The Project Gutenberg eBook of Camões e o amor

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Title: Camões e o amor

Author: Ernesto Pires

Release date: September 26, 2007 [eBook #22772]

Language: Portuguese

Original publication: Porto: João E. Da Cruz Coutinho--Editor 12, Rua Do Almada, 16, 1884

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ERNESTO PIRES


CAMÕES E O AMOR


(NO ANNIVERSARIO 304 DA MORTE DO POETA)

PREÇO 300 REIS




VENDE-SE NA LIVRARIA
DE
JOÃO E. DA CRUZ COUTINHO--EDITOR
12, Rua do Almada, 16--Porto
1884

CAMÕES E O AMOR

I

ESCUTA!

Heide gastar os olhos só a olhar-te, A alma heide queimar no fogo ardente Que vem dos olhos teus, continuamente, E assim succumbirei a abençoar-te. Só tenho coração para adorar-te, Labios para diser-te quanto sente Quem feliz se julgara, eternamente, Ficando, eternamente, a idolatrar-te. No peito meu não cabe o sentimento, Trasborda como as agoas, alteradas Pelas raivosas convulsões do vento. Amado ou não,--as trovas magoadas Do amor e coração e vida e alento Eu aos teus pés deponho,--eil-as rojadas!

II

BARBARA, ESCRAVA

Ajoelhara a negra suspirando Postas as mãos, os labios contrahidos, Diziam as canções dos seus gemidos Mais do que os prantos com que estava olhando. Camões fitava o espaço, meditando, Bem longe o coração, longe os sentidos; E de seus olhos, para a dôr nascidos, As perolas caíam, deslisando. Um queixume da negra, compungente, Acordara o poeta, que sonhava Com a patria querida e o amor ausente. Ella co'os olhos n'elle comtemplava, Elle co'os olhos n'ella era indifferente, Que todo aquelle mal outra o causava.

III

NA VOLTA Á PATRIA

(SALVAÇÃO DOS LUSIADAS)

Cinzenta a côr do ceu, a noite baça, O vento chora nas enxarcias, rude Como grito plangente d'alaude, Vibrado pelos dedos da desgraça. Além nenhuma estrella então perpassa, É o horisonte um lugubre athaude, Fervem as ondas altas como açude Que as torrentes ás agoas embaraça. Vem da China o baixel desarvorado, Sulcou o mar com soffrega vontade, Até que o mar o fez despedaçado. Sorrindo heroicamente á tempestade, Paga o zelo maior do seu cuidado Camões, salvando á patria a eternidade.

IV

UM VERSO DE CAMÕES

Não desço agora á fria sepultura, Não roubo á morte os pavidos segredos, Não quero desfolhar com estes dedos Do gelo a flôr de extranha formosura. Não vou cingir na tua fronte pura, Cheio de horror,--o labio e os olhos quedos,-- Por entre a noite e os tristes arvoredos, D'uma fatal grinalda a eterna alvura. Deixa que viva assim em treva absorto, Cadaver, caminhando, tristemente, Em demanda do meu perdido horto. Já que ventura amor me não consente, Que não recorde mais meu peito morto Erros meus; má fortuna, amor ardente.

V

FLOR PERDIDA

Quando sorria a infancia docemente Aos olhos infantis da minha esp'rança, Era-me o ceu azul, azul bonança Me enchia o alegre peito, ternamente. Brilhante o espaço, a aurora transparente, Brando o futuro se a illusão avança!... Assim jámais o coração se cança, Mostrando á nevoa fria um sol ardente. Pastam os olhos meigos pelos prados, Os astros rompem sempre vigorosos As campinas do ceu, fortes arados. E murcham sobre a campa luminosos os lyrios! É que lembram, emigrados Alegres campos, verdes, deleitosos.

VI

OS TEUS OLHOS

I

Inveja a noite escura e tenebrosa A negra côr do teu olhar vibrante, Espelho d'alma triste e peito amante, Imagem d'uma estrella radiosa. O teu olhar de fogo!... É assombrosa A luz que espalha ao de redor; distante Se fôr um dia, caminheiro errante, Que elle me enxuge a face lacrimosa. Se além, na campa, os membros já cançados Eu repoisar ao pé dos tristes lyrios E dos funereos goivos delicados. Pago serei então de meus martyrios, Se, juncto a mim, teus olhos magoados Forem-me, ali, os derradeiros cyrios.

