Title: Breves instrucções aos correspondentes da Academia das Sciencias de Lisboa sobre as remessas dos productos, e noticias pertencentes a' Historia da Natureza, para formar hum Museo Nacional
Author: Unknown
Release date: April 20, 2005 [eBook #15668]
Most recently updated: December 14, 2020
Language: Portuguese
Credits: Produced by Biblioteca Nacional Digital (http://bnd.bn.pt), Rita Farinha, Rita Farinha and the Online Distributed Proofreading Team
Produced by Biblioteca Nacional Digital (http://bnd.bn.pt), Rita
Farinha, Rita Farinha and the Online Distributed Proofreading Team.
Nisi utile est quod facimus, stulta est gloria.
Com licença da Real Meza Censoria.
1781
As relações, por mais exactas e completas que sejão, nunca chegão a dar-nos huma idéa tão perfeita das coisas, como a sua mesma presença: por esta causa se tem occupado os Sabios, particularmente neste seculo, em ajuntar com a protecção dos Principes os exemplares de varios individuos das diversas especies de Animaes, Vegetaes e Mineraes, que se encontrão em differentes paizes, para apresentarem do modo possivel á vista dos curiosos hum como compendio das principaes maravilhas da Natureza.
Considerando pois a Academia das Sciencias de Lisboa, cujos trabalhos se encaminhão todos ao bem público, a grande utilidade, que de huma similhante Collecção, sendo bem ordenada, póde resultar para o adiantamento das Artes, Commercio, Manufacturas e todos os mais ramos da Economia; propoz-se o projecto de formar nesta Capital hum Museo Nacional, onde principalmente se ajuntem e conservem os productos, ao menos os mais notaveis, que se achão dentro do Reino e das suas Colonias.
Como porém muitas vezes succede, que alguns dos exemplares, particularmente quando são remettidos de paizes distantes, chegão damnificados e por isso indignos de se guardarem nos Gabinetes, por não terem sido devidamente escolhidos, preparados e acondicionados; e como além disso nem todas as pessoas, que he necessario encarregar das remessas e das noticias que devem acompanhallas, se suppõem igualmente instruidas no melhor methodo de satisfazer as suas Commissões, julgou conveniente a mesma Academia apontar as seguintes Instrucções, pelas quaes poderáõ dirigir-se, os que dellas necessitarem.
Adverte-se com tudo a cada hum dos Correspondentes e Commissarios, que, quando por alguns motivos, que occorrão, lhes não seja possivel satisfazer em tudo, satisfação ao menos em parte, e do melhor modo que poderem, ao que nestas Instrucções se recommenda, em quanto ao numero e perfeição dos exemplares que se pedem, e em quanto ao methodo de os preparar e remetter.
Sobre as remessas dos productos e noticias pertencentes á Historia da
Natureza, para formar hum Museo Nacional.
Das remessas dos Animaes.
As remessas dos individuos do reino animal são as mais difficultosas pelas preparações, que he necessario fazer, a fim de impedir a corrupção, a que estão mais sujeitos, que os individuos dos outros dois reinos. E como estas preparações varião algum tanto conforme a variedade de algumas das especies animaes, exporemos separadamente as que são proprias de cada huma dellas.
Mas primeiro que tudo he preciso advertir em geral, que os Animaes destinados para o Museo, devem ser apanhados de modo, que fiquem todos, sem exceição alguma, com a cabeça inteira; os quadrupedes com todas as unhas e dentes, e sem rotura consideravel na pelle; as aves com o bico e pés, e com todas as pennas; os peixes com todas as barbatanas e cauda; em huma palavra ao menos aquellas partes, de que se servem os Naturalistas para caracterizarem cada huma das especies, devem, depois de feita a preparação, ficar, quanto for possivel, no seu estado natural.
Dos Quadrupedes.
Como he impraticavel conservar sem corrupção por muito tempo com a carne os quadrupedes grandes, faz-se preciso esfollallos de modo que, cheia a sua pelle com alguma materia estranha, se lhes dê a mesma fórma exterior, que tinhão em quanto vivos.
Para este effeito nos animaes quadrupedes de mediana grandeza far-se-ha na pelle ou huma incisão direita desde a parte mais inferior do ventre até o anus, ou duas incisões, cada huma das quaes principie no mesmo anus, e continue pela parte interior das coxas até á juntura destas com as pernas.
Por esta abertura feita de qualquer dos dois modos, que parecer mais conveniente, depois de separada, com os dedos ou com algum instrumento accommodado, a pelle que rodea as duas coxas, se tiraráõ estas para fóra, cortando-as pelas articulações, que as unem com as pernas, cujos ossos se descarnaráõ, quanto for possivel.
Depois se continuará a despegar a pelle das costas até chegar á cauda, a qual, se não se puder esfollar, se cortará pela juntura, que a une ao tronco.
Feito isto, se voltará para a cabeça do animal a parte posterior da pelle, que já está separada do corpo; e puxando-a até ás espaduas, se fará nos braços o mesmo que se fez nas coxas, cortando-os pelas articulações das canellas; as quaes tambem se descarnaráõ da mesma sorte que as pernas.
Continuar-se-ha a puxar a pelle até descobrir ametade da cabeça para a descarnar: separada esta do corpo pela sua juntura com o pescoço, se extrahirá toda a substancia do cérebro; e depois de bem limpa a cavidade, se encherá esta com estopa, ou algodão misturado com pedra hume calcinada em pó, ou com outras materias de cheiro astivo, como tabaco, pimenta, alcanfor, &c., ensopando primeiro tudo em oleo de therebentina.
Com esta mesma composiçao, depois de se cortar a lingua pela sua raiz, e descarnar bem os queixos, se encherá a parte da goélla que restar pegada á cabeça.
Tambem se arrancaráõ os olhos, de modo que se não rompão as palpebras; e depois de bem limpas e enxutas de toda a humidade as suas orbitas, se encheráõ com as mesmas materias que acabamos de apontar. Em lugar dos olhos arrancados se metteráõ outros artificiaes ou de vidro, ou de esmalte, ou de outra materia sólida, que imitem na figura e cores os naturaes; e quando isto se não possa fazer com a perfeição devida, remetta-se ao menos o seu desenho com as cores proprias, ou huma relação exacta, que suppra do melhor modo a sua falta.
