The Project Gutenberg eBook of Bases para a unificação da ortografia que deve ser adoptada nas escolas e publicações oficiais

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Title: Bases para a unificação da ortografia que deve ser adoptada nas escolas e publicações oficiais

Author: Anonymous

Release date: March 20, 2009 [eBook #28364]
Most recently updated: January 4, 2021

Language: Portuguese

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*** START OF THE PROJECT GUTENBERG EBOOK BASES PARA A UNIFICAÇÃO DA ORTOGRAFIA QUE DEVE SER ADOPTADA NAS ESCOLAS E PUBLICAÇÕES OFICIAIS ***

Nota de editor: Devido à existência de erros tipográficos neste texto, foram tomadas várias decisões quanto à versão final. Em caso de dúvida, a grafia foi mantida de acordo com o original. No final deste livro encontrará a lista de erros corrigidos.

Rita Farinha (Mar. 2009)




MINISTÉRIO DO INTERIOR
direcçãogeral de instrucção secundária, superior e especial
1.ª REPARTIÇÃO

BASES
PARA A
UNIFICAÇÃO DA ORTOGRAFIA

QUE DEVE SER ADOPTADA NAS

ESCOLAS E PUBLICAÇÕES OFICIAIS




RELATÓRIO DA COMISSÃO

NOMEADA POR
PORTARIA DE 15 DE FEVEREIRO DE 1911
NOVAMENTE REVISTO PELO RELATOR



LISBOA
IMPRENSA NACIONAL
1911





MINISTÉRIO DO INTERIOR
direcção geral de instrucção secundária, superior e especial
1.ª REPARTIÇÃO

BASES
PARA A
UNIFICAÇÃO DA ORTOGRAFIA

QUE DEVE SER ADOPTADA NAS

ESCOLAS E PUBLICAÇÕES OFICIAIS




RELATÓRIO DA COMISSÃO

NOMEADA POR
PORTARIA DE 15 DE FEVEREIRO DE 1911
NOVAMENTE REVISTO PELO RELATOR



PREÇO 50 RÉIS




LISBOA
IMPRENSA NACIONAL
1911






Imprensa Nacional de Lisboa―Gabinete da Revisão.―Ex.mo Sr.―Julgo do meu dever chamar a atenção de V. Ex.a para o que passo a expor.

As publicações saídas da Imprensa Nacional, quer oficiais, quer de particulares, apresentam grafias diferentes, umas discutíveis, outras porêm grosseiras e vergonhosas. O próprio Diário do Govêrno, que deveria ter ortografia uniforme, emprega diversas, conforme o capricho de quem envia os originais, geralmente pessoas indoutas.

Tais variedades de grafias trazem para a Imprensa não só descrédito mas tambêm prejuízos pecuniários, porquanto a composição de todos os diplomas saídos no Diário tem de transitar para outras publicações periódicas, tais como Boletins, Ordens, Separatas, etc., sofrendo então cada um dêsses diplomas mais emendas, ao sabor de quem tem de lhes fazer nova revisão.

Tantas emendas, alêm de estabelecerem confusão no espirito do compositor, avolumam de uma maneira assombrosa a despesa da composição, e impedem a rapidez na impressão pelo muito tempo que se perde a fazer alterações.

Com esta anarquia ortográfica os compositores hesitam e cometem novos erros, e aos revisores se torna tambêm impossível fixar, para cada obra, as divergências de tanta grafia.

Urge, portanto, acabar com êste estado de cousas. Fácil me parece o remédio. Se cada qual se tem julgado até aqui com direito a impor a sua maneira de escrever, porque razão o Govêrno da República não ha de impor tambêm a sua, e no que é seu?

Sujeite, pois, o Govêrno a uma única ortografia todas as publicações oficiais ou por êle subsidiadas.

[4] E qual deverá ser essa ortografia?

Em meu entender deverá adoptar-se a que no seu livro A Ortografia Nacional preconiza a maior autoridade no assunto, o doutíssimo filólogo Gonçalves Viana. Essa obra tem o aplauso de todos os que modernamente se tem dedicado ao estudo profundo da sciência da linguagem; e a ortografia simplificada defendida naquele livro é já seguida por grande número de professores e escritores de valor, e adoptada em muitos livros escolares, revistas, etc.

Desnecessário se torna, pois, encarecer as vantagens da adopção de um único sistema ortográfico a quem, como V. Ex.a, de sobejo as conhece e aprecia. Pelo lado económico tem a Imprensa muito a ganhar. Tampouco é para desprezar o louvor que a V. Ex.a caberá por contribuir, com a adopção da ortografia simplificada, para a maior facilidade no ensino da leitura da nossa bela língua.

Expondo, embora imperfeitamente, a minha opinião acêrca do que julgo ser melhoramento de um dos serviços da Imprensa, confio em que V. Ex.a se dignará tomar na devida consideração o alvitre que neste oficio ouso apresentar a V. Ex.a.

Lisboa, 17 do Dezembro de 1910.―Ex.mo Sr. Luís Carlos Guedes Derouet, Digníssimo Administrador Geral da Imprensa Nacional.―José António Dias Coelho, chefe do serviço da revisão.





Imprensa Nacional de Lisboa―Administração Geral―n.º 238.―Tenho a honra de levar ao conhecimento de V. Ex.a o oficio que recebi do chefe do serviço da revisão, relativamente à necessidade de se adoptar uma ortografia uniforme nos trabalhos desta Imprensa e principalmente no Diário ao Govêrno.

Estou perfeitamente de acôrdo com as considerações que faz o aludido funcionário, pois que não pode nem deve continuar a anarquia que presentemente existe. Embora o problema ortográfico não se resolva por completo de momento, pelo menos que nos trabalhos oficiais se mantenha a uniformidade.

Chamo para o facto a devida atenção de V. Ex.a, certo de que o assunto lhe merecerá toda a solicitude.

Saúde e Fraternidade.

Lisboa, 14 de Janeiro de 1911.―Ex.mo Sr. Director Geral da Instrução Secundária, Superior e Especial.―O Administrador Geral, Luís Derouet.


[5]



Ministério do Interior―Direcção Geral da Instrução Secundária, Superior e Especial.―1.ª Repartição.―O Govêrno Provisório da República Portuguesa, atendendo ao que lhe foi representado pelo Administrador Geral da Imprensa Nacional, no sentido de serem tomadas providências tendentes a uniformizar a ortografia oficial, por forma a evitar que nas publicações emanadas daquele estabelecimento do Estado continuem a adoptar-se, paralelamente, as mais desencontradas formas ortográficas;

Conformando-se com o parecer da secção permanente do Conselho Superior de Instrução Pública:

Manda, pelo Ministro do Interior, que seja nomeada uma comissão, composta de D. Carolina Michaëlis de Vasconcelos, Aniceto dos Reis Gonçalves Víana, António Cândido de Figueiredo, Francisco Adolfo Coelho e José Leite de Vasconcelos, encarregada de fixar as bases da ortografia que deve ser adoptada nas escolas e nos documentos e publicações oficiais, e bem assim de organizar uma lista ou vocabulário das palavras que possam oferecer qualquer dificuldade quanto à maneira como devem ser escritas.

Paços do Govêrno da República, em 15 de Fevereiro de 1911.―O Ministro do Interior, António José de Almeida.

(Diário do Govêrno n.º 39, de 17 de Fevereiro de 1911).





