Title: Lyra da Mocidade
Author: Faustino Fonseca Júnior
Release date: November 11, 2007 [eBook #23442]
Language: Portuguese
Original publication: Angra do Heroismo: Typ. Artistica 27--Rua Do Visconde De Bruges--29, 1892
Credits: Produced by Vasco Salgado
Produced by Vasco Salgado
TYP. ARTISTICA 27—Rua do Visconde de Bruges—29
+Faustino Fonseca J.^or+
(Primeiros versos)
Angra do Heroismo
1892
Os versos na mocidade
Todos fazem, e a razão
É serem necessidade
Aos risos do coração.
O futuro côr de roza,
O mundo cheio de encantos;
A nossa alma jubilosa
Não chorou amargos prantos.
Desde o ar que se respira,
Ao ceo da côr de saphira,
Tudo ri e diz—Amar!
E contemplando a belleza,
O sorrir da natureza,
Sabemos todos cantar.
O busto esculptural e primoroso,
O braço torneado, a linda mão,
O rosto avelludado e tão mimozo
Que da roza assemelha-se ao botão.
O cabello d'um negro tão lustroso,
A boquinha vermelha, ó perfeição!
O olhar d'um fulgôr tão radioso,
Que belleza e ternura d'expressão!
Ao vêl-a devaneio, fico louco,
Creio que o meu amôr todo inda é pouco
Lembrei-me, e se deixasse de a adorar?
Pode deixar d'amar-se os astros lindos,
Do ceo e terra os dons os bens infindos,
A luz doce e tão pura do luar?
Angra do Heroismo, 1890
Gigante irrequieto, immenso mar,
Inspira-me tão funda nostalgia
O teu sonoro e doce murmurar!
Quando ao sol posto a areia luzidia
Tu vens traquillamente rebeijar
N'alma despertas maga poesia.
O teu esverdeado transparente
Fala-nos meigamente d'esperança
A ondular poetico, dolente,
Beijado pelas auras da bonança;
Parece-me o brincar puro, innocente,
Inofensivo e meigo da creança!
* * * * *
Mas quando agitas o teu seio immenso
No voltear das vagas alterosas
Rugindo com fragor enorme, intenso,
Já não tem expressões harmoniosas
Teu palpitar e n'essa hora eu penso
Em coisas bem sinistras, pavorosas.
Ó monstro, no teu seio tens sumido
Victimas aos milhões, causas terror,
Tens navios, cidades engulido.
Será um côro de vingança e dôr
Das victimas, ó mar, o teu rugido,
Ou do remorso o pávido clamor?
Angra do Heroismo 1890
Aos Revolucionarios do Porto
Foi ha um anno já! Leaes, ardentes
Filhos do nosso querido Portugal,
Viva, viva a Republica! Valentes,
Bradaram em hosana triumphal,
Ao som da Portugueza revoltados,
Hastearam ao sol nosso pendão,
E pelo Justo Ideal, rudes soldados,
Luctaram sempre até morder o chão!
Os cerbéros fieis da monarchia
Afogaram, porém, a rebeldia
Em ondas de bom sangue, carniceiros!
E os bravos que luctavam com esperança
Cahiram a bradar: Odio! Vingança!
. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .
É tempo já! Vingar os Companheiros!
Lisboa, 1982
Excerpto
. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .
. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .
Na lucta, sim! Na lucta! Ella ha-de ser perigosa,
Tem força o estrangeiro e nós desamparados,
Na lucta, sim, na lucta! Antes a morte honrosa
E contra o invasor todos somos soldados.
Na lucta, sim, na lucta! A patria tão querida
Não querem ambições estranhas respeitar;
Não sabem que pr'a nós ella é santa guarida
Onde temos familia, a mãe, a esposa, o lar!
A patria! O berço querido aonde nós brincámos,
As doces illusões, formoso eden de amores,
O prado onde corremos, onde balbuciámos,
Onde tudo são risos, onde tudo são flôres.
