sofia, filha do Eleitor Palatino do Rhim, em 11 de Agosto de 1687, e nessa ditosa uniaõ augmentada com a felicidade da paz foy continuando ElRey o seu governo com grande gosto dos vassallos; porque além de possuir da natureza dotes muy especiaes na soberana, robusta, e galharda presença exterior, nos costumes, e prendas do animo excedeo a todos os Monarcas[Pg 349] do seu tempo, porque era muy pio, devoto, compassivo, liberal, benigno para com todos, e amante das pessoas virtuosas.
148 Com grande acerto levantou muitas judicaturas de novo para bom regimen da justiça, em que era exacto, se bem na punitiva propendia mais para a clemencia. Erigio tambem muitos Bispados, o de Pernambuco, Rio de Janeiro, Maranhaõ, Pekim, Nankim, e o da Bahia elevou à dignidade de Arcebispado, e teve a fortuna de possuir Ministros em todos os empregos de grande experiencia.
149 Corria o anno de 1701, quando ElRey fez huma liga offensiva, e defensiva com França, e Hespanha contra a Casa de Austria, a qual se desfez depois a 16 de Mayo de 1703, entrando ElRey D. Pedro no Tratado da grande alliança com o Imperador Leopoldo I., Inglaterra, e Hollanda, a fim de meterem de posse de Hespanha o Archiduque Carlos filho segundo do Imperador,[732a] o qual havia de entrar pelas nossas terras, e por este ajuste se prometteraõ grandes conveniencias a Portugal. Chegou aqui ElRey Carlos a 7 de Março de 1704, e fazendo huma publica, e pomposa entrada, depois de assistir algum tempo na Corte, partio com elle ElRey D. Pedro para a Provincia da Beira, por onde se havia de introduzir em Castella.
150 Poz-se ElRey Filippe V. em campanha contra Portugal; porém o nosso exercito, de que era General o Marquez das Minas, fez render varias Praças de Castella, como foraõ Valença, Coria, Albuquerque, Alcantara, Placencia, e Ciudad Rodrigo, e sujeitando-as à obediencia delRey, penetrou até Madrid, onde fez acclamar Rey de Hespanha a Carlos III. em 2 de Julho de 1706.[733]
151 Havia-se ElRey D. Pedro restituido a Portugal[Pg 350] em 17 de Novembro de 1704, e depois de ouvir com grande alvoroço, e celebrar com plausivel contentamento a feliz acclamaçaõ delRey Carlos III. passados cinco mezes, achando-se na quinta de Alcantara, o accommetteo hum pleuriz legitimo com perigo manifesto da vida; e no dia 9 de Dezembro de 1706, tendo recebido com grande edificaçaõ o Santissimo Viatico, e o Sacramento da Extrema-Unçaõ, deu a alma a Deos pela huma hora depois do meyo dia, deixando por suas singulares virtudes eterna saudade a seus vassallos. Viveo cincoenta e oito annos, sete mezes, e treze dias: reinou como Principe Regente mais de quinze annos, e como Rey mais de vinte e tres. Jaz sepultado no Convento de S. Vicente de Fóra.
152 Por falecimento do Senhor Rey D. Pedro II. de saudosa memoria lhe succedeo no Throno seu filho ElRey D. Joaõ V. tendo dezasete annos de idade, contados desde 22 de Outubro de 1689, em que nasceo na Cidade de Lisboa. Foy acclamado no primeiro de Janeiro de 1707, felicitando-lhe com repetidos obsequios a exaltaçaõ à Coroa naõ só os seus vassallos, mas todos os Principes da Europa.
153 Começando logo a dirigir suas acções pelo caminho, e maximas da herocidade, ratificou a grande alliança, que ElRey seu pay celebrara contra Hespanha; mas esta liga fez experimentar ao nosso exercito em 25 de Março de 1707 a mesma fortuna das Tropas alliadas: porque depois de termos vencido valerosamente a batalha de Almança na fronteira do Reino de Valença, melhorou o inimigo com tanta vantagem os seus esquadrões, que o Duque de Baruvic nos prizionou treze Regimentos[Pg 351] à custa de hum grande destroço da sua gente.[734]
154 No seguinte anno de 1708, elegendo S. Magestade para esposa a Serenissima Archiduqueza Dona Maria Anna de Austria, filha do Imperador Leopoldo I. nomeou ao Conde de Villar-Mayor por Embaixador extraordinario à Corte de Viena para esta negociaçaõ; e conduzida a Serenissima Rainha pelo mesmo Conde, chegou à barra de Lisboa em 26 de Outubro do mesmo anno, e a 22 de Dezembro fez sua entrada publica por entre dezanove arcos triunfaes custosamente ornados, e hum innumeravel concurso de gente, que com as repetidas demonstrações de alegria faziaõ aquella funçaõ mais plausivel, e vistosa.
155 A guerra com Castella hia continuando, em que os nossos Generaes davaõ evidentes provas do seu valor, e sciencia em varios choques, cercos, e outros movimentos bellicos, recuperando algumas Praças, que o inimigo nos havia usurpado, quando tudo se suspendeo pelo Tratado da paz, que entre as tres Coroas de França, Hespanha, e Portugal se celebrou na Cidade de Utreck em o anno de 1713, e se publicou em Lisboa a 6 de Abril de 1715.
156 Estabelecida assim a paz no Reino, fez a vigilancia de Monarca taõ augusto, que nas terras do seu dominio prosperamente florecessem, e se gozassem os frutos da mesma paz por meyo de utilissimas leys, extincçaõ de abusos, perfeição de costumes, e outras muitas disposições produzidas da sua perspicaz advertencia, e Regios pensamentos. O zelo da Religiaõ, o amor das letras, a observancia da justiça, o cuidado, e cultura da sua Monarquia foy todo o seu desvelo. . 157 Do zelo, culto, e respeito da Religiaõ sobejaõ[Pg 352] provas, e testimunhos; pois bastando o incansavel excesso, com que se empregou o seu generoso, e pio animo, à maneira de outro Salomaõ, nas sumptuosas fabricas de Templos divinos, fazendo contribuir para elles os mais preciosos marmores nobremente pulidos, parecendo-lhe ainda pouca toda a profusaõ do dispendio, excedeo a todo este cuidado o incessante desejo, e a incansavel ancia de engrandecer, e augmentar cada vez mais o obsequio, e respeito da mesma Religiaõ, e a formalidade magestosa de seus ritos, e cultos.
158 Este projecto naõ só Christianissimo, mas Regio, o elevou à generosa obra da erecçaõ da Santa Igreja Patriarcal, onde vemos entre a pomposa grandeza, e reverente devoçaõ celebraremse os Officios divinos, e todas as funções Ecclesiasticas perfeitissimamente, ornando este excellentissimo Collegio Patriarcal de pessoas mais esclarecidas em sangue, e letras, a que conferio muitas preeminencias, e honras, e a que ajuntou grandes rendas, conforme a jerarquia das suas Dignidades. E para que a grandeza, e jurisdiçaõ desta Santa igreja fosse mais ampla, fez supprimir o Arcebispado de Lisboa Oriental pela Bulla do Santissimo Papa Benedicto XIV. intimada no primeiro de Setembro de 1741, ficando desde entaõ havendo hum só Cabido Patriarcal em todo o territorio, e Diocese de Lisboa, que até este tempo estava dividida em dous Arcebispados, erigindo tambem nos Paços dos antigos Arcebispos de Lisboa hum Seminario para se educarem os estudantes, que houverem de servir na Santa Igreja Patriarcal.
159 Incitado do mesmo zelo da Religiaõ, e a rogos do Summo Pontifice Clemente XI. mandou o nosso magnanimo Rey duas vezes soccorrer Italia contra o formidavel poder Othomano, devendo-se à esquadra Portugueza, que se compunha de seis náos de guerra, dous burlotes, e huma tartana, a[Pg 353] gloria de embaraçar ella só a terrivel força de vinte e duas sultanas, e outras tantas náos de Barbaria, com que o Graõ Baxá vinha sobre Corfú, e Veneza, fazendo o terror das nossas armas retirallo injuriosamente para a Moréa com a perda de cinco mil Turcos; e deixando desassombrados, e seguros os portos naõ só daquella Republica, mas de toda Italia em Agosto de 1717, ficou nosso Monarca na vitoria deste conflicto naval constituido arbitro dos que o tem sido do mundo.[735]
160 O amor das letras se vê na util erecçaõ da Academia da Historia, que teve o seu principio em 8 de Dezembro de 1720, compondo-a dos homens mais eruditos do Reino, e a cujas Conferencias permittio a honra da sua Real presença repetidas vezes. Para a celebre Academia dos Arcades, que ha em Roma, comprou novo domicilio, para se fazerem as suas assembleas com melhor commodidade. Em todas as Provincias do Reino ordenou que houvessem Academias militares, para que florecesse a sciencia Mathematica; e para a da Jurisprudencia erigio tambem na Universidade de Evora tres Cadeiras do Direito Civil, e duas do Canonico, excedendo para prova deste affecto naõ só o amparo, que os eruditos achavaõ na sua benignidade, nem a grande collecçaõ de livros selectos, com que formou huma das mayores Bibliothecas da Europa, mas a vasta comprehensaõ das mesmas sciencias, e a continua liçaõ dos mesmos livros.
161 Naõ he possivel caber na curta esfera deste Mappa a expressaõ de acções taõ grandes, que obrou ElRey D. João V.: os maravilhosos edificios[Pg 354] de Templos, Palacios, e casas de campo; a utilissima, e sumptuosa construcçaõ do aqueducto de Lisboa; o desafogo das suas ruas; a melhor commodidade da navegaçaõ do Tejo; a introducçaõ de novas fabricas; o augmento dos arsenaes; e sobre tudo o da propagaçaõ da Fé em todas as suas Conquistas, com a recta observancia da justiça, saõ acções taõ notaveis, e tantas, que justamente poderá questionar a posteridade, se foraõ obradas por hum só Heroe, ou por muitos: mas que muito se no augusto, e magnanimo peito deste Monarca residiaõ juntos elevadamente os espiritosos brios de todos os Monarcas Lusitanos, e de fórma o animavaõ, que o faziaõ exceder a todos;[736] ajuntando-se a todos estes dotes a magestosa presença, e bem proporcionada estatura de seu galhardo corpo, que, ainda disfarçado, mal podia encubrir o respeito de Soberano.
162 Com toda esta felicidade padeceo todavia ElRey a 10 de Mayo de 1742 hum fortissimo ataque de paralysia, que lhe debilitou a parte esquerda do corpo; mas com os banhos das Caldas, chamadas da Rainha, para onde foy em 9 de Julho do dito anno, e com a applicaçaõ de outros remedios adquirio alguma melhoria, mas naõ aquella total saude, que os seus vassallos desejavaõ. Assim foy continuando com grande constancia de animo o prolongado tormento da sua queixa, que sem embargo de lhe embaraçar os passos para andar, naõ lhos pode impedir ao progresso da sua devoçaõ, e piedade.
163 Com esta assistia de continuo na tribuna da Santa Igreja Patriarcal, adorando, e deprecando a[Pg 355] Deos nos muitos sacrificios de Missas que ouvia, e Officios que rezava. A elle devem as Almas detidas no Purgatorio o grande suffragio, que por indulto Apostolico obteve da Santidade de Benedicto XIV. expedido em Roma aos 21 de Agosto de 1748, para que no dia da Commemoraçaõ dos Fieis defuntos podessem todos os Sacerdotes dos seus dominios celebrar tres Missas. Este grande animo, e fervor de espirito, com que favorecia as Almas, foy nelle sempre inseparavel, dispendendo caritativo no frequente beneficio dos seus suffragios grosso, e innumeravel cabedal. Destas acções taõ pias, e magnanimas persuadido o Pontifice Benedicto XIV. lhe concedeo a 23 de Dezembro do mesmo anno de 1748 para si, e seus successores o titulo de Fidelissimo.
164 Chegando finalmente o prazo ultimo de seus dias, os terminou em Lisboa aos 31 de Julho de 1750, e foy viver na Bemaventurança em premio das virtudes que exercitou; tendo-se primeiramente disposto, e preparado como Catholico com todos os Sacramentos da Igreja. Jaz seu corpo no Templo de S. Vicente de Fóra.
165 A inclyta Naçaõ Portugueza deu ao publico em Roma numa demonstraçaõ do seu reverente obsequio à saudosa memoria de taõ grande Monarca: celebrou na Real Igreja de Santo Antonio as solemnes exequias com aquella magnificencia, e esplendor, que eraõ devidas às excelsas prerogativas de hum Principe taõ benemerito da Sé Apostolica: para isto fez erigir hum sumptuoso Mausoleo com engenhoso artificio pela idéa do Architecto Portuguez Manoel Rodrigues dos Santos, ornado de primorosas figuras, medalhas, e epigrafes; concluindo-se todo o apparato lugubre com a seguinte inscripçaõ:
[Pg 356]
JOANNI V.
Lusitaniæ Regi Fidelissimo,
Pio, Victori, Pacifico.
Christianæ rei ubicumque terrarum Orbi, & Gentium
Propagatori.
Bonarum artium, omniumque Disciplinarum
Parenti vindici, Mæcenati munificentissimo.
Qui
Feralibus bellorum dissidiis, aut consilio restinctis,
Aut virtute sublatis,
Pacis artes, publica Sacerdotia,
Ecclesiæ majestatem, dignitatemque
Post Constantini Magni memoriam,
Quam qui maxime ornavit, auxit, amplificavit.
Principi Optimo
Deque omnium Nationum ordinibus benemerentissimo
Lusitani D. N. M. Q. Ejus.
166 He o Fidelissimo Senhor D. Joseph Monarca presentemente reinante, augusto successor de seu grande Pay D. Joaõ V. Foy acclamado Rey na Cidade de Lisboa em huma segunda feira de tarde aos 7 de Setembro de 1750 com festivos applausos de seus vassallos. Para esta ceremonia chea de grande alegria, se levantou huma varanda magnifica no terreiro do Paço junto a Palacio, a qual começando da sala dos Tedescos, por onde tinha a entrada, rematava no torreaõ do Forte com quarenta palmos de largo, e trezentos e setenta de comprido, sustida em dezaseis altas columnas ligadas com huma balaustrada que fazia face ao mesmo terreiro, e revestido tudo com o mais precioso ornato, que soube idear o bom gosto.
167 Tanto que subio ao Throno, e empunhou o Cetro, fez ver que existia vivamente naõ só na[Pg 357] magestade da Pessoa, e clemencia do genio, mas na generosidade das acções, reproduzido o coraçaõ magnanimo de seu memoravel Pay. Este bom conceito annunciaraõ seus vassallos desde o dia 6 de Junho de 1714, em que este Monarca vio a primeira luz do mundo, onde havia ser o primeiro brilhante Astro da esfera Lusitana. Para segurar a successaõ Regia casou em 19 de Janeiro de 1729 com a Serenissima Princeza das Asturias D. Maria Anna Victoria, filha delRey Catholico Filippe V., e da Rainha D. Isabel Farnese sua segunda mulher.
168 Logo nos primeiros passos do seu Reinado mostrou o grande zelo de conservar os seus povos em paz, justiça, e prosperidade: e como estes atributos naõ se podem estabelecer sem o recto manejo de bons Ministros, cuidou em os eleger competentes, e de alta comprehensaõ aos interesses politicos, e economicos do Estado. Com esta providencia se dispozeraõ as negociações da Marinha, do Commercio, e de todos os Tribunaes naquelle melhorado regimen, que o Reino experimenta; ajudando ao bom exito de tudo as justissimas Leys, que em utilidade do bem publico tem promulgado.
169 Para augmentar o Commercio, e Navegaçaõ, de que resultaõ opulencias mayores que as da natureza, ordenou que os despachos fossem promptos, evitando demoras na expediçaõ dos Tribunaes. Exaltou, e renovou o exercicio das bellas letras com a reforma de melhores Methodos; dispondo que fossem educados seus vassallos principalmente os Nobres; fundando para este effeito Collegio onde se aprendaõ todas as uteis, e estimaveis profissões das Artes, abolindo por Decreto de 29 de Julho de 1759 o magisterio aos Jesuitas, e a liçaõ da Arte do Padre Manoel Alvares.
170 Nos extraordinarios accidentes do terremoto, e incendio, que fatalmente destruiraõ Lisboa no anno de 1755, se vio a grandeza do coraçaõ deste[Pg 358] augusto Monarca; porque conservando-se inalteravel em hum caso taõ repentino, e horrendo, em que vacilaraõ os mayores talentos, elle se applicou pio, e providente a soccorrer, e acautelar a consternaçaõ, do afflicto Povo: e como se fora pequeno este empenho, intentou d’entre as cinzas de Lisboa abrazada reproduzir outra de novo com mayores vantagens, excedendo nas circustancias a grandeza de Trajano.[737]
171 Com igual constancia de animo tolerou aquelle barbaro desacato, com que a aleivosia, rompendo as obrigações da fidelidade Portugueza, se atreveo a insultar a sua veneravel Pessoa em a noite de 3 de Setembro de 1758. Mas a Providencia de Deos, salvando-lhe com prodigio a vida, fez que naõ ficassem sem castigo os perfidos delinquentes, fazendo-os justiçar a 13 de Janeiro do seguinte anno em o Caes de Belém; porque o Principe, que dissimula a malicia, reina só no nome; o que a castiga, reina no nome, e no officio.
172 Ainda naõ havia bem descançado de punir traições, e acautelarse de insultos, quando os Reys Catholico, e Christianissimo com o Pacto de Familia, que entre si estipularaõ, querendo por força que nos declarassemos contra Inglaterra, invadiraõ, e atacaraõ com cavilozos pretextos algumas das nossas Praças Trasmontanas; commetendo o Marquez de Sarria, e outros Generaes Castelhanos muitas hostilidades desde 8, 15, e 21 de Mayo de 1762, em que se introduziraõ em Miranda, Bragança e Chaves, e em cujas acções tem perturbado a paz publica, e fé dos Tratados estabelecidos com a antiga solemnidade.
173 Porém como da nossa parte milita a justiça, e a razaõ, espera ElRey Fidelissimo triunfar do[Pg 359] poder, e industria de seus inimigos. Para este bom exito mandou fazer promptas as suas Tropas, cujo total mando, e manejo entregou plenamente ao Conde Soberano de Lippa Guilherme de Schaumburg, Cavalleiro da Real Ordem Prussiana da Aguia Negra, Pessoa que ElRey da Grã Bretanha, como nosso Alliado, elegeo, por ser de huma distincta reputaçaõ, e de conhecido valor, e fama nas guerras da Europa. Sua Magestade Fidelissima o nomeou Marechal General dos seus Exercitos, e Director geral de todas as suas Tropas por Decreto de 3 de Julho de 1762.
174 Toda esta boa razaõ, e justiça, em que se estriba a nossa defensa, fez persuadir tambem ao Principe Carlos Luiz Federico Duque de Meckelburgo, Streliz, Principe de Vandalia, a que passasse dos exercitos Britanicos onde era Marechal de Campo, para as Tropas delRey Fidelissimo, o qual logo o nomeou Coronel General de hum Regimento de Cavallaria, a que deu titulo de Meckelburgo. Naõ só prometem estas antecedencias felicidades às Armas Portuguezas, mas animo. Será cada coraçaõ Portuguez hum escudo à vida, e gloria de nosso Augusto Monarca, o qual em militares campanhas amedrentará com o ecco do seu valor dilatados climas do Universo.
[Pg 360]
N. | Nome. | Cognome. | Patria. | Nasc. | Coroaç. | Ann. que reinou. | Ann. que viveo. | Anno da morte. | Lugar da morte. | Lugar da sepultura |
---|---|---|---|---|---|---|---|---|---|---|
1 | D. Affonso I. | Conquistador. | Guimarães. | 1109 | 1128 | 57 | 76 | 1185 | Coimbra. | Santa Cruz de Coimbra. |
2 | D. Sancho I. | Povoador. | Coimbra | 1154 | 1185 | 26 | 57 | 1211 | Coimbra. | Santa Cruz de Coimbra. |
3 | D. Affonso II. | Gordo. | Coimbra. | 1185 | 1211 | 12 | 38 | 1223 | Coimbra. | Alcobaça. |
4 | D. Sancho II. | Capello. | Coimbra. | 1202 | 1223 | 25 | 46 | 1248 | Toledo. | Sé de Toledo. |
5 | D. Affonso III. | Bolonhez. | Coimbra. | 1210 | 1246 | 32 | 69 | 1279 | Lisboa. | Alcobaça. |
6 | D. Diniz | Lavrador. | Lisboa. | 1261 | 1279 | 46 | 63 | 1325 | Santarem. | Odivelas. |
7 | D. Affonso IV. | Bravo. | Coimbra. | 1291 | 1325 | 32 | 66 | 1357 | Lisboa. | Sé de Lisboa. |
8 | D. Pedro I. | Justiceiro. | Coimbra. | 1320 | 1357 | 9 | 46 | 1367 | Estremoz. | Alcobaça. |
9 | D. Fernando. | Formoso. | Coimbra. | 1345 | 1367 | 16 | 38 | 1383 | Lisboa. | Santarem. |
10 | D. Joaõ I. | Boa memoria. | Lisboa. | 1357 | 1385 | 48 | 76 | 1433 | Lisboa. | Batalha. |
11 | D. Duarte. | Eloquente. | Viseu. | 1391 | 1433 | 5 | 46 | 1438 | Thomar. | Batalha. |
12 | D. Affonso V. | Africano. | Cintra. | 1432 | 1438 | 43 | 49 | 1481 | Cintra. | Batalha. |
13 | D. Joaõ II. | Perfeito. | Lisboa. | 1455 | 1481 | 14 | 40 | 1495 | Alvor. | Batalha. |
14 | D. Manoel. | Venturoso | Alcochete. | 1469 | 1495 | 26 | 52 | 1521 | Lisboa. | Belém. |
15 | D. Joaõ III. | Piedoso. | Lisboa. | 1502 | 1521 | 35 | 55 | 1557 | Lisboa. | Belém. |
16 | D. Sebastiaõ. | Desejado. | Lisboa. | 1554 | 1557 | 21 | 24 | 1578 | Africa. | Belém. |
17 | D. Henrique. | Casto. | Almeirim. | 1512 | 1578 | 1 | 68 | 1580 | Almeirim. | Belém. |
18 | D. Filippe II. | Prudente. | Valhadolid. | 1527 | 1581 | 18 | 71 | 1598 | Escurial. | Escurial. |
19 | D. Filippe III. | Pio. | Madrid. | 1578 | 1598 | 23 | 43 | 1621 | Madrid. | Escurial. |
20 | D. Filippe IV. | Grande. | Valhadolid. | 1605 | 1621 | 19 | 60 | 1665 | Madrid. | Escurial. |
21 | D. Joaõ IV. | Restaurador. | Villa Viços. | 1604 | 1640 | 15 | 51 | 1656 | Lisboa. | S. Vicente de Fóra |
22 | D. Affonso VI. | Vitorioso. | Lisboa. | 1643 | 1656 | 11 | 40 | 1683 | Cintra. | Belém. |
23 | D. Pedro II. | Pacifico. | Lisboa. | 1648 | 1667 | 39 | 58 | 1706 | Alcantara. | S. Vicente de Fóra. |
24 | D. Joaõ V. | Fidelissimo. | Lisboa. | 1689 | 1706 | 44 | 60 | 1750 | Lisboa. | S. Vicente de Fóra. |
25 | D. Joseph I. | Fidelissimo. | Lisboa. | 1714 | 1750 |
[Pg 361]
[559] Rib. de Maced. na Geneal. do Conde D. Henr.
[560] Sousa. Histor. Genealog. da Casa Real Port. tom. 1. pag. 31.
[561] Brand na Monarq. liv. 11. cap. 38.
[562] Apud Maced. allegad. e Far. no tom. 2. da Europ. Port. part. 1. cap. 2.
[563] Exempl. Flor. Alteram filiam, sed non ex conjugali thoro natam Ainrico.. dedit.
[564] Far. Com. de Cam. Cant 3. est 25.
[565] Baron. tom. 11. ad an. 1080 Constat enim à Rege Catholico Alphonso... uxorem diversam à consanguinea defunctæ conjugis accepisse.
[566] Monarq. Lusit. liv. 8. cap. 13. fin. Ribeir. de Maced. allegad
[567] Barbos. Catal. das Rainhas de Port. pag. 7. Vide etiam Sous. na Hist. Genealog. tom. 1. pag. 33. Berganç. Antiguid. de Hesp. part. 1. liv. 5. n. 451.
[568] Barbos. ut supr. p. 37.
[569] Sousa ut supr. p. 32.
[570] Monarq. Lusit. liv. 8. cap. 10.
[571] Marian. Histor. de Hesp. tom. 1. liv. 13. cap. 20. Garibay tom. 2. liv. 13. cap. 11. Ortiz, Anales de Sevilla liv. 2. p. 205. Garma Theatr. univers. de Hesp. tom. 3. pag. 288.
[572] Barbos. Catalog. das Rainh. pag. 38.
[573] Brochado na conta de 13 de Mayo de 1723 das Mem. Academ. Veja-se tambem a Monarq. Lusitan. liv. 8. cap. 9.
[574] Monarq. Lusit. liv. 8. cap 22.
[575] Far. no Com. de Cam. Cant. 3. est. 27.
[576] Barbos. Catalog. das Rainh. p. 79. & seqq.
[577] Estaço nas Antig. de Port. cap. 12. n 7.
[578] Monarq Lusit. liv. 9. cap. 8. Mariz Dialog. 2. cap 3. Duart. Nun. Chronic. do Conde D Henriq. Telles Chronic. da Comp. part. 1. liv. 1. cap. 16. n 4. Far. na Europ. tom. 2. part 1. cap. 3. n 4. Maced. Excel de Port. cap. 21. excel. unic. n 9. Vasconc. Anac. Maced. Propugn. Lusitan. Galic. confut. 20. §. 1. Clede Hist. de Port. tom. 2. p. 67.
[579] Monarq. Lusit. liv. 9. cap. 14.
[580] Brand. Monarq. Lusit. liv. 9. cap. 16.
[581] Brit. na Chronic. de Cister part 1. liv. 3. cap. 4. Cam. Lusiad. cant. 3. est. 35. Benedict. Lusit. tom. 2. p. 275. Monarq. Lusit. liv. 9. cap 19. Toscan. Paral. devar. illustr. cap. 26. Maced. Flor. de Hesp. cap. 12. excel. 2.
[582] Resend. lib. 4. Antiq. Tantas congregavit copias, ut millia quadringenta exercitus superaret.
[583] Horat. Tursellin. Epitom. Histor. liv. 8. ad ann. 1140. Itaque victoriis ingens ab Alphonso Rege Castellæ, Rex Lusitaniæ appellatur.
[584] Conserva-se na Torre do Tombo tit. 1. p. 1. dos Breves.
[585] Monarq Lusit. liv. 10. cap. 5. Sousa Histor. Geneal. tom 1. das Prov. n. 3.
[586] Cam. Lusiad. cant. 3. est. 45 e seg. e seu Commentador Manoel de Far. Brit. Chron. de Cist. liv. 3. c. 2. Monarq. Lusit. liv. 10. cap. 5. Paes Viegas nos Princ. de Port. liv. 4. Resend. liv. 4 de Antiq. Dam. de Goes in Descript. Olisip. Man. da Cost. celebre Jurista, na Oraçaõ funeb. delRey D. Joaõ III. em 25 de Junho de 1557, e impressa em Coimbr. ann. 1558. Osor. de reb. Emm. l. 8. & de Nobil l. 3. Vasconc. Anacephal. n. 5. Freit. de just. Imp. Lusit. cap. 18. n. 16. Duart. Galv. na Chronic. deste Rey cap. 15. e outros, que allega o Doutor Joseph Pinto Pereira no Appar. Histor de argum. sanctit. Reg. Alphons. Henr. arg. 1. Os Authores Estrangeiros saõ os seguintes: Thom. Boss. de Sign. Eccles. tom. 2. l. 7. c. 7. Beyerlinck verb. Apparitio. Delr. Disquis. magic. lib. 2 quæst 26. sect. 5. Thyræus de Christi apparition. impersona lib. cap. 3. Rosignol de actib. virtut. lib.1. cap. 16. Bagat. de admir. orb. Christian tom. 2. lib 5. cap. 1. n. 45. Petra sancta in Tesseris gentilic. Jarric. Thesaur. rer. indic. p. 2. cap 3. Birag. Histor del Port. part. 13. Tracagnot. Histor. Ital. Morel. Reduccion de Port. part. 1. n. 10. e outros, que allega D. Anton. Caetano de Sousa no tom. 4. do Agiolog. Lusit. a 25 de Julho.
[587] Marian. liv. 10. cap. 17. tom. 1. Histor. de Hespanh.
[588] Brit. Chron. de Cister l. 3. cap. 4. e 5. Manriq. Annal. Cisterc. ann. 1142. cap. 4. Brand. Monarq. liv. 11. cap. 4. liv. 16. cap. ult. e liv. 19. cap. ultim. Maced. de Div. tutelar. p. 240. Maced. Philipp. Portug. cap. 19. Velasc. Justa Acclam. part. 1. §. 4. n. 24. Baron. ad ann. 1144. in Lucio II. Aguirre tom. 3. Concil. ad ann. 1144. n. 92.
[589] Mariz. Dialog. 2. cap. 7. Garibay liv. 34. cap. 14. Mend. da Silv. Catal. Real §. 59. Mendoça in Viridar. lib. 6. or. 3. num. 67. Vieg. in Apocalyps. cap. 21. sect. 5. num. 6.
[590] Brit. Chron. de Cister liv. 3. cap. 21.
[591] Monarq. Lusit. liv. 11. cap. 13.
[592] Idem ibid. cap. 27.
[593] Monarq. Lusit. liv. 11. cap. 27.
[594] Brand. ibid. l. 12. c. 1.
[595] Sousa Histor. Genealog. tom. 1. pag. 80.
[596] Monarq. liv. 12. cap. 1. e 11.
[597] Ibid.
[598] Idem ibid cap. 3.
[599] Monarq. Lusit. liv. 12. c. 7. e no fim do Prologo da quarta parte.
[600] Idem cap. 13.
[601] Clede tom. 2. pag. mihi 165.
[602] Monarq. Lusit. liv. 12. cap. 31.
[603] Ibid. cap. 35. Sousa Histor. Genealog. tom. 1. das Prov. n. 10. Cled. tom. 1. p. 166.
[604] Barbos. Catal. das Rainh. de Port. p. 143.
[605] Brand. na Monarq. Lusit. liv. 12. cap. 27.
[606] Cled. tom. 2. Histoir. de Port. p. 174.
[607] Far. na Europ. Port. tom. 2. part. 1. cap. 7. n. 7.
[608] Brand. Monarq. liv. 13. cap. 10. e liv. 14. cap. 8.
[609] Bzovius tom. 13. Annal. ad ann. 1225. apud Barbos. Catalog. das Rainh. p. 160.
[610] Sá de Mirand. cart. 5. est. 11.
[611] Monarq. Lusit. liv. 14 cap. 25.