Ministério do Interior―Direcção Geral da Instrução Secundária, Superior e Especial―1.ª Repartição.―Manda o Govêrno Provisório da República Portuguesa, pelo Ministro do Interior, que à comissão encarregada de uniformizar a ortografia oficial, nomeada por portaria de 15 de Fevereiro último, sejam agregados os seguintes vogais: Dr. António José Gonçalves Guimarães, Dr. António Garcia Ribeiro de Vasconcelos, Augusto Epifânio da Silva Dias, Júlio Moreira, José Joaquim Nunes e Manuel Borges Grainha.

Paços do Govêrno da República, em 16 de Março de 1911.―O Ministro do Interior, António José de Almeida.

(Diário do Govêrno n.º 64, do 20 de Março de 1911).





Mistério do Interior―Direcção Geral da Instrução Secundária, Superior e Especial―1.ª Repartição.―Conformando-se com o parecer da comissão encarregada, por portaria de 15 de Fevereiro de 1911, de estabelecer as bases [6] para a unificação da ortografia que deve ser adoptada nas escolas e nos documentos e publicações oficiais:

Manda o Govêrno da República Portuguesa, pelo Ministro do Interior:

1.º Que o relatório da referida comissão seja publicado no Diário do Govêrno, devendo ser para o futuro adoptada em todas as escolas, e bem assim nos documentos e publicações oficiais, a ortografia proposta pela comissão;

2.º Que se dê a tolerância máxima de três anos, a contar da data da publicação da presente portaria, para a conservação das grafias existentes nos livros didácticos actualmente em uso, a fim de não prejudicar os respectivos autores ou editores;

3.º Que se promova a rápida organização e publicação, pelo preço mais módico possível, de um vocabulário ortográfico e de uma cartilha, especialmente destinada a vulgarizar e exemplificar o sistema de ortografia adoptado;

4.º Que a comissão nomeada por portaria de 15 de Fevereiro de 1911 continue em exercício pelo tempo que se julgar conveniente, a fim de ser ouvida sobre quaisquer dúvidas que se suscitem relativamente à execução da reforma proposta, podendo a referida comissão reùnir-se por iniciativa própria, ou convocada pela Direcção Geral da Instrução Secundária, Superior e Especial, por intermédio da qual serão feitas quaisquer reclamações sôbre o assunto.

Paços do Govêrno da República, em 1 de Setembro de 1911.―O Ministro do Interior, António José de Almeida.

(Diário do Govêrno n.º 206, de 4 de Setembro de 1911).





Ex.mo Sr. Ministro do Interior:


A Comissão, nomeada por portaria de 15 de Fevereiro do corrente ano para fixar as bases da ortografia que deve ser adoptada nas escolas e nos documentos oficiais e outras publicações feitas por conta do Estado, vem hoje apresentar a V. Ex.a os resultados do estudo a que procedeu, bem como as decisões que, por grande maioria ou por unanimidade de votos dos indivíduos que a compõem, entendeu ser oportuno propor, tomando por elementos principais dessas decisões a história da língua portuguesa, e a da sua escrita tradicional até época muito recente.

Logo na sessão inaugural, celebrada em 15 de Março último, julgou a Comissão que seria vantajoso para a absoluta independência e imparcialidade das suas resoluções, como corpo consultivo, propor a agregação de mais alguns conhecidos filólogos portugueses; e essa conveniência reconheceu-a V. Ex.a nomeando, por portaria de 16 do referido mês, alêm dos indivíduos já anteriormente nomeados, mais seis; ficando a Comissão composta de onze pessoas, uma das quais, porêm, o Professor Augusto Epifânio da Silva Dias, se escusou, declinando o encargo. Ficou assim a Comissão constituída por dez membros, e, em razão de ser par êste número, teve o presidente eleito por ela de resolver com voto de desempate algumas questões de secundária importância, em que divergiram as opiniões, expressas depois de discussão por votações diferentes, equivalentes em número.

Quatro dos membros da Comissão, isto é, a Sr.a D. Carolina [8] Michaëlis de Vasconcelos, que a Comissão elegeu Presidente honorária, os Drs. António José Gonçalves Guimarães e António Garcia Ribeiro de Vasconcelos, e o Professor Júlio Moreira, não puderam comparecer às sessões semanais, em razão de residirem longe de Lisboa, localidade em que a Comissão se reuniu: foram porêm sempre consultados em todas as questões em que não houve unanimidade de votos por parte dos indivíduos presentes; havendo sido os votos dêsses ausentes tomados em consideração, e dando-se-lhes oportuno conhecimento das resoluções adoptadas pelos membros presentes às sessões, que não foram mais amiudadas, porque outras funções oficiais dos membros da Comissão o não permitiram, e assim se explica a relativa morosidade dos seus trabalhos.

Logo nas duas primeiras sessões foi unânime o parecer de, seguindo-se uma tendência já manifestada no espírito público, se simplificarem as grafias correntes, entre si contraditórias, regularizando-as em obediência ao princípio capital de simplificação. Por proposta, unânimemente aprovada, do Presidente adoptou-se para base da discussão o Questionário ortográfico em tempos apresentado por um dos seus membros à Academia das Sciências de Lisboa, e pela mesma Academia mandado imprimir na sua tipografia, em 1902, com as respostas do autor dêsse Questionário, em um volume de 183 páginas, cujo título é As Ortografias Portuguesas. Esta obra foi ao depois reeditada pelo referido autor em outro volume, acrescentada e com maior cópia de abonações e diferente economia de texto, volume que é do conhecimento do público e se intitula Ortografia Nacional. Teve a Comissão igualmente em atenção o Vocabulário Ortográfico e Ortoépico da Língua Portuguesa, ainda do mesmo autor, impresso em Lisboa no ano passado, e no qual o sistema ortográfico dêsse autor se encontra larga e minuciosamente exemplificado. Pode êle, com efeito, ser desde já utilizado, emquanto outro se não publique, em que as pequenas alterações, que sofreram os princípios em que se baseou, sejam incluídas e atendidas de preferência na seqùência alfabética dos vocábulos.

Poucas e de pequena importância relativa foram as modificações que a Comissão entendeu conveniente que se fizessem no sistema ortográfico ali proposto e seguido, e essas foram adoptadas para que êle ficasse mais em harmonia com modos de escrever que, conquanto menos conseqùentes, se tornaram já, a bem dizer, habituais; e tais [9] modificações em preceitos, que o autor daquelas obras defendera com razões históricas cuja valia a Comissão reconheceu, tiveram por causa o considerar a Comissão que alguns dêles eram em demasia prematuros, e um ou outro já extemporâneo, em virtude de usos ortográficos radicados e que se não devem considerar absolutamente como erros scientíficos.

Teve pois a Comissão em atenção que a estranheza, que poderiam ocasionar no público certas innovações ou renovações gráficas, não viesse prejudicar a aceitação dos demais preceitos, que parecerão a todos exeqùiveis.

O autor, membro da Comissão, concordou com todas essas modificações, e votou com a maioria da Comissão em todas elas. À primeira espécie pertencem a manutenção do h inicial, de ge, gi, mediais de vocábulos, em concorrência com je, ji, e todos os valores actuais dados à letra x, que o mesmo autor reduzira a dois únicos, o inicial, como em xadrez, e o do prefixo ex- valendo por eis ou is, como em expor, exército, etc. Os preceitos da segunda espécie, que, se bem que perfeitamente motivados nas propostas do autor do Questionário, a Comissão julgou já de há muito fora do uso comum, são principalmente o emprêgo de ç inicial, e o do z final, com o valor actual de s, em sílaba átona, que sobretudo figura na última sílaba de muitos nomes patronímicos, como Gonçálvez, Núnez, que presentemente se escrevem Gonçalves, Nunes, com -es, em oposição à sua etimologia, a desinência latina ici, de genetivo. Esses nomes e vocábulos, como ourives, simples, mesquinho, continuarão pois a escrever-se com s final de sílaba, na ortografia comum.