II

Os olhos que me deram na existencia, Com seu gentil fulgor de virgindade, Umas vezes amor, outras saudade, Renascendo-me a paz na consciencia; Olhos cheios de vida e de innocencia, Revivos de perfume e suavidade, Olhos de tão formosa claridade Que escurecem do ceu a transparencia; Talvez sejam ainda os companheiros Da melodia heroica de meu canto, Meus amigos sinceros, verdadeiros. Talvez!... Mas se podér a sorte tanto Que os affaste de mim, que os derradeiros Suspiros meus orvalhem com seu pranto.

VII

CRUEL DESTINO!

Tudo se abraça n'este mundo, creia! O mundo é sonho passageiro, breve, Se além a sorte a sina nos descreve, Tambem o amor impelle a nossa ideia. Abraça o mar, bramindo, a branca areia, O zephyro que, á tarde, vae de leve Pelo norte a voar, abraça a neve, Abraça a chamma um corpo que incendeia. A hera abraça o tronco que, elevando Os braços para o espaço, os entrelaça No doce arfar da naturesa, brando. O raio abraça o cedro que estilhaça, A lua abraça o mar, se está brilhando, Só o meu peito, amor, a não abraça!

VIII

VITA NUOVA

Senhora de minh'alma, a suavidade Dos teus labios gentis tornou-me á vida; Tinha a esperança morta e já perdida E deu-lhe um beijo teu vitalidade. Passou a dor mimosa da saudade, Surgiu no oriente a aurora apetecida, Brotou a flôr, ha muito emmurchecida, A bella flôr d'alegre mocidade. Agora canto o sol, as philomelas, O vasto mar, as lucidas estrellas, A noite escura e a branca luz da alva. Lasaro resurgi da terra fria, Abrindo o olhar já baço á luz do dia... --É que um beijo, senhora, tambem salva.

IX

AQUELLA FLOR

É assim como o rosto de Paulina, Cruelmente por Nero perseguida, Aquella flôr que estimo mais que a vida, Flôr gentil de face purpurina. Nas suas folhas leio a minha sina; Talvez cheia d'amor, talvez florida Renasça a fé, n'esta alma, dolorida, D'aquella flôr á nota sibyllina. Quando poisar d'ausencia o escuro manto E se ouvir, n'uns timidos harpejos, O meu remoto e solitario canto, Ó brisas que passaes por estes brejos, Estou a ungil-a com saudoso pranto E a reanimal-a com ardentes beijos.

X

AI, VEM!

Não sei se sabes quanto amor eu tenho, Guardado dentro d'alma, com fervor, Como um crente que estreita um Santo Lenho, Juncto do coração, cheio d'ardor. Em bem guardal-o ponho grande empenho, Intacto como o Lenho do Senhor; Hasde sentil-o que tambem convenho Que arde em teu peito um semelhante amor. Escuta, ao longe, escuta essa harmonia, Cantam os rouxinoes, nos arvoredos, Banhados pela lua que irradia. Confiam, mutuamente, os seus segredos... --Ai, vem tambem contar-me a melodia Dos teus sonhos d'amor, d'amor tão ledos.

XI

DUVIDA

Tu tens no coração todo o perfume Que me embriaga a alma, docemente, Que m'a eleva voando, mansamente, Por ceu azul sem mancha, nem negrume. Tu és, senhora, o alevantado cume Da montanha do amor, onde vou, crente, Curvar-me de joelhos, reverente, Pelo poder que o teu olhar assume. E sempre a adorar-te ficaria Se soubesse que dentro do teu seio Um affecto por mim rebentaria. Assim, vivendo num cruel receio, Topando a noite aonde espero o dia, Talvez não ache da ventura um veio.

XII

FELIZ SAUDADE

Heide lembrar-me sempre, com saudade, D'aquella noite gelida de inverno, Em que poisaste, amor, o labio terno Sobre o meu labio frio. Na anciedade De enclausurar do amor a immensidade Dentro do peito meu, o amor eterno, Que ora nos salva e outr'ora dá o inferno Aos sonhos bons da franca mocidade, Sonhei coisas divinas, myst'riosas... No aroma sideral do beijo ardente Sorvi o alento das sensiveis rosas. Depois ouvi, ao longe, meigamente, Á tua voz, n'umas canções saudosas: --Eu heide amar-te muito e eternamente.

XIII

IMMENSA DOR

Do teu olhar a doce claridade Deu novo rumo á minha triste vida, Abriu-me a alma á luz da immensidade, Tornou-me a esp'rança ha muito foragida. E hade talvez, atroz preversidade! Lançar de novo a alma redemida Entre os fataes escombros da saudade Essa que foi por mim compadecida? Mostrar o sol a quem vive na treva E lançal-o, depois, á noite escura, Fugir de Adão a delicada Eva... Senhora minha, se é assim tão dura A consciencia que d'amor me enleva, Será eterna a minha desventura.