Imaginar alguem que pode impunemente
Roubar, acommetter a nossa boa terra!
Á lucta havemos de ir desassombradamente,
E por todos os meios lhe faremos a guerra!
Á lucta! Hão-de correr os rudes camponezes,
Á lucta! Hão-de chegar os destros marinheiros,
Á lucta! Hão-de accudir todos os portuguezes,
Á lucta! Havemos de ir contra esses estrangeiros!
Os rios, a montanha, as selvas, o arvoredo,
As pedras da calçada, os vagalhões do mar,
O solo, o proprio solo! A voz do fragoedo,
Tudo isso contra elles se ha-de levantar.
Á lucta! Ha-de echoar n'um gigantesco brado
Da extensa planicie ao recondito val,
O povo ha-de accudir. Um homem um soldado,
Um soldado um heroe pr'a salvar Portugal!
Acto I Scena final
Amo-te porque és tão linda
Como é linda a luz do sol,
Tens o frescor da alvorada,
Tens a côr afogueada
Como os tons d'um arrebol.
Amo-te porque és tão bella
Como é bella a flôr mimosa
Que viceja n'um jardim,
A açucena ou o jasmim,
O lyrio, o cravo, uma roza.
Amo-te porque fascinas
Com esse olhar fulgurante
Que asseteia os corações,
D'esses olhos dois carvões,
A graça do teu semblante.
Amo-te porque és bonita
Com esse preto cabello,
Em anneis fulvos, sedosos,
Cobrindo os hombros formosos
Fulgurante, crespo, bello.
Amo-te emfim porque és meiga
Qual pomba que arrulha mansa,
Porque és boa e carinhosa,
E esta alma angustiosa
Precisa d'amor, creança.
Precisa d'amor! Não sabes
Que é luctar o viver?
O homem soffre amarguras
Por isso busca ternuras
No seio d'uma mulher.
Angra do Heroismo 1892
Era de tarde ao pôr do sol, a brisa
Vinha fagueira a remecher as flôres,
Iam velozes sobre a fronte liza
Do Tejo d'ouro de ideaes amores,
Ligeiros barcos, avesinhas mansas.
Desferidos em harpas geniaes,
Por virgens d'olhar meigo e loiras tranças,
Vinham threnos sublimes, ideaes.
O mundo todo pleno d'harmonia.
Eu, só, fitava a solidão do mar
Dominado d'ideal melancolia.
E que buscava então na immensidade?
É que me vinha fundo cruciar
O acerado espinho da saudade!
Algés, 1890
Fitei o teu retrato tristemente
Cansado do trabalho, sem alento,
O espirito meu n'esse momento
Soffria acerbamente, amargamente.
Comtemplei-o e dei-lhe um beijo ardente
Para desafogar o sofrimento,
Pareceu-me que sorrias, pensamento
Que me passou no cerebro latente.
E fui abandonado pl'a tristeza,
Recobrei para a lucta mais vigor
Trabalharei tenaz e com firmeza.
Vou-me tornar estoico contra a dor.
Eu vi n'esse sorrir de tal belleza
A firme espr'ança d'um eterno amor!
Lisboa, 1891
Viver! O que é viver! Arrastar a existencia
No vasto labyrintho onde só reina a dor;
N'um pouco de materia é guia a consciencia
Quasi a perder-se a força, a faltar o valor.
Morrer! Passar além! Da lucta repousar,
Deixar por uma vez do mundo as agonias;
Descer á terra mãe, os lyrios fecundar,
Servir de refeição aos vermes nas orgias.
Mas coisa alguma nasce e coisa alguma morre.
Transforma-se a materia em mil combinações:
Seiva, no vegetal as hastes lhe percorre;
Sangue, faz palpitar os nossos corações.
Tu então não morreste; apenas d'esta lida
Immensa, em que mostraste o fulgido talento,
Descanças. No teu corpo ha ainda essa vida
Que palpita da terra ao proprio firmamento.