[612] Monarq. Lusit. liv. 14. cap. 29.
[613] Monarq. Lusit. liv. 15. cap. 5.
[614] Ibid. cap. 12.
[615] Ibid. cap. 13.
[616] Cunh. Catalog. dos Bisp. do Port. part. 2. c. 12. Monarq. Lusit. liv. 16. cap. 10.
[617] Barbud. Emprezas Militar. p. 12. e outros.
[618] Barbos. Catalog. das Rainh. pag. 61. e seqq. Brand. na 4. part. da Monarq. Lusit. e liv. 16. cap 41. Lim. Geograf. Histor. tom. 2. p. 288. & seq. Far. Epitom. part. 4. cap. 8.
[619] Far. na Europ. Port. tom. 2. part. 2. c. 1. n. 22.
[620] Cam. cant. 3. est. 94.
[621] Esperanç. Histor. Serafic. part. 1. liv. 5. cap. 11. Monarq. Lusit. liv. 15. cap. 47.
[622] Monarq. Lusit. liv. 16. cap. 1. 2. e 3.
[623] Ibid. cap. 4.
[624] Monarq. Lusitan. liv. 16. cap. 34.
[625] Far. Europ. Port. tom. 2. part. 2. cap. 2. n. 7. Monarq Lusit. liv. 16. cap. 50.
[626] Monarq. Lusit. liv. 16. cap. 72. ep. 320. Sous. tom. 1. das Provas da Histor. Geneal. p. 74.
[627] Monarq. Lusit. liv. 17. cap. 7.
[628] Far. Europ. tom. 2. p. 2. cap. 2. n. 20. Monarq. liv. 18. cap. 2. Barbud. Emprez. Milit. pag. 17. vers.
[629] Leit. Ferr. Notic. Chronol. da Universid. de Coimbr. num 310.
[630] Ibid. num. 312.
[631] Monarq. Lusit. tom. 7. Liv. 3. cap. 3. num. 1.
[632] Ruy de Pin. Chron. cap 5.
[633] Sousa Histor. Genealog. tom. 1. p. 306.
[634] Leit. Ferr. Notic. Chron. n. 321. e 333.
[635] Monarq. Lusit. part. 7. liv. 10. cap. 22. e 23.
[636] Leit. Ferr. Notic. Chronol. da Universid. de Coimbr. num. 404.
[637] Nunes de Leaõ Chronic. delRey D. Pedro fol. 179.
[638] Sá Elegia à morte do Principe D. Joaõ pag. mihi 277. Vide Barbud. nas Emprez. Milit. pag. 23.
[639] Ferrei. Notic. Chronolog. de Coimbr. n. 495 & seqq.
[640] Fern. Lop. Chron. cap. 2.
[641] Cam. Lusiad. cant. 3. est. 138.
[642] Monarq. Lusit. tom. 8. liv. 22. cap. 6.
[643] Nunes de Leaõ na Chronic. deste Rey.
[644] Monarq. Lusit. tom. 8. liv. 22. cap. 21.
[645] Cam. cant. 3. est. 138.
[646] Monarq. Lusitan. tom. 8. liv. 22. cap. 24. Barbud. Emprez. Militar. pag. 32.
[647] Far. no Comm. da est. 138. do cant. 3. de Cam.
[648] Monarq. Lusitan. part. 8. liv. 22. cap. 26.
[649] Notic. Chronol. da Univ. de Coimbr. n. 438.
[650] Monarq. Lusitan. part. 8. p. 211.
[651] Idem ibid. liv. 22. cap. 47.
[652] Idem ibid. liv. 23. cap. 4. Pufendorf, Introduct. a la Histoire tom. 1. cap. 3. p. 128.
[653] Fern. Lopes Chronic. deste Rey cap. 14. Monarq. Lusit. part. 8. p. 460. Silv Memor. delRey D. João I. tom. 1. p. 116. Quanto ao dia, mez, e anno natalicio delRey D. Joaõ I. ha muita variedade entre os Chronistas: ninguem investigou melhor este ponto que o Academico Francisco Leitaõ Ferreira nas eruditas Noticias Chronologicas da Universidade de Coimbra desde o num. 623. para diante, a qual assenta, seguindo a Fernaõ Lopes, que o Mestre de Aviz nascera aos 15 de Abril de 1358; porém nós seguimos a opiniaõ commummente recebida, e approvada pelo Academico Joseph Soares da Silva tom. 1. p. 64. das Memorias deste Rey.
[654] Fr. Man. dos Sant. na 8. part. da Monarq. Lusit. liv. 23. cap. 19.
[655] Notic. Chronol. da Univ. n. 534.
[656] Soar. da Silv. nas Memor. delRey D. Joaõ I. liv. 1. c. 42. n. 281.
[657] Lim. Geograf. Histor. tom. 1.
[658] Monarq. Lusit. part. 8. liv. 23. cap. 29.
[659] Fern. Lop. Chron. delRey D. Joaõ I. part. 2. cap. 37. pag. 91. Monarq. Lusit. part 8. liv. 23. c. 40. Clede, Histoir. de Portug. tom. 3. liv. 10. Pufendorf, Introduct. a la Histoir. tom. 1. cap 3. Teixeir. Vida de D. Nun. Alvar. Pereir. liv. 3. n. 173. p. 359. Conde da Ericeira Vida delRey D. Joaõ I. liv. 2. p. 200. e liv. 3. p. 230. Sá Memor. Historic. do Carmo part. 1. pag 82.
[660] Soares da Silv. Memor. delRey D. Joaõ I. pag. 1505. Leit. Ferr. Notic. Chronol. n. 733.
[661] Sous. tom. 1. das Prov. da Histor. Genealog. num. 5.
[662] Sous. Histor. Geneal. tom. 2. pag. 23. Far. Europ. Portug. tom. 2. part. 3. cap. 1. Mariz Dialog. 4. Silv. Memor. delRey D Joaõ I. tom. 4. document. 19. p. 140. Argot. Memor. de Brag. tom. 3. p. 36.
[663] Soar. da Silv. allegado p. 267.
[664] Sous. allegad. tom. 2. p. 24.
[665] Soar. da Silv. Mem. delRey D. Joaõ I. liv. 2. cap. 104. e 105.
[666] Anno Histor. tom. 2. 14. de Agost. Teixeir. Vida do Condestav. p. 589.
[667] Soar. da Silv. Memor. delRey D Joaõ I. tom. 1. cap. 53. p. 270.
[668] Sousa na Histor. de S. Doming part. 2. fol. 330.
[669] D. Anton. Caetan. de Sousa no tom. 1. das Prov. p. 529.
[670] Fern. Lop. Chronic. delRey D. Joaõ I. part. 2. pag. 323. col. 1.
[671] Clede Histoir. de Portug. tom. 3. p. 203.
[672] Far. tom. 2. da Europ. part. 3. cap. 2. n. 7. Cled. Histoir. de Portug. tom. 3. p. 205.
[673] Idem ibid. p. 233.
[674] Duart. Nun. de Leaõ cap. 18. Soar. da Silv. Memor. delRey D. Joaõ I. pag. 494.
[675] Cled. Histor. de Portug. tom. 3. p. 233.
[676] Notic. Chronolog da Univers. de Coimbr. n. 750.
[677] Far. na Europ. Portug. tom. 2. part. 3. cap. 3. n. 14. & seqq.
[678] Sous. tom. 1. das Prov. da Histor. Genealog. n. 17.
[679] Ruy de Pin. Chronic. delRey D. Affonso V. cap. 21. e 22.
[680] Cam. cant. 4. est. 57.
[681] Garc. de Resend. Chron. delRey D. Joaõ II. cap. 16. e 17. Duart. Nun. Chron. delRey D. Affonso V. cap. 62.
[682] Faria no Comm. de Cam. cant. 4. est. 57.
[683] Idem no Epitom. part. 3. cap. 13. n. 24. Pint. Ribeir. no Trat. da Prefer. das letr. às armas.
[684] Garibay Damiaõ de Goes, Barbuda, Ferreras, e outros apud Leit. Ferreir. Notic. Chron. da Universid. de Coimbr. n. 861.
[685] Garc. de Resende na Vida deste Rey cap. 5.
[686] Zerit. Anal. liv. 20. cap. 44. Sousa Histor. Geneal. tom. 5. liv. 6. cap. 7. p. 455.
[687] Telles da Silv. de reb. gest. Joann. II. pag. 92. Sed in universum æstimanti sanè fuit meliori facto dignus.
[688] Garcia de Resend. na vida deste Rey cap. 50., 76., e 146. Far. Europ. Portug. tom. 2. part. 3. cap. 4. n. 98.
[689] Resende cap. 167.
[690] Resende cap. 109 Sá de Mirand. cart. 2. est. 39. Telles da Silv. de reb. gest. Joann II. pag. 33.
[691] Garcia de Resende cap. 211. e 213. Dam. de Goes Chronic. delRey D. Manoel p. 1 cap. 1. Fonseca na Evora gloriosa p. 97.
[692] Cam. nas Lusiad. cant. 4. est. 66.
[693] Leit. Ferr. Notic. Chronolog. num. 905. & seqq.
[694] Goes Chronic. delRey D.Manoel part. 1. cap. 9.
[695] Idem ibid. cap. 17. Faria tom. 2. da Europ. Port. part. 4. cap. 1. n. 10. Sous. Histor. Genealog. tom. 3. p. 185.
[696] Goes Chronic. delRey D. Manoel part. 1. cap. 18. e 20.
[697] Pufendorf Introduct. à la Histoir. tom. 1. cap.3.
[698] Far. Europ. Port. tom. 2. part. 4. cap. 1. n. 23. Sous. Histor. Geneal. tom. 3. p. 226.
[699] Goes part. 4. cap. 85.
[700] Far. no cant. 1. das Lusiad. pag. 111.
[701] Descrevem esta Embaixada largamente Damiaõ de Goes na Chronica delRey D. Manoel part. 3. desde o cap. 55. Osor. de reb. Emman. Ann. Hist. a 12 de Fever.
[702] Leit. Ferr. Notic. Chronol.
[703] Goes na Chronic. delRey D.Manoel part. 1. cap. 62. Far. na Europ. Port. tom. 2 part. 4. cap. 2.
[704] Idem ibid. n. 3.
[705] Cabed. de Patron. cap.47. Cunha no Catal. dos Bisp. do Port. p. 451. Fr. Anton. da Purific. na 2. part. da Chron. liv. 7. tit. 1. §. 3. fol. 215. Faria na Vida de Camões, que vem no principio do Corrimento das Rimas.
[706] Leitaõ Ferr. Notic. Chronol. n. 1150.
[707] Bento Pereir. de Academ. n. 111. Maced. nas Flor. de Hespanh. cap. 8. excel. 7.
[708] Bossius de Sign. Eccles. tom. 1. liv. 5. cap. 3.
[709] Faria allegad. na Europ. Port. Sousa Histor. Genealog. tom. 3. p. 488.
[710] Faria na Europ. Port. tom. 3. part. 1. cap. 1. n. 8. Veja-se tambem o Anno Historico a 4 de Agosto.
[711] Far. Europ. Port. tom. 3. part. 1. cap. 1. n. 39. Sousa Histor. Genealog. tom. 3. p. 591. Lima Success. de Port. cap. 30. Anno Histor. a 23 de Junh.
[712] Clede tom. 5. pag 496.
[713] Sousa Histor. Genealog. tom. 3. pag. 594. Anno Histor. a 5 de Agosto num. 2.
[714] Damiaõ de Goes 3. part. da Chronic. delRey D. Manoel cap. 27. Barbos. nos Fast. da Lusit. a 31 de Janeiro §. 5.
[715] Far. Europ. Portug. tom. 3. part. 1. cap. 3 n. 20. Sousa Histor. Geneal. tom. 3. pag. 376. Torres de Lima nos Successos de Portug. part. 1. cap.33.
[716] Herrer. liv. 3. §. 52. diz que eraõ cem mil homens.
[717] Fr. Man. Hom. na Disposiçaõ das Arm. Castelhan. cap 3.
[718] Bonacin. tom. 2. Restitut. disp. 2. quæst. ult. sect. 1. punct. ultim. §. 2. Sá verb. Bellum n. 8. Suar. de Charit. disp. 13. de Bello sect. 6. n. 4. 5 & 6. Vasq. in l. 2. disp. 64. cap. 3. Molin. de Justit. tom. 1. tract. 2. disp. 103. n. 2. & 11. etc.
[719] Faria Europa Portug. tom. 3. part. 2. cap. 1. n. 15. Anno Historic. a 29 de Junho.
[720] Faria Europ. Port. Joaõ Pinto Ribeiro na Usurpaçaõ de Portug. Joaõ Bapt. Morelli na Restituiçaõ de Portug part. 1. Maced. Lusit. liberat. D. Francisco Man. Eco politic. O Author da Arte de furtar cap. 17. que supponho he Joaõ Pinto Ribeiro, e outros muitos.
[721] Velasco na Justa Acclamaç part. 2. punct. 1. §. 1. Joaõ Salgad. no Marte Port. certam. 2. art. 5. Portug. restaurad. liv. 1.
[722] D. Francisc. Man. Epanafor. 1. pag. 21. 42. 74. O Abbade de Vertot nas Revolutions de Portugal pag. mihi 81.
[723] O Padre Anton. dos Reys in Epist. ad Jamet. Nota 115. traz hum Catalogo dos Fidalgos confederados para a acclamaçaõ delRey D. Joaõ IV. e saõ mais dos quarenta, que refere o tomo 1. do Portug. Restaurad. pag.98. Sousa Histor. Genealog. tom. 7.
[724] Almeid. Restaur. prodigiosa part. 2. cap. 10.
[725] Hæc mutatio dexteræ Excelsi est. Psalm. 76. vers. 11.
[726] Morelli na Restituiç. de Portug. pag. 114.
[727] D. Franc. Manoel no Manifesto de Portug. Sousa Histor. Genealog. tom. 7. p. 162. Vieir. Histor. do futuro pag. 94. & seqq. Portug. Restaur. tom. 2. Evor. glor. p. 166. Ann. Histor. a 29 Agosto.
[728] Monarq. Lusit. part. 6. liv. 19. cap. 23.
[729] Sous. Hist. Geneal. tom. 7. p. 204.
[730] Catastrofe de Portug. pag. 77.
[731] Catastrofe de Port. pag. 225.
[732] Portug. Restaurad. part. 2. pag. 919.
[732a] Clede tom. 8. pag. 533.
[733] Sousa Histor. Genealog. tom. 7. pag. 639.
[734] Clede tom. 8. pag.535. Anno Histor. tom. 2.
[735] Franc. Botelho no Alfonso da impressaõ de Salamanc. de 1741. liv. 1. est. 6.
Roma, de quien fue throno el mundo intero,
Buscó tu auxilio en riesgo furibundo,
Y fuiste con tu armada, oh Real guerrero,
Arbitro de los arbitros del mundo.
...Lysiae reliquos nunc adspice Reges,
Ut collata videns illorum insignia gesta
Joannes gestis, quantum caput efferat omnes
Hic suber agnoseas.......
Padre Antonio dos Reys no Enthusiasmo Poetico prope finem.
[737] Magnum hoc tuum, non erga homines modo, sed erga tecta ipsa meritum, sistere ruinas, solitudinem pellere, ingentia opera, eodem quo extructa sunt animo, ab interitu vendicare. Plin. in Panegyr. Trajani.
[Pg 362]
O preclarissimo titulo de Rainha neste Reino he mais antigo que o dos Reys; porque foy costume daquelles primeiros Monarcas de Leaõ dar em vida titulo de Reys aos filhos, e de Rainhas às filhas para ficar assim nelles mais estabelecida, e segura a successaõ Real;[738] e ainda que alguns erradamente disseraõ, que o illustrissimo Conde D. Henrique assentara o senhorio de Portugal debaixo do titulo de Condado,[739] ninguem até agora duvidou que sua mulher a Senhora Dona Teresa, como filha, que era delRey D. Affonso de Castella, deixasse de se chamar sempre Rainha, e naõ Condessa; e do mesmo modo se chamaraõ Rainhas suas filhas, cujo estylo se praticou neste Reino até D. Sancho I.[740] do qual tempo até este nosso tomaraõ o nome de Infantes, o que naõ entendendo alguns Historiadores Flamengos, attribuiraõ a ambiçaõ chamarse Rainha, e naõ Condessa a Senhora Dona Teresa, filha delRey D. Affonso I. que casou com o Conde de Flandes Filippe de Alsacia.[741] Isto supposto, entremos a executar o promettido.
2 Dona Teresa, mulher do Conde D. Henrique, era filha delRey D. Affonso VI. de Leaõ, e herdeira de seus Estados, Senhora de notavel formosura.[Pg 363] Casou com o illustrissimo Conde no anno de 1093, trazendo em dote todo o Reino de Portugal, que ella governou dezaseis annos depois da morte do Conde seu marido, como senhora proprietaria delle;[742] e porque se aproveitava dos conselhos de hum Cavalhero Galego, chamado D. Fernando Peres, Conde de Trastamara, quizeraõ muitos dizer[743] que a Rainha Dona Teresa contrahira segundo casamento com o tal Conde; porém he certo que tal naõ houve, como efficazmente prova o erudito Padre D. Joseph Barbosa.[744] Fundou a Igreja de S. Pedro de Rates na Cidade de Braga: fez varias doações às Sés de Braga, Porto, e Coimbra: admittio em Portugal os Cavalleiros Templarios; e finalmente morreo em o primeiro de Novembro de 1130. Jaz na Capella mór da Sé de Braga.
3 Dona Mafalda, filha de Amadeo III. Conde de Saboya, e Moriana, casou com D. Affonso Henriques, primeiro Rey de Portugal, no anno de 1146. Fundou, e dotou hum Hospital na Villa de Canavezes para nove passageiros, e peregrinos terem nelle agazalho com todo o commodo possivel: unio-lhe as rendas da ponte, que mandou fabricar grandiosamente. Edificou a Igreja de Santa Maria de Sobre-Tamaga, e o Morteiro da Costa de Guimarães, que deu aos Conegos Regulares de Santo Agostinho, e hoje possuem os Religiosos de S. Jeronymo. Faleceo a 4 de Novembro de 1157, e está sepultada no Mosteiro de Santa Cruz de Coimbra junto de seu marido.[745]
4 Dona Dulce foy filha de D. Ramon Berenguer,[Pg 364] Conde de Barcelona, e Principe de Aragaõ. Casou com ElRey D. Sancho I. no anno de 1175, confirmou com ElRey seu marido algumas doações pias, e morreu em Coimbra no primeiro de Setembro de 1198. Está sepultada no Mosteiro de Santa Cruz da mesma Cidade.[746]
5 Dona Urraca era filha de D. Affonso IX. Rey de Castella. Casou com D. Affonso II. de Portugal no anno de 1201. Teve a felicidade de receber em seu Palacio a S. Francisco, e aos cinco Martyres de Marrocos; e sendo trazidos seus corpos a Coimbra, os foy buscar, e deu sitio para se fundar na mesma Cidade o primeiro Convento de S. Francisco em o Reino. Viveo com exemplar virtude, e mereceu que Deos lhe revelasse o dia de sua morte, que foy a 3 de Novembro de 1220. Jaz no Mosteiro de Alcobaça.[747]
6 Dona Brites filha delRey D. Affonso X. de Castella, chamado o Sabio, e ella Princeza de singular perfeiçaõ, e prudencia, casou com D. Affonso III. de Portugal no anno de 1253. Fundou o Hospital dos Meninos Orfãos de Lisboa, e o Convento de S. Francisco de Estremoz. O mayor louvor, que se lhe póde dar, he a grande fidelidade, que mostrou a ElRey D. Affonso seu pay, socorrendo-o com seus thesouros. Morreu em 27 de Outubro de 1303, e está sepultada no Real Mosteiro de Alcobaça.[748]
7 Santa Isabel foy filha delRey D. Pedro III. de Aragaõ, chamado o Grande. Casou com ElRey D. Diniz em 24 de Junho de 1282. Instituio com seu marido a Igreja, e Festa do Espirito Santo em Alenquer. Fundou a Capella de Nossa Senhora da[Pg 365] Conceiçaõ no Convento da Trindade de Lisboa. Por morte de seu marido se recolheo ao Mosteiro de Santa Clara de Coimbra, tambem fundaçaõ sua, onde viveo com taõ grandes evidencias de santidade, obrando Deos por sua intercessaõ muitos prodigios em vida, e depois de sua morte, que alcançou ser numerada no Catalogo dos Santos por Urbano VIII. em 25 de Mayo de 1625. Partio desta vida a gozar da eterna em 4 de Julho de 1336. Está seu veneravel corpo no Mosteiro de Santa Clara de Coimbra.[749]
8 Dona Brites filha de D. Sancho IV. Rey de Castella, chamado o Bravo, casou com D. Affonso IV. de Portugal em 12 de Setembro de 1309. Instituio na Sé de Lisboa as Mercearias, que chamaõ de Affonso IV. por concorrer tambem seu marido para esta instituiçaõ. Morreo em Lisboa no anno de 1359 a 25 de Outubro. Jaz na antiga Sé de Lisboa.[750]
9 Dona Constança foy filha de D. Joaõ Manoel, Duque de Peñafiel, Marquez de Vilhena. Casou no anno de 1340 com ElRey D. Pedro I. sendo ainda Infante, e foy sua primeira mulher. Morreo de parto do Infante D. Fernando a 13 de Novembro de 1345. Está sepultada no Convento de S. Francisco de Santarem.[751]
10 Dona Ignez de Castro foy filha de D. Pedro Fernandes de Castro, grande Senhor em Galiza. Casou com o Principe D. Pedro no anno de 1354 occultamente. Fundou a Capella, em que está sepultado S. Gervaz na Paroquia da Villa de Basto. Por mandado delRey D. Affonso IV. foy morta com grande tyrannia, e injustiça aos 7 de Janeiro de 1355. Passados dous annos, declarou ElRey D.[Pg 366] Pedro que havia sido sua legitima mulher, e como a tal a fez sepultar em Alcobaça com insignias Reaes, onde jaz em primoroso tumulo.[752]
11 Dona Leonor Telles, filha de Martim Affonso Tello de Menezes, casou com ElRey D. Fernando, que se namorou della, e a recebeo no anno de 1371 contra o parecer de todos, porque a usurpou a seu marido Joaõ Lourenço da Cunha, com quem estava casada, sem embargo de alguns dizerem que indevidamente em razaõ de affinidade, e sem dispensa. Em vida de seu marido foy causa dos excessos escandalosos de Joaõ Fernandes Andeiro, Conde de Ourem. Passou-se a Castella, e morreo em Tordesilhas a 27 de Abril de 1386. Jaz no Convento de Valhadolid.[753]
12 Dona Filippa de Lancastro foy filha do Duque de Lancastro Joaõ de Gante. Casou com ElRey D. Joaõ I. de Portugal a 2 de Fevereiro de 1387. Edificou a Igreja de S. Francisco de Leiria, e fez muitas obras pias, e acções de caridade, por ser huma Senhora de grande virtude. Morreo no Lugar de Sacavem aos 18 de Julho de 1415, para onde tinha ido por causa da peste, e dalli foy conduzida para Odivellas, onde se fizeraõ as exequias, e depois se transferio para o Convento da Batalha, onde agora jaz. He fama, que na hora do seu transito a consolara Maria Santissima com a incomparavel graça da sua vista, cujo favor parece que se faz provavel, porque dalli a hum anno foy achado seu corpo incorrupto, e cheiroso.[754]
13 Dona Leonor era filha delRey D. Fernando I. de Aragaõ. Casou com ElRey D. Duarte a 22 de[Pg 367] Setembro de 1428. Deixou-a ElRey seu marido por tutora, e Governadora do Reino na menoridade delRey D. Affonso seu filho, o que naõ consentindo os Infantes seus cunhados, houveraõ discordias grandes entre elles, e a Rainha, até que ultimamente largou o governo ao Infante D. Pedro, e se foy para Castella, onde morreo em Toledo a 18 de Fevereiro de 1445, sendo depois seu corpo conduzido para o Convento da Batalha, onde jaz.[755]
14 Dona Isabel foy filha do Infante D. Pedro, Duque de Coimbra, Regente do Reino. Casou com ElRey D. Affonso V. em 6 de Mayo de 1448, sendo que o insigne Genealogico D. Antonio Caetano de Sousa diz, que fora no anno antecedente, e o prova com escritura authentica. Mandou edificar hum Convento para os Conegos Seculares de S. Joaõ Evangelista, e he o que se vê hoje no sitio de Xabregas. Morreo finalmente em 2 de Dezembro de 1455 na Cidade de Evora, e jaz no Convento da Batalha.[756]
15 Bem se pudera unir a este Catalogo a pouco venturosa Rainha Dona Joanna, filha delRey D. Henrique IV. de Castella, de quem foy jurada herdeira, e casou em Mayo de 1475 com ElRey D. Affonso V.; mas como este matrimonio naõ se consumou, porque lhe embaraçaraõ a dispensa de parentesco a Rainha de Aragaõ, e ElRey D. Fernando o Catholico seu marido, por isso he infelizmente exclusa da ordem das Rainhas de Portugal, sem embargo de que conservou até à morte estado de Rainha, e lhe chamavaõ a Excellente Senhora. Morreo em Lisboa nos Paços do Castello no anno de 1530. Jaz no Mosteiro de Santa Clara.[757]
[Pg 368]
16 Dona Leonor filha do Infante D. Fernando, Duque de Viseu, casou com ElRey D. Joaõ II. a 22 de Janeiro de 1470. Foy Princeza adornada de singular formosura, e virtudes admiraveis. Governou o Reino em tempo, que ElRey D. Manoel seu irmaõ esteve em Castella. Fundou o Mosteiro da Madre de Deos de Lisboa, e o adornou de preciosas Reliquias, e de huma estimavel Imagem. Tambem edificou o Mosteiro da Annunciada no primeiro sitio, que teve junto ao Castello, e o Hospital das Caldas no termo de Obidos, chamadas por seu respeito da Rainha. Instituio a Irmandade da Misericordia de Lisboa, donde emanaraõ todas as mais de Hespanha. Estabeleceo cinco Mercearias na Igreja de Santa Maria de Obidos, e outras tantas em Nossa Senhora da Graça de Torres Vedras. Faleceo em Lisboa a 17 de Novembro de 1525, deixando de si, e de suas virtuosissimas acções saudosas, e eternas memorias, que entre as Princezas Portuguezas he recommendavel por singular. Está sepultada no claustro do Mosteiro da Madre de Deos à porta do Refeitorio em sepultura raza.[758]
17 Dona Isabel, filha dos Reys Catholicos D. Fernando, e Dona Isabel, casou primeiramente com o Principe D. Affonso, filho delRey D. Joaõ II. de Portugal, aquelle, que depois de estar casado com esta Senhora naõ mais que seis mezes, acabou lastimosamente a vida junto a Santarem. Como do Principe lhe naõ ficaraõ filhos, tornou a casar com ElRey D. Manoel em Outubro de 1497, e passando a Castella, foy jurada Princeza herdeira daquelle Reino juntamente com ElRey seu marido; e indo a Aragaõ para serem tambem jurados alli, morreo em Çaragoça de parto do Principe D. Miguel aos 24 de Agosto de 1498. Jaz no Coro das Religiosas[Pg 369] de Santa Isabel a Real de Toledo.[759]
18 Dona Maria era filha dos mesmos Reys Catholicos, e foy a segunda mulher delRey D. Manoel seu cunhado, com quem casou em 30 de Outubro de 1500. Foy Senhora de notavel governo. Fundou nas Berlengas o Convento dos Monges de S. Jeronymo, que depois se mudaraõ para Val bem feito. Morreo em Lisboa a 7 de Março de 1517. Está sepultada no Convento de Belém.[760]
19 Dona Leonor, terceira mulher delRey D. Manoel, filha delRey Filippe I. de Castella, casou em 24 de Novembro de 1518. Foy Senhora muito formosa. Deu principio ao Mosteiro de Nossa Senhora da Assumpçaõ de Faro das Religiosas de Santa Clara. Por morte delRey D. Manoel voltou para Castella, e passou a segundas vodas com ElRey Francisco I. de França. Faleceo em Talavera junto a Badajoz em 18 de Fevereiro de 1558. Jaz no Pantheon do Escurial.[761]
20 Dona Catharina, filha delRey D. Filippe I. de Castella, casou com ElRey D. Joaõ III. em 5 de Fevereiro de 1525. Foy Senhora de muita bondade, zelosa do augmento da Religiaõ, e adornada de huma singular prudencia. Governou felizmente o Reino por morte de seu marido na minoridade delRey D. Sebastiaõ seu neto. Teve huma natural perspicacia na boa eleiçaõ dos Ministros. Fundou o Convento de Val bem feito de Monges Jeronymos, e o Mosteiro de Freiras de S. Francisco na Cidade de Faro, e a Paroquial Igreja de Santa Catharina de Lisboa. Instituio no Convento de S. Domingos da mesma Cidade huma Cadeira de Moral com renda para trinta Clerigos assistirem às lições, que ainda hoje se practica no mesmo Convento. Dotou o Collegio dos Meninos Orfãos. Estabeleceo[Pg 370] no Convento de Belém vinte Mercearias para Cavalleiros pobres, que tivessem servido em Africa, ou nas Conquistas, e quatro na Capella do Santo Christo de Cintra. Alcançou de Roma a instituiçaõ do Tribunal do Santo Officio em Goa. Faleceo a 12 de Fevereiro de 1578 na Cidade de Lisboa, e jaz no Real Mosteiro de Belém.[762]
21 Dona Anna de Austria, filha do imperador Maximiliano II. foy a quarta mulher de Filippe II. com quem casou a 12 de Novembro de 1570, sendo sua sobrinha. Foy fecunda, e virtuosa. Morreo em Badajoz a 26 de Outubro de 1580, e jaz no Escurial.[763]
22 Dona Margarida de Austria, filha de Carlos Archiduque de Austria, casou com Filippe III. em 18 de Abril de 1599. Morreo no Escurial a 3 de Outubro de 1611, e jaz sepultada no Pantheon do mesmo Escurial.[764]
23 Dona Isabel de Borbon, filha de Henrique IV. Rey de França, foy a primeira mulher de Filippe IV. com quem casou no anno de 1615, e morreo a 6 de Outubro de 1664. Jaz no Escurial.[765]
24 Dona Luiza Francisca de Gusmaõ, filha de D. Joaõ Manoel Peres de Gusmaõ, oitavo Duque de Medina Sidonia, casou com o Serenissimo Senhor D. Joaõ, oitavo Duque de Bragança, e depois Rey de Portugal em 12 de Janeiro de 1633. Foy Princeza de espirito altivo, e de admiraveis virtudes. A restauraçaõ de Portugal esteve pendente da sua industria, e magnanima resoluçaõ, com que soube persuadir taõ grande empreza ao Duque seu marido. Este fiou sempre della os negocios mais arduos do Reino, e ella o governou depois da morte delRey na minoridade de D. Affonso VI. seu filho,[Pg 371] em cujo tempo fez resplandecer no Throno todas as grandes qualidades de hum Soberano. Introduzio neste Reino a Ordem da Descalcez de Santo Agostinho, e fundou dous Conventos no Valle de Xabregas para os Religiosos, e Religiosas desta Ordem. Tambem fundou o Convento dos Religiosos Dominicos Irlandezes ao Corpo Santo, e o dos Carmelitas Descalços aos Torneiros. Excitada de mayores pensamentos se recolheo ao Mosteiro das Religiosas Descalças de Santo Agostinho, que havia fundado no sitio do Grilo, onde totalmente se esqueceo de que tivesse reinado, e a 27 de Fevereiro de 1666 faleceo, deixando de suas virtudes eterna memoria, e jaz sepultada no Mosteiro do Grilo.[766]
25 Dona Maria Francisca Isabel de Saboya, filha de Carlos Amadeo de Saboya, Duque de Neomurs, casou primeiramente com ElRey D. Affonso VI. de Portugal em 27 de Junho de 1666; porém como este matrimonio foy julgado por nullo, tornou esta Princeza a casar segunda vez, e se recebeo com seu cunhado o Principe Regente, que depois foy Rey D. Pedro II. precedendo para isto dispensa do Pontifice, e se celebraraõ estas segundas vodas em 2 de Abril de 1668. Foy esta Senhora de estremada formosura, e dotada de muita prudencia, e por isso conservou com seu marido hum amor muy reciproco. Mandou fazer a Capella de S. Francisco de Sales na Igreja dos Padres do Oratorio de Lisboa, e no Noviciado da Cotovia dos Padres da Companhia mandou edificar a Capella da Conceiçaõ. Fundou o Mosteiro das Religiosas Capuchinhas Francezas do Santo Crucifixo em Lisboa. Morreo a 27 de[Pg 372] Dezembro de 1683 na quinta do Conde de Sarzedas em Palhavã, e jaz no Coro das Religiosas do Mosteiro, que edificou.[767]
26 Dona Maria Sofia Isabel de Neoburg, Filha do Eleitor Palatino do Rhim Filippe Vilhelmo, foy a segunda mulher delRey D. Pedro II. com quem se recebeo em 11 de Agosto de 1687. Foy Princeza muito benigna, e caritativa, em cujos actos se exercitava continuamente. Venerou muito a Religiaõ da Companhia de Jesus, e foy muy devota de S. Francisco Xavier, em cujo obsequio mandou edificar hum Collegio para os seus Padres na Cidade de Béja, ao qual dotou grandiosamente. Morreo no Paço da Corte-Real a 4 de Agosto de 1699, e está sepultada no Convento de S. Vicente de Fóra.[768]
27 Dona Maria Anna de Austria, filha do Imperador Leopoldo I. casou em 27 de Outubro de 1708 com ElRey D. Joaõ V. Era Princeza muy affavel, e por isso estimada de seus vassallos: muy devota, muy pia, e exercitada na cultura das principaes linguas da Europa. Quando ElRey seu esposo passou ao Alentejo no anno de 1716, ficou esta Senhora com o governo do Reino, em o qual mostrou a sua rara capacidade, prudencia, e justiça, virtudes, que praticou com a mesma incumbencia na molestia delRey. Soube medir as suas acções, e distribuir o tempo com ordem inalteravel. Concorreo para se extinguirem os theatros profanos das Comedias, e para exemplo de occupaçaõ mais segura visitava os Templos com frequencia. Em final da sua verdadeira piedade, e Religiaõ fundou o Convento dos Carmelitas Descalços Alemães em Lisboa, dedicado a S. Joaõ Nepomuceno, cuja nova Igreja se benzeo a 6 de Mayo de 1741. A todos[Pg 373] estes habitos de taõ grandes virtudes, que esta augusta Heroina praticou com edificaçaõ, se ajuntaõ os repetidos actos de caridade, com que remediava generosa, e liberalmente os pobres. Parece que o exercicio destes pios, e santos impulsos era hereditario da augustissima Casa de Austria, a qual em toda a Igreja Catholica se singulariza em religiosa piedade, e em benigna clemencia, sem embargo que para a execuçaõ de tantas virtuosas perfeições nunca a Magestade desta perfeitissima Princeza necessitou de estimulo, nem de exemplo. Em fim foraõ as suas virtudes, e attributos tantos, e taes, que excedendo a todos os elogios, mal poderaõ caber nas breves clausulas desta nossa humilde expressaõ. Faleceo no palacio de Belém aos 14 de Agosto de 1754, e foy seu corpo sepultado na Igreja dos Carmelitas Descalços Alemães que ella mandara edificar.