Depois de separada toda a pelle, deve raspar-se bem o interior della com algum instrumento de aço pouco affiado, para que a não rompa, e esfregar-se com sabão desfeito em agoa tepida, até que fique sem o menor resto de carne, sangue ou gordura, que possa ser principio de corrupção. Para acabar de seccar toda a sua humidade, se pulverizará a mesma parte interior da pelle com cal extincta ao ar, e reduzida a pó por si mesma, ou tambem com cal viva misturada com huma doze de greda, que baste a temperar a sua actividade. Esta pulverização póde repetir-se huma e mais vezes, até que se conheça que a pelle está inteiramente secca. E para extinguir todos os insectos, que possão causar algum damno ao cabello, será muito conveniente defumar as pelles já seccas com o vapor de enxofre inflammado; e se embrulharáõ logo em pannos bem tapados para evitar que outros infectos venhão de novo depositar nellas os seus óvos.
Acabadas estas operações, encher-se-ha todo o espaço, que occupava o corpo do animal, com a mesma composição, com que se encheo a cavidade da cabeça, ou com outra equivalente que conste de materias molles e seccas, e de drogas antiputridas: e por meio de arames grossos á proporção da grandeza do animal, e dispostos pela parte de dentro, se dará ao pescoço, aos pés, á cauda e a todo o volume a sua postura natural.
Composto em fim e limpo o cabelo de todas as nodoas de sangue ou gordura, que no tempo da preparação tiver contrahido, se accommodará a pelle assim preparada dentro do caixão em que ha de ser transportada, pondo-a e segurando-a, de modo que não balance; e tapando as juntas do caixão com tiras de papel ou de panno embebidas em drogas amargas e acres, para impedir que entre a humidade.
Como este methodo de encher as pelles dos quadrupedes de mediana grandeza não póde praticar-se com os demaziadamente grandes, bastará que se remettao as suas pelles com a cabeça pegada, e com todas as unhas. Estas pelles devem preparar-se com todas as precauções que já apontámos: e quando estas não sejão bastantes para as seccar bem, e extinguir todos os infectos, se metteráõ pelo espaço de seis horas em fornos, cujo gráo de calor seja o maior que as pelles possão supportar, sem que se queime o cabello; depois do que se defumaráõ, como acima dissemos, com o vapor de enxofre inflammado; e se embrulharáõ cada embrulharão cada huma á parte em pannos bem tapados, introduzindo pelas suas dobras therebentina, e outras drogas de cheiro penetrante e sabor acre. Tudo o mais se fará, como fica dito das pelles dos outros quadrupedes.
Mas, como só as pelles não bastão para dar huma idéa justa da fórma e postura do animal, recommenda-se aos Correspondentes, que mandem junto com ellas hum desenho, ou huma descripção exacta, ao menos daquelles, que não são vulgarmente conhecidos, ou que tem alguma coisa de extraordinario.
Recommenda-se tambem aos mesmos Correspondentes, que, quando succeda receberem algumas pelles de animaes, remettidas de algum lugar distante da sua residencia, que não fossem logo depois de separadas do corpo devidamente preparadas, e nas quaes observem o mais leve indicio de corrupção principiada, as mettão promptamente e conservem pelo espaço de dois dias em algum licor espirituoso; e depois as sequem, e accommodem nos caixões pelo methodo acima exposto.
Os quadrupedes pequenos, que não possão preparar-se, como os de mediana grandeza, se preparão facilmente deste modo. Por huma incisão pequena junto ao anus se extrahiráõ todos os seus intestinos; e depois de bem limpa e enxuta a cavidade que fica, se encherá esta com estopa ou algodão misturado com os mesmos ingredientes, que acima dissemos. Arrancados os olhos com as advertencias já expostas, se metteráõ os corpos em agoa ardente por algum tempo, renovando-a ao menos huma vez. Depois se acamaráõ em vasos cheios de licor composto de tres partes de agoa pura e uma de espirito de vinho, no qual se tenha dissolvido huma boa porção de pedra hume calcinada. Os bocaes destes vasos, em que hão de ser remettidos os animaes, devem ser tapados, quanto for possivel, com tampas bem justas e betumadas com uma mistura de cêra e rezina; e os mesmos vasos accommodados nos caixões de modo que não quebrem, se forem de materia fragil, nem balancem com o movimento do transporte.
Os esqueletos dos animaes, que tambem entraõ na classe das preciosidades que merecem hum lugar distinto nos Gabinetes, não precisaõ de preparações tão delicadas, para se remetterem sem perigo de corrupção. Basta que, depois de bem descarnados e limpos todos os ossos, se ponha um numero differente repetido nas duas extremidades, por onde se unem uns com os outros. Por meio desta numeração será facil armar novamente o esqueleto, para lhe dar a sua fórma natural.
Os ossos de cada animal devem empacotar-se á parte, para não haver confusão; e accommodallos de sorte nos caixões, que se não quebrem no transporte.
Como póde succeder que algumas vezes não haja toda a commodidade de se remetterem os esqueletos inteiros, como fica dito, nesse caso venhão ao menos as partes mais notaveis dos animaes pouco vulgares; e dos outros, aquellas partes que tenhão alguma coisa de extraordinario.
Das Aves.
O methodo de preparar as aves grandes pouco differe, do que acima se expoz para os quadrupedes de mediana grandeza. Ainda que se póde principiar a operação por huma unica incisão feita no ventre desde o anus até o osso do peito, he melhor que se facão duas de sorte que, nascendo ambas do anus, vá cada huma dellas correndo ao comprido das coxas até terminar no encontro da aza da mesma parte.
Pegando no vertice do angulo, que fórmão no anus as duas incisões, se irá separando pouco a pouco com os dedos, ou com algum instrumento accommodado, a pelle do ventre, e voltando-a para a parte da cabeça da ave até chegar aos encontros das azas.
Despegada do mesmo modo a pelle que rodea as coxas, tiradas estas para fóra, e cortadas pelas suas junturas com as pernas, cujos ossos serão bem descarnados, se continuará a operação, separando de vagar a pelle das costas até chegar ao uropigio, o qual se cortará com huma tisoura pela articulação que o une ao corpo.
Feito isto, se pegará na parte posterior já esfollada do corpo da avecom a mão esquerda, e com a direita se irá tirando com sentido, para que se não rompa, o resto da pelle, até chegar ás azas; as quaes se devem separar do tronco pelas suas articulações, descarnando, o mais que for possivel, os ossos que ficão pegados á pelle.