Entendeu tambêm a Comissão que seria inoportuno suprimir o s inicial do grupo sce, sci, que figura etimológicamente em algumas palavras, tais como sciência, scetro, scéptico, scelerado, scena, scisão, scisma e seus derivados e afins, principalmente, com relação ao primeiro dêstes vocábulos, porque no sul de Portugal se profere êsse s separado do c, em formas compostas, como presciência, consciência, insciência, cônscio, etc. Comparem-se tambêm en(s)cenação, e proscénio, com s proferido êste último.

¿Quais são as bases da ortografia portuguesa que a Comissão propõe?

Havia, logo desde o início dos trabalhos, dois sistemas a que se atendesse, um dêles a ortografia francesa, que, mais ou menos coerentemente se tem há certo tempo imitado em Portugal; o outro, as ortografias espanhola e italiana, [10] muito mais simples, racionais, lógicas e fáceis de aprender, muito mais conformes com a evolução natural e mesmo literária dêsses idiomas, em muitos pontos análoga à do português. O que radicalmente diferença a ortografia dêsses dois idiomas oficiais, e bem assim as de outros congéneres entre si, com êles e com o nosso, falados quer em Espanha, quer em Itália, é a modificação da ortografia latina dos inúmeros vocábulos gregos romanizados, para outras mais conformes com o valor das letras de tais vocábulos nessas línguas modernas.

Facilitando o ensino da leitura e da escrita, a Comissão julgou que já era tempo de se desterrarem por uma vez da escrita portuguesa, como há muito o estão da espanhola e da italiana, para não mencionar as de outros idiomas mais desviados do latim, os símbolos ph, th, rh, e y, por f, t, r, i, e o ch com o valor de k, o qual ficará substituído por qu antes de e, i, e por c em qualquer outra situação, como se fêz em castelhano. Com esta simplificação muito ganhará a língua escrita e o seu aprendizado e exercício, pois mais se aproximará da realidade dos factos constantes da sua pronúncia, que aqueles estranhos símbolos disfarçam, e ao mesmo passo se acercará das ortografias espanhola e italiana, consideradas universalmente, e por todos os filólogos, como das mais perfeitas entre as que adoptaram o abecedário romano, e o apropriaram às conveniências nacionais. Com efeito, pode afoutamente dizer-se que a ortografia francesa e as actuais portuguesas que a imitam são escrita de eruditos e para eruditos, ou que presumem sê-lo; as ortografias italiana e espanhola são escrita para todos os indivíduos que nessas nações sabem ler e escrever. Deseja a Comissão que em Portugal aconteça outro tanto, e nesse intuito se inspirou.

Outra simplificação igualmente importante, que a Comissão sugere como absolutamente necessária, consiste na abolição de consoantes dobradas, as quais ficam reduzidas, como em castelhano, a simples, com excepção de rr, ss, mm, nn mediais, quando acusem diferença de pronunciação, o que se dá, por exemplo, nos vocábulos cassa, carro, emmalar, ennovelar, comparados a casa, caro, emanar, enervar.

Estas duas simplificações, sós por si, acabam definitivamente com dois dos maiores tropeços com que se encontra estorvada a escrita nacional, e que já poucos defensores conscienciosos, conscientes e autorizados lograrão [11] obter. Todos, ou quási todos os que lêem ou escrevem, aplaudirão de certo estas simplificações há tanto tempo desejadas e sugeridas.

Alêm da inutilidade prática, e mesmo teórica, que oferece actualmente a duplicação de consoantes na escrita, como cc, dd, ff, gg, ll, mm, nn, pp, tt, outro estôrvo apresentam ainda as nossas escritas, relativamente modernas, e consiste êste no emprêgo de c ou p antes de t, formando os grupos ct, pt, e ainda , , como em producto, restricto, corrupto, escripto, assumpção, funcção, etc., nos quais tanto o c como o p são de todo inúteis para a pronunciação. A Comissão preceitua que essas letras escusadas desapareçam da escrita portuguesa, onde vieram enxertar-se por influência estranha. Casos, porêm, há, e muitíssimos, em que tais consoantes ou são ainda facultativamente proferidas, ou a sua influência subsiste no valor das vogais a, e, o que as precedem, as quais, em vez de se obscurecerem, como é de regra, nas sílabas antetónicas, conservam os seus valores, relativamente à, è, ò, que tinham quando essas consoantes, hoje mudas, se proferiam. Dêste modo, a Comissão entendeu ser de necessidade a conservação delas, quer quando a vogal, a, e ou o precedente é átona, quer em vocábulos aparentados, quando é tónica; por exemplo: direcção, directo, acção, activo, acto, tracção, tracto, excepção, exceptuar, excepto, adopção, adoptar, adopto, comparados estes últimos vocábulos com opção, optar, opto, em que o p se profere. Com esta excepção aos princípios simplificadores que a Comissão observou no sistema ortográfico que propõe, conseguiu não demudar o aspecto de centenas de palavras relativamente modernas, mas de uso constante; e com tanto maior razão o fêz, quanto é certo que em muitas destas palavras as letras c e p por muitas pessoas são ainda proferidas, tais como facção, recepção, espectador, a par de espe(c)taculo, etc. Quanto ao g que precede m ou n, ou ainda outras letras, entendeu a Comissão dever eliminá-lo nas palavras em que se não profere, como assinar, Inácio, aumentar, Madalena, comparadas com designar, Agnelo, fragmento, o que já há quatro séculos Duarte Nunes do Lião aconselhara; só modernamente êle aí foi introduzido, quando se implantaram artificialmente entre nós ortografias servil e inconseqùentemente etimológicas, quási todas por influência da escrita francesa. Outro tanto acontece com damno, solemne, que se escreverão, como dantes, dano, solene.

[12] Efectivamente, se na leitura de livros estrangeiros houvesse predominado em Portugal a de italianos ou espanhóis, nunca tais complicações ortográficas se haveriam enraizado na escrita literária do idioma pátrio, avêsso a tais arrebiques, e ao qual é de toda a conveniência restituir a simplicidade e coerência da antiga escrita.

Outra feição essencial numa ortografia, que seja, quanto possível, imagem dos fenómenos que se observam na linguagem falada, é a regularização da sua acentuação gráfica, por meio da qual se diferencem palavras que se escrevam com as mesmas letras, mas tenham pronunciação e significação diversas; e ainda que seja por tal modo combinada e aplicada, que nenhuma dúvida possa subsistir com relação a qual seja a sílaba predominante de qualquer palavra ou forma, em idiomas em que, como acontece em português, a acentuação tónica pode afectar uma qualquer das três sílabas finais. Nesta condição é muitíssimo superior à italiana usual a ortografia castelhana, que assinala sistemáticamente com o acento agudo (´) todos os vocábulos esdrúxulos e todos os terminados em consoante, se a sílaba predominante é a penúltima, ou terminados em vogal, se ela é a última. A Comissão atendeu a essa condição essencial da leitura, e suposto a não preceitue já como obrigatória em todos os casos em que seria necessária, aconselha-a e fixa-lhe as regras que a determinarão, quando rigorosamente empregada, como convirá que o seja em todos os livros de ensino e consulta.