A vida da materia. Então bellas, formozas,
Por cima d'essa campa onde agora repouzas,
Hão-de brotar de ti as lindas flores viçosas
Na vaga poesia harmonica das cousas.
Rosas a recordar teu risonho futuro,
A tua juventude os cravos em botão,
O martyrio o finar na dôr tão prematuro,
O cypreste a lembrar teu grande coração!
Angra do Heroismo, 9-9-88
Campeia a tyrania, esmaga, oprime,
E da vontade o despota faz lei,
Do povo a justa voz cala, reprime,
Ou dictador, ou presidente, ou rei.
Calca aos pés os direitos mais sagrados
E trucida os que querem reagir,
Apoiam-n'o as bayonetas dos soldados
Não teme pois da plebe o rebramir.
Mas de repente os odios comprimidos
Estalam sanguinosos, em rugidos,
Irrompem como a lava do vulcão,
Fazem voar o throno em estilhaços,
A liberdade impõe com rudes braços,
É a tua grande obra—Revolução—
Lisboa 1891
Oh! Quem me dera beijar-te
A tua face rosada,
Esses labios de carmim.
Oh! Quem podesse abraçar-te
E gozar, ó gentil fada,
Caricias ternas, sem fim.
Quem podesse contra o seio
Estreitar-te e essa boquinha
Sorvel-a n'um beijo quente,
E sentir-te em devaneio
Palpitar, gosar, louquinha,
Caricias de amor ardente.
Desprezando os preconceitos
Sellemos com esse amor
Potente da nossa edade,
Estreitando os nossos peitos,
Em plena vida d'amor,
Mil juras de felicidade!
Que dizes, linda, pois córas?
Antegosas as delicias?
Suspiras rubra de pejo?
Ou na tua mente infloras
Esses milhões de caricias
O amoroso d'um beijo?
Pois bem, gozemos, meu anjo,
E sejamos sempre queridos
Um do outro, minha flôr,
E das delicias o archanjo
Venha achar nos sempre unidos
Gozando do nosso amor!
Angra do Heroismo, 1892
Portugal jáz por terra! Esta patria querida
Dos fortes, dos heroes, dos rudes marinheiros,
Esta nação valente, homerica, aguerrida
Que soube rechaçar outr'ora os estrangeiros,
Jáz por terra abatida! A bandeira de gloria
Que fulgurou ovante ao sol de cem combates
E sempre ha-de brilhar, aqui, em toda a historia
Que foi desde o Brazil ás regiões do Gates.
Hoje roja-se no pó! De tudo o que tivemos
De brio, heroicidade, altivez e coragem
Nada nos resta já! Parece que viemos
Perdendo tudo, tudo, em funebre viagem!
A propria honra se foi! Um insulto cruel
Fez agitar um dia o lodaçal enorme,
Houve gritos de raiva, amarguras de fel
Mas já tudo passou! E o povo dorme… dorme!
O derradeiro arranco! Ao pobre muribundo
Não resta d'esperança um lampejo fugaz,
Hoje existe sómente a mostrar-nos ao mundo
Um sepulcro marmoreo, um funebre aqui jaz.
Synthetizou outr'ora um esperançoso ideal
Em honra do cantor das nossas tradicções,
Hoje existe de pé por sobre o tremedal
Um symbolo de morte:
O lucto de Camões!
Lisboa, 11-1-91
Vamos no alto mar, a noite lentamente
Encobre pouco a pouco a abobada celeste;
Ha pallidos clarões das bandas do occidente
E sopra uma rajada aguda de Nordeste.
Corre a todo o vapor, com impeto potente
O navio rasgando a superficie agreste
Do gigantesco oceano. As ondas febrilmente
Tem o tom verde-negro e triste do cypreste.
Só vemos ceo e mar, o horizonte enorme,
Cercados pelo gigante immenso que não dorme
No monotono circo é plena a solidão.