28 Dona Maria Anna Victoria, filha delRey Catholico Filippe V., e da Rainha Dona Isabel Farnese, casou em 19 de Janeiro de 1729 com ElRey Fidelissimo D. Joseph I. He Princeza dotada de huma natural vivacidade, a qual se nos bosques faz admirar as Ninfas, e as Deosas com os seus tiros, he igualmente fervorosa nos seus retiros, e cheia de grande devoçaõ, e piedade. O primoroso Templo de S. Francisco de Paula he hum grande testemunho da sua grandeza; nem a sua inviolavel soberania necessita de ser elogiada, para ser immortal.
[Pg 374]
N. | Nome. | Naçaõ. | Ann. em q̃ casou. | Marido. | Filhos. | Anno em que morreo. | Lugar da morte. | Lugar da sepultura. |
---|---|---|---|---|---|---|---|---|
1 | D. Teresa. | Castelhana. | 1093 | D. Henrique. | 4 | 1130 | ... | Sé de Braga. |
2 | D. Mafalda. | Saboyana. | 1146 | D. Affonso I. | 7 | 1157 | Coimbra. | Santa Cruz de Coimbra. |
3 | D. Dulce. | Aragoneza. | 1175 | D. Sancho I. | 11 | 1198 | Coimbra. | Santa Cruz de Coimbra. |
4 | D. Urraca. | Castelhana. | 1201 | D. Affonso II. | 4 | 1220 | Coimbra. | Alcobaça. |
5 | D. Brites. | Castelhana. | 1253 | D. Affonso III. | 7 | 1303 | ... | Alcobaça. |
6 | Santa Isabel. | Aragoneza. | 1282 | D. Diniz. | 2 | 1336 | Estremoz. | Santa Clara de Coimbra. |
7 | D. Brites. | Castelhana. | 1309 | D. Affonso IV. | 7 | 1359 | Lisboa. | Sé de Lisboa. |
8 | D. Constança. | Castelhana. | 1340 | D. Pedro I. | 3 | 1345 | Santarem. | S. Francisco de Santarem. |
9 | D. Ignez. | Castelhana. | 1354 | D. Pedro I. | 4 | 1355 | Coimbra. | Alcobaça. |
10 | D. Leonor. | Portugueza. | 1371 | D. Fernando. | 3 | 1386 | Tordesilhas. | Valhadolid. |
11 | D. Filippa. | Ingleza. | 1387 | D. Joaõ I. | 8 | 1415 | Odivelas. | Batalha. |
12 | D. Leonor. | Aragoneza. | 1428 | D. Duarte. | 9 | 1445 | Toledo. | Batalha. |
13 | D. Isabel. | Portugueza. | 1448 | D. Affonso V. | 3 | 1455 | Evora. | Batalha. |
14 | D. Leonor. | Portugueza. | 1470 | D. Joaõ II. | 1 | 1525 | Lisboa. | Madre de Deos. |
15 | D. Isabel. | Castelhana. | 1497 | D. Manoel. | 1 | 1598 | Saragoça. | Santa Isabel de Toledo. |
16 | D. Maria. | Castelhana. | 1500 | D. Manoel. | 10 | 1517 | Lisboa. | Belém. |
17 | D. Leonor. | Flamenga. | 1518 | D. Manoel. | 2 | 1558 | Badajoz. | Escurial. |
18 | D. Catharina. | Castelhana. | 1525 | D. Joaõ III. | 9 | 1578 | Lisboa. | Belém. |
19 | D. Anna. | Castelhana. | 1570 | D. Filippe II. | 3 | 1580 | Badajoz. | Escurial. |
20 | D. Margarida. | Alemã. | 1599 | D. Filippe III. | 7 | 1611 | Escurial. | Escurial. |
21 | D. Isabel. | Franceza. | 1615 | D. Filippe IV. | 7 | 1664 | Madrid. | Escurial. |
22 | D. Luiza. | Castelhana. | 1633 | D. Joaõ IV. | 7 | 1666 | Lisboa. | Grilo. |
23 | D. Maria Francisca. | Franceza. | 1668 | D. Pedro II. | 1 | 1683 | Palhavã. | Francezinhas. |
24 | D. Maria Sofia. | Alemã. | 1687 | D. Pedro II. | 7 | 1699 | Lisboa. | S. Vicente de Fóra. |
25 | D. Maria Anna. | Alemã. | 1708 | D. Joaõ V. | 6 | 1754 | Lisboa. | S. Joaõ Nepomuceno. |
26 | D. Maria Anna. | Castelhana. | 1729 | D. Joseph I. | 4 |
[Pg 375]
[738] Mariz Dialog. 2. pag. mihi 42.
[739] Monarq. Lusitan. liv. 8. cap. 11. pag. 34.
[740] Sousa Histor. de S. Dom. part. 1. liv. 1. cap. 11.
[741] Marchanc. liv. 2. Descripç. de Fland. Veja-se a Monarq. Lusit. liv. 11. cap. 37.
[742] Monarq. Lusit. liv. 8. cap. 29.
[743] Conde D. Pedro no seu Nobiliario tit. 4. Estaç. nas Antiguid. de Port. cap. 21. n. 5.
[744] Barbos. no Catalog. das Rainh. p. 87.
[745] Vide Joaõ Bap. Lavanh. nas Notas do Conde D Pedro tit. 7. Brand. Monarq. Lusit. liv. 10. c. 19. Goes part. 4. cap 71. Estaço nas Antiguid. de Port. cap. 25. num. 21. Corogr. Portug. tom. 1. p. 135. Barbos. Catalog. das Rainh. p. 110. Sous. Histor. Genea. tom. 1. pag. 6.
[746] Barbud. Emprez. Militar. pag. 7. Benedict. Lusit. tom. 2. p. 318. Duarte Ribeiro p. 301. part. 1. Barbos. Catalog. das Rainh.
[747] Idem ibid. p. 143. Esperança na Histor. Serafica tom. 1. liv. 2. cap. 28. num. 2.
[748] Idem tom. 2. liv. 1 cap. 15. Monarq. Lusit. liv. 15. cap. 16. e liv. 16. cap. 32. e liv. 18. cap. 9.
[749] Lacerda na Vida desta Santa. Mendoça in Viridar. liv. 6. Barbos. Catalog. das Rainhas.
[750] Duarte Nun. Chronic. delRey D. Affonso IV. p. 172. Sous. Histor. Genealog. tom. 1. p. 307.
[751] Monarq. Lusit. liv. 10. cap. 6.
[752] Duart. Nun. Chronic. delRey D. Pedro, Mariz Dialog. 3. cap. 3. Caram. Philipp. Prud. p. 138. Barbos. no Catalog. das Rainh. e Sousa tambem allegado na Histor. Geneal. tom. 1.
[753] Monarq. Lusit. tom. 8. p. 147. Vejaõ-se tambem as razões, que allegou o Doutor Joaõ das Regras, e se achaõ na 8. part. da Monarq. Lusitan. pag. 651.
[754] Sous. Histor. de S. Doming. part. 1. liv. 6. cap. 25. Barbos. no Catal. das Rainh.
[755] Damiaõ de Goes, Chron. do Princip. D. Joaõ cap. 17. Agiolog. Lusit. tom. 3.
[756] Barbos. no Catalog. das Rainh. Sous. Hist. Geneal. tom. 3. p. 64. Chronic. dos Padres Loyos liv. 2. cap. 26.
[757] Sous. Hist. Geneal. tom. 3. p. 67. Histor. Seraf. part. 3. liv. 3. cap. 16. n. 528.
[758] Sousa Histor. Geneal. tom. 3. pag. 139. Goes Chron. delRey D. Manoel part. 4. cap. 26. p. 282. Santuar. Marian. tom. 2. p. 329. e tom. 7. p. 219. Duart. Nun. Descripç. de Port. cap. 77.
[759] Damiaõ de Goes na Chronic. delRey D. Man. part. 1. cap. 46. Barbos. no Catalog. p. 383.
[760] Idem ibid.
[761] Barbos. nos Factos da Lusit. a 25. de Fevereiro p. 664.
[762] Barbos. no Catalog. das Rainh. p 404. e o Doutor Ignacio Barbosa seu irmaõ nos Fast. da Lusit. a 12 de Fevereir. p. 511. Sous. Histor. Genealog. tom. 3. p. 525.
[763] Barbos. allegad. Les Delices de l’Espagne tom. 2. p. 285
[764] Ibid.
[765] Ibid.
[766] Os irmãos Barbos. hum no Catal. das Rainh. e outro nos Fast. da Lusit. tom. 1. p. 691. Sousa Histor. Geneal. tom. 7. p. 247. Catastrof. de Port. p. 133. Passarel. de Bell. Lusit. L’Abbé de Vertot Histoir. des Revolut. de Portug. pag. mihi 52. e 152. Santuar. Marian. tom. 7. pag. 10. e 132.
[767] Sous. Histor. Geneal. tom. 7. p. 725. e segg. Barbos. no Catalog. das Rainh.
[768] Iidem ibid.
[Pg 376]
Neste Reino assim como a succesaõ dos Serenissimos Reys se introduzio por via de morgado, conforme o uso de Castella, tambem o portentoso Heroe D. Affonso Henriques depois de acclamado Rey deu o mesmo Regio titulo a seus filhos,[769] e se costumou até ElRey D. Affonso II. que a todos chamou Infantes, o qual titulo nos primogenitos igualmente com seus irmãos durou até o tempo delRey D. Duarte, que à imitaçaõ dos Reys de Inglaterra ordenou, que seu filho D. Affonso V. fosse chamado Principe, e foy o primeiro, que em Portugal começou a intitularse assim.[770] O mesmo tratamento de Princeza tinha tambem a filha delRey, que nascia primeiro, em quanto naõ havia filho varaõ. Os outros filhos se chamavaõ Infantes; porém os filhos destes tinhaõ só o tratamento de Senhores. Isto supposto, daremos huma breve noticia de todos os filhos, que os Senhores Reys de Portugal tiveraõ.
1 ElRey D. Affonso Henriques, de quem já dissemos no Capitulo VI. num. 12.
2 A Infanta Dona Sancha Henriques casou com[Pg 377] Fernaõ Mendes de Bragança, chamado o Bravo, Fidalgo aventureiro, que se achou na batalha do Campo de Ourique. Era Senhor de Bragança, e naõ teve filhos.[771]
3 A Infanta Dona Urraca nasceo em Guimarães antes que seu irmaõ D. Affonso Henriques. Casou com D. Bermudo Paes de Trava, Conde de Trastamara, de que nasceraõ duas filhas, de huma das quaes procedem os Viscondes de Villa-Nova de Cerveira, e outras Familias illustres.[772]
4 A Infanta Dona Teresa casou com D. Sancho Nunes de Barbosa, descendente do Conde D. Nuno de Cella-Nova, como diz Brandaõ liv. 10. cap. 20.
Teve mais outros dous filhos, de que naõ se sabe o nome, e morreraõ de pouca idade.
5 Fóra do matrimonio teve de huma mulher nobre a D. Pedro Affonso, valerosissimo Capitaõ, como o deu a conhecer em varias batalhas, em que se achou com seu irmaõ D. Affonso Henriques. Em França, onde ElRey o mandou como Embaixador, teve grande estimaçaõ; e com a amizade, que lá teve com S. Bernardo, voltando a Portugal, e dando noticia a seu irmaõ do Santo, foy causa principal, para que ElRey fundasse o insigne Convento de Alcobaça, no qual D. Pedro se recolheo, assistindo-lhe ElRey com toda a Corte no dia, que tomou o habito. Morreo mais honradamente ainda do que tinha vivido, porque deixou de ser Principe para ser Santo. Nunca se quiz ordenar de Missa, julgando-se indigno de exercicio taõ soberano. Faleceo a 9 de Mayo de 1169. Jaz em Alcobaça ao pé do Altar mór da parte do Evangelho.[773]
[Pg 378]
1 O Infante D. Henrique, filho primogenito, nasceo a 5 de Março de 1147, e faleceo de poucos annos.
2 ElRey D. Sancho, que lhe succedeo na Coroa.
3 O Infante D. Joaõ. Deste naõ consta mais que morrera a 25 de Agosto.[774]
4 A Infanta Dona Urraca nasceo no anno de 1148. Casou no de 1160 com D. Fernando II. Rey de Leaõ; mas por causa de parentesco o Papa fez dissolver este matrimonio no anno de 1171. Manoel de Faria diz, que àcerca deste divorcio se fizera hum Concilio em Salamanca. Morreo a 16 de Outubro.[775]
5 A Infanta Dona Mafalda. No anno de 1160 esteve contratada para casar com D. Affonso II. de Aragaõ; mas nunca sahio de Portugal, nem o casamento se ajustou, por falecer esta Infanta pouco depois do tal contrato.[776]
6 A Infanta Dona Teresa, a quem os Flamengos chamaõ Mathilde, casou com Filippe I. de Alsacia, Conde de Flandres, em Agosto de 1184, o qual morrendo no sitio de Acre no anno de 1191, ficou a Infanta governando aquelles seus Estados com muita prudencia. Depois passou a segundo matrimonio, e o celebrou com Eudo III. Duque de Borgonha no anno de 1194; mas foraõ separados por causa de parentesco no anno seguinte, e a Infanta passados alguns annos morreo desastradamente affogada em huma lagoa a 6 de Mayo de 1218. Jaz no Convento de Claraval em Borgonha.[777]
[Pg 379]
7 A Infanta Dona Sancha. Naõ consta mais que morreo a 14 de Fevereiro.
8 Fóra do legitimo matrimonio teve a Fernando Affonso, Alferes Mór do Reino, e a D. Affonso, Mestre da insigne Ordem de Rhodes. Foy muito valeroso; e renunciando a dignidade, passou a Portugal, onde morreo, e jaz sepultado na igreja de S. Joaõ da Villa de Santarem.[778]
9 Dona Teresa Affonso. Naõ consente o Doutor Brandaõ[779] que ElRey D. Affonso Henriques tivesse esta filha, porque naõ vira memoria della em escrituras authenticas; porém D. Antonio Caetano de Sousa diz, que a houvera ElRey em Elvira Gualter.[780]
10 Teve mais a Dona Urraca Affonso, que casou com D. Pedro Affonso Viegas, neto de D. Egas Moniz.
1 A Infanta Dona Constança nasceo em Mayo de 1182, e morreo a 3 de Agosto de 1202.
2 A Infanta Beata Teresa. Estando casada com ElRey D. Affonso IX. de Leaõ, e já com tres filhos, foy separada pelo Papa Celestino III. no anno de 1195 por causa do parentesco, e casar sem preceder dispensa. Voltou para Portugal, e restaurando o Mosteiro de Lorvaõ, collocando nelle Freiras da Ordem de Cister, professou o mesmo Instituto, e nelle morreo santamente a 17 de Junho de 1250. Passados trezentos annos, foy achado seu corpo incorrupto, por cujo motivo, e pelos milagres, que obrava, o Papa Clemente XI. lhe confirmou[Pg 380] o culto de Beata por Bulla de 23 de Dezembro de 1705, e no anno de 1724 approvou, e concedeo o Officio proprio para todo o Reino de Portugal. Jaz seu veneravel corpo na Capella mór da Igreja de Lorvaõ.[781]
3 A Infanta Beata Sancha foy Senhora de Alenquer, onde fundou hum Convento da Ordem de S. Francisco em vida do mesmo Santo, e foy o primeiro desta Ordem, que houve em Portugal. Tambem fundou a Igreja da Redonda na mesma Villa, e o Mosteiro de Celas em Coimbra, onde fez vida Monacal, e morreo a 13 de Março de 1229, e neste Mosteiro he venerada pelos Fieis, e resplandece em milagres, tributando-lhe os Fieis os mesmos cultos, que a sua gloriosa irmã a Beata Teresa.[782]
4 O Infante D. Affonso, que lhe succedeo no Throno.
5 O Infante D. Pedro nasceo a 23 de Março de 1187. Por desavenças, que teve com seu irmaõ ElRey D. Affonso, sahio do Reino, e foy militar nos exercitos delRey de Leaõ. Depois se passou para a Corte delRey de Marrocos, e servio nas tropas do Imperador Miramolim, e de lá fez transito para Aragaõ, onde casou no anno 1228 com Aurembiaux, Condessa de Urgel, a qual morrendo sem lhe ficarem filhos, deixou a D. Pedro seu marido por herdeiro de seus Estados, que depois elle trocou com ElRey D. Jayme I. pela Ilha de Malhorca, que havia conquistado aos Mouros; e naõ tendo D. Pedro armas para a defender delles, lha restituio, e houve delle a Cidade de Segorbe, Morelha, e outras Praças. Ajudou tambem este Infante a Guilherme de Mongrio, Prelado de Tarragona, a ganhar a Ilha de Iviça, que possuiaõ os Mouros no anno 1230. Finalmente faleceo a 2 de Junho do[Pg 381] anno 1258, deixando dous filhos bastardos, D. Rodrigo insigne em letras, e D. Fernando.[783]
6 O Infante D. Fernando nasceo a 24 de Março de 1188. Foy Principe de altos pensamentos. No anno de 1211 casou com a Princeza Joanna, filha do Imperador Balduino de Constantinopla, e herdeira dos Estados de Flandres. Deu grandes mostras do seu valor na batalha de Bovinas, em que se achou militando por parte do Imperador Othon IV, e Joaõ I. Rey de Inglaterra contra Filippe Augusto, Rey de França; e sendo o Infante prezo, o levaraõ para o Castello de Louvre, onde esteve alguns annos. Depois de livre ajudou a Rainha Dona Branca de França contra Pedro, Duque de Bertanha, e outros Potentados, que embaraçavaõ àquella Senhora a tutoria delRey S. Luiz seu filho. Morreo em fim na Cidade de Noyon a 26 de Julho de 1233, e está sepultado na Abbadia de Market junto a Lila.[784]
7 O Infante D. Henrique nasceo no anno de 1189, e morreo a 8 de Dezembro, e naõ ha delle mais memoria.[785]
8 O Infante D. Raymundo faleceo a 9 de Março.
9 A Infanta Dona Mafalda casou com Henrique I. de Castella no anno de 1215; porém sendo este casamento julgado nullo, por serem parentes em gráo prohibido, foraõ separados; e voltando a Infanta para Portugal, se recolheo ao Mosteiro de Arouca de Freiras Benedictinas, que ella reformou com as da Ordem de Cister; e aqui tomando o habito viveo em continuo exercicio de virtudes, e morreo com opiniaõ de Santa no primeiro de Mayo de 1256. Jaz no Mosteiro de Arouca.[786]
[Pg 382]
10 A Infanta Dona Branca foy Senhora da Cidade de Guadalaxara em Castella; mas naõ se sabe porque titulo lhe veyo aquelle dominio. Foy muito devota da Religiaõ dos Pregadores, e por isso lhe fundou em Coimbra o Convento de S. Domingos o velho no Arnado, de que por causa das enchentes do Mondego naõ ha vestigios, só sim do campanario, como ainda havia no tempo do Author da Benedictina Lusitana. Morreo aos 17 de Novembro de 1240. Jaz em Santa Cruz de Coimbra.[787]
11 A Infanta Dona Berenguella, ou Berengaria casou no anno de 1213 com ElRey Valdemaro II. de Dinamarca, a quem chamaraõ o Vitorioso, e de quem teve tres filhos, e huma filha. Morreo no primeiro de Abril de 1220.[788]
12 Fóra do matrimonio teve os seguintes filhos. D. Martim Sanches, que nasceo de huma Fidalga chamada Dona Maria Annes, ou Ayres de Tornellos. Por differenças, que teve com seu irmão ElRey D. Affonso II se passou a Castella, e ElRey D. Affonso de Leaõ seu cunhado lhe fez grandes mercês, e honras. Lá casou com Dona Ello, ou Olaya, filha do Conde D. Pedro Fernandes de Castro, e naõ teve descendencia. Jaz em Cosinos terra de Campos.[789]
13 Dona Urraca Sanches irmã do antecedente foy Senhora muito virtuosa. Casou com o neto de D. Egas Moniz, e a Infanta Dona Mafalda a nomeou sua testamenteira.
14 Teve mais ElRey D. Sancho de outra Fidalga chamada Dona Maria Paes da Ribeira a D. Rodrigo Sanches, do qual consta que morrera valerosamente[Pg 383] em 7 de Julho de 1245 em huma contenda, que tivera com D. Martim Gil de Soverosa sobre reciprocas dependencias; e vindo mortalmente ferido, espirou à porta do Convento de Grijó de Conegos Regrantes, onde pozeraõ huma Cruz de pedra para memoria.[790]
15 D. Gil Sanches. Dizem huns sómente que naõ casara; outros accrescentaõ que fora Clerigo, e que morrera a 14 de Setembro de 1236.[791]
16 D. Nuno Sanches morreo de tenra idade.
17 Dona Mayor Sanches tambem morreo menina.
18 Dona Constança Sanches. Ha tradiçaõ que vivera no Mosteiro das Donas de Santa Cruz, que estava junto ao proprio Convento dos Religiosos, e que possuira grandes rendas, as quaes soube distribuir com piedade, e grandeza. Dizem que lhe appareceraõ os gloriosos S. Francisco, e Santo Antonio, e que morrera com opiniaõ de Santa a 8 de Agosto de 1269. Seu corpo foy achado inteiro, e incorrupto em tempo delRey D. Manoel. Jaz em Santa Cruz de Coimbra.[792]
19 Dona Teresa Sanches foy a segunda mulher de D. Affonso Telles de Menezes, Rico-Homem, e Senhor de Albuquerque, e outras muitas terras. Deste fecundo consorcio procedem muitas Casas illustres de Portugal, como a dos Menezes, Cantanhede, Tarouca, e outras.[793]
[Pg 384]
1 O Infante D. Sancho successor.
2 O Infante D. Affonso nasceo a 5 de Mayo de 1210, e succedeo a seu irmaõ, entrando a governar ainda em vida delle.
3 A Infanta Dona Leonor nasceo no anno de 1211, e casou no de 1229 com Valdemaro III. Rey de Dinamarca, e naõ de Dacia, como diz eruditamente D. Antonio Caetano de Sousa, emendando a Brandaõ, e outros Escritores. Morreo de parto a 13 de Mayo de 1231, e naõ deixou sucessaõ alguma, como bem mostra D. Joseph Barbosa contra o Bispo Caramuel. Está sepultada esta Infanta em Ringstad.[794]
4 O Infante D. Fernando, a quem chamaraõ o Infante de Serpa, porque foy Senhor desta Villa. Passou a Castella, e lá militou contra os Mouros valerosamente, por cujas acções ElRey D. Fernando o Santo o casou no anno de 1241 com a Senhora de Balvas Dona Sancha Fernandes de Lara, filha do Conde de Lara. Naõ consta de certo quando morreo, nem onde está enterrado.[795]
5 Fóra do matrimonio teve o sobredito Rey a D. Joaõ Affonso, do qual naõ ha mais memoria, que a que se infere da inscripçaõ de huma sepultura collocada no Mosteiro de Alcobaça à porta do Capitulo da parte de fóra da banda esquerda, por onde consta que morrera no anno de 1234.[796]
[Pg 385]
1 A Infanta Dona Branca nasceo a 28 de Fevereiro de 1259 na Villa de Guimarães. Foy Senhora de Montemór o Velho, de Campo-Mayor, e de outras terras, e foy Abbadessa do Mosteiro de Lorvaõ, onde procedia com tanto exemplo, que lhe deraõ em Burgos o governo do Mosteiro das Huelgas, de cujo dominio, e obediencia pendiaõ doze Mosteiros. Naõ se sabe quando morreo.[797]
2 O Infante D. Fernando naõ se sabe quando nasceo. Morreo ainda menino em Lisboa no anno de 1262, e jaz em Alcobaça.
3 O Infante D. Diniz que succedeo na Coroa.
4 O Infante D. Affonso nasceo a 8 de Fevereiro de 1263. Foy Senhor de Portalegre, Castello de Vide, Marvaõ, Arronches, e outras terras. Por desavenças, que teve com seu irmaõ ElRey D. Diniz, passou-se a Castella, e lá seguio a Corte, casando com a infanta Dona Violante Manoel, filha do infante D. Manoel, Senhor de Escalona, e filho do Santo D. Fernando III. Rey de Castella. Morreo em Lisboa a 2 de Novembro de 1312. Jaz em S. Domingos de Lisboa collocado em hum tumulo na parede por cima da porta, que hia do cruzeiro para a Sacristia.[798]
5 A Infanta Dona Sancha nasceo a 2 de Fevereiro de 1264. Perfilhou-a sua tia Dona Constança Sanches, e lhe largou muitas terras, que possuia. Tendo naõ mais que cinco annos, foy com a Rainha sua mãy a Castella, e estando em Sevilha morreo no anno de 1302. Jaz em Alcobaça.[799]
[Pg 386]
6 A Infanta Dona Maria nasceo a 21 de Novembro de 1265. Viveo Religiosa no Mosteiro das Donas de Santa Cruz de Coimbra, e aqui morreo com opiniaõ de santidade a 6 de Junho de 1304. Jaz em Santa Cruz de Coimbra.[800]
7 O Infante D. Vicente nasceo a 22 de Janeiro de 1268. Morreu em Lisboa, e jaz em Alcobaça.[801]
8 Além destes filhos teve fóra do matrimonio seguintes: D. Affonso Diniz, que nasceo de Maria Peres da Enxara, e casou com Dona Maria Ribeira, donde procedem os Sousas da Casa de Arronches.[802]
9 D. Martim Affonso Chichorro. O Chronista Fr. Antonio Brandaõ, diz que a mãy deste Senhor fora huma filha do Alcaide, ou Governador de Faro, muito formosa, de quem nosso Rey D. Affonso se namorara; e que casando D. Martim na Casa dos Sousas, foy progenitor dos Sousas da Familia dos Marquezes das Minas; porém naõ assegura esta origem com certeza.[803]
10 D. Fernando Affonso. Foy Cavalleiro Templario, e filho de Dona Chamoa Gomes, filha do Conde D. Gomes Nunes. Os Freires de Veles o mataraõ em Evora, e jaz sepultado na Igreja de S. Braz de Lisboa.[804]
11 D. Gil Affonso. Foy tambem Cavalleiro Templario, e Ballio da Igreja de S. Braz de Lisboa, onde está sepultado.
12 D. Rodrigo Affonso. Parece que Fr. Antonio Brandaõ dá a entender, que ElRey D. Affonso tivera dous filhos com este mesmo nome. Vejaõ-se os lugares citados.[805]
[Pg 387]
13 Dona Leonor Affonso. Foy esta Senhora casada duas vezes: a primeira com D. Estevaõ Annes, filho de D. Joaõ Garcia de Sousa, chamado o Pinto. Por morte de D. Estevaõ tornou a casar com D. Gonçalo Garcia de Sousa, Alferes Mór delRey D. Affonso, a quem tambem fez Conde. De nenhum destes matrimonios teve filhos Dona Leonor.[806]
14 Dona Urraca Affonso casou com D. Pedro Annes, que governava a Provincia de Tras os Montes.[807]
15 Dona Leonor Affonso. Foy Religiosa no Mosteiro de Santa Clara de Santarem, e alli resplandeceo em grandes actos de virtude.[808]
16 Dona Urraca Affonso. Viveo, e morreo no Mosteiro de Lorvaõ em 4 de Novembro de 1281. Jaz no mesmo Convento em sepultura ha pouco descuberta.[809] O grande Genealogico D. Antonio Caetano de Sousa numera mais outro filho a ElRey D. Affonso III. e diz que foy o Infante D. Henrique Affonso, mas poem-no em duvida. O Padre D. Luiz de Lima[810] entre os filhos bastardos deste Rey assina tambem a D. Pedro Affonso, de que naõ achamos noticia em outra parte.