Continuar-se-ha a puxar a pelle que veste o pescoço, até descobrir parte do cranio, o qual se cortará transversalmente hum pouco acima da sua união com o pescoço; separando deste modo do resto do corpo a cabeça junta com a pelle.
Por esta abertura feita no cranio se extrahirá toda a substancia do cerebro; e se fará tudo o mais que pertence á preparação interior da cabeça, do mesmo modo que fica dito dos quadrupedes.
Porém nas aves aquaticas, e outras de cabeça grande, cujo pescoço não he facil de se esfollar até descobrir o cranio, sem o perigo de romper a pelle, separar-se-ha da cabeça o pescoço pela ultima juntura; e depois de revirada a pelle, se fará a extracção do cerebro por hum buraco feito de proposito na parte superior do cranio, que corresponde ao padar.
Antes de revirar a pelle se raspará levemente o interior della, para purificalla de todo o sangue e gordura; e se pulverizará com pós, que constem de huma parte de pedra hume queimada, outra de alcanfor, duas de solimão, duas de nitro puro, duas de flor de enxofre, quatro de pimenta, e outras quatro de tabaco.
Para revirar facilmente a pelle, sem estragar as pennas, se terá feito passar antes da operação pelos narizes da ave hum fio comprido e forte, o qual servirá para puxar a cabeça fóra, e dar á pelle a sua situação natural.
O methodo de encher as cavidades do corpo, da boca, e dos olhos he inteiramente o mesmo que nos quadrupedes. Basta só advertir, que esta preparação das aves requer mais alguma delicadeza, para que fique a sua pelle inteira, e todas as pennas limpas e direitas.
Depois de bem concertadas as pennas, se envolveráõ estas aves em huma tira de panno, principiando pela cabeça; e se accommodaráõ entre materias molles e seccas ensopadas em oleo de therebentina dentro dos caixões, com todas as mais cautelas, que já dissemos.
Este methodo de preparar as aves não he facil de praticar-se com algumas dellas, principalmente com as pequenas, por causa da delicadeza da sua pelle. Neste caso poderáõ enviar-se em vasos cheios de licor espirituoso, preparando tudo da mesma sorte, que se disse sobre a remessa dos quadrupedes pequenos; e tendo unicamente a advertencia de quebrar-lhes o osso do peito, para não ficarem com difformidade, e de as envolver, como acabamos de dizer das aves grandes, com tiras de panno, para se não descomporem as suas pennas.
Se a distancia não for muito grande, quaesquer que sejão as aves, bastará que, depois de preparadas pelo ultimo methodo, que acabamos de expôr, se lancem de infusão pelo espaço de quinze dias em espirito de vinho bem forte, em que se tenha dissolvido huma boa porção de pedra hume e alcanfor. E sem outra maior preparação podem remetter-se com as cautelas já indicadas.
Os óvos, que pela sua raridade devem remetter-se para ornato dos Gabinetes, depois de evacuada toda a sua substancia por hum pequeno buraco feito de proposito em hum dos seus pólos, ou em ambos, se for preciso, se acamaráõ em bocetas com algodão, ou outra materia molle e secca, para evitar o perigo de se quebrarem. Os que porém se mandão para fecundarem, antes de se metterem nos caixões, se cobriráõ bem de verniz pelo methodo sabido de Reaumur.
Os ninhos, que pelo seu artificio forem dignos da curiosidade do naturalista, se accommodaráõ da mesma sorte, e com as mesmas precauções em bocetas bem tapadas. E para extinguir os insectos, que ordinariamente trazem, se metteráõ em hum forno, que só tenha o gráo de calor necessario para este effeito; tendo o cuidado de os envolver logo em pannos, para impedir novos insectos.
Dos reptís.
A preparação de todo o genero de reptís, serpentes, e cobras grandes, cuja pelle póde separar-se do corpo, he inteiramente a mesma, que a dos quadrupedes de mediana grandeza, tanto no que respeita ao modo de os vazar e tornar a encher de materias estranhas, como no que pertence ao modo de os accommodar nos caixões.
Só deve advertir-se, que a incisão, por onde principião todas as mais operações, nos reptís, como o sardão e outros, deve fazer-se da parte do ventre ao menos desde o meio da cauda até o pescoço, conduzindo-a pelo interior das coxas e braços até ás suas articulações; e nas cobras grandes, como as giboias, se fará em todo o seu comprimento, por onde as escamas das costas se ajuntão com as do ventre. Estas se accommodaráõ nos caixões, enrolando-as espiralmente, como ellas muitas vezes fazem, em quanto vivas.
Os reptís pequenos podem remetter-se em licores espirituosos, em que se tenha dissolvido bastante quantidade de pedra hume e alcanfor; e tendo o cuidado de renovar estes licores ao menos duas vezes antes da remessa.
Dos peixes.
Aquelles peixes, que os Naturalistas chamão cetaceos, e cujas pelles são tão fortes, como as dos quadrupedes, podem preparar-se do mesmo modo que estes; excepto que a incisão se deve fazer na parte inferior por todo o seu comprimento, para os evacuar com mais facilidade. Dos peixes, que forem demaziadamente grandes, bastará mandar as pelles seccas e preparadas, como dissemos dos quadrupedes.
Se os peixes, que houverem de se mandar, forem chatos e delgados de sorte, que possão seccar-se bem, extrahidas com algum instrumento accommodado as suas entranhas, e lavada bem a cavidade que fica, se lançaráõ de infusão em agoa ardente pelo espaço de doze até quinze dias. Findos estes, se estenderá o peixe com o lado mais branco para baixo sobre huma lamina de vidro, ou de madeira bem liza; tendo particular cuidado, em que as barbas, cauda e barbatanas fiquem na sua situaçao natural: e para que estas á medida, que forem seccando, se não torção, e descomponhão; depois de concertadas, e em quanto estão humidas e com a sua cólla natural, se lhe pregaráõ pela parte de cima algumas tiras de papel, que serviráõ para as conservar sempre na mesma posição.