N'essa tremenda lucta o pensamento humano
Mostra pujantemente, ao dominar o oceano,
Um cerebro o que vale! o que é um coração!
A bordo do Funchal, 1891
Que lindo botão de rosa,
Oh! como é bella esta flôr,
E tens inda mais valor
Por seres offerta amoroza.
Gentil, risonha e mimoza
Elvira imitas na côr;
Ella é pura como a flôr
E tu como ella és formoza.
Mas, apesar da parecença,
Sempre existe uma differença
Em que te distingues d'ella;
É que a roza tem espinhos,
Elvira ternos carinhos,
Que a tornam inda mais bella.
Angra do Heroismo, 1892
Soprava rijamente o vento Norte
E caía um terrivel aguaceiro;
Enorme escuridão, lembrava a morte…
Mas não descria o rude marinheiro!
Rugia o mar e ao soffrer o corte
Da prôa revoltava-se altaneiro,
Varria o tombadilho. Sempre forte
Ia o vapor correndo audaz, ligeiro.
Echoava o trovão. Mas de repente
Ao vendaval succede-se a bonança,
O nevoeiro esvae-se lentamente,
A chuva pára, o oceano amansa;
O sol mostra seu disco reluzente,
Nos rostos pairam os sorrires d'esp'rança.
Lisboa 1891.
Da minha alegre janella
Vejo uma nesga do ceo;
É noite serena, bella,
Espaireço o olhar meu,
A contemplar as estrellas
Que scintillam diamantinas,
Recorda-me sempre ao vel-as
Tuas graças peregrinas.
Que queres, pois se te não vejo,
Como outr'ora, na varanda
Trocando phrazes amantes?
Por isso mando-te um beijo
Na briza suave, branda,
Fitando os astros brilhantes.
Lisboa, 1891
No cemiterio alvejam mausoléos
De pedras rendilhadas e custosas;
Elegantes, guindados corucheos;
Epithaphios, legendas caprichosas.
Ali jazem os ricos. Nas pompozas
Inscripções se vae ler os nomes seus.
Em outras campas só se vêem rozas,
Goivos, martyrios, contemplando os ceos.
A jazida dos pobres. Trabalhando
Morreram e ali estão alimentando
A terra onde essas flôres se vão nutrir.
Em quanto os outros distraidos, futeis,
Viveram ociosos, sempre inuteis,
E nem sequer d'estrume vão servir!
Lisboa, 1891
A rua é miseravel, suja, estreita,
Como um terrivel antro criminoso,
E d'uma porta a prostituta espreita
O transeunte lubrico, cioso.
É repellente, quanto mais enfeita
O cabello postiço e unctuoso.
Teve illusões, quem sabe, hoje desfeita,
A graça d'esse rosto alvar oleoso,
Veio cahir n'aquelle lodaçal
Onde se espoja torpe, embriagada,
Até ir decompor-se no hospital
Se o amante que tem a desgraçada
Não lhe der caridoso, bestial,
O descanço pr'a sempre á navalhada.
Lisboa, 1891
Eu amo-te, amo-te tanto
Talvez não saibas o quanto
Meu coração fazes pulsar;
Talvez não saibas, ó linda,
Como a tua graça infinda
Me faz viver para amar.
Amo-te a face formoza,
Amo-te a boca de roza,
Amo-te o negro cabello,
Amo-te o gesto mavioso,
O sorrir casto e bondoso,
O olhar gracioso e bello.
Adoro-te a singelleza
Que é engaste da belleza,
Amo-te o lindo rubor
Com que te purpurizaste,
Quando tremula escutaste
As juras do nosso amôr.
Encontrei-te, o meu coração
Satisfez a aspiração
E tenho um novo viver.
Acho mais bellos os prados,
Os tons do sol mais dourados,
Em tudo o amor julgo vêr.