Sabe a Comissão que esta parte da reforma ortográfica será aquela que maiores dificuldades encontrará na sua execução, principalmente a acentuação distintiva de tantíssimos homógrafos, como os que existem em português, muitos mais do que em castelhano, ou mesmo em italiano. Essas distinções obrigarão quem escreve para o público a ser um tanto mais cauteloso na ortografia das palavras, do que usualmente o é na actualidade. Em compensação, porêm, o escritor já não terá futilidades etimológicas a respeitar por costume, e o bom ensino da leitura em breve habituará as gerações novas à acentuação rigorosa.

Não foi condescendência com a inércia que imperou no ânimo da Comissão, ao deixar em certo modo facultativo, por emquanto, o uso pontual da acentuação gráfica em todas as suas minúcias, como o é o da castelhana, e com a mais estrita coerência; mas sim o reconhecimento de que as condições naturais do idioma português exigem que essa acentuação gráfica seja muito mais copiosa e diferencial [13] do que o é a castelhana, em si modelar na sua simplicidade. Na realidade, em castelhano não há a diferençar e, o fechados de e, o abertos, o que dispensa o uso do acento circunflexo nesse idioma, no qual não existe o considerável número de homógrafos que se observa em português; e alêm disto não se dão em castelhano os constantes acidentes de variação de valor em e, o, que no português se produzem e determinam um sem número de vocábulos entre si diferentes fonéticamente, conquanto nas letras com que se escrevem sejam iguais, e que nenhum ouvido português confundirá, como é conveniente que a escrita os não confunda, tais como entêrro, almôço, substantivos, e entérro, almóço, verbos; sôbre, preposição e sóbre, verbo; sêde e séde; pêlo substantivo pélo, verbo, a par de pelo (p'lu) contracção de per lo, preposição e artigo; pâra, preposição, e pára, verbo; dêmos, presente, e démos, pretérito, etc.

Nestes homógrafos, porêm, para se evitar acentuação dispensável, o que cumpre é assinalar-se no e e no o o seu valor de ê, ô, visto que os nomes destas letras em português se proferem com vogais abertas, è, ò, devendo pois considerar-se êsse valor como o seu normal quando são tónicas. Por êste motivo, o que convêm em tais homógrafos é marcar-se com o acento circunflexo as vogais fechadas, omitindo-se o acento agudo em e e o abertos, e escrevendo-se portanto as palavras citadas, e outras análogas, sôbre e sobre, almôço e almoço, entêrro e enterro, sêde e sede, pêlo, pélo e pelo, pára e para, dêmos e demos. E necessário que pélo, pára, pólo sejam porêm marcados com o acento agudo, pois as contracções pelo, polo (arcaica esta) e a preposição para são sempre átonas. A forma da 1.ª pessoa do plural do pretérito perfeito dos verbos em -ar, como louvámos, receberá, o que é já uso corrente, o acento agudo, para se diferençar da do presente, louvamos, por isso que o a antes de consoante nasal, é normalmente fechado, isto é, proferido â, e a distinção se observa em quási todo o domínio português.

Algumas considerações consagrará ainda a Comissão ao sistema de acentuação gráfica.

Como é já uso estabelecido, o acento agudo (´) é o sinal, por excelência, da sílaba predominante de todo o vocábulo que não seja átono, com excepção de e, o fechados, que serão, aceitando-se o costume que em português se foi lentamente fixando, assinalados com o acento circunflexo (^). Fixa a Comissão o uso, mais ou menos vagamente [14] seguido, de marcar com outro acento disponível, o grave (`), as vogais a, e, o, abertas, de sílabas pretónicas, quando haja homógrafos a diferençar entre si. Nesta conformidade escrever-se hão: à, contracção de a artigo e a preposição, de que se diferençará; àquela, diferente de aquela; prègar, diverso de pregar; mòlhada, e molhada, particípio femenino de molhar. Preceitua pois a Comissão que o acento grave indique o valor alfabético das vogais a, e, i, o, u (à, è, ì, ò, ù), e dêste preceito se deduzem todas as aplicações que dá ao acento grave. Essas outras aplicações são as seguintes:

1.ª Distinguir homógrafos, aquela, àquela, pregar, prègar, quando a vogal distintiva seja átona; 2.ª, marcar as vogaes a, e, o, abertas, em palavras que tenham dois acentos tónicos, o último dos quais seja o predominante, como é de regra em português, chapèuzinho, avòzinha, màzona; 3.ª, dissolver ditongos átonos, saìmento, paìsagem, saùdar, a par de saída, país, saúde, em que i, u são tónicos; 4.ª, diferençar o u proferido, dos grupos qu, gu, do u mudo dos mesmos grupos, freqùente, comparado a quente, argùir, comparado a seguir. Quando o u passe a ser tónico, o acento grave mudar-se há em agudo; ex.: argúi, diferente de argùi.

Como a Comissão fixou que a subjuntiva fraca dos ditongos seja sempre escrita com i, u e nunca e, o é inútil o emprêgo de qualquer sinal diacrítico nestas duas letras, para denotar que não formam ditongo com a vogal precedente, como em moeda, neófito, cooperar, etc.

A escrita dos ditongos orais será portanto a seguinte, na qual éi, éu, ói, com a vogal dominante aberta, se diferençam de ei, eu, oi, em que ela é fechada: ai (ài, âi), éi, ei, ói, oi, ui, au, éu, eu, ou, iu, do que são exemplos estes vocábulos: pai, caiar, réis, reis, sóis, sois (verbo), fui, pau, céu, seu, riu, levou. Preferíu-se acentuar as vogais abertas de éi, éu, ói, visto serem elas sempre tónicas; êsse acento mudar-se há no grave, quando acidentalmente elas sejam em certo modo átonas, como em vèuzinho, painèizinhos, heròicidade. Os dois valores da escrita ai (ài e âi) como em ensaio, ensaiar, é desnecessário acusá-los, por isso que o ditongo âi átono só se manifesta antes de vogal, pois quando tónico se escreve ei.

No Formulário de regras de ortografia, que a Comissão submete à apreciação do Govêrno, ficarão consignados os principais preceitos da acentuação escrita, que se encontram postos em prática no Vocabulário Ortográfico, a [15] que já se referiu, e completamente expostos de páginas 155 a 200 da Ortografia Nacional, tambêm já citada, a qual tem um copiosíssimo índice alfabético e remissivo, que facilita a sua consulta nos casos duvidosos. Exemplos rigorosos dêste sistema de acentuação oferece-os igualmente todo êste relatório, bem como de toda a ortografia que se propõe.

Aludiu agora mesmo a Comissão à distinção, que é mester deixar retratada na escrita, entre e e o fechados e e e o abertos, quando entre si distinguem inúmeras palavras e formas gramaticais. Outra não menor dificuldade oferece a língua portuguesa, comparada às suas congéneres: é a atonia de certas vogais, que adquirem timbres especiais, e lhe é peculiar, só tendo paralelo na catalã, e em muito menor grau, e de certo modo, na francesa e na provençal moderna, mas em qualquer delas sujeita a menor número de excepções. Neste ponto é o português só comparável, ainda que vagamente, ao inglês. Com efeito, ao a tónico, geralmente proferido à, corresponde um a átono, quási sempre surdo, â; ao ò ou ô tónicos, um o que se profere como u na grande maioria dos casos; ao è ou ê, um e surdo átono, mais ou menos perceptível na pronúncia, conforme os sons com que está em contacto e lhe influem no timbre. Se êsse e átono é seguido de vogal, ou é inicial de vocábulo, vale por i, ex.: veado, evitar; se se lhe segue consoante palatal, ch, x, j, s, lh, nh, equivale a i surdo, e com êste se confunde no falar usual e desafectado. Comparem-se, com efeito, entre si vocábulos tais como ferro, ferreiro; grêlo, grelar; fecho, fechar; cereja, cerejeira; telha, telhado; desenho, desenhar; pesca, pescar, e pisco, piscar; esteira e história; testar e distar; distinto, de distinguir; e destinto de destingir; atente-se igualmente na pronúncia do vocábulo privilegiado que é preveligiado, muitas vezes erróneamente assim escrito, e ver-se há quanto é difícil a nossa escrita.