Feito isto, se exporá ao calor do Sol, ou a hum vento forte; e passados quatro ou sinco dias, se despegará o peixe por meio de huma agulha de fardo, ou outro instrumento similhante, que mettendo-se entre o peixe e a lamina, se faça caminhar da cabeça até á cauda, para não desconcertar as barbatanas; o que succederia, conduzindo-se a agulha em sentido contrario.
Voltando o peixe com a parte inferior para cima, se exporá segunda vez ao Sol ou ao vento, pelo tempo que for preciso. Repetindo isto, até que se conheça estar o peixe perfeitamente secco, se untará por fóra com bom verniz transparente, e se accommodará nos caixões com todas as cautelas já indicadas.
Os peixes escamosos, que pela muita delicadeza da sua pelle não podem fer preparados como os cetaceos; nem tão pouco pela grande grossura da sua carne se podem seccar bem, como os chatos e delgados; se cortaráõ em duas partes, conduzindo o córte pelo embigo desde a cabeça até á cauda; e tendo o cuidado de que todas as barbatanas e a cauda fiquem inteiras e pegadas a huma das duas ametades. Esta ametade, que he a que se destina para se conservar, se alimpará da parte das escamas com o gume de huma faca, que a toque levemente, e corra desde a cabeça até á cauda; porque em sentido contrario arrancaria as escamas, em cujas cores e lustre consiste hum dos principaes merecimentos dos peixes escamosos.
Com a mesma faca, ou outro qualquer instrumento accommodado, se irá despegando pouco a pouco toda a carne, até que fique só a pelle com a ametade da cabeça pegada. Desta se tirará o cerebro que restar, e todas as porções de ossos, que fórmão differentes separações no interior do cranio. Tambem se extrahirá toda a substancia do olho, cuja figura e cores se devem notar, como dissemos, para se supprir depois a sua falta com outro artificial. Se a cabeça do peixe for muito curva, se aplanará, pondo-lhe em cima algum pezo; com a advertencia que antes se deve metter por baixo e por cima da cabeça alguma materia molle.
Esta meia pelle assim preparada se pegará pela parte interior com a sua mesma cólla natural a huma folha de papel; e sua porão as barbatanas e cauda na sua fórma e situação natural. Depois de bem secca se untará com verniz transparente, e se metterá no caixão com as precauções necessarias.
Os peixes em fim, que ou pela sua pequenez, ou por outras causas, não poderem preparar-se por algum dos modos, que acabamos de expôr, se enviaráõ em vasos cheios de licores espirituosos, os quaes devem ser mais fortes, e renovar-se mais vezes antes da remessa, do que se requer para os outros animaes pequenos. He escusado repetirmos aqui tudo o mais, que já se disse, sobre este genero de remessas de animaes pequenos.
Dos animaes crustaceos.
Todos os animaes, a que os Naturalistas dão este nome, ou habitem no mar, ou nos rios, ou na terra, se preparão do mesmo modo, attendendo unicamente á sua grandeza; segundo a qual podemos dividillos, em quanto á sua preparação, em duas classes, de grandes, e pequenos. Estes, quando pela sua pequenez se não puderem evacuar de toda a sua substancia molle e corruptivel, ou quando não possão seccar-se sem detrimento sensivel da sua fórma e cores naturaes; accommodando primeiro sobre o ventre as suas pernas, e dispondo do melhor modo as suas antennas, para se não quebrarem, se embrulharáõ, cada hum á parte, em hum pequeno panno, que se envolverá com hum fio; e assim embrulhados se lançaráõ em espirito de vinho para se remetterem.
Os crustaceos grandes podem mais facilmente evacuar-se; o que se fará, separando a casca, que cobre o corpo, da parte inferior, á qual ficão pegadas as pernas, e toda a substancia molle do animal. Esta se tirará toda do melhor modo possivel; ainda mesmo, a que está dentro das pernas, senão de todas, ao menos das mais grossas. Lavadas, e bem limpas todas as cavidades, que ficão depois de extrahida a substancia interior, se encheráõ com as mesmas materias, que já apontámos, fallando dos outros animaes. Antes de os encaixotar, devem expôr-se ao ar o tempo necessario para se seccarem bem. Depois de seccos se accommodaráõ em bocetas com todas as precauções precisas, para que cheguem inteiras todas as suas partes, ainda as mais delicadas. Para isso será conveniente, que cada hum destes animaes se embrulhe em hum panno, depois de postas na sua situação natural todas as pernas, e antennas; e que as bocetas, em que hão de ser remettidos, tenhão capacidade bastante, para não ser necessario dobrar estas partes mais faceis de quebrar-se.
Dos insectos.
No que pertence ao modo de preparar os insectos destinados para o Museo, podemos considerallos, a pezar da sua prodigiosa variedade, como repartidos em tres classes, a cada huma das quaes compete huma preparação particular.
Todos aquelles insectos, cujo corpo he cercado de huma casca dura, e assás forte para conservar depois de secca a sua fórma exterior, se metteráõ em fórnos, que só tenhão o gráo de calor necessario para dissipar toda a humidade interior, sem offensa das partes, que devem conservar-se inteiras. O calor do Sol, sendo muito activo, poderá supprir a falta de fórnos, principalmente nos Paizes quentes.
As borboletas, e algumas especies de moscas, cujas azas imitão as das borboletas, tambem se preparão do mesmo modo, seccando-as ou em fórnos, ou ao calor do Sol. Porém, como todo o merecimento destes insectos consiste na delicadeza de suas azas, e na vivacidade e formosura de suas cores, as quaes unicamente nascem de hum pó brilhante que as cobre, e que he muito facil de despegar-se; he preciso mettellas, assim que se apanharem, entre duas folhas de papel com as azas bem estendidas; e assim mesmo se exporão ao calor, mudando de papeis até que estejão perfeitamente seccas, e em termos de se poderem encaixotar com as cautelas necessarias.
Todos os outros insectos, que constão de huma substancia molle, e que depois de seccos perdem inteiramente a sua primeira figura, e as suas cores naturaes, só podem conservar-se em licores espirituosos pelo mesmo methodo, que já expuzemos sobre os quadrupedes pequenos.
Não he preciso advertirmos, que a accommodação dos insectos nas bocetas requer hum cuidado particular, para se não quebrarem no transporte as suas partes mais delicadas, que são as principaes, de que se servem os Naturalistas para distinguir as diversas especies.
De outras producções pertencentes ao reino Animal.