1 A Infanta Dona Constança nasceo a 5 de Janeiro de 1290, e no de 1302 casou com D. Fernando IV. Rey de Castella, de que teve dous filhos, cuja descendencia se póde ver em D. Antonio Caetano de Sousa. Morreo a 18 de Novembro de 1313.[811]
[Pg 388]
2 O Infante D. Affonso successor.
3 Teve mais fóra do matrimonio de differentes mulheres os seguintes filhos. D. Affonso Sanches nascido de Dona Aldonça Rodrigues Telha. Foy muito querido de seu pay, o qual o fez seu Mordomo Mór, e Senhor da Villa do Conde, e outras muitas terras. Esta nimia affeiçaõ causou tal inveja a seu irmaõ D. Affonso, que o perseguio fortemente depois que principiou a governar. Casou com Dona Teresa Martins, filha do Conde de Barcellos, e fundou com sua mulher o Mosteiro de Santa Clara da Villa do Conde, dotando-o grandiosamente. Faleceo no anno de 1329,e jaz sepultado no mesmo Mosteiro com opiniaõ de virtuoso. Ha tradiçaõ, que depois de morto apparecera com sua mulher às Religiosas do seu Mosteiro, animando-as em huma occasiaõ de guerra em Castella.[812] Deste matrimonio descendem por allianças muitas Familias illustres deste Reino.
4 D. Pedro Affonso havido em Dona Garcia Froyas, mulher de qualidade, natural de Torres Vedras. Foy o sobredito D. Pedro Conde de Barcellos, Alferes Mór do Reino, Mordomo Mór da Infanta Dona Brites, e possuio muitas terras, com cujo dominio, e rendas conservava huma casa magnifica. ElRey D. Diniz seu pay o estimava muito, e elle o merecia pelo seu valor, e letras. Compoz o celebre Nobiliario, em que descreve a origem de quasi todas as Familias de Hespanha, e he estimavel, por naõ haver outro deste genero mais antigo. Casou tres vezes, mas naõ teve descendencia. Morreo no anno de 1354, e jaz enterrado no Convento de S. Joaõ de Tarouca da Ordem de Cister. A estatura do seu corpo tinha de comprido onze palmos.[813]
[Pg 389]
5 D. Pedro Affonso. Este foy outro filho delRey D. Diniz, e casou com Dona Maria Mendes. Muitos se enganaraõ com este D. Pedro, fazendo-o Author do famoso Nobiliario, o que desfaz facilmente o insigne D. Antonio Caetano de Sousa.[814]
6 D. Joaõ Affonso. Foy legitimado a 13 de Abril de 1317, e nascido de Maria Pires, mulher de qualidade. Foy Mordomo Mór da Rainha Santa Isabel, e ElRey D. Affonso, irmaõ deste D. Joaõ, o mandou degollar a 4 de Junho de 1325.[815]
7 D. Fernaõ Sanches. ElRey seu pay lhe fez muitas mercês. Casou com Dona Froilhe Annes de Briteiros.
8 Dona Maria Affonso havida em Dona Marinha Gomes, mulher nobre de Lisboa, e que fundou a Igreja de Santa Marinha. Casou com D. Joaõ de Lacerda, de quem houve descendencia.[816]
9 Dona Maria Affonso. Foy Freira em Odivellas, e faleceo no anno de 1320 com opiniaõ de virtuosa.
1 A Infanta Dona Maria nasceo no anno de 1313, e no de 1328 casou com ElRey de Castella D. Affonso XI. a quem soffreo muitas desattenções originadas dos illicitos amores, que elle havia contrahido com Dona Leonor Nunes de Gusmaõ. Morto seu marido, voltou ella para Portugal, e em Evora faleceo a 18 de Janeiro de 1357, porém seu corpo foy trasladado para a Capella dos Reys em Sevilha, onde jaz junto delRey seu marido.[817]
[Pg 390]
2 O Infante D. Affonso nasceo no anno de 1315 na Villa de Penella, e morreo menino na mesma Villa. Jaz sepultado em S. Domingos de Santarem.[818]
3 O Infante D. Diniz nasceo em Santarem a 12 de Janeiro de 1317, e dahi a hum anno morreo, e jaz em Alcobaça.
4 O Infante D. Pedro successor.
5 A Infanta Dona Isabel nasceo a 21 de Dezembro do anno de 1324, e dahi a dous annos morreo. Jaz no Mosteiro de Santa Clara de Coimbra.
6 O Infante D. Joaõ nasceo a 23 de Setembro de 1326, e morreo a 21 de Junho de 1327. Está sepultado em Odivellas.
7 A Infanta Dona Leonor nasceo no anno de 1328, e no de 1347 casou com ElRey de Aragaõ D. Pedro IV. Morreo na Villa de Exerica no ultimo de Outubro de 1348.[819]
1 A Infanta Dona Maria nasceo a 6 de Abril de 1342 na Cidade de Evora. Casou na mesma Cidade a 3 de Fevereiro de 1354 com D. Fernando, Infante de Aragaõ; e passando-se para aquelle Reino, logrou poucos annos a uniaõ de seu marido, pois no de 1363 o mandou matar aleivosamente ElRey D. Pedro de Aragaõ seu irmaõ. Voltou a Infanta para Portugal, e vivendo na Villa de Aveiro, alli faleceo, e descançaõ suas cinzas no Mosteiro de Santa Clara de Coimbra.[820]
[Pg 391]
2 O Infante D. Luiz naõ teve mais que oito dias de vida.
3 O Infante D. Fernando successor.
4 De sua segunda mulher Dona Ignez de Castro teve os seguintes filhos. O Infante D. Affonso faleceo de tenra idade.
5 O Infante D. Joaõ casou a primeira vez com Dona Maria Telles de Menezes no anno de 1376, irmã de sua cunhada; porém induzido por esta, que era a Rainha Dona Leonor, matou injustamente sua mulher, por cujo crime, passando-se a Castella, ElRey D. Henrique II. o fez Conde de Valença, e lhe deu o senhorio de outras terras, e sua filha bastarda Dona Constança, com quem casou. Morto seu irmaõ ElRey D. Fernando, temendo-se ElRey D. Joaõ de Castella, que pertendia o Reino de Portugal pela Rainha Dona Brites sua mulher, que levantassem os Portuguezes por seu Rey ao infante D. Joaõ, o mandou prender, e na prisaõ morreo. Jaz no Convento de Santo Estevaõ de Salamanca.[821]
6 O Infante D. Diniz. Por naõ querer beijar a maõ a sua cunhada a Rainha Dona Leonor, sahio de Portugal, e passou-se para Castella, onde ElRey D. Henrique o casou com huma filha bastarda, chamada Dona Joanna. Jaz no Mosteiro de Nossa Senhora de Guadalupe, em cuja sepultura se lê o titulo de Rey de Portugal pela pertençaõ, que tinha ao Reino.[822]
8 Fóra do matrimonio teve a D. Joaõ, Mestre
7 A Infanta Dona Brites casou no anno de 1377 com D. Sancho, Conde de Albuquerque, filho bastardo delRey D. Affonso XI. de Castella, donde procede huma dilatada, e Real descendencia. Está sepultada na Sé de Burgos.[823]
8 Fóra do matrimonio teve a D. Joaõ, Mestre[Pg 392] de Aviz, havido em huma nobre Senhora de Galiza, chamada Dona Teresa Lourenço, e depois foy Rey.[824]
9 Teve ElRey D. Pedro mais outra filha bastarda, a que naõ se sabe o nome, mas consta que se criara no Mosteiro de Santa Clara de Coimbra.
1 O Infante D. Pedro, que morreo menino.
2 O Infante D. Affonso tambem morreo de pouca idade.
3 A Infanta D. Brites nasceo em Coimbra no anno de 1372. Casou a 14 de Mayo de 1383 na Cidade de Badajoz com ElRey D. Joaõ I. de Castella, precedendo dispensa Pontificia no gráo do parentesco, que havia entre os esposos, e celebrando-se esta funçaõ com grande pompa, e magnificencia. Pouco durou esta uniaõ, porque morrendo ElRey no anno de 1390, ficou a Rainha Dona Brites sem filhos, e desamparada de parentes, e amigos em Portugal, e Castella. Em Portugal, porque ElRey D. Joaõ I. seu tio havia tomado posse do Reino, contrariando para mayor força a sua legitimidade; e em Castella era mal aceita por causa das guerras, que entaõ houve na pertençaõ de Portugal. Sem embargo desta afflicçaõ, em que se via, considerando-se na flor dos seus annos, e formosissima, sendo procurada para segundas vodas pelo Duque de Austria, foy esta Princeza taõ virtuosa, e prudente, que mandou dizer aos Embaixadores, que as mulheres como ella naõ casavaõ duas vezes; de cuja[Pg 393] resposta ficaraõ admirados. Morreo em fim na Villa de Madrigal.[825]
4 Fóra do matrimonio teve a Dona Isabel, que nasceo no anno de 1364, e no de 1378 casou em Burgos com D. Affonso, Conde de Gijon, e Noronha, filho bastardo delRey D. Henrique II. de Castella. Deste matrimonio procedem muitas Familias illustres deste nosso Reino, os Condes de Monsanto, Marquezes de Cascaes, os Condes de Valladares, os de Arcos, os de Villa Verde, os Marquezes de Angeja, os de Marialva, os Condes de Cantanhede, os Senhores de Ilhavo, etc. Por morte de seu marido voltou esta Senhora para Portugal, onde seu tio ElRey D. Joaõ I. lhe fez muitas mercês.[826]
1 A Infanta Dona Branca nasceo em Lisboa a 13 de Julho de 1388, e morreo no de 1389. Jaz na Basilica de Santa Maria, antiga Metropolitana de Lisboa, junto delRey D. Affonso IV. seu bisavô.
2. O Infante D. Affonso nasceo em Santarem a 30 de Julho de 1390. Foy jurado successor do Reino. Viveo dez annos, porque faleceo a 22 de Dezembro de 1400. Jaz na Cathedral de Braga em hum tumulo de bronze dourado, que lhe mandou de Borgonha a Infanta Dona Isabel sua irmã.[827]
3 O Infante D. Duarte successor.
4 O Infante D. Pedro nasceo em Lisboa a 9 de[Pg 394] Dezembro de 1392. Foy Duque de Coimbra, e Senhor de Montemór o Velho, e outras terras do Infantado. Casou com Dona Isabel de Aragaõ, filha do Conde de Urgel D. Jayme II. no anno de 1429. Foy este Principe illustre na paz, e na guerra. No anno de 1424 sahio de Portugal, e fazendo huma larga peregrinaçaõ na companhia de alguns Fidalgos, vio as Cortes dos principaes Soberanos da Europa, Africa, e Asia. Na do Imperador Sigismundo se demorou mais tempo, a quem ajudou na guerra contra os Turcos. Naõ foy só excellente na disciplina militar, porque tambem cultivou o seu engenho com as letras divinas, e humanas, e foy perito nas linguas estrangeiras, e versado nas artes liberaes. Ficou por tutor delRey D. Affonso V. seu sobrinho, e no governo do Reino se houve com singular prudencia, mas com inveja de muitos emulos, cuja ambiçaõ nunca pode saciar. Sahindo ElRey da idade pupilar, e tomando o governo do seu Reino, em lugar das graças, que houvera de dar ao Infante seu tutor, tio, e sogro, o desterrou; e pelas calumnias de seu irmaõ D. Affonso, Conde de Barcellos, e de outros seus inimigos, vindo o Infante a Santarem para se desculpar, ElRey lhe sahio ao encontro com hum exercito. Poz-se o Infante em natural defensa com alguma gente da sua facçaõ, deu-se a vergonhosa batalha chamada da Alfarrobeira, e nella foy morto o Infante atrevidamente do tiro de huma destinada setta a 20 de Mayo de 1449. Foy sepultado na igreja de Alverca, e daqui trasladaraõ o corpo para Abrantes, depois para Santo Eloy de Lisboa, e de Lisboa para a Batalha, onde jaz. Teve seis filhos, que foraõ: D. Pedro, Condestavel de Portugal, e acclamado Rey de Aragaõ. D. Joaõ, chamado de Coimbra. Dona Isabel, Rainha de Portugal, mulher delRey D. Affonso V. Dona Brites, que casou em Flandes com Adolfo de Cleves, Senhor de Revestein. Dona Filippa, que[Pg 395] morreo recolhida em Odivellas. D. Jayme, Arcebispo de Lisboa, e depois Cardeal do titulo de Santo Eustaquio.[828]
5 O Infante D. Henrique nasceo na Cidade do Porto a 4 de Março de 1394. Foy Duque de Viseu, e Mestre da Ordem Militar de Christo, em gloria da qual peleijou contra os infieis em muitas occasiões, dando sempre mostras de seu grande valor. Desde a flor dos seus primeiros annos se applicou tanto às Mathematicas, que a puras contemplações, e igual constancia de quarenta annos, emprendendo novos descubrimentos de Ceos, terras, e climas differentes, deu a conhecer ao mundo o que o mesmo mundo ignorava. Além de tanto valor, e sciencia era dotado de hum heroico espirito, vida santa, e pura, até que acabou como virtuoso em Sagres do Reino do Algarve a 13 de Novembro de 1460. Jaz na Batalha.[829]
6 A Infanta Dona Isabel nasceo em Evora a 21 de Fevereiro de 1397, e a 10 de Janeiro de 1430 se recebeo com D. Filippe III. o Bom, Duque de Borgonha, e Conde de Flandes, em cujo dia, para que fosse celebrado com mayor solemnidade, instituio o Duque a Ordem Militar do Tusaõ de ouro na Cidade de Bruges, onde se festejaraõ as vodas com huma rara, e extraordinaria magnificencia. Teve esta Princeza tal dom de conselho, que nenhuma acçaõ executava seu marido sem o seu parecer, ainda nas resoluções militares; porque além do grande juizo, e prudencia, existia nella hum valor verdadeiramente varonil, como em algumas occasiões o mostrou. Morreo a 17 de Dezembro de 1471, e jaz no Convento da Cartuxa de Dijon,[Pg 396] Cidade capital daquelle Estado.[830]
7 O Infante D. João nasceo em Santarem a 13 de Janeiro de 1400. Casou no anno de 1424 com a Infanta Dona Isabel sua sobrinha, e filha de D. Affonso, primeiro Duque de Bragança, seu irmaõ. Era o Infante terceiro Condestavel de Portugal, Mestre da Ordem de Santiago, e Principe muy prudente, valeroso, e bemquisto de todos. Morreo na Villa de Alcacer do Sal a 18 de Outubro de 1442, e jaz no Templo da Batalha na mesma Capella delRey seu pay.
8 O Infante D. Fernando nasceo em Santarem a 29 de Setembro de 1402. Foy Mestre de Aviz com o titulo de Administrador, e Governador perpetuo da dita Ordem. A sua vida sempre foy de procedimento naõ só inculpavel, mas exemplar, pelo continuo exercicio de virtudes, com que se fazia amado de todos. Sendo dado em refens aos Mouros até lhes ser entregue a Cidade de Ceuta por concerto, que os Portuguezes fizeraõ com os barbaros na infeliz jornada de Tangere em tempo delRey D. Duarte, padeceo ignominias, e injurias naquelle cativeiro com huma paciencia santa, até que morreo depois de seis annos de escravidaõ a 5 de Junho de 1443. obrando Deos por intercessaõ deste Santo Infante muitos prodigios. Jaz no Convento da Batalha.[831][832]
9 Sendo ElRey D. Joaõ ainda Mestre de Aviz teve antes de casar o Senhor D. Affonso, primeiro Duque de Bragança, que nasceo no Castello de[Pg 397] Veiros do Alentejo no anno de 1370, e havido em Dona Ignez Pires, mulher nobre, a qual depois foy Commendadeira de Santos. Casou a 8 de Novembro de 1401 com a Senhora Dona Brites Pereira, Condessa de Barcellos, filha unica do Condestavel D. Nuno Alvares Pereira, de cujo feliz consorcio descende, como de tronco glorioso, a Serenissima Casa de Bragança hoje reinante. Morreo na Villa de Chaves em o mez de Dezembro de 1461. Foy sepultado na Igreja dos Capuchos da mesma Villa.[833]
10 A Senhora Dona Brites naõ se sabe quando nasceo; porém casou a 26 de Novembro de 1405 com Thomaz Fitz, Conde de Arundel em Inglaterra, onde foy esta Senhora recebida com pomposa magnificencia. Deste casamento naõ teve successaõ, e pela morte de seu marido passou a segundas vodas no anno de 1415 com Gilberto Talbot, Baraõ de Irchenfield, de que tambem ficou viuva no anno de 1419. Ignora-se o anno, em que morreo.
1 O Infante D. Joaõ nasceo em Lisboa em Outubro de 1429, e morreo de tenra idade.
2 A Infanta Dona Filippa nasceo em Santarem a 27 de Novembro de 1430, e morreo a 24 de Março de 1439 ameaçada de peste.
3 O Principe D. Affonso successor.
4 A Infanta Dona Maria nasceo a 7 de Dezembro de 1432 na Villa do Sardoal, e naõ teve mais que hum dia de vida.
5 O Infante D. Fernando nasceo em Almeirim[Pg 398] a 17 de Novembro de 1433, e no de 1438 foy jurado Principe successor do Reino. Era Duque de Viseu, Condestavel do Reino, Senhor de Béja, e de outras muitas terras. Casou nas Alcaçovas com a Infanta Dona Brites, filha de seu tio o Infante D. João no anno de 1447. Como o Infante era de elevados espiritos, sahio do Reino occultamente, e foy ter a Ceuta com a idéa de ser alli Fronteiro; porém ElRey D. Affonso seu irmaõ o fez voltar ao Reino, e depois se servio do seu valor na jornada, e expugnaçaõ de Africa. Morreo em Setubal a 18 de Setembro de 1470, e jaz no Mosteiro da Conceiçaõ de Béja, que a infanta sua mulher fundara. Desta Real uniaõ nasceraõ oSenhor D. Joaõ, o Senhor D. Diogo, o Senhor D. Duarte, o Senhor Rey D. Manoel, a Rainha Dona Leonor, a Duqueza Dona Isabel, communicando-se tambem por via deste casamento o Regio sangue dos Serenissimos Senhores Duques de Bragança a quasi todos os soberanos Principes da Europa.[834]
6 Infanta Dona Leonor nasceo em Torres Vedras a 18 de Setembro do anno 1434. Casou com o Imperador Federico III. no anno de 1451, e a 16 de Março de 1452 o Papa Nicoláo V. a recebeo em Roma, e a coroou Imperatriz a 19 do mesmo mez; e passando depois a Alemanha, foy coroada Rainha de Hungria, e Bohemia. Foy esta Princeza igualmente muito formosa, e discreta, cujos predicados fazia realçar mais com huma singular modestia, que era o atractivo de todos a amarem, e respeitarem. Faleceo em Neustadt a 3 de Setembro de 1467. Jaz no Mosteiro de Cister da mesma Cidade.[835]
7 O Infante D. Duarte nasceo em Alenquer a 12 de Julho de 1435, e morreo de tenra idade.
8 A Infanta Dona Catharina nasceo a 25 de Novembro[Pg 399] de 1435. Esteve desposada com D. Carlos, Principe de Navarra, e com ElRey de Inglaterra Duarte IV. mas nenhum casamento se effetuou. Foy Princeza de muitas virtudes, e com tanta applicaçaõ ao exercicio das letras, que chegou a traduzir em Portuguez o livro da perfeiçaõ dos Monges, que em Latim compoz S. Lourenço Justiniano. Morreo no Mosteiro de Santa Clara de Lisboa com opiniaõ de virtuosa aos 17 de Junho de 1463. Jaz no Convento de Santo Eloy desta Cidade.[836]
9 A Infanta Dona Joanna nasceo no fim de Março de 1439 na quinta do Monte Olivete da Villa de Almada. Casou com Henrique IV. de Castella a 21 de Mayo de 1455. Foy muito formosa, e naturalmente alegre, e esperta, donde se lhe originaraõ as calumnias, de que a arguiraõ. Teve huma unica filha, que foy a Princeza Dona Joanna, jurada herdeira de Castella, a quem a fortuna, que lhe usurpou o Reino, contentou com o nome de Excellente Senhora. Morreo a Rainha Dona Joanna em Madrid a 13 de Junho de 1475. Foy sepultada no Mosteiro de S. Francisco da mesma Villa, cuja sepultura está hoje desfeita.[837]
10 Ainda que Manoel de Faria tem por certo que ElRey D. Duarte naõ tivera mais filhos fóra do matrimonio, os Genealogicos mais indagadores affirmaõ, que tivera a D. João Manoel, nascido de Dona Joanna Manoel, Dama da Rainha Dona Leonor. Criou-se em casa do inconquistavel, e grande D. Nuno Alvares Pereira, e de quatorze annos tomou o habito da Religiaõ do Carmo em Lisboa, e aqui foy Prior, e Provincial, donde a merecimentos das suas virtudes foy elevado à dignidade de Bispo de Ceuta, depois Bispo da Guarda. ElRey D. Affonso V. seu irmaõ o fez tambem seu Capellaõ[Pg 400] Mór, e se aproveitou muito da sua prudencia, virtude, e conselhos. Morreo em Lisboa, e jaz no Convento do Carmo da mesma Cidade na Casa do Capitulo velho, como nos mostra o moderno, e insigne Chronista desta Religiaõ; e naõ na Sé de Lisboa, como escreve o Author da Corografia Portugueza.[838] Daqui procedem os illustrissimos Condes de Atalaya.
1 O Principe D. Joaõ nasceo em Cintra a 29 de Janeiro do anno de 1451, e morreo de tenra idade.
2 A Infanta Beata Joanna nasceo em Lisboa a 6 de Fevereiro de 1452. Foy de singular virtude, e admiravel formosura, por cujas prendas muitos Principes a pertenderaõ para esposa; mas repudiando a todos, viveo em perpetua castidade. Consagrando-se toda a Deos, tomou o habito de Religiosa de S. Domingos no Mosteiro de Jesus de Aveiro no anno de 1475, onde vivendo dezoito annos em continuo exercicio de todas as virtudes, em que floreceo, acabou o circulo dos seus dias neste mundo a 12 de Mayo de 1490. Jaz sepultada no mesmo Mosteiro em hum primoroso tumulo, que lhe mandou fazer o Senhor Rey D. Pedro II. para onde se trasladaraõ as veneraveis Reliquias em 22 de Outubro de 1711, por ordem delRey D. Joaõ V. O mesmo Senhor D. Pedro II. alcançou do Papa Innocencio XI. o culto de Beata desde 4 de Abril do anno de 1693.[839]
3 O Principe D. Joaõ successor.
[Pg 401]
1 O Principe D. Affonso nasceo em Lisboa a 18 de Mayo do anno 1475. Casou com a Princesa Dona Isabel, filha delRey D. Fernando o Catholico, a 23 de Novembro de 1490. Nas suas vodas se fizeraõ as mayores festas, e demonstrações de alegria em variedade de espectaculos, profusaõ monstruosa de manjares, e invenções exquisitas de bailes, quaes nunca se viraõ, nem ouviraõ; porém como se toda aquella magnificencia, divertimento, e grandeza fora feita por jogo, e brinco da fortuna, dentro de poucos dias se mudou em subitos prantos, e lutos, porque este Principe na florida idade de dezaseis annos, casado de sete mezes, cahindo de hum cavallo, em que risonho corria pelas margens do Tejo junto a Santarem, se fez em pedaços; e deitado sobre a humilde cama de feno na choça de hum pobre pescador, exhalou a alma a 13 de Julho de 1491, nos braços delRey seu Pay, da Rainha sua Mãy, e da Princeza sua Esposa, desfeitos todos em lagrimas, e sentimento por taõ lastimosa fatalidade. Jaz na Batalha na Casa do Capitulo.[840]
2 Teve fóra do matrimonio a D. Jorge, que nasceo em Abrantes a 12 de Agosto de 1481. Foy sua mãy Dona Anna de Mendonça, Dama da Rainha Dona Joanna, e Senhora muito nobre, e taõ estimada, e querida delRey, que a seu respeito (diz o Author do Anno Historico) mandou erigir o Mosteiro de Santos o Novo, e a nomeou Commendadeira[Pg 402] perpetua, onde faleceo virtuosamente no anno de 1545. Naõ foy menor o amor, que ElRey teve a este filho, o qual se criou em casa da Senhora Dona Joanna sua tia; e falecendo esta Princeza, o trouxe para o Paço a Rainha sua madrasta, e o conduzio a Evora, onde ElRey estava, o Bispo do Porto. Foy esperallo fóra da Cidade o Principe Affonso seu irmaõ com toda a Nobreza, mandou-o seu pay tratar de Excellencia, mas por lisonja lhe fallavaõ por Alteza. Quiz ElRey deixallo por successor do Reino, ao que se oppoz a Rainha, por ser em prejuizo de seu irmaõ D. Manoel, a quem de direito tocava, e tambem naõ quiz vir nisso o Papa Alexandre VI. havendo por esta causa grandes discordias entre ElRey, e a Rainha. Mas como ElRey naõ pode conseguir o que desejava, fez a D. Jorge o mayor Senhor, que havia em Hespanha, porque quiz que succedesse aos bens de seu bisavô o infante D. Pedro, e assim ficou sendo Duque de Coimbra, Senhor de Montemór o Velho, Marquez de Torres Novas, Mestre das Ordens de Santiago, e Aviz, e Senhor de outras muitas rendas. Morto ElRey, foraõ muitos Fidalgos a Villa-Nova buscar o Senhor D. Jorge, e o conduziraõ a Montemór o Novo, onde estava ElRey D. Manoel. Foy logo em direitura apearse ao Paço vestido de burel, e assim subio a beijar a maõ a ElRey; e o Prior do Crato D. Diogo de Almeida, que era seu Ayo, pegando-lhe pela maõ, se pozeraõ ambos de joelhos, e o entregou a ElRey seu tio, fazendo-lhe huma eloquente oraçaõ, em que lhe dizia como ElRey defunto lho deixara encommendado. ElRey D. Manoel lhe fez grandes honras, e lhe deu casa no Paço. Contava já o Senhor D. Jorge vinte annos de idade, quando ElRey o casou com Dona Brites de Vilhena, filha de D. Alvaro, irmaõ do Duque de Bragança D. Fernando II. e deste matrimonio descende a illustre Familia dos Alencastres.[Pg 403] Morreo o Senhor D. Jorge no anno de 1550, e jaz no Convento de Palmella.[841]
1 O Principe D. Miguel da Paz foy filho da primeira mulher a Rainha Dona Isabel. Nasceo na Cidade de Saragoça a 24 de Agosto de 1498. Foy jurado Principe herdeiro de Castella, e de Portugal. Naõ viveo mais que dous annos, porque a 20 de Junho de 1500 expirou na mesma Cidade, onde jaz.