XIV

ULTIMA SUPPLICA

Eu tenho os olhos gastos por chorar-te, Por tua ausencia eu trago o peito anceado, Procuro-te no espaço illimitado, No mar, na terra, emfim em toda a parte. Embora a mente julgue divisar-te No seio d'uma estrella, illuminado Ou d'uma flôr no calix perfumado, Nem sei aonde vá para adorar-te. Tudo me falla em ti!... Ninguem me escuta Se busco em ti fallar, visão perdida! De dôr assim o coração se enlucta. Immaculado amor, pomba fugida, Da sombra aonde estás termina a lucta A quem por te não ver morre na vida.

XV

CIUME

Não sabe com certesa o que é ciume, O que é sentir no peito, em vida, gelo, Pegar no coração e contorcel-o, Subir da raiva e do odio ao negro cume. Não sabe o que é do amor o ardente lume... Sonhar um vasto ceu e comprehendel-o, Para ver, cruelmente, desfasel-o, Na sombra da illusão, voraz negrume. Não sabe, não, senhora!... ai! se o soubesse, Se o podesse antever, se o comprehendesse, Estrangulando a vida, á voz do amor... Por mais cruel que fosse não daria A uma alma, irmã da sua, essa agonia Vendo-a morrer em convulsões de dor.

XVI

ETERNO AMOR

Se a morte me extinguir a mocidade, Cortando o fio de penosa vida, Julgar-me-has uma illusão perdida, Haverá dentro em ti uma saudade? Buscarás descobrir, na immensidade, Quando a noite passar enegrecida, Uma estrella serena e dolorida Que te falle de mim, da eternidade? Ou antes, esquecendo antigo enleio, Extinguirás de vez, dentro em teu seio A lava enorme d'um passado amor? Se fôr assim, em noite tenebrosa, Tu hasde ouvir minh'alma lacrimosa, Magoadamente a suspirar de dor.

XVII

SUPPLICIO AMADO

Com oiro fino e pedras recamado, Outr'ora um rei de Hungria deu o throno, Para dormir um passageiro somno D'uma donsella no regaço amado. Ao ver o rei assim apaixonado Sorria a corte com sinistro entono! Neto de heroes vencido... ao abandono... --Ai, quem em tal houvera então pensado. Se fôra rei daria o throno, a gloria, A c'roa, o manto, a fama, a patria, a historia, O paço, as cortesãs e o sceptro bello, Não por dormir um somno d'innocencia No teu regaço, em morbida indolencia, Mas para me enforcar no teu cabello.

XVIII

SE ESCUTO...

Se escuto ao longe a timida harmonia Da tua voz vibrante, modulando Um cantico d'amor, ou suspirando Em requebros profundos d'agonia; Bebe minh'alma, então, a melodia Que o labio teu, assim, vem distillando E sabe Deus se, ali, sempre ficando Minh'alma de beber se fartaria. A tua voz serena é mais suave Que o colo branco e puro d'uma ave Que o seio mais gentil d'uma rainha. Ai, viesses tu cantar, eternamente, Sorrindo ou soluçando, docemente Dentro do peito meu, ó alma minha!

XIX

DEPOIS DA MORTE

Se a crua morte te arrancar um dia Dos braços meus, ó pomba estremecida! Irá no teu caixão a minha vida, Do meu amor a doce melodia. Quando sentires collada a terra fria Sobre o gelado peito e comprimida A nivea face que a beijar convida E que continuamente beijaria; Hasde ouvir minh'alma, suspirando, Muito de manso, como um tenue alento, No canto triste do nocturno bando. Escuta, então, meu lugubre lamento... No ceu, serena, a lua irá passando, Por sobre a terra gemerá o vento.

XX

DE TI AUSENTE

Quando longe de ti te vejo perto E te abraço, nervoso a todo o instante, Ó minha bella e carinhosa amante, Não sei se sonho ou se estou disperto. Por teu olhar d'amor sempre coberto Junto de ti quando de ti distante, Ouço-te a voz gentil e sussurrante, Ouço jurares-me o teu enorme affecto. Em tudo que me cerca e me rodeia Eu vejo a tua imagem carinhosa, Ó minha doce e terna Dulcinea. Falla-me em ti, a madresilva e a rosa E tudo a quanto eu levo a minha ideia... Vejo-me preso em teu amor, formosa!