Por outra parte, e o último vocábulo o comprova, numa seqùência de sílabas, todas as quais tenham i por vogal antes da predominante, êsse i escrito, quando átono, profere-se quási sempre como e surdo, em pronúncia desafectada. Há excepções que as gramáticas devem explicar.

Desta série de fenómenos, que tornam o português o mais delicado e interessante dos idiomas neo-latinos, originam-se constantes erros e hesitações na sua escrita, a que não é possível obviar, a não ser por uma transcrição absolutamente fonética, a qual reproduza fielmente todos [16] êsses acidentes, e que seria inadmissível em ortografia corrente e usual, pois sómente um ouvido exercitado e um tirocínio especial a poderiam aplicar.

Não se pense, portanto, que a fixação de uma ortografia regularizada e simplificada possa remover todas as dificuldades, sem um suficiente preparo gramatical, em que a derivação e formação das palavras, e os resultantes acidentes na variação dos sons que as compõem, conforme a sua situação, hajam sido estudados.

A consulta oportuna de um vocabulário, como o já indicado, feito em harmonia com os preceitos estabelecidos, será tambêm indispensável, não só em razão do emprêgo de o ou u e tambêm e ou i átonos, quer antes de consoante, quer antes de vogal, mas ainda com relação ao uso de ç ou ss mediais, de ce, ci, s(s)e, s(s)i, z ou s entre vogais, e quando finais, e em menor escala o de ch e x, de ge, gi ou je, ji.

O Vocabulário Ortográfico indicado remove todas as dúvidas, visto encontrar-se nele a etimologia dos vocábulos, quando necessária a essas distinções ortográficas, a comparação vocabular e formal com a ortografia denominada etimológica, e a conjugação dos verbos, exemplificada em todas as suas diferentes modalidades. É um livro que se pode considerar adequado ao período de transição, que há-de decorrer antes que se vulgarize a ortografia regularizada oficial.

A Comissão não hesitou, respeitando a história do idioma pátrio, as suas origens e a sua evolução no tempo e no espaço, em conservar a distinção gráfica entre ç e s(s), entre z e s mediais, pôsto que nenhuma diferença se observe já na sua pronúncia do Mondego para o sul, e a distinção se vá obliterando cada vez mais nos centros urbanos das províncias do norte.

A diferenciação gráfica, conforme a sua origem, entre se, si, e ce, ci, iniciais, entre ç e ss mediais, bem como a que ainda dialectalmente subsiste entre z e s intervocálicos, ou x e ch ou ô e ou, pertencem à história da língua, e a Comissão conserva-as, regulando-as com o maior rigor; pois ficaria em contradição com essa história se, o que fôra relativamente fácil, optasse por escrever sempre z entre vogais, e sempre s em finais de vocábulos; porque não seria licito, nem ninguêm lhe aceitaria, substituir ce, ci, ç, por s ou ss, em milhares de vocábulos e formas, que sempre se tem conservado diferentes na sua escrita, e com bons fundamentos.

[17] Neste pressuposto, prescreve que ce, ci, ç, ou z final de vocábulos correspondam a ci, ti latinos, a ss arábicos; e s, ss a s ou ss latinos; e, por outra parte, que z corresponda a z, ou ce ou ci, ti latinos, ou a zz arábicos; s entre vogais, ou final, a s latino. Nos vocábulos de origem americana indígena ce, ci, ç são preferíveis a s, seguindo-se nisso a escrita tradicional. Para quem não esteja preparado com umas noções, rudimentares que sejam, de latim, a consulta ao Vocabulário é indispensável em casos duvidosos, e muitas vezes é conveniente a comparação com as correspondentes formas ou palavras castelhanas, pois no idioma do centro de Espanha a confusão entre s e c ou ç (modernamente escrito z) é impossível, pois bem se diferençam na pronúncia, como antes acontecia em Portugal e no resto da Península Hispánica.

Muito menor dificuldade apresenta a diferenciação entre ch e x, e o Vocabulário, bem como a escrita castelhana, em que x é modernamente representado por j, fácilmente a indicam. Bastará aqui dizer-se que, em geral, ch corresponde a cl, fl, pl latinos, e que em vocábulos de origem arábica o emprêgo de x é de regra. Com respeito à selecção entre ô e ou, deve considerar-se que o digrama ou corresponde a au ou al latinos, às vezes a oc, ap, e ao au arábico: a diferença é intuìtiva para todos os portugueses do norte e das duas Beìras, pois ou para êles é ditongo, e não simplesmente o fechado, como o é no sul do país.

A escrita dos ditongos nasais será, como é já uso radicado, ãe, õe, em, ens, ão como em mãe(s), botões, bem, bens, mão(s); e, conforme tambêm há muito se usa, nas terminações átonas dos verbos o ditongo ão será escrito am; assim teremos, por exemplo, louvam, louvaram, presente e pretérito, louvarão, futuro, sem precisarmos de indicar por acentos a diferença. Nos substantivos, porêm, o acento na sílaba predominante diferenciará cóvão de covão, designando o acento a atonia do ditongo final, como em órfão, órgão, Estêvão, etc., visto que a escrita orfams seria uma novidade inútil, e órfans daria causa a equívoco, conquanto o respectivo femenino se escreva órfã(s). O ditongo em, quando predominante em polissílabos, receberá o acento circunflexo, como em armazêm, armazêns, porêm, a par de margem, porem, cuja escrita indicará a acentuação márgem, pôrem, mesmo sem ser marcada. O ditongo ũi de um único vocábulo actualmente, muito, e sua abreviatura proclítica mui, hoje em dia só literária, continuará, como até aqui, sem sinal especial que indique a nasalização; [18] e ruim, que dialectalmente se profere rũi, será dissílabo, e não monossílabo.

À vogal â, nasal, fixa-se a escrita ã, final; às demais vogais, e a ã quando no comêço ou interior do vocábulo não se alterará a escrita já adoptada, am, an, em, en, im, in, om, on, um, un.

Em obras didácticas, porêm, é licito indicá-las, com maior exactidão, por ã, , ĩ, õ, ũ, e ao ditongo nasal em por ẽi, quando a clareza da exposição o exija.

O sinal (¨) ou cimalhas, ápices, cuja função em várias ortografias a maioria da Comissão atribui ao acento grave (`), fica reservado para denotar, em obras da espécie designada, o valor do ou dialectal (öu, ö, [o:]) e o do u igualmente dialectal (ü); o ë servirá para representar em especial o e fechado, antes de palatal, que varia de valor, entre ê e â, dos estremos para o centro de Portugal, como em seja, fecho, selha, senha, etc. São sinais êstes que nenhuma aplicação tem na escrita comum, na qual, portanto, palavras com exodo, exito serão acentuadas êxito, êxodo, e não ëxito, ëxodo, ou ëisito, ëisodo, como é a sua pronunciação.