2 O Principe D. Joaõ, filho da segunda mulher a Rainha Dona Maria, foy successor do Reino.
3 A Infanta Dona Isabel nasceo em Lisboa a 24 de Outubro de 1503. Foy rara a formosura, com que a dotou a natureza. Casou em Sevilha com o Imperador Carlos V. a 11 de Março de 1526. As suas virtudes foraõ mayores que os seus elogios, e estes foraõ innumeraveis. Adoeceo em Toledo, e aqui expirou no primeiro de Mayo de 1539. Foy conduzido o cadaver da imperatriz pelo Marquez de Lombay a ser sepultado na Cathedral da Cidade de Granada; e como fosse preciso para aquella entrega abrirse o caixaõ, chegando-se o Marquez a tirar a toalha, que cubria o macilento rosto, vendo-o taõ demudado, e espantoso à vista, foy causa do prodigioso desengano do Marquez, porque dalli se converteo em hum S. Francisco de Borja, cujo resplandor de virtudes illustrou tanto a Companhia de Jesus. No mesmo dia desta portentosa transformaçaõ,[Pg 404] que foy a 7 de Mayo do sobredito anno, vio a grande serva de Deos Soror Francisca de Jesus, Abbadessa do Mosteiro de Gandia, estando em oração, sahir do Purgatorio a alma da Imperatriz assistida de alguns Anjos. A 4 de Fevereiro de 1574 foy trasladado o corpo para o Escurial, onde jaz. Deste consorcio nasceo ElRey D. Filippe II.[842]
4 A Infanta Dona Brites nasceo em Lisboa a 31 de Dezembro de 1504. Casou com Carlos III. Duque de Saboya a 29 de Setembro de 1521. Foy esta Princeza ornada de grandes virtudes, pelas quaes era muito amada de seu esposo, e tida por huma singular Heroina daquelles tempos. Morreo em Niza, Cidade de Saboya, a 8 de Janeiro de 1538.[843]
5 O Infante D. Luiz nasceo em Abrantes a 3 de Março de 1506. Foy este Principe Duque de Béja, Condestavel de Portugal, Administrador do Priorado do Crato, e ornado de tantas virtudes, que, como diz Damiaõ de Goes, para a natureza cumprir de todo com os dotes, que lhe deu, lhe havia de conceder tambem occasiões para poder conquistar mayores Reinos, e Senhorios do que Alexandre, porque para a execuçaõ disso lhe sobejou animo. Assim se vio na famosa expediçaõ, e conquista de Tunes, que o Imperador Carlos V. seu cunhado fez no anno de 1535, onde se achou o Infante D. Luiz governando o celebre Galeaõ Botafogo, e Armada auxiliar, que ElRey D. Joaõ III. mandou ao Imperador, devendo-se à animosa deliberaçaõ do Infante cortarse a fortissima cadea, que atravessava o porto da Goleta, de que tanta gloria se seguio à Christandade, credito à Naçaõ Portugueza, e fama ao valor do Infante. Além destas prendas teve[Pg 405] hum sublime engenho, que com o exercicio das artes liberaes, ensinadas pelo grande Mestre Pedro Nunes, soube adquirir hum lugar eminente na Republica das letras. Na Religiaõ foy exemplar, e taõ pio, como o testifica o Mosteiro das Maltezas de Estremoz, que elle edificou, e outras acções de caridade. Finalmente faleceo na quinta de Marvilla junto a Lisboa a 27 de Novembro de 1555, e jaz em Belém. De Violante Gomes, chamada a Pelicana, donzella humilde, mas de rara formosura, a qual morreo professa no Mosteiro de Almoster, teve ao Senhor D. Antonio, que foy Prior do Crato.[844]
6 O Infante D. Fernando nasceo em Abrantes a 5 de Junho de 1507. Foy Duque da Guarda, e Principe de condiçaõ sincera, muito animoso, amigo da verdade, e dizia o que entendia sem o rebuço da politica adulaçaõ. Foy muito dado à lição da Historia verdadeira, e naõ fabulosa, e por ajuntar quantas Chronicas havia escritas em qualquer lingua que fosse, gastou grosso cabedal. Mandou fazer huma arvore genealogica illuminada pelo mais insigne Pintor, que havia em Flandes, e constava desde Noé até ElRey D. Manoel seu pay. Casou com Dona Guiomar Coutinho, filha herdeira do Conde de Marialva D. Francisco Coutinho, e morreo em Abrantes a 7 de Novembro de 1534. Jaz em Belém.[845]
7 O Infante D. Affonso nasceo em Evora a 23 de Abril de 1509. O Papa Leaõ X. o creou Cardeal[Pg 406] Diacono de Santa Luzia. Foy Bispo da Guarda, e de Viseu, Arcebispo de Lisboa, e o primeiro Prelado, que nestes Reinos ordenou se lesse o Cathecismo da Doutrina christã nas Igrejas aos meninos, e que nas Paroquias houvesse livros, onde se assentassem, e escrevessem os nomes dos bautizados, e casados, sendo elle o que muitas vezes conferia estes, e os mais Sacramentos com grande caridade. Foy muito dado à lição dos livros, e teve por Mestres aos insignes Ayres Barbosa, e Pedro Margalho. Morreo em Lisboa a 21 de Abril de 1540, e jaz em Belém.[846]
8 O Infante D. Henrique, Cardeal, que succedeo no Throno.
9 A Infanta Dona Maria nasceo conforme a conjectura do incansavel D. Joseph Barbosa entre o anno de 1511, e 1513. Morreo em Evora no anno de 1513 e jaz em Belém.[847]
10 O Infante D. Duarte nasceo em Lisboa a 7 de Setembro de 1515. Desde os primeiros annos foy muito inclinado às letras, nas quaes fez bons progressos, ajudado da portentosa memoria, que tinha, e das bem ordenadas instrucções de seu Mestre o celebrado, e erudito André de Resende. Na musica foy destro, e sciente, e no exercicio da caça incansavel. Casou em Villa Viçosa a 23 de Abril de 1537 com a Senhora Dona Isabel, filha de D. Jayme, quarto Duque de Bragança, de cujo matrimonio nasceraõ a Senhora Dona Maria, Princeza de Parma, e a Senhora Dona Catharina. Antes deste Infante falecer, predisse elle mesmo o dia da sua morte, que foy a 20 de Outubro de 154O. Jaz em Belém.[848]
[Pg 407]
11 O Infante D. Antonio nasceo em Lisboa a 9 de Setembro de 1516. Morreo logo, e jaz em Belém. Deste parto ficou a Rainha Dona Maria taõ mal, que tambem faleceo dahi a pouco tempo; e tornando ElRey D. Manoel a casar com a Rainha Dona Leonor, teve della
12 O Infante D. Carlos, que nasceo em Evora a 18 de Fevereiro de 1520. Morreo em Lisboa a 15 de Abril de 1521, e jaz em Belém.
13 A Infanta Dona Maria nasceo em Lisboa a 8 de Junho de 1521. Era Princeza, que em gentileza, e virtudes excedeo as melhores do seu tempo. Seu Palacio era huma universidade de mulheres singulares em letras, e outras artes de engenho, a quem presidia a famosa Dama Toledana, chamada Luiza Sigea, cuja erudiçaõ fez aturdir a Europa. Fundou o Mosteiro de Nossa Senhora da Luz, huma legua distante de Lisboa, e o sumptuso Hospital alli vizinho: o Mosteiro da Incarnaçaõ de Commendadeiras de Aviz em Lisboa, e em Evora o Mosteiro de Santa Helena do Monte Calvario, e em Torres Vedras o Convento de Nossa Senhora dos Anjos para os Religiosos Arrabidos, alcançando da Sé Apostolica para esta Igreja o Jubileo da Porciuncula in perpetuum. Morreo a 10 de Outubro de 1577. Jaz no Convento da Luz.[849]
1 O Principe D. Affonso nasceo em Almeirim a 24 de Fevereiro de 1526. Faleceo passados poucos dias, e jaz em Belém.[850]
[Pg 408]
2 A Infanta Dona Maria nasceo em Coimbra a 15 de Outubro de 1527. Casou com D. Filippe, Principe de Castella, e se celebraraõ as vodas em Salamanca a 15 de Novembro de 1543. Morreo de parto a 12 de Julho de 1545, estando em Valhadolid. Jaz no Escurial.
3 A Infanta Dona Isabel nasceo em Lisboa a 28 de Abril de 1529. Morreo de poucos mezes, e jaz em Belém.
4 A Infanta Dona Brites nasceo em Lisboa a 15 de Fevereiro de 1530, e morreo de tenra idade. Jaz em Belém.
5 O Principe D. Manoel nasceo em Alvito no primeiro de Novembro de 1531. Faleceo em Evora a 14 de Abril de 1537, e jaz em Belém.
6 O Infante D. Filippe nasceo em Evora a 25 de Março de 1533. Foy jurado Principe herdeiro do Reino. Viveo pouco, porque faleceo a 29 de Abril de 1539. Jaz em Belém na mesma sepultura de seu irmaõ D. Affonso.
7 O Infante D. Diniz nasceo em Evora a 26 de Abril de 1535, e na mesma Cidade morreo no primeiro de Janeiro de 1537. Jaz em Belém.
8 O Principe D. Joaõ nasceo em Evora a 3 de Junho de 1537. Foy jurado Principe herdeiro nas Cortes, que se celebraraõ em Almeirim a 30 de Março de 1544. Casou com a Princeza Dona Joanna de Austria, filha do Imperador Carlos V. e se recebeo por procuraçaõ na Cidade de Toro a 11 de Janeiro de 1552, e no fim de Novembro do mesmo anno entrou por Elvas em Portugal. Gil Gonzales Davila faz honorifica memoria desta Princeza no cap. 9. das Grandezas de Madrid, mas discreta na Chronologia, que seguimos. Deste augusto thalamo nasceo D. Sebastiaõ que sendo Principe de esperanças, depois foy Rey de pouca ventura. Morreo em fim o Principe D. Joaõ a 2 de Janeiro de 1554, e jaz em Belém em magnifico mausoleo.[Pg 409] Mereceraõ as bellas prendas, e saudosa memoria deste Principe serem eternizadas na mais illustre, e canora Egloga do Homero Portuguez, e nas citharas de outros insignes Poetas daquelle tempo.[851]
9 O Infante D. Antonio nasceo em Lisboa a 9 de Março de 1539, e morreo a 20 de Janeiro de 1540. Jaz em Belém.
10 Fóra do matrimonio teve ElRey a D. Duarte, que nasceo no anno de 1521. Foy sua mãy Dona Isabel Muniz, moça da Camera da Rainha Dona Leonor, e filha de hum Alcaide de Lisboa, homem honrado, a quem chamavaõ o Carrança, e ella depois foy Freira de Santa Clara do Porto. Criou-se D. Duarte no Convento de S. Jeronymo, chamado da Costa, junto de Guimarães, e aqui estudou com exemplar progresso as boas letras, e costumes. Mandou-o ElRey buscar ao dito Convento com grande ostentaçaõ, e trazello a Cintra, onde estava a Corte; porém sendo preciso a ElRey vir a Lisboa, tanto que D. Duarte chegou a Cintra, foy o Conde da Castanheira buscallo, e o conduzio a Lisboa, e ElRey o veyo esperar ao Convento de S. Domingos de Bemfica, onde o recebeo com grandes honras, e expressões de alegria. Foy D. Duarte Arcebispo de Braga, muy pio, e muy versado nos estudos de Filosofia, Theologia, e ambos os Direitos. Começou a escrever em lingua Latina a Historia dos Reys de Portugal, de que deixou elegantemente composta a delRey D. Affonso Henriques, da qual fazem memoria D. Nicoláo Antonio, e o Abbade de Sever. Morreo na flor dos seus annos a 11 de Novembro de 1543. Jaz em Belém.[852]
11 D. Manoel morreo menino.
[Pg 410]
1 O Principe D. Carlos nasceo a 12 de Julho de 1545. Os Castelhanos lhe chamaõ o Infeliz; porque sendo de genio turbulento, o pay temeroso das extravagancias do filho, naõ desapprovou os meyos, que lhe assinaraõ para lhe abreviar a vida, e assim veyo a acabar violentamente em 24 de Junho de 1568. Foy filho da sua primeira mulher.
2 A Infanta Dona Isabel nasceo a 12 de Agosto de 1566. Casou com o Archiduque Alberto no anno de 1599, e sem successaõ morreo a 29 de Novembro de 1633.
3 A Infanta Dona Catharina nasceo a 10 de Outubro de 1567. Casou com o Duque de Saboya Carlos Manoel no anno de 1585, e morreo a 6 de Novembro de 1597. Estes dous foraõ filhos do terceiro matrimonio.
4 O Principe D. Fernando nasceo a 4 de Dezembro de 1571, e morreo a 18 de Outubro de 1578.
5 O Infante D. Carlos Lourenço nasceo a 12 de Agosto de 1573. Morreo a 30 de Julho de 1582.
6 O Principe D. Diogo nasceu a 12 de Julho de 1575, e morreo a 21 de Novembro de 1582.
7 O Principe D. Filippe, que lhe succedeo.
8 A Infanta Dona Maria nasceo a 21 de Março de 1580, e morreo a 4 de Agosto de 1583. Estes cinco foraõ filhos do quarto matrimonio.
1 A Infanta Dona Anna Mauricia de Austria, Rainha de França, nasceo em Valhadolid a 22 de Setembro de 1601. Casou com Luiz XIII.[Pg 411] Rey de França no anno de 1615, morreo a 14 de Mayo de 1643, jaz em S. Diniz. Deste matrimonio nasceraõ Luiz XIV. Rey de França, e Filippe de França, Duque de Orleans.
2 O Principe D. Filippe successor.
3 A Infanta Dona Maria nasceo em Valhadolid a 18 de Agosto de 1606. Casou com o Imperador de Alemanha D. Fernando III. e morreo a 13 de Mayo de 1646.
4 O Infante D. Carlos nasceo em Madrid a 14 de Setembro de 1607, e morreo a 13 de Julho de 1632.
5 O Infante D. Fernando nasceo no Escurial a 16 de Mayo de 1609. O Papa Paulo V. o creou Cardeal a 29 de Julho de 1619, naõ tendo mais que dez annos, e lhe deu logo o governo do Arcebispado de Toledo, e o fez Capitaõ General dos Paizes baixos, onde morreo a 9 de Novembro de 1641.
6 A Infanta Dona Margarida nasceo em Lerma a 25 de Mayo de 1610, e morreo a 11 de Março de 1617.
7 O Infante D. Affonso Mauricio nasceo no Escurial a 22 de Setembro de 1611, morreo a 16 de Setembro de 1612.
1 A Infanta Dona Margarida Maria nasceo a 14 de Agosto de 1621, e morreo no mesmo dia.
2 A Infanta Dona Maria Margarida nasceo a 25 de Novembro de 1623, e morreo a 22 de Dezembro do mesmo anno.
3 A Infanta Dona Maria nasceo a 21 de Novembro de 1625, e morreo a 21 de Julho de 1627.
4 O Principe D. Balthasar Carlos nasceo a 17 de[Pg 412] Outubro de 1629. Foy muito festejado o seu nascimento. Morreo a 9 de Outubro de 1646.
5 A Infanta Dona Isabel Teresa dos Santos morreo no primeiro de Novembro de 1627.
6 A Infanta Dona Anna Antonia nasceo a 17 de Janeiro de 1635, e morreo a 5 de Dezembro de 1636.
7 A Infanta Dona Maria Teresa, Rainha de França, nasceo a 20 de Setembro de 1638. Casou com ElRey de França Luiz XIV. a 4 de Julho de 1660, e morreo em Versalhes a 30 de Julho de 1683. Todos estes foraõ filhos do primeiro matrimonio; e do segundo teve.
8 A Infanta Dona Margarida Maria Teresa, que nasceo a 12 de Julho de 1651. Casou com o Imperador Leopoldo no anno de 1666, e morreo a 12 de Março de 1673.
9 A Infanta Dona Maria Ambrosia morreo menina a 21 de Dezembro de 1659.
10 O Principe D. Filippe Prospero nasceo a 20 de Novembro de 1657, e morreo no primeiro de Novembro de 1661.
11 O Infante D. Fernando nasceo a 22 de Dezembro de 1658, e morreo a 22 de Outubro de 1659.
12 O Principe Carlos II. successor no Throno, nasceo a 6 de Novembro de 1661, e casando duas vezes, morreo sem successaõ no primeiro de Novembro de 1700.
13 Fóra do matrimonio teve a D. Joaõ de Austria, que nasceo a 7 de Abril de 1629, e teve por mãy Dona Maria Calderon. Foy Graõ Prior de Malta em Castella, Vice-Rey de Sicilia, Governador de Flandes, General de todas as forças maritimas da Monarquia de Castella, primeiro Ministro delRey Carlos II. e hum dos mais valerosos soldados daquelle seculo. Morreo a 17 de Setembro de 1679, e jaz no Escurial.
[Pg 413]
1 O Principe D. Theodosio nasceo em Villa Viçosa a 8 de Fevereiro de 1634. Foy jurado Principe de Portugal a 28 de Janeiro de 1641, e segundo as memorias felicissimas, que existem delle, foy certamente hum portento da natureza, e da graça, sabendo accrescentar, e augmentar os dotes de huma, e outra com as prendas adquiridas na continuada, e illustre occupaçaõ das virtudes. Acabou na flor da sua idade a 15 de Mayo de 1653, e jaz em Belém.[853]
2 A Senhora Dona Anna nasceo em Villa Viçosa a 21 de Janeiro de l635. No mesmo dia expirou, e jaz no Coro das Religiosas do Mosteiro das Chagas da mesma Villa.
3 A Infanta Dona Joanna nasceo em Villa Viçosa a 18 de Setembro de 1636. Morreo a 17 de Novembro de 1653, e jaz em Belém.
4 A Infanta Dona Catharina nasceo em Villa Viçosa a 25 de Novembro de 1638. Casou com Carlos II. Rey de Inglaterra em 18 de Mayo de 1661. Padeceo em Londres com varonil paciencia fortissimos contratempos, culpando-a o Parlamento de querer introduzir em Inglaterra a Religiaõ Catholica, por cujo motivo intentarão darlhe veneno, de que a innocencia de sua virtuosa vida a livrou, até que passados sete annos depois da morte de seu marido, voltou para Portugal, e chegou a Lisboa a 20 de Janeiro de 1693. No anno de 1704, quando ElRey D. Pedro seu irmão passou à Beira, ficou governando o Reino com grande satisfaçaõ de todos;[Pg 414] mas a 31 de Dezembro de 1705 deixou com sua morte a todos saudosos. Jaz em Belém.[854]
5 O Senhor D. Manoel nasceo em Villa Viçosa a 6 de Setembro de 1640, e logo morreo. Jaz no Convento de Santo Agostinho da mesma Villa.
6 O Infante D. Affonso successor.
7 O Infante D. Pedro, que succedeo a ElRey D. Affonso seu irmaõ.
8 Fóra do matrimonio teve a Senhora Dona Maria, que nasceo no anno de 1643. Criou-se em casa do Secretario Antonio Cavide, ao qual passou Alvará a Rainha Dona Luiza de tutor, curador, e administrador da pessoa, e bens da dita Senhora. De casa do sobredito Secretario foy para o Mosteiro de Carnide no anno de 1649, onde vestio o habito da Religiaõ de Santa Teresa, mas naõ professou. Nunca veyo à Corte em publico; porém indo às Caldas, foy acompanhada de Antonio Alvares da Cunha, e de sua irmã a Condessa de Villa-Flor. ElRey D. Joaõ a declarou por filha, e lhe deixou feita a mercê da Commenda mayor de Santiago, e das Villas de Torres Vedras, e Colares, cujas disposições foraõ todas inteiramente satisfeitas pela Rainha Regente, e o Serenissimo Rey D. Affonso, os quaes em todos os Decretos, Alvarás, e Cartas, em que fallavaõ nella, lhe chamavaõ Dona Maria, muito amada, e prezada irmã, sem o titulo de Infanta; porque, como elegantemente prova o Doutor Chronista Fr. Antonio Brandaõ,[855] nunca em Portugal se deu aos filhos illegitimos o titulo de Infante. Fez esta Senhora varios, e grandiosos donativos ao Mosteiro, em que viveo, até que aos cincoenta annos da sua idade acabou esta vida a 6 de Fevereiro de 1693. Jaz no Coro debaixo do mesmo Mosteiro.[856]
[Pg 415]
1 A Infanta Dona Isabel, filha do primeiro matrimonio, nasceo em Lisboa a 6 de Janeiro de 1669. Foy jurada Princeza herdeira do Reino, e esteve desposada com o Duque de Saboya Victorio Amadeo; mas a intempestiva morte embaraçou este desejado consorcio, porque a Infanta faleceo 21 de Outubro de 1690. Jaz no Mosteiro do Santo Crucifixo de Capuchas Francezas junto da Rainha Dona Maria Francisca sua mãy.
2 Do segundo matrimonio teve o Principe D. Joaõ que nasceo em Lisboa a 30 de Agosto de 1688, e morreo a 17 de Setembro do mesmo anno. Jaz em S. Vicente de Fóra.
3 O Serenissimo Principe D. Joaõ succesor na Coroa.
4 O Serenissimo Infante D. Francisco nasceo em Lisboa a 25 de Mayo de 1691. Foy Graõ Prior do Crato, e fez o officio de Condestavel do Reino nas Cortes de 1697, e no Auto do levantamento delRey D. Joaõ V. seu irmaõ. Possuio as grandes, e opulentas Casas do Infantado, e da Feira, com outras muitas rendas, jurisdições, e prerogativas. Deveo-lhe a sciencia Nautica hum particular desvelo, como se fora seu professor, e não menos todo o manejo bellico, para que tinha natural viveza, e propensaõ. A caça foy todo o seu divertimento, em que era perito, destro, destemido, e incansavel, por cujo motivo mais era habitador do campo, que da Corte. Teve entranhavel devoçaõ com a Imagem da Senhora da Atalaya, a quem tributou liberaes offertas; e aos Religiosos Capuchos da Conceiçaõ lhes mandou edificar hum Hospicio junto do seu Palacio da Bemposta de Lisboa, delineado pela simetria do Convento da Arrabida. Achando-se finalmente[Pg 416] na quinta de Bernardo Freire, meya legua distante das Caldas da Rainha, para onde tinha hido acompanhar a ElRey, faleceo de hum volvulo a 21 de Julho de 1742. Jaz em S. Vicente de Fóra.
5 O Serenissimo Infante D. Antonio nasceo em Lisboa a 15 de Março de 1694. Participou logo da natureza attributos verdadeiramente Reaes; porque a bizarria da sua magestosa presença, revestida de hum soberano agrado, e de numa seria affabilidade, era a fortissima cadea de ouro, com que atava suavemente a todos, para que o amassem; mas muito mais poderoso attractivo para o nosso affecto eraõ aquellas nobres prendas do animo, e alma, que brilhavaõ grandemente em todas as suas acções, e inculcavaõ a grandeza do seu espirito heroicamente generoso, sublime, pio, e benigno. Faleceo finalmente a 20 de Outubro de 1757 em Alcantara na quinta chamada da Tapada. Jaz em Belém.
6 A Senhora Infanta Dona Teresa nasceo em Lisboa a 24 de Fevereiro de 1696. ElRey seu Pay ajustou casalla com o Archiduque Carlos, mas desfez este ajuste a morte da Infanta, que foy buscar ao Ceo outra coroa mais perduravel em 16 de Fevereiro de 1704. Jaz em S. Vicente de Fóra.
7 O Serenissimo Senhor Infante D. Manoel nasceo em Lisboa a 3 de Agosto de 1697. Para mostrar que no sangue Real Portuguez naõ estava adormecida aquella natural aversaõ contra os sequazes da seita de Mafoma, levado de hum sobrenatural impulso, e ardor militar, que o naõ soffria conter nos limites da patria, naõ contando mais que dezasete annos de idade, sahindo occultamente do porto de Lisboa em 4 de Novembro de 1715, passou a Hollanda, e daqui a Hungria, onde militando sempre ao lado do famoso Principe Eugenio nas perigosas batalhas de Peterwaradin, Temeswar, e Belgrado, obrou com tanto valor, e desembaraço, que mais[Pg 417] parecia Mestre, que discipulo de Marte. Depois de serenadas as campanhas, e passando a ver algumas Cortes da Europa, adquirindo ao seu augusto nome immortal fama, se restituio a Portugal no anno de 1723, fazendo com as suas gloriosas proezas, que as Musas tivessem heroico assumpto para os elogios, e as virtudes exercicio nos seus louvaveis, e generosos empregos.
9 A Senhora Infanta Dona Francisca nasceo em Lisboa a 30 de Janeiro de 1699. Ornou-a a natureza liberalmente em gráo supremo de huma formosura magestosa, alegre, affavel; de hum genio compassivo, pio, magnifico; e por todos estes, e outros muitos virtuosos predicados dominava esta Princeza o coraçaõ de todos, attrahindo a Nobreza, e o povo a amalla, e adoralla tanto, que arrebatando-a o Ceo em 15 de Julho de 1756, ainda cá na terra a saudade existe viva em nossa memoria. Jazem as suas cinzas em S. Vicente de Fóra.
9 Teve ElRey D. Pedro fóra do matrimonio a Senhora Dona Luiza, que nasceo a 9 de Janeiro de 1679. Criou-se em casa do Secretario de Estado Francisco Correa de Lacerda, e de oito annos passou a viver recolhida no Mosteiro de Carnide em companhia de sua tia a Senhora Dona Maria. Em 14 de Mayo de 1695 se recebeo na Ermida de Nossa Senhora das Necessidades com o Duque D. Luiz Ambrosio de Mello, filho do Duque de Cadaval D. Nuno Alvares Pereira de Mello; porém morrendo o Duque D. Luiz a 13 de Novembro de 1700, e ficando a Senhora Dona Luiza viuva, e sem filhos, tornou a casar em 16 de Setembro de 1702 com seu cunhado o Duque D. Jayme, do qual tambem naõ teve successaõ. Faleceo a 23 de Dezembro de 1732, e jaz no Mosteiro de S. Joaõ Evangelista da Cidade de Evora.
10 O Senhor D. Miguel nasceo em Lisboa a 15 de Outubro de 1699. Criou-se em casa do Secretario[Pg 418] das Mercês Bartholomeu de Sousa Mexia, onde aprendeo as bellas letras, como se houvera de as professar; e unindo à intelligencia das artes liberaes outros muitos dotes heroicos, conseguio justamente fazerse crédor de huma estimaçaõ universal. ElRey D. Joaõ V. o reconheceo por seu irmaõ, e ordenou se lhe désse tratamento de Alteza, fazendo-lhe muitas honras devidas ao seu sublime nascimento. Casou em 30 de Janeiro de 1715 com Dona Luiza Casimira de Sousa, herdeira da illustrissima Casa de Arronches, a quem ElRey D. Joaõ V. fez a mercê das honras de Duqueza. Deste plausivel matrimonio nasceo em 11 de Novembro de 1716 a Senhora Dona Joanna Perpetua, a quem ElRey D. Joaõ V. concedeo as honras de Duqueza, e casou em 20 de Setembro de 1738 com o quarto Marquez de Cascaes D. Luiz, que morrendo em 14 de Março de 1745, ficou esta Senhora viuva, e sem successaõ. O Senhor D. Pedro de Bragança, Duque de Lafões, nasceo em 19 de Janeiro de 1718, foy Regedor das Justiças da Casa da Supplicaçaõ, em que entrou no anno de 1749, e falleceo no de 1761, e o Senhor D. Joaõ de Bragança nasceo em 6 de Março de 1719. Morreo em fim o Senhor D. Miguel desgraçadamente, naufragando no Tejo em 13 de Janeiro de 1724, e apparecendo o corpo a 5 de Fevereiro, foy conduzido ao Convento de Santa Catharina de Ribamar, da Provincia da Arrabida, onde jaz.
11 O Senhor D. Jofeph nasceo a 6 de Mayo de 1703. Foy sagrado Arcebispo de Braga a 5 de Fevereiro de 1741 pelo Eminentissimo Cardeal Patriarca, e a 23 de Julho do referido anno fez a sua entrada publica naquella Cidade com grandes festas, obsequios, e alegrias de seus Cidadãos, onde depois de hum feliz governo acabou os seus dias.
[Pg 419]
1 A Serenissima Princeza Dona Maria Barbara nasceo em Lisboa a 4 de Dezembro de 1711. Desde a abençoada indole dos seus primeiros annos se instruio com tanta perfeiçaõs nos solidos dictames da prudencia, e das virtudes, que ainda hoje possue a gloria de ser venerada por huma das Princezas mais benemeritas da attençaõ entre as expectaveis da Europa. No anno de 1729, a 19 de Janeiro se desposou com o Serenissimo Senhor D. Fernando, Principe das Asturias, passando a viver em Castella com seu Regio esposo em reciproco affecto, e universal contentamento dos Hespanhoes, até que a 27 de Agosto de 1758 foy gozar da eterna Bemaventurança, como as suas virtudes nos persuadem.
2 O Principe D. Pedro nasceo em Lisboa a 19 de Outubro de 1712. Naõ viveo mais que dous annos, e dez dias, porque a 29 de Outubro de 1714 foy para o Ceo, e jaz seu corpo em S. Vicente de Fóra.
3 O Serenissimo Principe D. Jofeph successor na Coroa, e hoje felizmente reinante.
4 O Serenissimo Senhor Infante D. Carlos nasceo em Lisboa a 2 de Mayo de 1716, e dando evidentes mostras de huma vasta capacidade para acções heroicas, a sua intempestiva morte, supposto que succedida depois de huma larga enfermidade, deixou a todos magoados em 30 de Março de 1736. Jaz em S. Vicente de Fóra.
5 O Serenissimo Senhor Infante D. Pedro nasceo em Lisboa a 5 de Julho de 1717. Sua Magestade o collocou na alta dignidade de Graõ Prior do Crato, pondo nesta forma em praxe o grande conceito, que merece o relevante de suas admiraveis prendas. A 6 de Junho de 1760 se recebeo com a Serenissima Senhora[Pg 420] Dona Maria Princesa da Beira, e herdeira do Reino, sua sobrinha, na Capella Real de Nossa Senhora da Ajuda. De cujo consorcio nasceo a 21 de Agosto do anno seguinte pelas 10 horas da noite o Serenissimo Principe D. Jofeph Francisco Xavier, e foy bautizado na Igreja do Palacio de Nossa Senhora da Ajuda pelo Cardeal Patriarca D. Francisco Saldanha, festejando-se tudo com muitos repiques, e luminarias.
6 O Serenissimo Senhor Infante D. Alexandre nasceo a 24 de Setembro de 1723, e morreo de bexigas a 2 de Agosto de 1728. Jaz no Convento de S. Vicente de Fóra.
7 Teve o Senhor D. João V, fóra do matrimonio ao Senhor D. Antonio, que nasceo em o primeiro de Outubro de 1714, ao Senhor D. Gaspar em 8 de Outubro de 1716, o qual a 24 de Agosto de 1758 foy sagrado Arcebispo de Braga, onde felizmente governa com o exemplo, e justiça, de que nasce o affecto que todas as suas ovelhas lhe tributaõ. Ao Senhor D. Joseph que nasceo a 8 de Setembro de 1720, e foy erecto em Inquisidor Geral pela Bulla Cum Officium de Benedicto XIV. de 15 de Março de 1758.
1 A Serenissima Senhora Princeza da Beira Dona Maria Francisca nasceo a 17 de Dezembro de 1734, de quem já fallámos. A Serenissima Senhora Infanta Dona Maria Anna, que nasceo a 7 de Outubro de 1736. A Serenissima Senhora Infanta Dona Maria Francisca Dorothea, que nasceo a 21 de Setembro de 1739. A Serenissima Senhora Infanta Dona Maria Francisca Benedicta, que nasceo a 25 de Julho de 1746.
[769] Monarq. Lusit. liv. 16. cap. 10.
[770] Estaço nas Antiguid. de Portug. cap. 12. n. 9. Duart. Nun. Descripç. de Portug. cap. 89. Alvar. Ferr. de Vera Orig. da Nobr. cap. 6. Monarq. Lusit. liv. 8. cap. 12.
[771] Monarq. Lusitan. liv. 9. cap. 23.
[772] Idem liv. 8. cap. 27. Sousa Histor. Genealog. tom. 1. pag. 40
[773] Caram. Philip Prud. lib. 1 p.14. Monarq. Lusit. liv. l0. cap. 33. e liv. 11. cap. 1. Sousa Histor. Genealog. tom. 1. pag. 40. e seqq.
[774] Monarquia liv. 10. cap. 19. Vide Fastos da Lusit. tom. 1. pag 189.
[775] Faria no Epitom. part. 3 cap. 2.
[776] Monarq. Lusit. liv. 10. cap. 42. Duarte Nun. Chronic. delRey D. Affons. Henriq. Sousa Histor. Geneal. tom. 1. pag. 61.
[777] Barbos. no Catalog. das Rainhas.
[778] Cardos. Agiolog. Lusitan. tom. 2. Sousa Histor. Genealog. tom. 1. pag. 61.
[779] Brand. Monarq. Lusit. liv. 10. cap. 20.
[780] Sousa Histor. Geneal. tom. 1. pag. 63.
[781] Barbos. no Catalog. das Rainh. p. 126. Cardos. Agiolog. Lusit. tom. 3. a 17 de Junh. Sous. Histor. Genealog. tom. 1. p. 109.
[782] Barbos. no Catalog. das Rainh. e Sousa allegad. na Histor. Geneal. tom. 1.
[783] Barbos. no Catalog. das Rainh. p. 127. Sousa Histor. Geneal. tom. 1. p. 100.
[784] Ibid. p. 103. Monarq. Lusit. liv. 15. cap. 35. p 232.
[785] Barbos. allegad. p. 127.
[786] Monarq. Lusit. tom. 4. liv. 12. cap. 21. Sous. Histor. Geneal. tom. 1. liv. 1. cap. 9. Caram. Philipp. Prud. lib. 1. pag. 19.
[787] Barbos. Catal. das Rainh. p. 127. Monarq. Lusitan. tom. 4. liv. 12. cap. 21. Sous. Histor. Geneal. tom. 1. cap. 9. Benedict. Lusitan. tom. 2. p. 318. Garibay tom. 4. liv. 34. c. 15.