XXI

PALAVRAS D'UM SCEPTICO

I

Eu não escalo as rochas de granito, Eu não transponho as vastidões do mar, Nem vou rasgar o ventre do infinito, Passo a existencia, inerte e sem pensar. Não sei se Deus existe, ou se é um mytho, Imposto á crença para atormentar Da humanidade o largo peito afflicto, Em noites de negrume, sem luar. Vivo n'uma anciedade indefinida, Cheio de Raiva, ensanguentado e vil, Sem mesmo comprehender o que é a vida, Ai! talvez seja um lugubre covil, Uma passagem horrenda e dolorida D'um mundo mau a um outro mais gentil.

II

Talvez seja uma ponte arremessada D'um nada a outro nada incomprehensivel, Talvez seja uma nota não tangivel Na harpa pelo Destino dedilhada. A vida... talvez seja uma enseada, Onde aporte, na furia inconcebivel Dos elementos mil do Incognoscivel, Noss'alma, sem timão, desarvorada. Deixae livre correr a phantasia, Ó sabios que arrancaes á terra fria Os mysterios de toda a immensidade... Que a morte, poderosa como o incendio, De vós rirá, com forte vilipendio, Levando-vos talvez á Eternidade.

XXII

ADORAÇÃO

Ouço dizer, ha muito, que a saudade Aviva n'alma os grandes sentimentos, Engrupando n'um só os pensamentos Que se reunem, além, na immensidade. Deixei-te um dia em triste soledade, Parti, cheio de dor e de lamentos; O pobre coração, entre tormentos Luctando com raivosa anciedade. Voltei tempo depois:--O sol raiava, Sorria a primavera, e ostentava O agreste breijo a perfumada flôr. E ao ver-te, novamente, ó doce amante, Disse a teus pés cahido e murmurante: --Bemdicta a naturesa e o teu amor!

XXIII

INSONDAVEL

Eternamente fria, inamovibel, Materia alevantada á luz da vida, Não sei se me será doce guarida, Se para mim será um impossivel. Ausculta-se, não pulsa. É insensivel Aos sonhos meus, á minha voz sentida, Gelada, sempre fria, incomprehendida Do amor é uma nota não tangivel. E tem no olhar vibrante o eterno fogo Que se propaga a alma e fere logo Enlaçando n'um aro o coração. --Ama?--Eu não o sei! Extranha amante! Illapidada assim como um brilhante, Talvez da naturesa aberração.

XXIV

O TEU SEIO

O delicado aroma do teu seio Enche-me o coração d'affecto puro, O peito me embriaga em doce enleio, Brilha de luz e amor o ceu escuro. Ai, quanto mais o aspiro, mais anceio, Quanto mais temo, mais estou seguro De que hade ser o aroma de teu seio Que hade raiar de sol o meu futuro. Os oleos santos dos passados cultos, De myrrha, e nardo, e rosa, oleos sepultos Na fria escuridão da antiguidade; Não tinham mais perfume delicado Que o seio teu gentil e perfumado, Seio gentil d'eterna suavidade.

Á VENDA NA LIVRARIA
DE
JOÃO E. DA CRUZ COUTINHO--EDITOR
13--Rua do Almada--16


A. Carvalhaes

Partida de Camões para o desterro d'Africa, poesia no tricentenario do epico (nova edição correcta) ...... 200

A musicographa, parodia á Judia de Thomaz Ribeiro, segundo os processos do bom senso ...... 100

Camões em Ceuta, poesia nas festas do centenario em Coimbra ...... 200< /p>

Diogo Souto

Amica veritas; poesia recitada no Palacio de Crystal por occasião do centenario com uma carta de C. Castello Branco ...... 200

Alexandre da Conceição

Alvoradas, collecção de poesias ...... 400

Guilherme Braga

Heras e violetas, poesia, 1 vol. ...... 600

Echos d'Aljubarrota, poema ...... 120

Os falsos apostolos, heresia em verso ...... 100

O Mal da Delfina, parodia á Delfina do Mal, de Thomaz Ribeiro, 1 vol. ...... 600

Fagundes Varella

Vozes d'America, poesia, 1 vol. ...... 800


O Trovador, collecção de modinhas, recitativos, arias, lundus, etc. 5 vol. ...... 2$500

A Grinalda, collecção de poesias doa melhores poetas contemporaneos, 6 vol. ...... 5$000

A Grinalda,--vol. 4.º--contendo além d'outras poesias, a de Nogueira Lima por occasião de se inaugurar o monumento á memoria de Luiz de Camões, 1 vol. ...... 600


Imprensa Commercial--Lavadouros, 16