Debaixo deste titulo comprehendemos todas as especies de animaes de conchas, e todas as mais producções, principalmente marinhas, que tem algum sentimento de vida, ainda que obscuro. As mais notaveis são as Estrellas do mar, em que se observão sinaes menos equivocos de sensibilidade.
Estas, quando são pequenas, e de pouca grossura, depois de as metter alguns minutos ou em espirito de vinho, ou em agoa fervendo, para coagular a substancia interior, de que se compõem; se exporão pelo tempo necessario ao vento, até que fiquem perfeitamente seccas, e livres de corrupção. E cobrindo-as com algum verniz transparente, se encaixotaráõ com as cautelas já sabidas.
Mas aquellas, que são maiores, e consideravelmente grossas, nunca poderáõ seccar-se de modo, que escapem de corrupção. Será preciso extrahir-lhe huma especie de carne, ou parenchyma, de que estão cheias; e depois seccar e envernizar as suas pelles, como fica dito.
Para fazer com mais facilidade a extracção desta substancia interior, se fará no centro, onde se unem as pernas ou raios das estrellas marinhas, da parte das costas, huma incisão circular, mas incompleta, para que fique pegada ao resto do corpo esta porção de pelle, que se corta. Por este buraco se extrahirá por meio de algum instrumento de ferro curvo, que se introduza pelo interior de cada huma das pernas, toda a substancia corruptivel.
Deve porém advertir-se, que, para ficarem depois de seccas na sua posição natural todas as estrellas marinhas, tanto as grandes como as pequenas, he preciso, que logo depois de apanhadas, e em quanto estão vivas, se ponhão com o ventre para baixo em cima de huma meza; pela qual ellas mesmas por si estenderáõ as suas pernas até ficarem na suas postura natural. Nesta mesma postura se deixaráõ por espaço de tres ou quatro dias, até se conhecer que estão mortas, para continuar as operações, que acabamos de expôr.
Todos os animaes marinhos, que são guarnecidos de muitos espinhos agudos, delicados e duros, se preparão, extrahindo com hum arame curvo na ponta por huma abertura natural, que todos tem pela parte inferior, a substancia molle que está dentro da concha; cuja cavidade se lavará bem com agoa ardente; e depois de tudo estar perfeitamente secco, se accommodará cada huma destas peças na sua boceta com algodão, observando todas as mais cautelas necessarias, para que no transporte se não quebrem os seus espinhos.
Todo o genero de conchas ou univalves, ou polyvalves são dignas de se conservarem nos Gabinetes. Não se devem mandar as que se apanhão nas costas do mar, que as ondas lanção em terra, as quaes com a contínua fricção da arêa ficão roçadas, e sem huma grande parte do seu merecimento natural. Por isso o mais seguro he mandar só aquellas, que se apanhão com o seu verme ainda vivo, o qual com hum alfinete, ou com hum arame facilmente se tira, depois de ter lançado a concha em agoa fervendo. Deste verme basta que se mande o desenho, se houver quem o faça: e para o fazer, se metterá a concha, em quanto o seu verme está vivo, em hum vaso cheio de agoa do mar, se ella for marinha, ou de agoa doce, se ella for fluvial; porque então sahe o verme todo fóra da concha, e dilata ao natural todas as suas partes de sorte que com muita facilidade se póde desenhar: nas conchas terrestres será preciso esperar, que o animal saha por si mesmo para se poder tirar o seu desenho.
Depois de bem seccas as conchas, se embrulhará cada huma delias em hum pouco de algodão, segurando-o por fóra com hum fio; e se accommodaráõ com diversas camadas do mesmo algodão dentro das bocetas, em que devem remetter-se com todas as mais cautelas.
Deve advertir-se a respeito de todas as producçóes do mar, que antes de as seccar, para se remetterem, he preciso lavallas em agoa doce; porque o sal marinho attrahe muito a humidade, de que póde originar-se corrupção.
Das remessas dos Vegetaes.
Como estas instrucções não tem por objecto formar hum Jardim Botanico; mas unicamente enriquecer hum Museo Nacional, seria superfluo apontarmos o methodo de transportar as arvores e plantas de Paizes Estrangeiros para as transplantar nos nossos terrenos; materia que tem sido admiravelmente tratada por muitos Naturalistas deste seculo; e que a Academia, se o julgar necessario, reduzirá a instrucções compendiosas em outro papel á parte. Por ora só se trata do modo mais facil de remetter as plantas seccas com todas as partes, que as caracterizão.
Para este fim se colheráõ as plantas pequenas com raiz, tronco, folhas, flores e frutos. Das plantas, que não produzem no mesmo tempo as flores e os frutos, se colheráõ dois pés, cada qual tenha huma das duas coisas. Das arvores, arbustos e plantas maiores bastará colher hum ou dois dos ramos mais tenros com o seu fruto, e com as suas flores. Quando succeda não se poder enviar todas estas partes juntas, se enviaráõ separadas; com tanto que se declare, a que planta pertence cada huma dellas.
Para se seccarem estes ramos, ou plantas inteiras, depois de se estenderem perfeitamente todas as suas folhas entre dois papeis pardos, se comprimiráõ em huma imprensa, ou debaixo de huma taboa carregada de pezos, mudando de papeis huma ou duas vezes no dia, até que esteja de todo extrahida a sua humidade. Para maior segurança, depois desta operação, será conveniente expôr por algum tempo ao calor do Sol estas plantas, quando se tirão a ultima vez da imprensa.
Feito isto, se estenderáõ segunda vez os individuos de cada especie separadamente em diversos papeis, os quaes se acamaráõ em caixas de folha de Flandres, e na falta destas em bocetas bem tapadas do modo, que já se tem advertido sobre as outras remessas; não esquecendo introduzir dentro dellas algumas drogas de cheiro forte e penetrante, como alcanfor, ou tabaco de fumo.
Ha algumas arvores, e ainda mesmo plantas pequenas, cujas folhas, frutos, e flores são tão espeços e succulentos, que não podem seccar-se pelo methodo exposto, sem que fiquem inteiramente desfigurados. Estes só podem conservar-se, e remetter-se em vasos cheios de agoa ardente com as cautelas já indicadas para outras remessas similhantes.
Aquelles frutos, que pela sua natural dureza se podem conservar muito tempo sem corrupção, se colheráõ maduros, e se exporáõ algum tempo ao calor do Sol, para se acabar de evaporar algum resto de humidade; e depois se metteráõ nas caixas, em que devem enviar-se.