[788] Barbos. no Catal. das Rainhas p. 134. Sous. Histor. Geneal. tom. 1. p. 125.
[789] Sous. Histor. Geneal. tom. 1. p. 89. Benedictin. Lusit. tom. 2. p. 318. Mariz Dial. 2. p. 93. Monarq. Lusit. liv. 13. cap. 6.
[790] Monarq. Lusitan. liv. 14. cap. 24. Corograf. Port. tom. 2. p. 171.
[791] Monarq. Lusitan. liv. 12. cap. 21. Sous. Histor. Genealog. tom. 1. p. 91.
[792] Monarq. Lusitan. liv. 15. cap. 35. Barbos. no Catalog. das Rainh. p. 129. Sousa Histor. Geneal. tom. 1. p. 92.
[793] Monarq. Lusit. liv. 12. cap. 21.
[794] Sous. Histor. Geneal. tom. 1. p. 144. Barbosa no Catal. das Rainh. p. 237.& seqq.
[795] Monarq. Lusit. liv.13. cap.20. Sousa allegad. tom.1. p.141.
[796] Monarq. allegad.
[797] Barbos. Catalog. das Rainh. p. 257.
[798] Sous. Histor. Genealog. tom 1. p. 185. Monarq. Lusit liv. 16. cap. 31. e tom. 6. p. 178. Cardos. Agiol. Lusit. tom. 1. p. 62.
[799] Sous. Histor. Geneal. tom. 1. p. 176. Monarq. Lusit. liv. 16. cap. 48.
[800] Cardos. a 6 de Junh.
[801] Monarq. Lusit. liv. 15. cap. 28.
[802] Ibid. cap. 29. Sous. Histor. Geneal. tom. 1. p. 177. Moreir. Theatr. Geneal. da Casa dos Sous. p. 319. diz, que este D. Affonso Diniz naõ fora bastardo.
[803] Brand. Monarq. Lusit. liv. 15. cap. 29. Emprez. Militar. p. 13. Benedict. Lusit. part. 2. p. 322.
[804] Sous. Histor. Geneal. tom. 1 p. 177. Malt. Port. tom. 1. liv. 2. cap. 6. n. 71.
[805] Monarq. Lusit. liv. 15. cap. 29. e no Prol. da part.5. Veja-se tambem a Leitaõ Ferr. nas Notic. Chronol. n. 71.
[806] Monarq. Lusit. liv. 15. cap. 29. e cap. 36.
[807] Idem ibid. Sous. Histor. Geneal. tom. 1. p. 179.
[808] Cornej. Chronic. da Ord. tom 2. p. 61. Esperança Histor. Serafic. liv. 5. cap. 9.
[809] Sous. Histor. Geneal. tom. 1. p. 180.
[810] Lima Geograf. Histor. tom. 1. p. 210.
[811] Sousa Histor. Geneal. tom. 1. p. 286.
[812] Monarq. Lusit. tom. 6. p. 271. e tom. 5. p. 39. e 270. Agiol. Lusit. no primeiro de Janeiro. Sous. Histor. Geneal. tom. 1. p 237.
[813] Idem ibid. p. 254. e seg. Rodrig. Mend. da Silv. Catal. Real. Monarq. Lusitan. liv. 18. cap. 48.
[814] Sous. Histor. Geneal. tom. 1. p. 280.
[815] Idem ibid. p. 281.
[816] Salazar Casa de Lara tom. 1. liv. 3. cap. 8. §. 3. Torre do Tombo liv. 3. delRey D. Diniz fol. 34. e fol. 36.
[817] Garibay tom. 2. liv. 14. cap. 5. e 6. Barbos. no Catal. das Rainh. p. 279.
[818] Monarq. Lusit. liv. 18. cap. 32.
[819] Zurit. Annaes de Aragaõ tom. 2. liv. 8. cap. 13. 14. e 42.
[820] Barbos. no Catal. das Rainh. p. 295. Leitaõ Ferreir. Notic. Chronol. num. 512. Sous. Histor. Geneal. tom. 1. p. 383. Garam. Philipp. Prudent. p. 142. Far. no Com. de Cam. cant. 3. est. 101.
[821] Faria Epitom. part. 3. cap. 9.
[822] Monarq. Lusitan. liv. 16. cap. 1.
[823] Sous. Histor. Geneal. tom. 1. p. 387. e seg.
[824] Á cerca da verdadeira Mãy de D. Joaõ, Mestre de Aviz, veja-se Joseph Soares da Silva nas Memorias delRey D. Joaõ I. e a D. Antonio Caetano de Sousa no tom. 2. da Historia Genealogica da Casa Real Portugueza.
[825] Sous. Histor. Geneal. tom. 1. p. 431. Monarq. Lusit. tom. 8. p. 651. Duart. Nun. Descr. de Port. p. 139. Anno Historic. a 14 de Mayo. Pint. Ribeir. nos Injust. Success. dos Reys de Leaõ §. 13.
[826] Sous. allegad. p. 427.
[827] Cunh. Histor de Brag. tom. 2. cap. 58. n. 1. Soares da Silva nas Memorias delRey D. Joaõ I. liv. 1. cap. 45. n. 292.
[828] Fernaõ Lopes Chronica delRey D. Joaõ I. cap. 148. Nunes Chronic. do mesmo Rey c. 101.
[829] Sous. Histor. Geneal. tom. 2. pag.103. Vieira tom. 11. num. 622. Sous. Histor. de S. Dom. part. 1. liv. 6. cap. 15. Soares da Silva nas Memorias delRey D. Joaõ I. liv. 1. cap. 75. e segg.
[830] Sous. Histor. Genealog. tom. 2. p.115. e segg. Duart. Nun. Descripç. de Port. p. 144
[831] Silv. Memor. delRey D. Joaõ I. liv. 1. cap. 94. Sous. Histor. de S. Doming. liv. 6. cap. 15. p. 332
[832] Nun. de Leaõ na Chron. delRey D. Duarte, e na Descr. de Port. p. 120. Cardos. Agiolog. Lusit. tom. 3 a 5 de Junh. Sous. Histor. de S. Dom. part. 1. liv. 6. cap. 27. e 28. Soar. da Silv. Memor. delRey D. Joaõ I. liv. 1. Sousa Histor. Geneal. tom. 2. liv. 3. cap. 6. Vasco Mousinho no Affonso Africano cant. 4. est. 52 e segg.
[833] Sousa Histor. Geneal. tom. 5. lib. 6. Per. Chron. dos Carm. tom. 1. Lorena perseg. p. 405.
[834] Nun. Chronic. delRey D. Affonso V. cap 1 Barbos. no Catal. das Rainh. Sous. Histor. Genealog. tom. 2.
[835] Faria Europ. Port. tom. 2. part. 3. cap. 2. n. 28. Duarte Nun. Descr. de Port. p. 140. Sousa allegad.
[836] Agiolog. Lusitan. tom. 3. a 17 de Junho.
[837] Sous. Histor. Genealog. tom. 2. p. 661.
[838] Benedict Lusit. tom. 1. p. 381. Per. Chron. dos Carm. tom. 1. n. 1655. Corog. Port. tom.2. p. 341.
[839] Fr. Luiz de Sous. Chron. de S. Dom. part. 2. liv. 5. Agiol. Dom. a 12 de Mayo. Sous. Histor. Geneal. tom. 3. cap. 2. p. 79.
[840] Garcia de Resend. Chron. delRey D. Joaõ II. cap 8. e 131. Anno Historico a 12, e 13 de Julho. Sous. Histor. Geneal. tom. 3. cap. 4. Fonseca Evora gloriosa pag. 96.
[841] Garcia de Resend. Chron. delRey D. Joaõ II. cap. 112. e 213. Goes Chron. delRey D. Manoel part. 1. cap. 45. Faria Europ. Port. tom. 2. p. 492. n. 5. Leitaõ Miscelan. Dialog. 20. p. 632. Osor. de reb. Emmau. lib. 1. cap. 1. Fr. Jeron. Rom. Histor. da Ordem Militar de Santiago cap. 9. Anno Histor. a 12 de Agosto.
[842] Barbos. no Catal. das Rainh. p. 282. Sous. Histor. Geneal. tom. 3. p. 247. Duarte Nun. Descripç. de Port. p. 145. Clensueg. Vid. de S. Francisco de Borja liv. 2. cap. 6. e 7. Anno Historico no primeiro de Mayo. Barbos. nos Factos da Lusitan. a 21 de Março.
[843] Sous. Histor. Geneal. tom. 3. p. 293. Barbos. nos Fact. da Lusit. tom. 1. p. 108.
[844] Damiaõ de Goes Chron. delRey D.Manoel part. 1. cap. 101. Mariz Dial. 4. cap. 22. Telles part. 1. liv. 3. cap. 17. Sousa Histor. Geneal. tom. 3. p. 357. Far. Epitom. part. 3. cap. 16 n. 9. Paul. Jor. liv. 34. Tarcagnot Histor. del mondo part. 3. liv. 3. p. 170. Ilhescas Histor. Pontif. part. 2. liv. 6. cap. 27. §. 1. Sandoval part. 2. liv. 22. §. 4. Anno Historic. a 12 de Julho.
[845] Damiaõ de Goes Chronic. delRey D. Manoel part. 2. cap. 19. Faria Europ. Portug. tom. 2. part. 4. cap 1. n. 57. O Author do Anno Historico assina superfluamente o nascimento deste Infante a 5 de Julho, tendo já delle feito memoria a 5 de Junho, dia proprio, e verdadeiro.
[846] Goes Chron. delRey D. Manoel part. 2. cap. 42. Agiol. Lusitan. tom. 2. p. 658. e 666. Sous. na Histor. Geneal. Barb. nos Factos da Lusit.
[847] Barbos. no Catal. das Rainh. p. 391.
[848] Goes Chron. delRey D. Manoel part. 3. c. 79. Barbos. no Catal. das Rainh. p 388. Rodrig. Mendes da Silv. Catal. Real p. 98. Manoel de Galheg. Templo da fama liv. 4. est. 50. Sousa Histor. Geneal. tom. 3. p. 421.
[849] Barbos. Catalog. das Rainh. p. 396.
[850] Sous. Histor. Genealog. tom. 3. p. 459. Camões cent. 1. Sonet. 83. Joaõ de Barr. no Panegyric. desta Princeza, que vem no fim das Noticias de Sever. Maced. Flores de Hespanh. cap 8. excell. 11. Santuar. Marian. tom. 2. Anno Histor. a 10 de Outubro. Duarte Nun, Descr. da Port. p. 151.
[851] Os eruditos irmãos Barbos. no Catal. das Rainh. p. 403. e nos Fast. da Lusit. tom 1 p. 33. Cam. Eglog. 1. Sá de Miranda na Elegia à morte deste Principe. Anton. Ferr. Eglog. 7. Luiz. Pereir. na Elegiada cant. 1. p.11.
[852] Sous. Histor. Geneal. tom. 3. p. 539. Nicol. Anton. na Bibliothec. Hisp. Barbos. na Bibliothec. Lusitan. tom. 1. p. 721.
[853] Menezes Port. Restaurad. tom. 1. liv. 11. p. 796. Vieir. tom. 13. p. 92. Agiol. Lusit. a 15 de Mayo. Os eruditos irmãos Barbos. no Catal. das Rainh. p. 426. e nos Fastos da Lusitan. tom. 1. a 8 de Fevereiro. Anno Historico tom. 2. p. 81.
[854] Sous. Histor. Geneal. tom. 7. p. 281. Anno Historic. tom. 2. p. 98.
[855] Monarq. Lusitan. liv. 8. cap. 12.
[856] Sous. Histor. Geneal. tom. 7. p 257. Barbos. nos Fast. da Lusit. tom. 1. p. 464.
[Pg 421]
1 Ainda que alguns Escritores nossos se inclinassem[857] a que os officios, com que se servio a Casa Real até ElRey D. Fernando, fossem somente Mordomo da Corte, Alferes, e Trinchante,[858] todavia varios outros Officiaes tiveraõ muitos dos Reys, que lhe precederaõ, dos quaes daremos breve informaçaõ por aquella ordem, que nos for lembrando, sem darmos exacta preferencia aos taes officios, que requer a grandeza da sua dignidade.
2 Modome Mór. He entre todos os officios titulares da Casa Real o que tem o primeiro lugar. No Regimento, que fez Gomes Annes de Azurara, (se acaso naõ foy Martim Affonso de Mello) dos officios Móres do Reino por mandado delRey D. Affonso V. que foy o Principe, que reduzio a singular ordem a Fidalguia Portuguesa nos empregos de Palacio, se lê, que em outras Cortes chamavaõ à preeminencia deste officio Senescal, que vale o mesmo que Senex calculi, ou Presidente das contas,[859] porque[Pg 422] a seu cargo toca tomallas de todas as despezas dos Reys; porém Scipiaõ Amirato affirma, que Senescalco era o Architriclino antigo, e que o officio de Mordomo Mór tivera origem no Reino de França, donde se derivou a outras Cortes da Europa.
3 Neste Reino devia começar com o Conde D. Henrique; porque em tempo delRey D. Affonso seu filho assina, e confirma muitas vezes as doações o Mordomo Mór Gonçalo Rodrigues. O que temos por infallivel he, que esta dignidade andou sempre nos principaes Senhores de Portugal. ElRey D. Diniz honrou com ella a seu filho illegitimo D. Affonso Sanches, de quem foy summamente affeiçoado. O Conde D. Nuno Alvares Pereira foy Mordomo Mór delRey D. Joaõ I. e assim a tiveraõ outros muitos Cavalheros da primeira Nobreza.
4 Além da superintendencia, que o Mordomo Mór tem na Casa Real, entende particularmente em receber todos os criados, e moradores della; e porque antigamente em lugar do verbo Tomar se dizia Filhar, conserva ainda hoje esta palavra, chamando-se a estas recepções Filhamentos. Os Fóros, que ha na Casa Real, em que entraõ os novamente filhados saõ elles: Moços da Camera, Moços da Guardaroupa, Escudeiros Fidalgos, Cavalleiros Fidalgos, Moços Fidalgos, Fidalgos Escudeiros, Fidalgos Cavalleiros, Fidalgos do Conselho.
4 No foro de Moços Fidalgos filha o Mordomo Mór aos filhos, e netos dos já filhados, ou a outros, a quem ElRey faz mercê de novo, ainda que seus antepassados naõ fossem filhados. O filhamento dos primeiros he ordinario, porque naõ se póde negar ao filho do criado delRey o foro, e moradia de seu pay. Chegando os Moços Fidalgos a vinte annos, os accrescentaõ a Fidalgos Escudeiros; e depois sendo armados Cavalleiros em algum acto de guerra, lhe daõ foro de Fidalgos Cavalleiros; porém nisso póde haver dispensa com facilidade. O ultimo[Pg 423] accrescentamento he de Fidalgos do Conselho, porém naõ he accrescentamento ordinario, nem os filhos o podem requerer, mas ElRey dá este titulo a quem lhe parece, e anda annexo a todos os Arcebispos, e Bispos, Priores Móres de Aviz, e Santiago, a todos os Inquisidores do Conselho Geral do Santo Officio, a todos os Condes, Desembargadores do Paço, Chancelleres da Casa da Supplicaçaõ de Lisboa, e Relaçaõ do Porto, e Chanceller Mór, Reitor da Universidade de Coimbra, Governador do Algarve, aos Governadores das Praças de Africa, Brasil, e Angola, e presentemente o concedeo Sua Magestade aos setenta e dous Mon-Senhores Prelados da Santa Igreja Patriarcal.
6 Os moradores da Casa delRey, que naõ entraõ por Moços Fidalgos, saõ tomados por Moços da Camera, e depois se accrescentaõ a Escudeiros Fidalgos, e ultimamente a Cavalleiros com a terceira, ou quarta parte mais de moradia, conforme suas qualidades. Os Moços da Capella, Porteiros, Resposteiros, e toda a mais gente daqui para baixo tem accrescentamento ordinario a Escudeiro sómente, e esse menor, e de quantia certa.
7 O foro dos Fidalgos Cavalleiros, que sómente se dava em algum famoso acto militar, mais era dignidade que foro, e começou neste Reino a ser accrescentamento ordinario depois da tomada de Alcacere, como diz Gomes Annes de Azurara; porque até entaõ como o Reino estava sem Conquistas, naõ havia ocasiaõ, senaõ rara, de alcançar semelhante honra; e os que hiaõ buscalla fóra do Reino, eraõ poucos, e por isso esta dignidade era taõ estimada, que todos os Principes daquelle tempo a procuravaõ alcançar com grande cuidado: assim lemos que para este effeito vieraõ a Hespanha, e Portugal grandes Senhores em varios tempos; e os que nesta parte alcançaraõ mayor gloria, foraõ os nossos Infantes, filhos delRey D. João I. porque[Pg 424] só com este intento emprenderaõ a expugnaçaõ de Ceuta, e ElRey D. Joaõ II. sendo Principe, a de Arzilla.
8 Dava-se tambem esta dignidade em tempo de paz, e com grandes festas, quando alguma Personagem subia ao novo titulo, como fez ElRey D. Pedro I. quando creou Conde de Barcellos a D. Joaõ Affonso Tello, seu grande privado,[860] para o qual acto mandou fazer cinco cirios, que outros tantos homens tiveraõ nas mãos toda a noite, que o Conde velou as armas no Convento de S. Domingos de Lisboa, estando postos em duas alas desde a Igreja até os Paços do Castello. ElRey D. Affonso V. armou Cavalleiro a seu irmaõ o Infante D. Fernando com tanta solemnidade, que o menor apparato desta pompa foy precederem diante deste magnifico acto mil tochas, que levavaõ quatrocentos Cavalleiros, e seiscentos Escudeiros dos mais luzidos da Corte todos vestidos de huma libré, e traje.
9 Camareiro Mór he o segundo officio da Casa Real, conforme a distribuiçaõ, que lhe assina a Ordenaçaõ do Reino.[861] Chamava-se esta dignidade em tempo dos Imperadores Romanos Primicerius sacri cubiculi. Os Reys Godos intitularaõ ao Camareiro Mór Comes cubicularius, e havia outros, a que chamavaõ Condes do cubiculo, que eraõ os que agora saõ os Gentis-homens da Camera.[862]
10 Esta dignidade começou mais tarde neste Reino, pois no governo delRey D. Affonso III. he a primeira vez, que se encontra este titulo em Joaõ Fernandes; e antes que a houvesse, fazia este offcio o Reposteiro Mór. Sua particular obrigaçaõ he vestir, e despir a pessoa delRey, aos pés de[Pg 425] cujo leito costumava dormir. Ultimamente andou este officio na familia dos Sás, Condes de Penaguiaõ, e Marquezes de Abrantes, que exercitava com o titulo de Camarista, ou Gentil-homem da Camera em companhia de outros, que todos servem às semanas, e trazem chave dourada.[863]
11 Guarda Mór da Casa. Desta dignidade se faz mençaõ no Regimento dos officios móres delRey D. Affonso V. o qual ordena, que o Guarda Mór traga sempre vinte Cavalleiros para guarda da pessoa delRey, que o acompanhem em toda a parte. Na Chronica delRey D. Manoel escreve Damiaõ de Goes,[864] que o dito Rey, em quanto viveo, tivera sempre guarda da Camera, e dos Ginetes, de que muito se prezava. Constava a sobredita guarda de vinte e quatro Cavalleiros dos mais assinalados da Corte, que dormiaõ no Paço junto da Camera delRey, e na mesma casa dormiaõ tambem alguns Moços Fidalgos, e na outra sala outros tantos Moços do monte. Na guarda dos Ginetes havia duzentos Cavalleiros muito valentes, que armados com lanças, e adargas, acompanhavaõ a ElRey para onde hia.
12 Tanto que ElRey se deitava na cama, antes de se lhe correr a cortina, entrava o Guarda Mór, e via a ElRey, e entaõ corria a cortina o Sumilher; e sahiaõ para fóra. Fechava o Guarda Mór a porta, e junto della se lhe fazia a cama, onde dormia, e mais afastado se seguiaõ as camas dos outros Fidalgos da guarda. Pela manhã, quando ElRey chamava, entrava o Guarda Mór com o Sumilher; este levantava a cortina, e o Guarda Mór assistia ao vestir delRey. Este costume se usou até[Pg 426] o tempo delRey D Sebastiaõ,[865] e o officio expirou em Pedro de Mendoça Furtado no reinado delRey D. Joaõ IV. que depois naõ se tornou mais a prover.
13 Reposteiro Mór. Chamavaõ os Romanos a este officio Comes Castrensis, e presidia aos Castrensianos, que punhaõ a meza ao Imperador; aos Lampadarios, que tratavaõ das luzes, que de noite havia no Paço; aos Cellarios, que tinhaõ cuidado na despensa, e a outros muitos. Neste Reino serve de chegar a cadeira, ou almofada a ElRey, quando se assenta, ou poem de joelhos; e preside aos Reposteiros, cujos officios provê. Anda hoje esta dignidade na Casa do Conde de Castello-Melhor, que a herdou por morte de Bernardim de Tavora.
14 Veador da Casa. O primeiro Veador, de que ha noticia neste Reino, he de Egas Moniz em tempo do invicto Rey D. Affonso Henriques; e os mais, que se lhe seguiraõ, foraõ sempre Cavalheros de grande caracter.[866] Estava a seu cargo naõ só o governo total das oxarias, mas grande parte do regimen da Casa Real, porque servia inteiramente o officio de Mordomo Mór, quando este por qualquer ausencia, ou molestia faltava no Paço: assim o determinou ElRey D. Affonfo V. no seu Regimento,[867] e se vê tambem no da Fazenda,[868] estylo, que em muitos Reinos he estabelecido.[869]
15 Ha muitos exemplos de servirem os Veadores o officio de Mordomo Mór, como foy Vasco Annes Corte-Real pelos annos 507, 512, e 515; Ruy Lopes em 527, e 529; D. Francisco de Sousa em 541, Thomé de Sousa em 551, D. Diogo[Pg 427] Lopes de Lima em 570, e Damiaõ Borges em 579, sendo estes tempos comprehendidos nos governos dos Senhores Reys D. Manoel, D. Joaõ III. D. Sebastiaõ, e D. Henrique. Na mesma fórma continuou Francisco Barreto no tempo delRey Filippe II.
16 He verdade que servindo o Veador Francisco Barreto de Mordomo Mór, se moveraõ entre elle, e o proprietario varias duvidas. Primeira sobre qual delles havia de levar o ordenado de Mordomo Mór. Segunda como se havia de dizer nos Alvarás: Eu ElRey faço saber a vós F. meu Mordomo Mór; ou F. meu Veador, que hora servis de meu Mordomo Mór. Terceira, se quando tornava a servir o Mordomo Mór, lhe havia de entregar o Veador as Consultas, e mais papeis, que, quando tinha servido, despachara, ou se haviaõ de ficar em seu poder. Resolveo-se que ambos levassem o ordenado de Mordomo Mór; que nos Alvarás se dissese: Veador, que servis de Mordomo Mór; e que os papeis fossem todos para o Cartorio, em que costumavaõ estar.
17 Em todo o tempo dos Senhores Reys D. Joaõ IV., e D. Affonso VI. governavaõ os Veadores às semanas pela precisa, e continua assistencia, que faziaõ no Paço, assistindo aos comeres de Suas Magestades, e naõ mandando os ditos Senhores fazer nem ainda para si cousa alguma, que naõ fosse ordenando-o vocalmente ao Veador de semana, e este aos Officiaes subalternos. Quando as pessoas Reaes estavaõ doentes, eraõ obrigados a assistir nas juntas dos Medicos, para verem o que lhe mandavaõ comer, e receitar. Aos Veadores tocava o mando de todos os Officiaes pertencentes à meza delRey: elles tinhaõ o governo dos Moços da Camera: a seu cargo estava a enfermaria, onde se curavaõ os criados pobres; e nas jornadas, que os Reys faziaõ, corriaõ com todos os gastos inteiramente, e era totalmente[Pg 428] sua a disposiçaõ. No governo do Serenissimo Senhor D. Pedro II. como se servia com os Camaristas, e comia pela Casa da Rainha, e as despezas ordinarias se faziaõ pela do Infantado, quasi ficaraõ sem exercicio os Veadores. Anda hoje este officio nas Casas dos illustrissimos Condes do Redondo, e Assumar, e D. Francisco Xavier de Sousa.
[857] Naõ fazem mençaõ de outros Officiaes até o dito tempo Fr. Antonio Brandaõ, Ruy de Pina, e Duarte Nunes, sendo estes dos mais principaes Chronistas entre os nossos.
[858] Os que contaõ em hum dos tres officios ao Trinchante, he porque entendem que isto significava Dapifer; mas enganaõ-se, porque este officio corresponde ao de Veador, entre o qual, e o de Mordomo Mór naõ havia antigamente differença. Danet. in Diction. antiq. Roman. verb. Comes. Castr. Palat. Ducange verb. Dapifer.
[859] Veja-se a Bluteau no vocab. Mordomo Mór, e Senescal, e a Gil Gonçalves Davila no Theatro de las grandezas de Madrid p. 313. Nunes de Castro no livro Solo Madrid es Corte liv. 1. cap. 10. Villasboas na Nobiliarq. Port. cap 12. Lima Geograf. Histor. tom. 1. p. 481. Solan. Succo de Pegas tom. 2. p. 376. verb. Æconomus.
[860] Faria na Europ. Port. tom. 2. part. 2. cap. 4. num. 22.
[861] Orden. liv. 3. tit. 5. no princip.
[862] Petr. Pantin. de Offic. Regis domus Gothor. Garm. Theatr. de Hesp. tom. 3. p. 143 e 223.
[863] Vide Gil Gonçalv. Theatr. de las grandez, de Madrid p. 315. Peg. à Orden. tit. 13. liv. 3. tit. 5. gloss. 2. n. 64. Barbos. à dit. Orden. n. 2. Carv. in cap. Raynald. de test. part. 1. n. 364. Villasboas Nobiliarq. Port. cap. 12.
[864] Goes part. 4. cap. 84.
[865] Sous. Histor. Geneal. tom. 3. p. 552. Lim. Geograf. Histor.tom. 1. p. 444. Veja-se a Argote no Discurso da Montaria Real cap. 6. e a D. Franc. Xavier de Garma no Theatr. Univ. de Hesp. t. 3. c. 14.
[866] Monarq. Lusit. liv. 9. cap. 5. e liv. 10. cap. 4. Chron. del Rey D.Joaõ I. cap. 68.
[867] No tit. de Mordomo Mór.
[868] Cap. 241.
[869] L’Etat de la France, e de la Gran Bretaña. Ethiquetas de Hespanha.
1 Costumavaõ os Senhores Reys deste Reino comer ordinariamente em publico, e com magestoso apparato desde o tempo delRey D. Affonso V. que imitou a seu tio o Infante D. Pedro.[870] Assistia à meza hum Trinchante, que cortava. Até o tempo delRey D. Joaõ III. foy hum só, depois se accrescentou mais outro, e no reinado delRey D. Joaõ IV. houveraõ tres Trinchantes de tres differentes Casas. Hoje anda na de D. Antonio Alvares da Cunha, Senhor da Taboa, e na de D.Joseph de Vasconcellos e Sousa, que herdou este officio por casar com huma filha herdeira de Diogo de Brito Coutinho.[871] Á maõ direita do Trinchante ficava o Uchaõ, e junto com elle o Servidor da toalha. Da parte esquerda se seguia o Mantieiro.
2 Traziaõ os Moços da Camera as iguarias, vindo diante o Prestes da Cozinha, que he hum accrescentado, e nas festas grandes o Mestre-Sala. Davaõ-se os pratos ao Servidor da toalha, que os punha[Pg 429] na meza, e o Uchaõ os chegava para o Trinchante por ordem, conforme se havia de comer. Depois de trinchados os que eraõ para iso, fazia a salva o Servidor da toalha, e o Trinchante os chegava a ElRey; e tanto que ElRey comia, os tirava o Mantieiro, e metia outros, e novamente guardanapo.
3 Uchaõ he o que tinha cuidado de mandar guardar a caça na ucharia, ou dispensa da Casa Real, e por isso parece que se lhe deu o nome de Uchaõ, tomado de Uccello, que em italiano significa passaro. O officio de Copeiro Mór, a que os Godos chamavaõ Conde das Escancias, ou Comes scanciarum, que he o mesmo, que se dissessemos Conde das bebidas, he o que dá o pucaro de agua a ElRey para beber, e anda hoje este officio na Casa do Conde de Villa-Flor. Quando ElRey lhe fazia sinal, hia buscar o pucaro à porta da casa, onde ElRey comia, e lho entregava o Copeiro menor; e tornando a entrar acompanhado do mesmo Copeiro, e dous Porteiros da cana, que faziaõ suas cortezias, e se punhaõ de joelhos, chegava o Copeiro Mór à meza, dava o pucaro a ElRey, que acabando de beber, o tomava, estando até entaõ inclinado sobre a meza, tendo a salva debaixo do pucaro. Depois se levantava, e tres pés atraz fazia a cortezia, e dava o pucaro ao Copeiro menor, que o levava à copa acompanhado dos Porteiros.
4 Nas solemnidades grandes se fazia este acto com muito mayor ceremonia; porque hiaõ diante os Porteiros da maça dous e dous, os Reys de armas, Arautos, e Passavantes, o Porteiro Mór, Mestre-Sala, Veador da Casa, os Védores da Fazenda, e detraz de todos o Mordomo Mór, e todos hiaõ descubertos até o estrado, onde faziaõ suas cortezias. Os Védores da Fazenda tiravaõ os chapeos no meyo da sala, e o Mordomo Mór até o fazer da cortezia, que juntamente a fazia, e tirava o[Pg 430] chapeo, e neste tempo se tocavaõ os intrumentos musicos. Este mesmo acompanhamento se fazia nas primeiras, e ultimas iguarias, que vinhaõ à meza, e quando traziaõ a fruta.[872] Todos estes Officiaes, que assitiaõ à meza, levavaõ certas iguarias de gajes da copa, as quaes eraõ de tanta importancia, que mandando ElRey D. Filippe II. que lhas dessem a dinheiro, se lhes arbitrarão por ellas grossos ordenados.
5 Todos os Senhores, que assistiaõ à meza, estavaõ em pé encostados à parede, e nenhum dos Grandes tinha assento, porém cubriaõ-se os que tinhaõ esse privilegio. Á roda da meza estavaõ de joelhos os Moços Fidalgos; e quando no fim vinha a confeiteira, repartia ElRey com elles dos doces, e frutas.[873] Em quanto os Reys comiaõ, costumavaõ praticar com os Fidalgos, principalmente com aquelles, que tinhaõ andado fóra do Reino; e com os doutos, que sempre estavaõ presentes, se excitavaõ questões curiosas, e uteis.
6 Muitas vezes nos Domingos, e dias Santos jantavaõ, e ceavaõ com musicas; e nas Festas principaes com atabales, e trombetas. Vespera de Natal consoava ElRey em publico com todo o estado, e entretanto davaõ de cear a todos os Escudeiros, e Fidalgos, que estavaõ na sala. Depois mandavaõ de consoar às Damas, e aos Officiaes delRey se lhes mandava a suas casas. Os Moços da Camera consoavão na Guarda-reposta, e aqui mesmo se dava consoadas aos Capellães, e daqui para baixo até os moços da estribeira, e do monte.