A acentuação gráfica tem como primeiro fim acusar a sílaba tónica, considerando-se que o til (~) vale por acento tónico, se outro não existe marcado no vocábulo ou forma; acusa ainda êsse acento a tónica predominante, se há mais de uma, e ainda, em monossílabos, que estes não são átonos. Esta acentuação denomina-se prosódica, e compreende não só oa dois casos indicados, mas igualmente outros acidentes vocabulares, como a desunião de vogais que geralmente formam ditongos.

Um bom sistema de acentuação deve ser tal que, ou a sílaba predominante se assinale na escrita, ou não, quem lê nenhuma hesitação possa ter sôbre qual seja essa sílaba. Com o sistema proposto pela Comissão é satisfeito êste preceito fundamental com tanta pontualidade, quanta observamos na ortografia castelhana, ou na toscana, segundo o plano de Petròcchi. O sinal do acento tónico é o agudo nas vogais a, i, u, e e o abertos, o circunflexo em a, e, o fechados, e o til na vogal final ã, e nos ditongos nasais ãe, õe, ão.

Na vogal nasal ã, ou em a antes de consoante nasal, adopta a Comissão igualmente o acento circunflexo, ânsia, ânimo, em atenção a que êsse a se profere fechado na maioria do país. O Vocabulário marcou as vogais nasais ou antes de nasal com o acento agudo, como sinal [19] geral da sílaba predominante, e deve ter isso em consideração quem o consultar.

Outra acentuação gráfica se propõe, generalizando e fixando usos mais ou menos estabelecidos, e esta pode denominar-se distintiva. Consiste no emprêgo do circunflexo (^) sôbre todos os ee e oo fechados de monossílabos, ou de vocábulos polissilábicos inteiros, isto é, com a penúltima sílaba predominante, quando outros existam em que tais vogais sejam abertas, como já ficou indicado: rêgo, rego; rôgo, rogo.

Deve ter-se em atenção que, sendo toda a acentuação vocabular, e sempre fonética, quando um qualquer vocábulo, na sua flexão, ou nos seus derivados, muda de estrutura com relação à acentuação que exigia, esta mantêm-se, perde-se ou adquíre-se, conforme as novas condições a que a forma, ou o derivado, ficam sujeitos. Dêste modo, a palavra cortês, no plural dispensa o acento, corteses; batéis, muda o agudo para grave em batèizinhos; fugira, será, na 2.ª pessoa do plural, fugíreis.

Regulou a Comissão tambêm o emprêgo do hífen, o dos pontos de interrogação e exclamação, o das letras maiúsculas, e o do apóstrofo ('), que recomenda seja o mais parcimonioso possível, pois o abuso que dêste sinal se tem feito, onde é erróneo ou desnecessário, nenhuma vantagem traz à fácil leìtura, antes a embaraça, e é uma desastrada imitação da ortografia francesa, que muito desfeia a escrita, complicando-a, bem como à composição tipográfica. A maioria das elisões de vogais átonas, e a bem dizer todas as crases de vogais consecutivas são evidentes, e portanto desnecessário é indicá-las na escrita usual. No emtanto, fixa a Comissão a união em uma só dição para os seguintes pronomes e advérbios acompanhados de preposição, quando os primeiros não rejam orações de infinito: dêle, nele, dela, nela, dêste, neste, desta, dessa, daquela, nesta, nessa, naquela, àquele, àquela, dum, num, daqui, daí, dali, aonde, donde, e para os plurais dêsses pronomes, em harmonia com as formas já empregadas do(s), da(s), no(s), na(s), pelo(s), pela(s), (em-no, per-lo), onde a elisão se não indicou jàmais; assim tambêm, doutro, noutro.

Efectivamente, a indicação por apóstrofo em formas tais como d'um, d'êle, para não falar nos erros crassíssimos n'um, n'êle, é tam inútil, como o seria escrevermos vint'e um, géner'humano, vic'-almirante, em vez de vinte e um, género humano, vice-almirante, conquanto o e de vinte [20] e o de vice, assim como o o de género se elidam na pronunciação dessas dições.

Ninguêm ainda julgou necessário indicar-se por apóstrofo a crase de ao em dezóito por dezaoito; confrontem-se dezasseis, dezassete, dezanove, e as formas toscanas diciassette, diciannove. As formas escritas, moderníssimas, dezeseis, dezesete, dezenove são erróneas e não correspondem por modo algum à sua pronúncia, pois ninguêm profere dèzisseis, dèzissete, dèsinove, como o exigiria esta formação, se nela entrasse a conjunção e, que se pronuncia i. O povo diz, e muito bem, e dantes sempre assim se escreveram, dezasseis, dezassete, dezanove, única escrita legitima, perfeitamente concorde com a toscana acima citada, e com a pronúncia quer italiana, quer portuguesa.

Fora dos casos indicados, a preposição de assim se escreverá, seja, ou não, elidido o e na enunciação.

Aconselha a Comissão o emprêgo dos pontos de interrogação e exclamação invertidos (¿¡) no comêço das orações dessa espécie, quando sejam muito longas, como se faz na ortografia espanhola; e com tanto maior empenho, quanto é certo que, sem tal indicação prévia, muitas vezes será errada a leitura, ou ficará incerto o sentido. As duas interrogações distintas―Queres vinho ou água?, e ¿Queres vinho, ou água? não se equivalem nem no sentido, nem na entoação.

O hífen ou linha divisória (-) utiliza-o e preceitua-o a Comissão nos seguintes casos:

a) Separar de uma linha para a outra as sílabas de um vocábulo, repetindo-se na linha imediata o sinal, se o vocábulo já de si contêm a linha divisória, por ser composto.

b) Unir entre si os dois elementos de uma dição composta, quando cada um dêles tem existência independente em português, e conserva a sua acentuação própria.

c) Unir às formas hei, hás, , hão, do verbo haver, a preposição de, enclítica: hei-de, hás-de, há-de, hão-de.

d) Separar nos vocábulos compostos com bem, mal o m e o l para evitar erros de leitura; ex.: bem-aventurado, mal-aventurado.


São estes os principais fundamentos e preceitos da projectada reforma ortográfica, pela Comissão julgada oportuna e de fácil execução, para que de ora em diante seja recomendada como obrigatória em publicações oficiais e no ensino público, e por isso a propõe. As simplificações e a regularização apontadas já tem sido empregadas em [21] parte em muitos livros e alguns periódicos, se bem que quási sempre com menor coerência e rigor do que a Comissão as preceitua, e sem formarem corpo de doutrina explicada e motivada, como formam no Formulário e no Prontuário ortográficos com que termina esta exposição e que vão em seguimento. Se exceptuarmos o Vocabulário e a Ortografia Nacional já mencionados, e cujo sistema só pequenas alterações sofreu, são êsse Formulário e êsse Prontuário os primeiros trabalhos metódicos e completos sôbre êste assunto.

A Comissão nem por um momento perdeu de vista que a primacial vantagem de uma ortografia oficial é favorecer o ensino fácil da leitura e da escrita, tanto quanto um idioma secularmente literário o permite, tomando-se por base a história do idioma pátrio, para que êle se perpetue no futuro, como do passado até o presente perdurou, sempre idêntico a si próprio, apesar da sua inevitável evolução.





FORMULÁRIO ORTOGRÁFICO

CONFORME O PLANO DE

REGULARIZAÇÃO E SIMPLIFICAÇÃO DA ESCRITA PORTUGUESA


I. São proscritas de todas as palavras portuguesas, ou aportuguesadas, as letras k, w, y, as quais serão respectivamente substituídas pelas seguintes: k por qu antes de e, i, por c em qualquer outra situação; w por u, ou por v, conforme fôr a sua pronúncia; y por i. Escreveremos, pois, caleidoscópio, quermes, neutoniano, Venceslau, valsa, tipo, lira, fisiologia, etc.