Do mesmo modo se podem remetter algumas raizes tuberculosas, e que se conservão muito tempo sem corrupção, como o gingibre, curcuma, amomum, e outras. A estação mais favoravel de as tirar da terra nos paizes temperados he a da Primavera, ou os fins do Outono. Escolhendo-se as mais fortes, se porão em algum lugar enxuto á sombra até se evaporar a sua primeira humidade; e se metteráõ depois em caixões com arêa bem secca, para se remetterem.
Todo o genero de plantas bulbosas, que ou pela sua dureza, ou pela casca, que as veste, se conservão com mais facilidade sem corrupção, se preparão da mesma sorte, que as raizes tuberculosas.
Não se faz preciso advertir o methodo de enviar as diversas especies de balsamos, rezinas, gommas, e outras producções similhantes, que pertencem ao reino vegetal, ou sejão solidas ou líquidas; porque são bem conhecidas no commercio, e já a experiencia tem mostrado o melhor modo de fazer as suas remessas.
Tambem merecem entrar nas collecções proprias de hum Museo as diversas cascas, que vestem os troncos das arvores, principalmente as que tem algum uso nas Artes; como tambem as amostras de madeiras, que se fazem notaveis, ou pelo polido, de que são susceptiveis, ou pela singular contextura de suas partes, ou pela variedade de suas cores, ou por outra qualquer qualidade, e particularmente pela utilidade, que dellas se póde tirar para as manufacturas, e usos da Sociedade. Este genero de peças he facil de remetter-se de modo, que cheguem sem damno ao lugar do seu destino.
Tudo o que póde dizer-se sobre as remessas das sementes, se reduz a não as colher, senão depois de maduras; e a mettellas, estando bem enxutas, com musgo fresco, e pouco calcado, ou com arêa bem secca e miuda dentro dos caixões, em que se hão de remetter. As sementes grandes tambem se podem cobrir de cêra derretida em hum pouco de oleo de therebentina, tendo a cautela de deixar primeiro esfriar esta untura até o ponto, em que o calor não possa causar-lhe damno.
Seja qual for o modo de preparar, e remetter as sementes, deve indispensavelmente advertir-se, que cada huma das diversas especies necessariamente ha de vir separada da outra, de forte que se não confundão. Não usando da mistura de musgo, ou arêa, podem remetter-se, para evitar esta confusão, cada huma das especies de sementes embrulhada á parte em hum papel encerado; observando na sua accommodação dentro das bocetas as precauções necessarias, para que cheguem inteiras.
Como huma grande parte das sementes amadurece dentro de capsulas, em que mais facilmente se conservão, será conveniente, e não menos commodo mandar estas mesmas capsulas com a sua semente; accommodando-as nas bocetas do mesmo modo que fica dito.
Das remessas dos Mineraes.
Os productos do reino mineral são os que menos cautelas requerem, para chegarem sem damno. A maior difficuldade consiste em conhecellos, e saber procurallos. No que respeita ás suas remessas, que he o unico objecto destas Instrucções, podemos dividillos em terras, pedras, e fossís.
As diversas especies de terra podem remetter-se em pequenos saccos differentes; mandando maior quantidade daquella, em que se sentir algum sabor salino, ou cheiro, ou outra propriedade, que a faça notavel, principalmente pelo uso, que póde ter nas Artes.
Das pedras, ou sejão de banco, ou vagas, devem mandar-se particularmente as que tiverem alguma raridade, ou pelos saes, que contenhão, ou pela sua côr, dureza, figura, transparencia, &c., como são os crystaes, agathas, marmores, congelações, amiantos, &c.
As amostras de todo o genero de fossís, que puderem ajuntar-se, são dignas da curiosidade do Filosofo, e conseguintemente merecem ser conservadas em hum Museo. Por isso recommenda-se aos Correspondentes, que de todos os differentes metaes, ainda dos vulgares, de todo o genero de petrificações, crystallizações, bitumes fossís, lavas, pyrites, &c. remettão os exemplares, que lhes for possivel ajuntar.
Todos estes exemplares de qualquer dos tres generos, de terras, pedras e fossís, devem remetter-se em caixões separados, podendo ser, para evitar confusão; e embrulhados á parte com numeros differentes, que correspondão aos numeros da relação, de que adiante fallaremos.
Accommodar-se-hão nas caixas, ou bocetas de modo, que o movimento do transporte lhes não cause algum damno; e se observaráõ as mais cautelas necessarias, para que a humidade os não prejudique.
Entre as diferentes e quasi infinitas especies de individuos, que a natureza produz no seio do mar, ha algumas, que fórmão em certo modo huma classe á parte; e que por essa mesma causa parece não devião confundir-se com as outras producções pertencentes aos tres reinos. Esta são as Madreporas, Coraes, Lithofytos, &c. que alguns illudidos com a fórma, exterior reduzirão á classe das plantas marinhas; e outros, attendendo á sua dureza, julgárão ser especie de pedras.
Todas estas producções se fazem dignas da curiosidade dos Naturalistas, pela grande variedade da figura e disposição de seus ramos, e por outras particularidades não menos admiraveis. Por isso devem escolher-se as que forem mais inteiras, e tiverem maior numero de ramos. E, como muitas vezes sahem pegadas a pedaços de rócha, e entrelaçadas humas com outras, assim mesmo se devem remetter; porque estas circumstancias accidentaes são igualmente dignas da attenção do Filosofo.
Como porém nenhuma destas substancias he sujeita a corrupção, basta que se accommodem nos caixões cercadas de materias molles, e seguras com travessas de madeira, para se não quebrarem com o movimento.
Estas singulares producções não são mais, que huma collecção de pequenas casas habitadas por animaes do genero dos polypos, os quaes se multiplicão huns sobre os outros de hum modo analogo, ao modo com que crescem os ramos das plantas. Para haver estes animaes, e podellos enviar á parte, se metteráõ logo, apenas se tirarem do mar, as massas duras, que os contém, em vasos cheios da mesma agoa do mar, que seja bem pura. Passada huma hora pouco mais ou menos, com o soccorro de huma lente, se for necessario, se divisaráõ parte de cada hum dos animaes, fóra de suas pequenas grutas. Não se deixará escapar este momento; e com algum instrumento, ou com os mesmos dedos, se prenderá o animal; e arrancando-o precipitadamente do seu aposento, se lançará logo em espirito de vinho, que deve estar prompto, para que elle não tenha tempo de se contrahir, e perder a sua fórma natural antes de morrer. No mesmo espirito de vinho se podem conservar estes pequenos animaes, assim como todo o genero de polypos: e as suas remessas se farão do mesmo modo, e com as mesmas cautelas, que já se advertírão, fallando dos insectos.