Oh! se o teu amôr assim
Fôr tão ardente por mim,
Não haverá nada igual
Á pura felicidade
Dos dias da mocidade,
Ao meu risonho ideal.
Angra do Heroismo, 1890
Caridade, quem és! Quem te inventou?
Para que serves, quaes os meios teus,
A tua agencia, assim, quem t'a arranjou,
Para que vens fallar-nos sempre em Deus!
Em Deus! Quando o universo elle creou
Legou a alguem riquezas ou tropheos!
Quaes foram os brazões, que bens doou?
Venderia indulgencias lá dos ceos?
Mentes, que nunca fez separações,
Nem fez a fome nem as privações,
O mundo concedeu á húmanidade.
Mas como é que ha então ricos e pobres?
Como é que existem os plebeus e os nobres?
Que significas pois, ó caridade?
Rebanhos a pastarem nas campinas,
As aves a cruzarem-se no ar,
O serpear das aguas argentinas,
Os fructos a dourarem no pomar;
A pureza das auras matutinas,
Os dias que o bom sol nos vem dourar,
As flores assetinadas, purpurinas,
As poeticas noites de luar;
Os campos no sorrir da primavera,
A selva, as fragas onde vive a fera,
O universo em toda a immensidade,
Nunca foi concedido por herança.
Era pr'a humanidade a esperança
De um dia conquistar a felicidade.
Os maus, porém, poderam com presteza
Empolgar o que a todos pertencia.
O sangue era direito a uns—Nobreza—
E aos d'hoje o dinheiro—A burguezia—
E foi assim que os bens da natureza,
Que o creador a todos concedia,
Se viram disputados com fereza,
Se viram empolgar com ousadia.
E appareceu a fome. Então aos pobres
Os ricos atirando com uns cobres
Inventaram um Deus de caridade.
Mas haverem luctar, embora custe,
Depor de todo a Caridade-embuste.
Hastear a bandeira da Egualdade!
Lisboa, 1892
Excerpto
. . . . . . . . . . . . . . . Um de nós que cahir
Das entranhas da terra ha-de fazer surgir
Milhares de vingadores promptos a combater.
Pela causa da patria a quem custa morrer?
O sangue vae regar a arvore bemdita
Da santa liberdade! O fogo que crepita
Aldeias a queimar, cidades e castellos,
A forca gemebunda, os gumes dos cutellos,
As algemas de ferro, as fortes legiões,
A chuva da metralha, a boca dos canhões,
Sacrificios crueis, o jugo do tyranno,
Esmagando o direito, o pensamento humano,
Isso tudo o que vale! Conseguirá deter
O carro do Progresso?. . . . . . . . . . . . .
. . . . . . . . . . . . . Tu lembras-te de ver
O mar quando revolto agita o dorso hiruto,
N'um palpitar gigante, ameaçador e brusto
O que faz ao navio, o mais forte que seja?
Sabes a vaga enorme que elle altivo dardeja,
Como destroe as naus mais ricas e possantes,
As frotas que sepulta numerosas, gigantes,
Como galga furioso anteparos muralhas.
Elle joga os rochedos como se fossem palhas,
E vae cavando sempre e sempre transformado
A miseria, a ruina, o lodo sepultando?
Detenham-no vão por-lhe um dique, uma corrente
Para que não avance, obstaculo potente,
Elle deve temer os fortes paredões.
Galga tudo porém!. . . . . . . . . . . . . . .
. . . . . . . . . . . . . Assim as revolucções
Por sobre a sociedade avançam triumphaes
Entre os hymnos de amor e furias de chacaes,
Entre rios de sangue e tremedaes de lama
Hasteando por fim libertadora flamma
Os povos redimindo!. . . . . . . . . . . . . .
Guerrilheiro—Acto IV—Scena II
Noite de lua cheia, pura brisa
Agita caprichosamente o mar
Onde o navio rapido desliza,
Dentro da superficie circular
Formada pelas aguas buliçosas
Que a abobada celeste vem ta upar.