Excepções: 1.ª Poderão usar-se essas letras em vocábulos derivados de nomes próprios estrangeiros, em que sejam legítimamente empregadas; ex.: kantismo, darwinismo, byroniano (Kant, Darwin, Byron), os quais, porêm, será lícito escrever, em harmonia com a pronunciação, cantismo, daruìnismo, baironiano. Confrontem-se Copérnico, de Kopernik, Antuérpia, de Antwerp, (h)iate, de yacht.

2.ª Continuam em uso os símbolos W, para denotar o Oeste, e K como abreviatura de unidade métrica, e tambêm na forma internacional kilo..., que todavia se poderá escrever quilo...; tanto mais, que o k é um grosseiro [22] êrro nesta palavra, pois o correspondente termo grego se escreve com χ e não κ.

II. O abecedário empregado em português ficará consistindo nas seguintes letras, e suas combinações, e portanto sómente com umas ou com outras se escreverão todas as palavras portuguesas, ou aportuguesadas. Essas letras e combinações são: a b c ç ch d e f g h i j l lh m n nh o p qu r (rr) s (ss) t u v x z.

III. É eliminada a letra h do interior de todos os vocábulos portugueses, com excepção do seu emprêgo, como sinal diacrítico, nas combinações ch, lh, nh, com os valores que as seguintes palavras exemplificam, e únicamente para êles: chave, malha, manha. Portanto, escrever-se hão, sem h, inibir, exortar, etc., e, semelhantemente, saír, coerente, proìbir, etc.

IV. É conservado o h inicial, quando a etimologia o justifique, como em homem, humano, honra, hoje; mas abolido onde é erróneo, como em hontem, hir, hombro, que se escreverão ontem, ir, ombro.

Quando a uma qualquer palavra com h inicial etimológico se acrescentar prefixo, suprimir-se há o h; ex.: desumano, inumano, desonra, filarmónica, desistória, etc.

V. É lícito escrever h final, como sinal de interjeição, ah! oh!; mas é proscrita esta letra final em todos os mais vocábulos; ex.: Sara, Judá, raja ou rajá, etc.

VI. Em harmonia com a cláusula III é eliminado o h dos grupos rh, th, ou outros quaisquer, inexactamente denominados etimológicos, e portanto escrever-se há teatro, retórica, aderir, aborrecer, sirgo, sorgo, caridade, cristão, Cristo, monarca, técnica, cloro, etc. O grupo ch, com o valor de k antes de e, i, será substituído por qu; ex.: monarquia, arquitecto, química, querubim. O grupo ph será expresso por f; ex.: filosofia, frase, fenício, farol, física, fisiologia, ninfa, profeta, etc. Assim tambêm escreveremos ditongo, tísica, apotegma, etc.

VII. Nenhuma consoante se duplicará no interior ou fim de vocábulo, senão quando a pronunciação assim o exija, o que só acontece com rr, ss, mm, nn, como nas seguintes palavras: carro, cassa, emmalar, ennegrecer.

Nesta conformidade, escrever-se hão com letras singelas as seguintes palavras, e outras que é hábito escrever com letras dobradas: abade, acusar, adição, afecto, sugerir, agravo, êle, ela, aludir, chama, pano, anexo, aparecer, atribuir, meter, atitude, etc. As letras r e s dobram-se, se a pronúncia o exije, quando a qualquer vocábulo se antepõe [23] prefixo terminado em vogal; ex.: pressentir, prorrogar, ressuscitar: cf. arrasar, de raso, assegurar, de seguro.

VIII. São suprimidas as consoantes mudas, quando não influam no valor das vogais que as precedem; ex.: autor, restrito, produto, produção, pronto, presunção, satisfação, praticar, tratar, retratar, sinal, Madalena, aumento, Inácio, Inês, assunto, assinar, sono, dano, condenar, etc.

IX. São conservadas as consoantes, usualmente mudas, quando facultativamente se profiram, ou quando influam no valor da vogal que as precede; ex.: contracção, reacção, direcção, excepção, adoptar, adopção, espectáculo, carácter, rectidão.

Neste caso os vocábulos aparentados, em que essas vogais pertençam à sílaba predominante do vocábulo, conservarão, por analogia, a consoante muda; ex.; contracto, directo, excepto, adopto, caracterizar, recto, acto, em razão de activo, acção, etc.

X. O emprêgo acertado das letras ce, ci, alternando com (s)se, (s)si, ou no interior do vocábulo o de ç, alternando com ss, depende da origem dêsses vocábulos e do valor que as ditas letras indicavam, quando a pronunciação delas diferia, como ainda hoje difere dialectalmente em várias regiões do norte de Portugal. A consulta ao Vocabulário é indispensável para decidir da escolha. Como regra geral, ce, ci, -ç- correspondem a ce, ci, ti latinos, a ce, ci, za, zo, zu do castelhano actual, a ss arábicos, ou pertencem a vocábulos de origem americana indígena, transcritos pelos autores peninsulares.

Fica banido o ç inicial, que será substituído por s nos poucos vocábulos em que etimológicamente figuraria; ex.: sapato, sarça, e não çapato, çarça, como antes se escrevia, e ainda uma ou outra vez se escreve.

XI. É conservado o grupo inicial sc, das seguintes palavras e seus derivados e afins, em que o s é mudo: scena, sciência, scetro, scéptico, scisma, scisão, sciático, scintilar, scelerado, e algum outro menos usual.

XII. O emprêgo de ch ou de x, os quais histórica e ainda dialectalmente não eram nem são idênticos no valor fonético, regula-se pela sua origem, e a consulta ao Vocabulário torna-se necessária. Deve ter-se em atenção que ch corresponde a cl, fl, pl, t'l latinos, e a ch francês nas palavras desta origem; x corresponde a x e a s latinos. Nos vocábulos de origem arábica o emprêgo de x, e não de ch, é de rigor; assim, xeque, e não che(i)k.

XIII. A escrita dos ditongos orais é a seguinte: ai, éi, [24] ei, ói, oi, ui, au, éu, eu, iu, ou, como em ensaio, ensaiar, batéis, bateis (de bater), sóis (de sol), sois (verbo), fui, pau, céu, seu, viu, grou, e portanto pai(s), amai(s), gerais, réis, rei(s), faróis, róis (nome plural e verbo), azuis, etc. Ficam abolidas as escritas ae, oe, ue, ao, eo, para estes ditongos, quer em nomes, quer em formas verbais.

XIV. A escrita dos ditongos nasais é: ãe, em (ens), õe, ão, como em mãe(s), bem, bens, põe(s), botões, cães, mão(s), órfão(s), cidadão(s).

Escrever-se hão com am final, em vez de ão, as formas verbais em que essa terminação seja átona, como louvam, louvaram (presente e pretérito), diferente de louvarão (futuro).

Os vocábulos terminados no ditongo em (equivalente a ẽi) receberão o acento circunflexo quando forem polissílabos com a última sílaba predominante. Dêste modo porem, do verbo pôr, diferençar-se há de porêm, conjunção; contêm, do verbo conter, de contem, do verbo contar; assim igualmente, armazêm, vintêm, vintêns, alguêm, mas viagem, origem. (=viágem, orígem).