7 O fausto, e grandeza, com que ElRey D. Joaõ II. celebrou as vodas de seu filho o Principe D. Affonso com a Senhora Dona Isabel, especialmente nos banquetes, que deu em Evora, foraõ taõ[Pg 431] notaveis, que nos obriga a transcrever o mais raro delles pelas formaes palavras do seu Chronista Garcia de Resende cap. 113. o qual diz: Logo à entrada, da meza veyo huma grande carreta dourada, e traziaõ-na dous grandes boys assados inteiros com cornos, e mãos, e pés dourados, e o carro vinha cheyo de muitos carneiros assados inteiros com os cornos dourados, e vinha tudo posto num cadafalso taõ baixo com rodetas no fundo delle, que naõ se viaõ, que os boys pareciao vivos, e que andavaõ. E diante vinha hum Moço Fidalgo com huma aguilhada na maõ, picando os boys, que parecia que andavaõ, e levavaõ a carreta, e vinha vestido como carreteiro com hum pelote, e hum gaibaõ de veludo branco forrado de brocado, e assim a carapuça, que de longe parecia proprio carreteiro, e assim foy oferecer os boys, e carneiros à Princeza, e feito o serviço, os tornou a virar com sua aguilhada por toda a sala até sahir fóra, e deixou tudo ao povo, que com grande grita, e prazer foraõ espedaçados, e levava cada hum quanto mais podia. E assim vieraõ juntamente a todas as mezas muitos pavões assados com os rabos inteiros, e os pescoços, e cabeça com toda sua penna, que pareceraõ muito bem, por serem muitos, e outras muitas sortes de aves, e caças, manjares, e frutas, tudo em muito grande abundancia, e muita perfeiçaõ.
8 A ultima vez, que as Magestades Portuguezas comeraõ em publico, foy quando veyo de Alemanha a Rainha Dona Maria Anna de Austria. A primeira cea, e jantar se deu na casa da galé, e foy de grande esplendor, disposiçaõ, asseyo, e apparato. Tinha a meza de comprido quatorze palmos e meyo, e de largo seis e meyo. Constava de quatro cubertas de vinte e hum pratos cada huma: as tres primeiras de cozinha, e a ultima de doces, e frutas. A disposiçaõ era nesta formalidade, segundo o mappa, que vimos em casa do Excellentissimo Conde do Redondo.
[Pg 432]
A Lugar do talher delRey Nosso Senhor.
B Lugar do talher da Rainha nossa Senhora.
C Lugar do guardanapo do Senhor Infante D. Francisco.
D Lugar do guardanapo do Senhor Infante D. Antonio.
E Lugar do guardanapo da Senhora Infanta Dona Francisca.
F Lugar do guardanapo do Senhor Infante D. Manoel.
G Primeiro aviamento de trinchar.
H Segundo aviamento de trinchar.
I Moços Fidalgos com abanos.
L Lugar do Veador.
M Lugar do Mantieiro.
N Lugar do primeiro Trinchante.
O Lugar do segundo Trinchante.
P Lugar do Servidor da toalha.
Q Lugar do Mestre-Sala.
R Lugar do Copeiro Mór.
S Lugar do Escrivaõ da cozinha.
TT Dous Moços da Camera com pratinhos.
VV Moços da Camera, que servem à Meza.[Pg 433]
XX Lugar dos Titulos.
ZZ Lugar dos Officiaes da Casa.
YY Fysico Mór, e Cirurgião Mór.
KK Lugar das Senhoras, que acompanharaõ a Rainha nossa Senhora.
** Girandulas, ou serpentinas de luzes.
[870] Nun. Chronic. delRey D. Affonso V. cap. 125. Soares da Silva nas Memorias delRey D. Joaõ I. p. 366.
[871] Lim. Geograf. Histor. tom. 1. p. 511. Sous. Grandes de Portug. p. 279.
[872] Garcia de Resend. Chron. delRey D.Joaõ II. cap. 123.
[873] Goes Chron. delRey D. Manoel part. 4. cap. 84.
1 Quando os Reys caminhavaõ pela Cidade, hiaõ nesta fórma: Os Porteiros da cana, e os Reys de armas precediaõ a todos a cavallo, e descubertos. Depois os Moços da estribeira tambem descubertos. Seguia-se o Estribeiro Mór a cavallo, e cuberto. Dahi a espaço a pessoa delRey; e atrás delle todos os Fidalgos a cavallo cubertos sem ordem. Só havendo algum Infante, ou Senhor grande, hia este mais chegado à Pessoa delRey, conforme o parentesco. Sendo dia solemne, hiaõ os trombetas, e timbales diante delRey.
2 Na Cidade naõ usaraõ alguns Reys de guarda. ElRey D. Joaõ II. e ElRey D. Manoel a traziaõ: já ElRey D. Joaõ III. muitas vezes usava sahir fóra só com dous Porteiros da cana diante de si, a que alludio Francisco de Sá e Miranda, quando disse:[874]
Que se póde ir mais à vante
Com quanto alcança o sentido,
Sem ferro, ou fogo, que espante,
Com duas canas diante
His amado, e his temido.
[Pg 434]
ElRey D. Sebastiaõ pelos muitos estrangeiros, que havia em Lisboa, introduzio a guarda de pé de Alabardeiros Portuguezes, e naõ Tedescos, com seu Capitaõ Fidalgo dos principaes. ElRey Filippe II. admittio guarda Tedesca, e a deixou ao Archiduque Alberto, depois do qual se continuou com os Governadores, e Vice-Reys. ElRey D. Joaõ IV. fez duas Companhias de guarda, huma de Alemães, outra de Portuguezes, como explica o douto, e diligente Padre D. Luiz de Lima.[875]
3 Tinhaõ por costume os Senhores Reys ir fóra todos os Domingos depois de jantar ver correr a carreira, e algumas vezes elles mesmos a corriaõ.[876] Para isto se ajuntavaõ além dos familiares do Paço muita outra gente dos contornos, onde ElRey estava, e corriaõ diante delle a cavallo. Eraõ os Reys taõ benignos, e humanos, que quando hiaõ pelas ruas, e viaõ alguns homens nobres à porta, se detinhaõ, e fallavaõ com elles.[877] Honravaõ tanto a seus criados, que a alguns hiaõ levar a suas casas em dia de noivado: assim se lê delRey D. Joaõ III. que recebendo-se nos Paços dos Estáos (hoje da Inquisiçaõ) Dona Maria de Menezes com o avô de D. Antaõ de Almada, sahio ElRey acompanhando-a, atravessou o Rocio, e chegou até à esquina das casas de D. Braz da Silveira; e apontando para as dos Almadas, lhe disse galantemente: Dona Maria, até aqui cheguey para vos mostrar as vossas casas, porque vos naõ enganassem, e levassem a outras.[878]
4 Quando ElRey hia fóra da Corte, o acompanhavaõ ordinariamente os moradores da sua Casa, Conselho de Estado, e outra muita gente, que o seguia, assim por este respeito, como por seus requerimentos, e despachos; pelo que em qualquer parte, que a Corte estava, havia tanta frequencia,[Pg 435] como em huma boa Cidade, e por isso ordenaraõ que a Corte trouxesse comsigo todos os Officiaes assim politicos, como de justiça, que saõ necessarios para o governo de huma Republica. Eraõ estes o Aposentador Mór, Almotacé Mór, Correyo Mór, Corregedores do Crime da Corte, Corregedores do Civel com seus Officiaes de justiça inferiores.
5 O Aposentador Mór tem por obrigaçaõ ir diante da Corte hum, ou dous dias, para ter prevenido o alojamento delRey; porque he costume antigo neste Reino aposentarem os moradores de qualquer povo a ElRey, e sua Corte, dando a metade das casas para se recolherem os que acompanhaõ a ElRey. Esta distribuiçaõ de aposentos faz o Aposentador Mór, e he Juiz de todas as duvidas, que sobre esta materia occorrerem. Hoje anda este Officio na Casa dos illustrissimos Condes de Santiago.[879]
6 Ao Almotacé Mór pertence prover a Corte, onde quer que estiver, de mantimentos, e para isso tem grande jurisdiçaõ, que se extende cinco leguas da Corte. Antes que ElRey faça jornada para alguma parte, manda adiante fazer promptos os mantimentos, e convocar certo numero de Regatões, que chamaõ da Corte, cujos officios elle dá, os quaes tem por obrigaçaõ prover a Corte de caça, e do mais preciso, com tanto que naõ tragaõ os mantimentos dos povos cinco leguas à roda do lugar, onde a Corte está; e para ser provida melhor, quando a Corte está fóra de Lisboa, se quita meya ciza a quaesquer outros Regatões, a que fóra das cinco leguas trazem mantimentos. Anda este cargo de Almotacé Mór em Joaõ Gonçalves da Camera Coutinho.[880]
[Pg 436]
7 Ao Correyo Mór compete prover de cavalgaduras para os moradores da Corte caminharem, e pôr as postas ordinarias no Reino; e quando ElRey corre a posta, serve elle de Postilhaõ. Despacha os Correyos ordinarios de pé, e cavallo, assim para o Reino, como para fóra delle. A propiedade deste officio concedeo D. Filippe II. e confirmou ElRey D. Joaõ de juro e herdade à Familia dos Matas.[881] Nestas jornadas usavaõ os Reys às vezes de guarda cavalleiros, e particularmente a trazia ElRey D. Joaõ II. a quem sempre acompanhava o Capitaõ dos Ginetes com ella. ElRey D. Manoel lhe accrescentou o numero, que faziaõ duzentos Cavalleiros, que com o mesmo Capitaõ lhe precediaõ sempre.
8 Com a mudança de governo houve tambem mudanças na formalidade da guarda Real. Para idéa da que hoje se pratica nas funções solemnes, mostraremos brevemente a ordem, com que as Pessoas Reaes caminharaõ de Elvas para o Caya em 19 de janeiro de 1729 para as reciprocas entregas, e desposorios dos Principes, e Princezas. Principiava aquelle vistoso acompanhamento por mais de quarenta coches dos Fidalgos titulares do Reino, a mayor parte delles tirados a seis frizões. Seguia-se huma partida de quinze Cavalleiros com hum Alferes, vinte e quatro trombetas, e atabaleiros da Casa Real vestidos de veludo carmesim apassamanados de galões de ouro. Logo os cavallos de maõ dos Infantes D. Francisco, e D. Antonio cubertos de telizes de veludo verde bordados de ouro, e trinta delRey, do Principe, e do seu Estribeiro Mór. Depois marchava hum Tenente com quinze cavallos, e logo doze postilhões de gabinete com fardas de panno encarnado com alamares de prata. Seguiaõ-se muitos coches, e berlindas, em que hiaõ[Pg 437] muitos Officiaes do Paço de mayor graduaçaõ. Logo os coches de respeito dos Infantes, da Princeza, do Principe, e delRey, e ultimamente o coche magnifico, em que hia a Familia Real, e atrás delle muitos moços da estribeira a cavallo, e sete berlindas com as Camareiras Móres, e outras Senhoras, e cento e trinta seges da Familia, e no fim de tudo hum esquadraõ de guarda com quinhentos cavallos, que desde Lisboa foraõ acompanhando a ElRey, e governavaõ quatro Fidalgos da primeira Nobreza. Naõ fallamos na magnificencia, e magestosa pompa desta jornada mais extensamente, porque se póde ver nos Authores allegados;[882] só advertimos, que para esta funçaõ mandou ElRey que a libré antiga da Serenissima Casa de Bragança, que era de panno silvado de verde e branco guarnecida de galões de prata, se mudasse sómente para a sua Casa Real, da Rainha, e Principes do Brasil na cor, de que usaraõ os antigos Reys, que era de panno encarnado com os cabos, e vesteas azuis agaloadas de prata, e aos Archeiros da guarda da mesma cor com a differença de serem os galões de ouro.[883]
[874] Sá de Mirand. Epist. 1.
[875] Lim. Geogr. Histor. part. 1. p. 399.
[876] Goes Chronic. delRey D. Manoel p. 341.
[877] Clede tom. 3. pag. mihi 421. na vida delRey D. Joaõ II.
[878] Sous. Histor. Geneal. tom. 4. p. 258.
[879] Veja-se a Pegas à Orden. t. 13 add. t. 5. gloss. 2. num. 100. Far. no Epitom. pag. mihi 665. Villasb. na Nobiliarq. Port. cap. 12. Lima Geogr. Histor. tom. 1. pag. 337. Navarret. Conservac. de las Monarq. cap. 20.
[880] Orden. liv. 1. tit. 18.
[881] Corogr. Portug. tom. 3. p. 390.
1 O Exercicio da caça assim de volateria, como de montaria foy sempre a mais ordinaria recreaçaõ dos Reys Portuguezes, para a qual mantinhaõ[Pg 438] com grande pompa Officiaes, e Caçadores, que fossem destros, e intelligentes em semelhantes artes.[884] Do Infante D. Duarte, filho delRey D. Manoel, se conta,[885] que era nelle taõ dominante este divertimento, que naõ reparava em descommodo algum só para matar hum veado, chegando muitas vezes a dormir vestido no campo exposto à inclemencia do tempo. Continuou este passatempo até o reinado delRey D. Sebastiaõ; depois conforme o genio, e inclinaçaõ dos Principes assim hia crescendo, ou diminuindo.
2 Quanto aos Officiaes para este ministerio, he o Monteiro Mór o que preside aos mais ministros da caça, o qual aceita todos os Monteiros de cavallo, e de pé, e moços do monte, de que ElRey se serve. Havia tambem Caçador Mór para a caça de volateria, e Falcoeiro Mór para a que se fazia com falcões. Hoje todas estas tres occupações unidas ao officio de Monteiro Mór andaõ na Familia dos Mellos.[886]
3 As coutadas antigas do Reino em tempo delRey D. Affonso V. occupavaõ grande quantidade de terra, e por isso pediraõ os povos a ElRey D. Joaõ II. nas Cortes de Montemór o Novo, que descoutasse parte dellas para os campos se poderem aproveitar, e se escusarem os damnos, que as caças silvestres faziaõ nas sementeiras. ElRey como Principe taõ amante de seus vassallos o consentio, e descoutou muitas terras. O mesmo fez ElRey D. Manoel nas Cortes de Lisboa de 1498,[4] e Filippe II. no anno 1594,[887] descoutou as montarias de Palmella, a de Montemór o Novo, a de Montemor o Velho,[Pg 439] e a de Aveiro, ordenando que naõ houvesse mais coutadas que as de Lisboa, Cintra, Collares, Almeirim, e Salvaterra.
4 A coutada de Lisboa principiava das portas de Santo Antaõ, estrada direita até o Lugar de Bemfica, e de Bemfica até Agualva, e da Agualva a S. Marcos, e de S. Marcos a Oeiras, e daqui direito ao mar. As de Cintra, e Collares tinhaõ duas leguas em circuito ao redor de cada huma das ditas Villas. As de Almeirim, e Salvaterra principiava a sua demarcaçaõ de Santo Eustacio direito pela estrada de aguas vivas acima até as Simalhas, e dahi atravessando até a ribeira de Muja por cima da mouta das Corvas, e atravessando a dita ribeira para o Zebro, e arneiro dos Cruzentes, e daqui às Bezerras: dahi atravessando a ribeira da Lamarosa direito às Cortezinhas, e das Cortezinhas à Erra, depois pela estrada de Coruche, e pela mesma estrada abaixo até S. Romaõ, e logo a Santo Estevaõ, atravessando a ribeira de Canha direito para as casas de Belmonte, e dahi ao longo das terras do Duque até a ponta da mata de Payo Real, que parte as lavouras, e daqui pela banda do Tejo a Santo Eustacio.[888]
5 Naõ obstante isto, ficou sempre conservando as montarias de Santarem, que constaõ de muito mais de vinte e seis matas, com outras de particulares: as de Alenquer, as de Obidos com quinze matas, e outras particulares: as de Leiria com o famoso pinhal de quatro leguas de comprido, e huma de largo: as de Pombal, as de Coimbra, as de Coruche, as de Benavente, e as de Alcacere do Sal, onde junto ao rio, que vay para a dita Villa, ha hum pinhal de huma legua de comprido, e de largo hum quarto de legua bastecida de muita caça.
6 As mais notaveis coutadas, que servem hoje[Pg 440] de divertimento aos Principes de Portugal, são as dos sitios de Alcantara, e Belém abundantes de perdizes, lebres, coelhos, e gamos: a deCintra, que se extende por dilatados bosques, cujo sitio excede em qualidades a todos os do Reino, e chega até a Villa de Cascaes, fertil todo o seu terreno de perdizes, lebres, coelhos, e de certa especie de caça de arribação, que a fertiliza nos mezes de Setembro, e Outubro. Ao Sul da serra de Cintra da parte opposta do rio corre a serra da Arrabida, taõ povoada de todo o genero de caça, e em particular de veados, que além de serem os mayores de toda a Hespanha, excedem em quantidade a outras coutadas do Reino, com tanto commodo para os Caçadores, quantas saõ as quintas, e casas de campo, que tem o seu assento nos vistosos, e fertilissimos sitios de Azeitaõ, Cezimbra, e Calhariz, situadas nas margens, e visinhanças da mesma serra.
7 Para o tempo de Inverno he a celebre coutada de Pancas, tres leguas de Lisboa da outra banda do rio, taõ fertil de todo o genero de caça, que em pouca distancia da terra costuma entreter muitos Caçadores. Tanta he a abundancia, e variedade, que no mesmo tempo se occupaõ os Monteiros em correr à lança grandes javalis, e generosos veados, e os Caçadores em tirar às perdizes, correr às lebres, e matar os coelhos, além de outra muita caça de arribaçaõ, que concorre às lagoas, e pantanos daquelle sitio. Com pouca mais distancia de leguas no termo da grande Villa de Setubal nas ribeiras do rio Sado estaõ as duas grandes coutadas do Pinheiro, e Palma, notaveis pela abundancia de veados, e porcos montezes muito pingues, e grande quantidade de perdizes, lebres, coelhos, e outras variedades de caças.
8 Apartadas de Lisboa dez, e quatorze leguas se seguem as Reaes Casas de campo de Salvaterra, e Almeirim, que pelo Tejo acima se communicaõ[Pg 441] por mar, sendo o caminho de terra facil, ameno, e commodo pelo assento, e concurso de muitos lugares vistosos, que em toda aquella distancia se vaõ continuando por huma povoaçaõ successiva, onde a Corte se entretinha todos os annos por espaço de quarenta dias com diversos exercicios de passatempo.[889] Saõ ferteis de veados, porcos, e toda a especie de caça; commodas para as montarias de cavallo; faceis para as caçadas de lança, e de espigarda; abundantes nas volaterias; dispostas para o entretenimento das Damas com tal commodidade, que dos mesmos coches vem alancear os porcos, matar os veados, correr as lebres, apanhar os coelhos. e voar as aves tão suavemente, e sem fadiga, que na mayor distancia se escusa todo o desvelo, porque a fecundidade do sitio facilita os exercicios igualmente a quem os vê, e a quem os segue.
9 De mais destas grandes coutadas se aparta de Lisboa em distancia de trinta leguas aquella mais celebre da Serenissima Casa de Bragança, que com o nome de Tapada tem o seu assento em Villa Viçosa, aonde os javalis saõ ferozes, e muitos, e em grande quantidade os veados, e muita caça miuda, que ainda sendo o sitio fertil por natureza, os sustenta por maravilha.[890] Porém melhor que todas he a Tapada Real de Mafra, depois que se acabaraõ de fechar os seus muros pela circumvalaçaõ de tres leguas, servindo para mayor grandeza, e divertimento as Ermidas, bosques, rios, pontes, e outras officinas, que ha dentro do seu circuito, tudo igualmente magnifico, e perfeito.
[882] Sous. Histor. Geneal. tom. 8. p. 286. Barbos. nos Fast. da Lusit. tom 1. p. 229.
[883] Veja-se o livrinho Francez intitulado: Description de la Ville de Lisbonne pag. 82.
[884] Diogo Fernandes na Arte da caça de altanaria pag. 4.
[885] Dam. de Goes Chron. delRey D. Manoel part. 3. cap. 78. Sous. Histor. Geneal. tom. 3. p. 424.
[886] Vide Solano Succo de Peg. tom. 3. p. 413. Cabedo decis. 90. part. 2. Ord. liv. 3. tit. 5. e gloss. 2. n. 115. Villasboas Nobiliarq. Portug. cap. 12.
[887] Damiaõ de Goes Chronic. delRey D. Manoel part. 1. cap. 26.
[888] Veja-se o Regimento do Monteiro Mór.
[889] Luiz Mendes de Vasconcel. no Sitio de Lisboa p. 207. Nicol. de Oliveir nas Grandez. de Lisb. trat. 2. cap. 5. Brand. Monarq. Lusit. liv. 16. cap. 41 e liv. 18 cap. 2. Sous. Histor. de S. Doming. part. 2. pag. 256.
[890] Sous. Histor. Geneal. tom. 5. p. 559. e tom. 6. p. 408.
[Pg 442]
1 Dos estylos, que os Reys tinhaõ no recebimento de outros grandes Principes, que vinhaõ ao Reino, ha poucos exemplos, por serem raras as vezes, que isto aconteceo em Portugal; e ainda que algumas memorias referem, que ElRey D. Affonso II. de Castella veyo a este Reino pedir a ElRey D. Affonso IV. o soccorro, com que o foy ajudar na batalha de Tarifa, com tudo naõ se escrevem as ceremonias, que neste acto passaraõ. E quando ElRey D. Pedro de Castella expulso fóra do Reino por seu irmaõ veyo a Portugal valerse delRey D. Pedro I. naõ se vio com elle; porque como os nossos Principes em razaõ, e respeito de estado o naõ quizeraõ ajudar, evitaraõ as vistas, e o mandaraõ acompanhar sómente por alguns Fidalgos principaes do Reino até à raya de Galiza; porém he facil de entender que em semelhantes occasiões seriaõ tratados nos recebimentos das Cidades com as mesmas ceremonias dos Reys naturaes, pois assim em Castella, e em França se fez o mesmo aos Reys deste Reino.
2 Em tempo delRey D. Fernando veyo a este Reino Aymon, Conde de Cambrix, Infante de Inglaterra, trazendo comsigo a Infanta Dona Isabel sua mulher, e filha delRey D. Pedro de Castella, por cujo respeito o Conde pertendia aquelle Reino. Chegados os Infantes a Lisboa, ElRey os[Pg 443] foy visitar à náo, e desembarcados foraõ fazer oraçaõ à Sé, indo todos a pé, e levando ElRey a Infanta pelo braço. Á vinda montaraõ todos a cavallo, e ElRey, por ser grande cortezaõ, levou a infanta de redea até S. Domingos, onde havia ordenado que pousassem.[891]
3 No anno de 1670 veyo à Corte de Lisboa o Graõ Duque de Toscana Cosme III. e se aposentou no Collegio de Santo Antaõ. Fallou com ElRey D. Pedro em audiencia particular com a formalidade seguinte: Entrou às oito horas da noite pelo picadeiro da Corte Real em hum coche de respeito de Sua Alteza, e D. Joaõ de Sousa, Védor da Casa Real, o veyo buscar com doze Moços da Camera com tochas; e depois de responder ao cumprimento de D. Joaõ de Sousa, mandou cubrir os Moços da Camera; e subindo pela escada recondita, o veyo buscar huns poucos de degráos abaixo o Gentil-homem da Camera, que estava de semana, do Principe Regente, a cuja presença o conduzio, e em cuja Camera estava huma cama rica de téla azul, hum bofete cuberto, e huma cadeira. O Principe Regente o recebeo com agrado, dando os passos necessarios para chegar ao meyo da casa; e tornando para o seu lugar, disse ao Graõ Duque: Cubra-se V. Alteza; e no discurso da conversaçaõ lhe deu sempre o tratamento de Vós, e o Graõ Duque ao Principe Regente o de Magestade. Os Gentis-homens da Camera sahiraõ para fóra; e quando o Duque se despedio, o Principe deu os mesmos passos, e elle foy acompanhado da mesma fórma, que no principio.[892]
4 Tambem no anno de 1688 veyo incognito a Lisboa o Principe Jorge Augusto de Saxonia, que depois foy Rey Augusto II. de Polonia, e fallou[Pg 444] a ElRey D. Pedro com quasi a mesma formalidade.[893]
5 O recebimento dos Embaixadores se fazia com muita solemnidade. Mandava-os ElRey acompanhar ao Paço no dia da audiencia por Fidalgos da primeira Nobreza, segundo a graduaçaõ, e grandeza dos Principes, de que eraõ enviados; e entrando pela casa, onde ElRey os esperava, se levantava ElRey da cadeira, e punha a maõ no chapeo, e tornava a abaixalla; e encostando-se no braço da cadeira, lhe vinhaõ os Embaixadores beijar a maõ, e lhes tomava as cartas de crença, e em pé os ouvia até os despedir. Depois para tratar dos negocios, a que vinhaõ, se lhes dava audiencia em casa particular em cadeira raza com alcatifa por cima.[894]
6 As Cortes em Portugal correspondem às Assembleas de França, Dietas de Alemanha, e Parlamentos de Inglaterra. Compõem-se dos tres Estados do Reino, Ecclesiastico, Nobreza, e Povo, aos quaes costuma ElRey convocar para as determinações publicas, e de grandes interesses. Juntaõ-se as pessoas dos tres Estados em huma sala ricamente adornada: na cabeceira della se levanta hum estrado de seis degráos com a elevaçaõ de sete palmos, que he para o throno delRey: na parte inferior arrimados à parede se põem bancos, e pelo corpo da sala, para se sentarem os chamados, que saõ os Titulos, Prelados, Senhores de terras, e Procuradores das Cidades, e Villas.
7 Principia este acto com a assistencia delRey, o qual costuma vir com oppa rossagante de brocado, e Cetro de ouro na maõ. Vem diante delle o Condestavel do Reino com o estoque levantado, e mais adiante o Alferes Mór com a bandeira Real enrolada, precedendo os Reys de armas, Arautos,[Pg 445] e Passavantes vestidos em cottas, onde se vê bordado o escudo do Reino. A estes antecedem os Porteiros com maças de prata; e se o acto he de juramento de algum Principe, precedem a tudo os atabales, e clarins. Chegando ElRey à cadeira, se accommodaõ todos nos seus assentos determinados.
1 Porto, Evora, Lisboa, Coimbra, Santarem, Elvas.
2 Tavira, Guarda, Viseu, Braga, Lamego, Silves.
3 Lagos, Faro, Leiria, Béja, Guimarães, Estremoz, Olivença.
4 Portalegre, Bragança, Thomar, Montemór o Novo, Covilhã, Setubal, Miranda.
5 Ponte de Lima, Vianna, Foz de Lima, Villa-Real, Moura, Montemór o Velho.
6 Cintra, Torres Novas, Alenquer, Obidos, Alcacere, Almada.
7 Niza, Torres Vedras, Castellobranco, Aveiro.
8 Mouraõ, Serpa, Villa do Conde, Trancozo.
9 Aviz, Arronches, Pinhel, Abrantes, Loulé.
10 Alter do Chaõ, Freixo de Espada à cinta, Valença, Monçaõ, Alegrete.
11 Castello Rodrigo, Castello de Vide, Penamacor, Marvaõ, Certã.
12 Crato, Fronteira, Monforte, Veiros, Campo Mayor.
13 Caminha, Torre de Moncorvo, Castro Marinho, Palmella, Cabeço de Vide.
14 Barcellos, Coruche, Monsanto, Gravaõ, Panoias, Ourem.
[Pg 446]15 Arrayolos, Ourique, Albofeira, Borba, Portel.
16 Atouguia, Monsarás, Villa Viçosa, Penela, Santiago de Cacem.
17 Vianna junto de Evora, Villa-Nova de Cerveira, Porto de Mós, Pombal.
18 Alvito, Mertola.
[891] Far. Europ. Portug. tom. 2. part. 2. cap. 5. n. 63.
[892] Sousa Histor. Geneal. tom. 2. p. 441.
[893] Sousa Histor. Genealog. tom 7 p. 694.
[894] Garcia de Resend. Chron. delRey D. Joaõ II. cap. 77. p. 50. vers. Chron. delRey D. Joaõ III. part. 1. Cap. 25. Far. na Europ. Port. part. 4. cap. 2. n. 26.
1 Havia costume antigamente em Portugal, deduzido desde o tempo da gentilidade, tanto que morria alguem, conduzirem a preço certas mulheres, chamadas pranteadeiras, para virem assistir aos defuntos, e acompanhallos até à cova, chorando, e pranteando sobre elles. Por esta ceremonia começava a demonstraçaõ do sentimento; e quando a pessoa era Real, se executava com muito mayor excesso, e mayor numero de pranteadeiras, ou carpideiras, as quaes entre as lagrimas, e os gemidos misturavaõ louvores do defunto, que se era Rey, diziaõ delle o bom tratamento, que fizera ao seu povo, que o naõ vexara com tributos, que introduzira tanto dinheiro no thesouro, accrescentando tanto mais sobre o que herdara; e com estes, e outros elogios gritando, e soluçando faziaõ mais lustuoso aquelle Regio funeral.[895]
2 Assim consta que se fizera no enterro delRey D. Diniz, e no delRey D. Fernando,[896] até que no tempo delRey D. Joaõ I. fez o Senado da Camera de Lisboa extinguir semelhante costume,[897] conservando-se porém ainda até o tempo delRey[Pg 447] D. Manoel o luto de burel branco, porque o primeiro luto negro, que se usou neste Reino, foy o que se vestio na morte da Senhora Dona Filippa, tia delRey D. Manoel.[898] Isto supposto, tanto que falecia algum dos Reys Portuguezes, se despachavaõ logo Correyos para as Comarcas do Reino, com a qual noticia se levantavaõ nas Cathedraes, e Paroquias tumulos de madeira cubertos de lutos para se fazerem os Officios, e funeraes, dobrando ao mesmo tempo os sinos.
3 Depois sahia em dia determinado da Casa do Senado a comitiva seguinte: A principal pessoa hia a cavallo vestida de luto, e levava huma bandeira negra ao hombro, que arrastava até o chaõ. Com o mesmo luto, e da mesma sorte o seguiaõ os tres Vereadores daquelle anno acompanhados de toda a Nobreza, e assistidos de tres Ministros, que lhes levavaõ tres escudos pretos; e caminhando para a parte mais publica do lugar, onde já estava prevenido hum estrado com alguns degráos, cuberto tudo de pannos negros, se subia nelle o primeiro Vereador com hum escudo preto nas mãos, e voltado hum pregoeiro para o povo, dizia tres vezes em voz alta: Ouvide, ouvide, ouvide. Logo o primeiro Vereador dizia estas palavras, que levava escritas: Choray, povo, choray a morte do vosso Rey, que vos governou com justiça, e amor de pay. E subindo o escudo sobre a cabeça, o deixava cahir em terra, e se quebrava. Com as mesmas circunstancias se repetia a mesma ceremonia pelos outros Vereadores, levantando ao mesmo tempo o povo grandes clamores, e prantos. Depois caminhavaõ para a Igreja, na qual assistiaõ ao funeral, que tambem se fazia com aquella expressaõ de pena, e dor, que merecia a grandeza da perda. Veja-se a Damiaõ de Goes, Garcia de Resende, e outros Chronistas antigos, que as descrevem com miudeza.