Ha outras producções marinhas além das sobreditas, que pela sua figura, miudeza, e flexibilidade de seus ramos se equivocão mais com as plantas. Os Botanistas lhes dão vulgarmente o nome de musgos marinhos, ou corallinas. Para as remetter, basta lavallas em agoa doce até depôrem todo o sal marinho; e depois de bem seccas accommodallas em bocetas em differentes papeis com todas as mais precauções já expostas sobre as remessas das plantas terrestres.
Como porém estas mesmas corallinas pelas ultimas observações se tem conhecido constarem de pequenas casas, em que habitão animaes, da mesma sorte que as madreporas; far-se-ha tudo, o que acima advertimos, para separar, conservar, e enviar estes animaes. He preciso advertir, que devem remetter-se em vasos differentes os animaes, que se tirão de differentes substancias, para se não confundirem as suas especies, as quaes differem entre si conforme a differença das massas, em que se achão.
Além de todas estas producções marinhas ha outras muitas, que não só tem a fórma exterior de plantas, mas que verdadeiramente o são, como o sargaço, e outras. Estas, como já advertimos, devem lavar-se primeiro em agoa doce; e depois de bem seccas, se encaixotaráõ, como as outras plantas, ou como as borboletas, se forem demaziadamente delicadas.
As esponjas marinhas, cuja natureza ainda não he bastantemente conhecida por falta de observações, mas que facilmente se distinguem das outras especies pela sua fórma exterior, merecem tambem ser conservadas nos Gabinetes. Depois de lavadas em agoa doce, e estando bem enxutas e seccas, se accommodaráõ nos caixões com algodão, sargaço ou estopa, sem as comprimir muito; e observando as mais advertencias, que temos feito sobre a preparação exterior das caixas, em que se remettem os mais productos da natureza.
Parece escusado dar instrucções sobre as remessas de algumas obras de artificio dos naturaes do paiz, como de seus vestidos, armas, instrumentos, &c.; porque todos conhecem, como estas e outras coisas similhantes devem remetter-se de sorte que cheguem bem condicionadas. Aquellas obras, que constarem de coisas meramente naturaes, e cujo unico artificio consista na sua diversa disposição, como são algumas carapuças e cinturas de pennas de diversas cores, de que usão alguns póvos da Africa e America, se remetteráõ com as cautelas, que deixamos apontadas sobre as remessas das mesmas producções naturaes, de que são compostas.
Finalmente as instrucções antecedentes poderáõ accommodar-se a alguns productos, de que aqui se não faz menção, conhecida a sua natureza, e a classe a que pertencem.
Das noticias pertencentes á Historia Natural.
As noticias, de que devem incumbir-se os Correspondentes da Academia, ou dizem relação immediata aos productos da natureza, que remettem para o Museo; ou tem por objecto as coisas mais notaveis e curiosas do terreno, em que se achão os ditos productos, e os costumes dos povos que o habitão.
Em quanto á primeira parte, que he a mais indispensavel, recommenda-se aos mesmos Correspondentes, que dentro de cada hum dos caixões, ou bocetas mandem huma relação exacta de todas as coisas que contém. Suppondo que cada huma das especies vem accommodadas separadamente, e distintas com numeros diversos, na relação debaixo dos mesmos numeros respectivos se declarará 1.° o nome tanto indigeno, como estrangeiro da dita especie, e o nome com que a costumão distinguir os Naturalistas. 2.° Notar-se-hão todas as suas qualidades mais attendiveis, e particularmente as menos conhecidas. A respeito dos animaes, que remette, expressará todos os factos constantes e uniformes, que distinguem mutuamente as differentes especies, como he tudo, o que pertence á sua geração, lugares que habitão, tempo de coito e de parto, instinto, artificios, alimentos, doenças, duração, &c.; mas com mais particularidade se demorará sobre as utilidades, que do uso delles póde resultar para a vida humana. Na relação das qualidades dos vegetaes declarará os lugares do seu nascimento, a estação propria da sua plantação, o tempo da sua frutificação, os usos, que a experiencia tiver mostrado se podem fazer delles para o alimento, para a medicina, e para todas as mais Artes. Entre as qualidades finalmente dos mineraes, de que mandar as amostras, não se esquecerá o Correspondente de expressar os lugares, em que se achão, a profundidade de seus veios, a natureza dos terrenos circumvizinhos, e os usos, que já tem no paiz, e os que podem ter na Sociedade.
Se acaso se remetterem algumas obras de artificio dos naturaes do paiz, devem da mesma sorte vir numeradas, e acompanhadas de huma relação, em que se dê huma noticia circumstanciada dos seus nomes, e usos que lhes dão os mesmos póvos, que dellas se servem.
Além destas relações particulares, que devem enviar-se dentro dos mesmos caixões das remessas, será conveniente que se mande á parte huma relação geral, que as comprehenda todas pela ordem dos tres reinos da Natureza. Desta deixará o Correspondente huma copia fiel na sua mão, para não remetter segunda vez exemplares da mesma especie, ou para remetter novamente os que se lhe pedirem.
Estas noticias particulares, de que acabamos de fallar, só servem para dar a conhecer os exemplares que se remettem; e como não interessa menos conhecer o paiz que os produz, recommenda-se aos Correspondentes, que mandem tambem huma descripção Geografica delle, que comprehenda com a exacção possivel tudo o que tiverem observado, e lhes parecer mais digno da attenção de hum Filosofo. E para procederem sem confusão, podem ajuntar debaixo de differentes titulos as suas observações; separando v. g. as que pertencem á terra, as que pertencem ao ar, e as que pertencem á agoa.