As nuvens, em manadas caprichosas,
O vapor desafiam na carreira,
Passando em turbilhões vertiginosas.
Deffendendo o navio, precavida,
As aguas vae tingir de rubra côr,
A lanterna vermelha, suspendida,
E faz correr do flanco do vapor
Um jacto côr de sangue, qual baleia,
Ferida pela mão do trancador.
A proa corta a vaga que volteia.
Ha um arfar giganteo, convulsivo,
D'um immenso coração que bate e anceia.
E d'aquelle organismo, forte, vivo,
Saem soluços de estridor medonho,
Saem rugidos d'um toar altivo.
Esse gigante que se ri do oceano
É creação, quasi milagre, sonho,
D'outro gigante, o pensamento humano!
A bordo do Funchal, 1891
Quizera possuir a lyra harmoniosa
Dos vates geniaes, dos reis da poesia
De Camões ou do Tasso, o Dante ou Cimaros
A bella inspiração a doce melodia.
Para te descrever em rima caprichosa
O meu amor sem fim, ir com a moda queria,
Dedicar-te um poema e chamar-te formoza
Tratar-te por Marilia em vez do teu Maria.
Mas os versos por mais que faça vão errados,
Não soam nunca bem e fogem á medida,
E por isso não quero estar com mais cuidados.
Gosto muito de ti, bem o sabes querida.
Mas não posso imitar os outros namorados
Piegas que em idilio arrastam toda a vida.
Lisboa, 1890
O ceo puro e sereno,
O mar auri-fulgente,
O ar tepido, ameno,
O campo sorridente,
A rama do arvoredo,
A frança dos salgueiros,
A voz do fragoedo,
Que limpidos ribeiros!
Ao fundo entre a folhagem
Beijada pela aragem
Risonha reclinada
Estavas tu, Elvira.
Eu empunhando a lyra
Cantei a minha amada.
Angra do Heroismo, 1982
Trabalho. E cada dia que decorre
Vem trazer-me maior desilusão.
É mais uma esperança que me morre,
É mais um fundo golpe ao coração.
E acreditava, louco, no direito!
E cria, visionario, na honradez!
Inda abrigava puras no meu peito
Illusões que este pantano desfez!
A ganancia, a ambição, a intriga vil,
Como sapos e rãs n'um lodaçal,
Asquerosos, vão tudo macular.
Vence o ladrão, o nescio, o imbecil
Oh! Quem tivesse o rir de Juvenal,
Um raio pr'a orgia fulminar!
Lisboa, 1892
Como é linda esta noite de luar!
Nos raios de fulgor phosphorecente
Vejo recordações do teu olhar!
Fico então a scismar. Mas de repente
Uma nuvem pesada, vagarosa,
Lembra-me de que estás saudosamente
Tanto longe de mim! E pesarosa
Fica minha alma a contemplar o ceo
Ennamorada, crente e desditoza.
E contudo d'iviso um sorrir teu
No puro azul d'estrellas scintillante
Onde vagueia o pensamento meu!
Tudo consola um coração amante.
A crença de que estás tambem fitando
O lindo ceo de mundos fulgurante,
O nosso puro amor idealisando,
Isso me basta ao coração amante,
E me vae a saudade mitigando!
Lisboa, 1891
Lyra da mocidade
Ella
O Mar
31 de Janeiro de 1891
O Guerrilheiro
Porque te amo
A saudade
Esperança
Á memoria de Alfredo Lopes
A Revolução
Aspirações
Os Crepes de Camões
A Bordo
Roza em Botão
Tempestade e Bonança
As Estrellas
Cemiterio
A Prostituta
Amoroso
A Caridade
As Revoluções
Em viagem
Lyrismo
Miniatura
Descrença
Luar
End of Project Gutenberg's Lyra da Mocidade, by Faustino Fonseca Júnior