[Pg 448]
4 Na Corte se fazia este acto com mayor pompa, porque ao Alferes da Cidade pertencia levar a bandeira, aos Vereadores varas pretas nas mãos, a dous Juizes do Crime, e hum do Civel o levarem sobre a cabeqa os tres escudos, que pela referida ordem se quebravaõ, o primeiro no taboleiro da Sé, o segundo no meyo da rua nova, o terceiro no Rocio.[899] As mayores demonstrações de sentimento, que neste Reino se tem feito por pessoas Reaes, foraõ as que se viraõ na morte do Principe D. Affonso, filho delRey D. Joaõ II. refere-as por extenso Garcia de Resende;[900] porém as de mayor formalidade, e pompa foraõ as que se executaraõ no enterro delRey D. Joaõ I. vindo-se a concluir tudo nas breves, e verdadeiras clausulas desta sentença:[901]
Tot mundi Principes, tanta potentia:
In ictu oculi clauduntur omnia.
[895] Monarq. Lusit. liv. 19. cap. 44. e liv. 22. cap. 52.
[896] Ibid.
[897] Ibid.
[898] Soar. da Silv. Memorias delRey D. Joaõ I. n. 153.
[899] Monarq. Lusitan. part 7. liv. 5. cap 1. Far. Europ Portug tom. 2. part. 1. cap. 6.
[900] Resend. cap. 131. e 133.
[901] Drexelio no Prodrom. æternitat. cap. 3. §. 3. n. 4.
FIM.
[Pg 449]
Abrantes, antigamente se chamava Tubuci, pagin. 29.
Abundancia da Provincia do Minho, 47.
Academia Real da Historia Portuguesa por quem foy instituida, 353.
Açumar, ou Alegrete se chamava Ad septem aras, 28.
D. Affonso VI. Rey de Castella, suas conquistas, 271.
D. Affonso Henriques onde nasceo, 286. Alcançou milagrosamente saude da Senhora de Carquere por supplicas de Egas Moniz, 287. Elle mesmo se armou Cavalleiro na Igreja Cathedral de Çamora, ibid. Excluio sua mãy do Governo por força de armas, ibid. Ganhou huma batalha na Veiga de Valdevez, ibid. Triunfou de cinco Reys Mouros confederados no campo de Ourique, onde lhe appareceo Christo crucificado, dando-lhe o Escudo das Armas de Portugal, 288. He acclamado Rey pelo seu exercito, cujo titulo confirmou o Papa Alexandre III. 289. Mostra-se a verdade da appariçaõ de Christo, ibid. Responde se aos argumentos oppostos, 290. Offerece D. Affonso Henriques por liberal tributo à Sé Apostolica dous marcos de ouro, 291. E a Santa Maria de Claraval cinco escudos cada ano, 292. Edificou cento e cincoenta Templos, ibid. Inftituio[Pg 450] as Ordens Militares da Aza, e de Aviz, ibid. Casou com a Rainha Dona Mafalda, ibid. Filhos que teve, ibid., e 378. Sua morte, e sepultura, 293.
D. Affonso II. Rey de Portugal chamado o Gordo, quando, e onde nasceo, 296. Foy livre prodigiosamente de hum achaque por virtude de Santa Senhorinha, ibid. Teve grande parte na victoria das Navas contra os Mouros, auxiliando a ElRey de Castella, ibid. Intentou usurpar as terras que eraõ de suas irmãs, ibid. Conquistou aos Mouros Alcacer do Sal, e defendeo Elvas, ibid. Filhos que teve, 384. Quando morreo, e onde jaz seu corpo, 297.
D. Affonso III. Rey de Portugal, chamado o Bolonhez, casou com a Condessa Matilde, 299. Conquistou o Algarve, ibid. Reduzio a seu dominio algumas terras de Andaluzia, 300. Repudiou sua legitima mulher, e casou com Dona Brites filha natural delRey D. Affonso de Castella, ibid. Disturbios que houve no Reino por este motivo, ibid. Fez violencias ao Estado Ecclesiastico, mas sujeitou-se às Censuras dos Pontifices, 301. Edificou os Conventos de S. Domingos de Lisboa, o de Elvas, e Santa Clara de Santarem, ibid. Alimpou o Reino de facinorosos, ibid. Filhos que teve, 385. Quando morreo, e onde jaz, 301.
D. Affonso IV. Rey de Portugal chamado o Bravo, quando nasceo, 306. Com quem casou, ibid. Foy excessivo no exercicio da caça, ibid. Ajudou na batalha do Salado a ElRey de Castella, 307. Fez por duas vezes mudar os Estudos publicos de Lisboa para Coimbra, ibid. Reedificou a Sé, estabelecendo nella varias Capellanias, ibid. Consentio que matassem a Dona Ignez de Castro, ibid. Filhos que teve, 389. Quando morreo, e onde jaz, 307.
D. Affonso V. Rey de Portugal chamado o Africano,[Pg 451] quando nasceo, 320. Onde foy acclamado Rey, ibid. Dá batalha ao Infante D. Pedro seu irmaõ em o sitio de Alfarrobeira, 321. Passou a Africa onde ganhou muitas Praças aos Mouros, de que se lhe originou o titulo de Africano, 322. Com quem casou, ibid. Contendeo com D. Fernando de Aragaõ que o desbaratou na batalha de Toro, ibid. Passou a França a varias negociações, e intenta ir ver os Lugares Santos de Jerusalem, 323. Foy muy liberal, e o primeiro que ajuntou livraria em Palacio, ibid. Filhos que teve, 400. Onde morreo, e onde jaz, 324.
D. Affonso VI. Rey de Portugal chamado o Victorioso, quando nasceo, 346. Foy acclamado Rey, e quando tomou posse, ibid. Alcançou contra Castella muitas victorias, especialmente a do Amexial, Canal, e Montes claros, ibid. Entregou-se todo às disposições de hum Antonio Conti, que o desencaminhava, 347. Casou com a Princeza Dona Maria Francisca Isabel de Saboya, ibid. Separou-se della por nullidade do Matrimonio, ibid. Foy deposto do governo, e em seu lugar se admittio o Principe D. Pedro seu irmaõ, ibid. Onde morreo, e onde jaz, 348.
Aguas celenas, povoaçaõ antiga, onde ficava, 5. —Flavias, onde existiu, 6. —Layas, ibid.
Agualva, antigamente se chamou Ceciliana, 28.
Alanos, seu dominio, 256.
Albofeira, terra do Algarve, 37.
Alcacere do Sal antigamente Salacia, 29. He ganhada aos Mouros por ElRey D. Affonso II. 297.
Alcoutim, onde existe, 37.
Alentejo. Descreve-se esta Provincia, 72.
Alenquer, antigamente se chamava Jerabrica 28.
Alfayates, Praça na Beira, 40.
Algarve. Descreve-se esta Provincia, 77.
Almeida, Praça na Beira, 40.
[Pg 452]
Almorol, antigamente Moro, 29.
Alpalhaõ, antigamente Fraxinum, 28.
Alvor, antigamente chamado Portus Anibalis, 36.
Ambracia, povoaçaõ antiga, 7.
Anibal, suas acções em Portugal, 238.
D. Antonio Prior do Crato, de quem foy filho, e se oppoem à successaõ do Reino de Portugal, 337. Foy acclamado Rey em Santarem, 339. Entrou em Lisboa com o mesmo titulo, ibid. He destruido pelo Duque de Alva na ponte de Alcantara junto a Lisboa, ibid. Morreo em Pariz. ibid.
Araduca, povoaçaõ antiga, 7.
Araducta, onde existia esta povoaçaõ, 8.
Aramenha, antigamente Medrobica, 29.
Arcadio, e Honorio. No governo destes Imperadores se acabou o dominio dos Romanos em Portugal, 244.
Armas de Portugal, foraõ dadas por Christo ao primeiro Rey D. Affonso Henriques, 288.
Aricio Pretorio, onde existio, 8.
Aroche, povoaçaõ antiga, 8.
Arrayolos, antigamente Calantica, 28.
Arrifana, sua enteada, 36.
Atributus especiaes dos Portuguezes, 218.
Aveiro. Descreve se a sua barra, 31.
Aves que ha no Reino, 164.
Azeite que ha em Portugal, 162.
Azeviche em que parte do Reino se acha, 175.
Balfa, Cidade antiga, 9.
Banquete publico que nas vodas do Principe D. Affonso fez ElRey D. Joaõ II. 430.
Barbaros quando invadiraõ Portugal, 254.
Barros excellentes que ha no Reino, 175.
Batalha. Dos Arcos de Valdevez, 287. Do campo[Pg 453] de Ourique, 288. A do Arganhal, 293. Das Navas, 296. De Alcacer do Sal, 297. A do Salado, 307. A de Aljubarrota, 315. A de Alcantara junto a Lisboa, 339. A do Montijo, 344. A do Ameixial, Canal, e Montes claros, 346. A de Almança, 350.
Baucio Capeto, insigne Capitaõ da Turdetania, 237.
Béja, antigamente se chamava Paz Julia, 29. Costume antigo que havia nos moradores desta Cidade quando cazavaõ seus filhos, 215.
Benis, povoaçaõ antiga, 10.
Beira. Descreve-se esta Provincia, 59.
Benavente, antigamente se chamava Aricio Pretorio, 28.
Becelga, Cidade antiga, 10.
Braga, antigamente Brachara Augusta, 28.
Bragança, seu sitio, 41.
Britenia, povoaçaõ antiga, 10.
Cabo de Espichel, 35.
Caça, e seu exercicio, 216. e 438.
Caldelas, antiga povoaçaõ, 11.
Cale que significa, 3.
Callantia, povoaçaõ antiga, 10.
Calliabria, povoaçaõ antiga, 11.
Cambeto, povoaçaõ antiga, 11.
Camareiro Mór, sua obrigaçaõ, 424.
Caminha, sua barra, 29.
Campos Elysios se na verdade os houve, e onde existiraõ, 12.
Campo Mayor, sua Praça, 38.
Canace, Cidade antiga do Algarve, 14.
Capara, povoaçaõ antiga, 14.
Catalogo Chronologico dos Reys das Asturias que governaraõ Portugal, 273.
[Pg 454]
Cauca, povoaçaõ antiga, 15.
Cava, ou Florinda, foy causa da ruina de Hespanha, 259.
Castro-Marim, sua foz, 37.
Cartagineses, quando entraraõ em Portugal, 236.
Cascaes, seu porto, 32.
Ceciliana, onde existio esta povoaçaõ, 15.
Chaves, como se chamava antigamente, 28.
Christo crucificado, apparece no Campo de Ourique a ElRey D. Affonso Henriques, 289.
Collipo, foy Cidade antiga, onde hoje está Leiria, 18.
Coitadas do Reino, 438.
Comarcas. De quantas consta a Provincia do Minho, 51. A de Tras os Montes, 57. A da Beira, 61. A da Estremadura, 70 A do Alentejo, 75. A do Algarve, 79.
Conceiçaõ da Senhora, erecta em Padroeira do Reino, 345.
Copeiro Mór, sua dignidade, e obrigaçaõ, 429.
Cortes. Modo com que se celebraõ, 444.
Costumes dos Portuguezes. Saõ naturalmente esforçados, e valerosos, 201. Leaes a seus Soberanos, 202. Conquistadores, 204. Zelosos, e constantes na Religiaõ, 205. Aptos para as sciencias, 206. Pouco inclinados a aprender linguas estrangeiras, 208. Saõ pomposos nas occasiões publicas, ibid. Saõ imitadores das modas estrangeiras, 209. Nos trages saõ inconstantes, 210. Saõ muy namorados, 212. Muito dados à caça, 216. E ao combate de touros, ibid. Amaõ a Poezia, e a Musica, 217.
Descripçaõ circular do Reino, 29.
D. Diniz Rey de Portugal, chamado o Lavrador, quando nasceo, 302. Quando foy acclamado Rey, ibid.[Pg 455] Casou com a Rainha Santa Isabel, 303. Incorporou no Padroado Real todas as fazendas que havia doado injustamente, ibid. Teve discordias com seu irmaõ, ibid. Separou a Ordem Militar de Santiago da sujeiçaõ de Castella, 304. Instituio em Lisboa a primeira Universidade de letras, ibid. Fundou o Real Mosteiro de Odivellas, e o de Santa Clara de Coimbra, e Villa do Conde, 304. Teve em summo gráo as virtudes da Justiça, verdade, e liberalidade, 305. Instituio rezarem-se no Paço as Horas Canonicas, ibid. Instituio a Ordem Militar de Christo, ibid. Foy chamado o Pay da Patria, e o Lavrador pelo affecto que tinha à Agricultura, ibid. Teve no Reino algumas guerras civis, 306. Quantos filhos teve, 387. Sua morte, e sepultura, 306.
D. Duarte Rey de Portugal chamado o Eloquente, onde, e quando nasceo, 318. Foy muito dado ao estudo das letras, ibid. Quando foy acclamado, e quando casou, ibid. Quiz resgatar seu irmaõ D. Fernando mas frustradamente, 319. Filhos que teve, 397. Sua morte, e sepultura, 320.
Eburobricio, onde existio esta antiga povoaçaõ, 20.
Egas Moniz foy Ayo delRey D. Affonso Henriques, suas virtudes, 288.
Egitania, Cidade antiga, 19.
Egoas que concebiaõ do vento, se as havia em Portugal, 97.
Elvas, sua Praça, 38.
Embaixadores, como eraõ recebidos, 442.
Empreza das mulheres, foy huma insigne vitoria que alcançaraõ as Portuguezas do Minho contra os Cartaginezes, 238.
[Pg 456]
Eremitica vida, teve principio na Provincia do Minho, 50.
Ervas medicinaes que ha em Portugal, 167.
Eritrea, onde existio, 19.
Esposende, sua barra, 30.
Estoi, antigamente Ossonoba, 29.
Estrangeiros, estimados dos Portuguezes, 209.
Estremadura. Descreve-se esta Provincia, 67.
Evandria, povoaçaõ antiga, 20.
Evora, Cidade antigamente chamada Liberalitas Julia, 28.
Faro, sua barra, 37.
Fenices, quando entraraõ em Portugal, 236.
Feira, Villa antigamente chamada Lancobriga, 29
D. Fernando Rey de Portugal, chamado o Formoso, quando nasceo, 309. A sua brandura o fez cair em muitas desordens, 310. Reedificou as Praças do Reino, ibid. Seus casamentos, ibid. Fez pazes com ElRey de Castella, 312. Cercou Lisboa de novos muros, ibid. Mudou a Universidade de Coimbra para Lisboa, ibid. Filhos que teve, 392. Quando morreo, 313.
D. Fernando filho delRey D. Joaõ I. ficou em refens na Praça de Tangere, 396. Morreo em Berberia, e jaz na Batalha, ibid.
Fertilidade do Reino em geral, 160.
Fidalgos Portuguezes, saõ reputados por vãos, 208.
Filippe II. III. IV. Reys de Portugal, suas acções que obraraõ neste Reino, 340.
Filhamentos, que cousa he, 422.
Filhos dos Senhores Reys Portuguezes, 376. até 420.
Flaviobriga, povoaçaõ antiga, 20.
Flores de varias especies que nascem em Portugal, 167.
[Pg 457]
Florinda filha do Conde D. Juliaõ foy causa da destruiçaõ de Hespanha, 259.
Fome extraordinaria que houve na Hespanha, 235.
Fontes notaveis que ha em Portugal, 148.
Foro dos Limicos, povoaçaõ antiga, 21. —Dos Narbassos, outra antiga povoação, ibid.
Foros que ha na Casa Real, 422.
Frutas de varias castas que ha em Portugal, 164.
Genio Portuguez. Vide Costumes.
Gerabrica. Vide Jerabrica.
Godos, quando começaraõ a dominar em Portugal, 255. Catalogo dos Reys que governaraõ neste Reino, 263.
Governo antigo, e moderno da Casa Real, 421.
Guarda Mór, sua dignidade, e obrigaçaõ, 425.
Guarda Real, 433.
Guimarães cercada, e por quem, 288. Foy a antiga Araduca, 7.
Dom Henrique Conde de Portugal quem foy, 282. Com quem casou, 284. Quando passou a Jerusalem, 285. Batalhas que venceo, 286. Filhos que teve, 376. Sua morte, e sepultura, 286.
D. Henrique Cardeal he acclamado Rey, 336. Sua morte, e sepultura, 338.
Jantar esplendido que deu o Senhor Rey D. Joaõ V. quando se desposou com a Serenissima Rainha Dona Maria Anna de Austria, 431.
[Pg 458]
Iberos Hespanhoes se foraõ primarios descendentes de Tubal, 222.
Idanha, antigamente Ægedita, 28.
Jerabrica, povoaçaõ antiga dos Romanos, 21.
Igrejas Cathedraes na Provincia do Minho, 50. Em Tras os Montes, 56. Na Beira, 61. Na Estremadura, 69. No Alentejo, 74. No Algarve, 78.
Incendio notavel que houve nos Pyrineos, 235.
D. Joaõ I. Rey de Portugal chamado de Boa memoria, quando nasceo, e de quem era filho, 314. Antes de ser Rey matou ao Conde Joaõ Fernandes Andeiro, ibid. Foy declarado pelo povo Defensor, e Governador do Reino, ibid. Foy acclamado Rey em acto de Cortes, 315. Triunfou dos Castelhanos na famosa batalha de Aljubarrota, ibid. Com quem casou, 316. Foy expugnar Ceuta, ibid. Mandou supprimir a antiga computaçaõ da Era de Cesar, e que se usasse da Epoca do Nascimento de Christo, ibid. Erigio em Metropolitana a Cathedral de Lisboa, 317. Templos que edificou, ibid. Obras insignes que fez, ibid. Filhos que teve, 393. Sua morte, e sepultura, 318.
D. Joaõ II. Rey de Portugal chamado Perfeito, quando nasceo, 324. Com quem casou, ibid. Quando foy acclamado Rey, ibid. Mandou degolar ao Duque de Bragança, por ser comprehendido em huma conjuraçaõ contra elle, 325. Seu caracter, ibid. Foy opposto aos jogadores, 326. Templos que edificou, ibid. Dispoz a formalidade de Coro na sua Capella, ibid. Descobrimentos que se fizeraõ em seu tempo, ibid. Filhos que teve, 401. Sua morte, 327. Jaz seu corpo na Batalha incorrupto, ibid.
D.Joaõ III. Rey de Portugal chamado Piedoso, quando nasceo, 330. Quando, e onde foy acclamado Rey, 331. Fez muitas conquistas na India, e largou muitas Praças de Africa aos Mouros, ibid.[Pg 459] Introduzio no Reino o Tribunal da Inquisiçaõ, ibid. Reformou muitas Religiões, e admittio em Portugal a dos Jesuitas, ibid. Removeo a Universidade para Coimbra, ibid. Obras insignes que fez, 332. Com quem casou, 369. Filhos que teve, 407. Sua morte, e sepultura, 332.
D. Joaõ IV. Rey de Portugal chamado Restaurador, quando nasceo, 343. Com quem casou, ibid. Foy acclamado Rey em Lisboa, 344. Alcançou muitas vitorias contra os Castelhanos, ibid. Castigou os cabeças de varias conjurações, 345. Institue muitos Tribunaes, ibid. Tomou em acto de Cortes por Protectora do Reino a Maria Santissima da Conceiçaõ, ibid. Filhos que teve, 413. Sua morte, e sepultura, 346.
D. Joaõ V. Rey de Portugal Fidelissimo, quando nasceo, 350. Em que dia foy acclamado Rey, ibid. Celebra pazes com Castella, ibid. Com quem casou, 351. Erigio em Basilica Patriarcal a sua Real Capella, 352. Mandou hum grande soccorro a favor da Igreja contra o Turco, ibid. Instituio a Academia Real da Historia Portugueza, 353. Erigio varios Bispados de novo, ibid. Templos, e edificios que fabricou, 354. Obteve do Papa Benedicto XIV. o indulto de poderem os Sacerdotes dos seus Dominios celebrar cada hum tres Missas no dia da Commemoraçaõ dos Fieis defuntos, 355. Filhos que teve, 419. Morte, e sepultura, 355.
D. Joseph I. Rey de Portugal Fidelissimo, quando nasceo, 357. Quando foy acclamado Rey, 356. Quando, e com quem casou, 357. Leys que tem promulgado, ibid. Restaura o exercicio das letras com melhores methodos, extinguindo o magisterio aos Jesuitas, ibid. No extraordinario terremoto de Lisboa, se houve magnanimamente, 358. Escapou milagrosamente de tres tiros com que o[Pg 460] queriaõ matar, 358. Faz justiçar os delinquentes no Caes de Belém, ibid. Resiste às Tropas Castelhanas que injustamente invadiraõ Portugal ibid. Admitte para Generalissimo das suas Armas ao Conde Soberano de Lippe Guilherme de Schaumburg, 359. Filhos que tem, 420.
Julio Cesar veyo à conquista de Portugal, 242.
Lacobriga povoaçaõ antiga onde hoje he Lagos, 21.
Lagos, seu porto, 36.
Lagoas mais notaveis que ha no Reino, 81.
Lamego, antigamente Lama, 29.
Legoas que tem Portugal de comprido, e de largo, 2.
Leiria, antigamente Collipo, 28.
Lingua Portugueza. A primeira que se fallou em Portugal foy a dos Turdulos que Tubal communicou, 193. Muitos se capacitaõ que fora a Hebraica, outros a Vasconça, ou Biscainha, ibid. Conforme foraõ as Nações que dominaraõ em Portugal, assim foy a lingua que se fallou, 194. Pela entrada dos Godos entrou tambem neste Reino a lingua Portugueza, ibid. He misturada com vocabulos de outros idiomas, 196. No tempo delRey D. Diniz começou a adquirir mayor perfeiçaõ, ibid. Participa de todas as circunstancias para ser perfeita, ibid. & seq.
Lisboa, antigamente Olisipo, ou Fælicitas Julia, 29. Descreve-se a sua barra, 32. Todos os seus portos pelo Tejo, 33.
[Pg 461]
Magneto, Cidade antiga, 22.
D. Manoel Rey de Portugal, chamado Venturoso, quando nasceo, 327. Quando foy coroado, 328. Embaixadas que mandou ao Papa Alexandre VI. ibid. E a Leaõ X. 330. Expulsou fora do Reino aos Judeos, ibid. Com quem casou, ibid. Accrescentou ao seu Imperio muitas terras da India, que no seu tempo se descobriraõ, 329. Libertou o Estado Ecclesiastico de muitos tributos, ibid. Foy jurado Rey de Castella, ibid. Templos que fundou, ibid. Filhos que teve, 403. Sua morte, e sepultura, 330.
Mappa do que comprehendem as seis Provincias de Portugal, 80.
Marco de ouro, e prata que valor tem tido em todos os Reinados, 192.
Merobriga, povoaçaõ antiga, 22.
Mertola onde existe, 38.
Mestre-Sala, sua dignidade, e obrigaçaõ, 428.
Mineraes que ha no Reino, 169.
Minho. Descreve-se esta Provincia, 45.
Miranda do Douro, antigamente Concia 28. Seu sitio, 41.
Moedas de varios metaes que se tem lavrado em Portugal, 177.
Mondego, sua barra, 31.
Monsanto, 39.
Montes que ha no Reino, 81.
Monteiro Mór, sua dignidade, e obrigaçaõ, 438.
Mordomo Mór, sua dignidade, e obrigaçaõ, 421.
Morte dos Reys como se publicava, 446.
Moura, antigamente Arucitana, 28.
Mouros, quando invadiraõ a Portugal, 269.
Mulheres Portuguezas, seu valor, 238.
Municipios o que eraõ, e quantos havia em Portugal, 44.
[Pg 462]
Nabancia, povoaçaõ antiga junto a Thomar, 23.
Nomes Latinos de algumas povoações de Portugal, 28.
Norba Cesarea, onde existio, 23.
Numancia, onde existio esta famosa Cidade, 23.
D. Nuno Alvares Pereira Condestavel de Portugal. Suas proezas, 315.
Obidos, sua grande lagoa, 133.
Obobriga, povoaçaõ antiga, 24.
Octaviano Augusto conciliou a paz em Portugal, 262.
Odemira, sua barra, 36.
Ordens Militares que instituio ElRey D. Affonso, 292.
Ossel, onde existio, 24.
Ossonoba, foy povoaçaõ antiga no Algarve, 25.
Ourique, celebre campo do Alentejo onde ElRey D. Affonso Henriques alcançou huma grande vitoria contra os Mouros, 288.
Panonias, onde existio esta antiga povoaçaõ, 26.
Pederneira, sua enseada, 32.
Pedras preciosas, que se achaõ em muitas terras de Portugal, 172.
D. Pedro I. Rey de Portugal, chamado Justiceiro, quando nasceo, 308. Quando foy acclamado, ibid. Vingança que tomou dos que mataraõ Dona Ignez de Castro, ibid. Demonstraçaõ publica[Pg 463] que fez de ser Dona Ignez sua legitima mulher, 309. Caracter deste Rey, ibid. Filhos que teve, 390. Sua morte, e sepultura, 309.
D. Pedro II. Rey de Portugal, chamado Pacifico, quando nasceo, 348. Quando se intitulou Rey, ibid. Seus casamentos, ibid. Seu caracter, 349. Bispados que de novo erigio, ibid. Entrou na grande alliança com o Imperador, Inglaterra, e Hollanda, ibid. Rompe guerra com Castella para onde foy em pessoa por introduzir Carlos III. Rey de Hespanha, ibid. Filhos que teve, 415. Sua morte, e sepultura, 350.
Peixe, abundancia delle que ha em Portugal, 168.
Penagarcia, Seu Castello, 39.
Penamacor, seu Castello, 39.
Pertendentes de Portugal quaes foraõ depois do Cardeal Henrique, 337.
Pineto, povoaçaõ antiga, 26.
Portalegre, antigamente Amæa, 28.
Porto, antigamente Calem, 28. Sua barra, 31.
Portos que ha no Tejo, 34.
Portuguezes, seu genio, e costumes, 201. Attributos proprios, 218.
Povoadores primeiros de Portugal, 225.
Pretores Romanos no governo de Portugal, 241.
Provincias antigas, e modernas de Portugal, 43.
Punhete, antigamente Moro, 29.
Rainhas de Portugal, 362. & seq.
Reys das Austurias que governaraõ Portugal, 273.
Reposteiro Mór, sua dignidade, 426.
Rios. Do Minho, 48. De Tras os Montes, 56. Da Beira, 60. Da Estremadura, 68. Do Alentejo, 73. Do Algarve, 78. Dos mais notaveis que ha no Reino, 99. & seq.
[Pg 464]
D. Rodrigo ultimo Rey Godo, sua ruina, 259.
Romanos, quando invadiraõ, e se senhorearaõ de Portugal, 241.
Rosmaninhal, sua Praça, 38.
Sabugal, seu Castello, 40.
Sagres, sua enseada, 36.
Sal, abundancia della que ha em Portugal, 176.
Salacia, onde existio esta povoaçaõ, 26.
Salvaterra da Beira, seu Castello, 39.
D. Sancho I. Rey de Portugal, chamado Povoador, quando nasceo, 293. Com quem casou, ibid. Acções que obrou antes de Rey, 294. Quando foy acclamado, ibid. Conquistou o Algarve, ibid. Templos, e edificios que erigio, 295. Filhos que teve, 379. Sua morte, e sepultura, 295.
D. Sancho II. Rey de Portugal, chamado Capelo, quando nasceo, 298. Quando entrou a governar, ibid. Recuperou muitas Praças do Alentejo que os Mouros nos tinhaõ usurpado, ibid. Opprimio muito o Estado Ecclesiastico, por cujo motivo Innocencio IV. o depoz do governo, ibid. Substituio-lhe seu irmaõ D. Affonso, 299. Recolheo-se a Toledo onde morreo, ibid.
Santarem, antigamente Scalabis, ou Præsidium Julium, 29.
Santiago de Cacem, antigamente Merobriga, 29.
D. Sebastiaõ Rey de Portugal, chamado o Desejado, quando nasceo, 333. Quando tomou posse do Reino, ibid. Seu caracter, ibid. Passou a Africa a primeira vez, 334. Foy segunda vez soccorrer a Hamet, onde ficou destruido, e todo o seu exercito, 335. Jaz seu corpo com incerteza no Convento de Belém, ibid.
[Pg 465]
Secca extraordinaria que houve na Hespanha, 235.
Serras que ha no Reino, 81.
Setubal, antigamente Cetobriga, 28. Sua barra, 36. Foy fundada por Tubal, 224.
Sines, seu surgidouro, 36.
Suevos, Catalogo dos seus Reys que governaraõ Portugal, 261.
Talabrica, foy povoaçaõ onde hoje he Aveiro, 27.
Tapada de Mafra, e Villa Viçosa, 441.
Tavira, antigamente chamada Balsa, 28. Sua barra, 37.
Templos que os Portuguezes erigiraõ ao Imperador Octaviano Augusto, 253.
Trage Portuguez, 210.
Tras os Montes. Descreve-se esta Provincia, 55.
Trigo que ha em Portugal, 160.
Trinchante, sua dignidade, 428.
Tubal, seus descendentes foraõ os primeiros povoadores de Portugal, 222.
Tubuci, povoaçaõ antiga, 27.
Tuntobriga, onde existio esta povoaçaõ, 27.
Vaca, povoçaõ antiga, 27.
Valença, fronteira a Cidade de Tuy, 41.
Uchaõ, que occupaçaõ era na Casa Real, 429.
Veador da Casa, sua dignidade, 426.
Viana de Caminha, descreve-se a sua barra, 30. ——Do Conde, sua barra, ibid.
Villas de que consta a Provincia do Minho, 52. A de Tras os Montes, 56. A da Beira, 63. A da[Pg 466] Estremadura, 71. A do Alentejo, 75. A do Algarve, 79.
Vinho que ha em Portugal, 162.
Viola, instrumento proprio dos Portuguezes, 217.
FIM.
Do Santo Officio.
Pódem-se reimprimir os cinco Tomos, de que se faz menção, e depois voltaráõ conferidos para se dar licença que corraõ, sem a qual naõ correraõ. Lisboa, 23 de Abril de 1762.
Trigoso. Lima.
Do Ordinario.
Póde-se reimprimir os Tomos de que trata a petiçaõ, e depois tornem para se dar licença para correr. Lisboa, 23 de Abril de 1762.
D. J. Arceb. Lacedemonia.
Do Desembargo do Paço.
Que se possaõ reimprimir, e depois de impressos tornaraõ conferidos para as licenças de correr. Lisboa, 24 de Abril de 1762.
Carvalho. Emaús. D. Velho. Affonseca.