Para este effeito, depois de notarem a longitude e latitude do lugar a respeito do Ceo, o seu clima, as suas dimensões, a sua situação a respeito dos pontos cardeaes do mundo, a sua figura, &c., passaráõ a coisas mais particulares. 1.° Em quanto aos montes, devem declarar, se ha muitos, se poucos; se alguns delles são promontorios, e vulcanos; qual he a altura de cada hum, tanto a respeito dos valles vizinhos, como a respeito da superficie do mar; quaes as suas direcções, quaes as grossuras de seus bancos, e mais qualidades interiores, e exteriores. 2.° Em quanto á natureza do terreno devem expôr, quaes são os animaes terrestres, volateis, e insectos de todas as especies, que nelle se produzem e habitão; quaes os vegetaveis, que nelle nascem; quaes os mineraes, que das suas entranhas se costumão, ou podem extrahir em maior abundancia; quaes finalmente são os usos, a que os habitantes do paiz applicão todos estes productos, e os que podem ter na Sociedade. 3.° Em quanto aos homens, descreveráõ a sua estatura e fórma exterior, o feitio do seu rosto, a sua força, e côr naturaes; e além de todas estas propriedades, notaráõ nas mulheres a sua fecundidade ou esterilidade, a facilidade ou difficuldade de seus partos; e finalmente as doenças communs aos dois sexos, apontando as causas, a que podem ser attribuidas. 4.° Em quanto á estructura interior do terreno, devem descrever as cavidades subterraneas, os crateres vulcanicos, as rimas, os veios metallicos, as diversas camas de differentes especies de terras, &c.
No que pertence ao ar, devem os mesmos Correspondentes indicar 1.° em quanto ás suas qualidades, qual he o seu pezo especifico, qual a sua subtileza ou crassicie, qual a sua seccura ou humidade, quaes os seus gráos de calor ou de frio. 2.° Em quanto aos meteoros do ar, devem mostrar, as suas especies mais commuas, a ordem com que se succedem huns aos outros, e o tempo da sua duração; mas particularmente declararáõ, quaes são os ventos geraes e particulares, ou menos frequentes; qual em fim o numero, principio e duração das estaçoes, que pelo decurso do anno varião regular, ou irregularmente no paiz. 3.° Em quanto aos effeitos do mesmo ar, devem declarar-se as doenças tanto epidemicas, como ordinarias, a que estão mais commummente sujeitos os habitantes do paiz, e que trazem a sua origem da intemperança do ar.
No que pertence á agoa, he preciso indicar 1.° em quanto ao mar, a sua profundidade, o pezo especifico de suas agoas recolhidas em diversas distancias e alturas; a differença do seu sabor, conforme a differença dos sitios; a variedade de peixes, insectos, plantas, e outras producções marinhas, que nelle se achão; o periodo de suas marés combinado com as variações da Lua, &c. 2.° Em quanto aos rios, descreveráõ os mais notaveis, declarando os seus nascentes, o seu curso, as suas inundações periodicas e extraordinarias, as suas fozes; os peixes, insectos e plantas que produzem; e finalmente as materias mais raras, que trazem comsigo as suas correntes dos sitios, por onde passão. 3.° Além das fontes mais notaveis, e indispensavelmente todas as mineraes com huma exacta exposição das suas qualidades e virtudes, descreveráõ todos os lagos, sorvedouros, correntes subterraneas; &c. 4.° Se o paiz for vizinho ao mar, devem tirar hum desenho claro das suas costas; e declarar todas as variações, que nellas se observão nas diversas estações do anno. Por conclusão, todas as observações, que tiverem feito sobre o fysico do paiz, serão bem acceitas; principalmente aquellas, que possão de algum modo ser uteis para o augmento do commercio e das Artes.
Para satisfazer a este importantissimo fim, que a Academia se propõe, não será menos conveniente, que os seus Correspondentes ajuntem ás noticias Geograficas do fysico do paiz todas as que puderem alcançar, depois de serios exames, relativas ao moral dos póvos que o habitão. E para observarem nesta relação a ordem, que em tudo he necessaria, poderáõ reduzir todas as noticias, que examinarem, a titulos diversos, preferindo sempre a divisão mais natural; v.g. Religião, Politica, Economica, Artes, Tradições, &c.
Em quanto á Religião, devem expôr com toda a sinceridade 1.° as idéas geraes que dominão em todo o paiz sobre a natureza da Divindade, sobre as suas obras, e sobre o culto que lhe he devido; 2.° as seitas diversas, e os pontos em que differem humas das outras; e juntamente os effeitos, que costumão resultar da diversidade de sentimentos nesta materia; 3.° a fórma do seu culto, a simplicidade ou extravagancia de suas ceremonias, os seus casamentos, os seus lutos e funeraes, os seus sacrificios, e finalmente todas as suas superstições.
Em quanto á Politica, devem explicar 1.° a fórma do seu governo; a qualidade de suas leis, se as tiverem; o modo de administrar a justiça na distribuição dos premios e castigos; o numero e qualidade das pessoas, em quem reside a authoridade suprema; 2.° a fórma de seus contratos, e os ritos, que costumão acompanhallos; 3.° as suas guerras, o modo de as fazer, as armas de que usão.
Em quanto á Economica, devem referir 1.° a maneira de educar os filhos, a qualidade e fórma de suas habitações, os seus mais communs exercicios; 2.° os seus alimentos, e o modo de os preparar, a materia e feitio de seus trajes; 3.° as propriedades da sua lingua, e fórma dos caracteres, se usarem de algum genero de escritura.
Em quanto ás Artes, mostraráõ 1.° o estado da sua agricultura, os usos e defeitos de seus instrumentos de lavoura; 2.° o modo de fazerem as suas caças e pescas; 3.° as plantas, de que se servem para sustento, vestido, remedios, tintas, &c.; 4.° os animaes que empregão no trabalho, e em outros serviços domesticos; 5.° os mineraes que extrahem da terra, os usos a que os applicão, e o modo de os reduzir a esses mesmos usos; 6.° a perfeição ou imperfeição das artes, manufacturas, e de todo o genero de industria, e commercio que houver no paiz.
Em quanto ás Tradições, devem examinar 1.° a sua origem, antiguidade, universalidade, probabilidade ou extravagancia; 2.° o modo de as conservar, e defender; 3.° se no paiz houver algum genero de monumento, se dará delle huma exacta descripção. Finalmente dar-se-ha huma idéa do melhor modo possivel dos costumes dos Póvos, cuja noticia possa influir de alguma sorte no Bem da Sociedade.