Os monossílabos com esta terminação dispensam a acentuação gráfica, por ser ociosa, e para que fiquem em harmonia com outros monossílabos terminados em vogal, nasal; ex.: bem, bens, tem, tens; comparem-se fim, som, um; fins, sons, uns.

O ditongo ũi de muito, mui dispensa igualmente o til na escrita usual.

XV. A grafia das vogais nasais finais será a seguinte, já consagrada: ã(s), im, ins, om, ons, um, uns, como em lã(s), irmã(s), órfã(s), fim, fins, marfim, marfins, som, sons, jejum, jejuns.

No interior dos vocábulos é a nasalidade da vogal expressa por m antes de b, p, m, e por n em qualquer outra situação, o que é já uso estabelecido, mas ao qual convêm não se fazerem excepções; assim escreveremos circunstância, circunscrever, conquanto, com n, e não com m.

XVI. É conservado ao e inicial átono o valor que tem de i em muitos vocábulos, como erguer, herdeiro, evitar, elogio; sendo porêm substituído por i nas palavras igual, idade, igreja e seus derivados, ortografia anterior que se lhes restabelece. É semelhantemente conservado o e com o valor de i átono antes de vogal, quando a analogia ou a etimologia o recomendem; ex.: fealdade, desfear, de feio (cf. desfiar, de fio), ideal, meada, reagente, etc. Restabelece-se [25] porêm a verdadeira ortografia de pior, lial, rial (antes peior, leial, reial), em que um ei anterior se condensou em i, como aconteceu com igreja (forma antiga eigreja) e como ainda hoje acontece com o prefixo eis- (ex-), que é usualmente pronunciado is. O último exemplo citado, rial, de rei, fica assim diferençado de real, procedente do latim res.

O verbo criar será semelhantemente escrito com i, pois a sua conjugação é crio, crias, e não creio, creias, e portanto escreveremos tambêm criador, criatura, criança, qualquer que seja a acepção em que se tomem tais palavras. O verbo recrear, todavia, escrever-se há com e, porque a sua conjugação é com ei, recreio, recreias; devendo ter-se em atenção que o i intercalar, para evitar o hiato recreo, só tem cabimento quando o e do radical é predominante, e conseguintemente escreveremos passear, cear, desfear, passeio, ceio, desfeio, e não passeiar, ceiar, etc.

Há considerável número de verbos, como alumiar, gloriar, aviar, que se conjugam alumio, glorio, avio, sendo portanto a vogal final do seu radical i e não e. Todavia, por influência daqueles em que essa vogal radical é, pelo contrário, e, que átono se profere i, alguns verbos em iar confundiram-se com êsses, e é já hoje impraticável a correcção. Os principais dêstes verbos são os seguintes, e convêm que não se traslade a outros a irregularidade que se manifesta neles: ansiar, anseio; negociar, negoceio; obsequiar, obsequeio; premiar, premeio; odiar, odeio; remediar, remedeio. Em outros, menos triviais, é duvidoso o modo de os conjugar, como licenciar, presenciar, sentenciar, que muitos preferem conjugar licencio, presencio, sentencio, conquanto as formas licenceio, presenceio, sentenceio sejam muito mais usuais. É claro que a irregularidade se não deve trasladar aos substantivos correspondentes, e que portanto escreveremos ánsia (e não âncea ou ância), negócio, obséquio, ódio, prémio, remédio, e assim tambêm com i os derivados, odioso, obsequioso, etc.

XVII. Na pronúncia do sul de Portugal o s antes de consoante surda, e quando é final, profere-se como x atenuado, e sendo a consoante sonora, como j, igualmente atenuado. Se em tais condições está precedido de e surdo, êste e, por assimilação, palataliza-se e fica sendo igual a i na mesma situação, de modo que os dois vocábulos pescar e piscar só artificialmente se distinguem; assim tambêm a primeira sílaba de esteira confunde-se com a primeira sílaba de história, e tanto, que antigamente se escrevia [26] estórea (com ea, para se evitar a leitura estorja, pois nenhuma diferença gráfica se fazia entre i e j). Para quem profira do mesmo modo es e is, átonos, é necessário recomendar que se regule pelas formas em que e ou i sejam predominantes, a fim de acertar com a devida escrita. No exemplo citado, pescar procede de pesca, e portanto com e se escreverá; piscar, de pisco, ortografar-se há com i.

A confusão entre es e is mais freqùente, e que dá margem a inúmeros erros de ortografia, ocorre com os prefixos des- e dis-. É usualíssimo ver-se escrito destribuição, por exemplo. Cumpre advertir que o valor dêstes dois prefixos, assim confundidos na pronúncia meridional, é diverso: des-, é privativo, dis- indica «repartição, divisão». Escreveremos pois destinto com e, de destingir, de tingir, distinto com i de distinguir, e assim tambêm dispersar, discrição (que se não deve confundir com descrição, de descrever), discórdia, discorrer, etc.

XVIII. Sendo o e átono, antes de consoante palatal, ch, x, j, lh, nh, por assimilação igual a i surdo, dá-se freqùentemente a dúvida sobre a escrita com e ou com i, em sílabas átonas. Convêm, do mesmo modo, recorrer ás formas em que a vogal duvidosa seja predominante; assim, lenheiro, de lenha, escrever-se há com e, linheiro, de linho, com i.

XIX. Por outra parte, no centro de Portugal o e fechado antes das mencionadas consoantes palatais ch, x, j, lh, nh profere-se como â, e esta pronúncia vai-se difundindo cada vez mais no país: fecho, cereja, selha, senha são pronunciados fâxo, cerâja, sâlha, sânha. Valendo o a antes de consoante nasal, m, n, nh por â fechado, em geral, produz-se, pela concorrência destas duas leis fonéticas, onde elas predominam, a confusão entre senha, «sinal», e sanha, «ira», entre lenho, «madeiro», e lanho, «golpe».

Para não se deformar a língua pátria, torna-se essencial a devida distinção gráfica, ainda quando se não observe na fala, e é fácil acertar-se com a escrita, se se atender à pronúncia dessa vogal, duvidosa quando tónica, em formas nas quais ela seja átona: sanha, «ira», escreve-se com a, porque dizemos assanhar, e não assenhar, ao passo que um verbo derivado de senha (signa, latino) desenhar, se não profere desanhar; lanho, «golpe», tem um derivado alanhar, que não é alenhar, e conseguintemente deve escrever-se com a.

[27] XX. Continua o emprêgo tradicional de o átono valendo por u, quer final, quer medial, quer inicial, ou êle seja analógico, como em formosura, de formoso, de forma, porteiro, de porta, correr, côrro, corres, ou etimológico como em monumento, latim monumentum, governar, castelhano gobernar, latim popular gobernare, latim clássico gŭbernare. Na escrita será indispensável atender-se á forma primitiva, portuguesa ou latina, ou recorrer-se ao competente Vocabulário, pois os casos duvidosos, para os indoutos, são aos milhares.

Antes de vogal como em mágoa, nódoa, a conjugação dos respectivos verbos, magoar, magôa, ennodoar, ennodôa, como em soar, sôa, indica a escrita correcta. Com verbos como aguar, cuja conjugação é incerta, é preferível escrevê-los com u, e assim tambêm água, régua, légua, visto que a razão da escrita com o era principalmente o evitar-se que u fosse lido como v, quando nenhuma distinção fixa e assente existia, para se determinar quando as duas formas u, v eram consoantes ou vogais. Feita a distinção, como há mais de um século se faz, quer na escrita, quer na imprensa, deixaram de ser necessários êsse e outros expedientes gráficos, como a adjunção de h a u ou a i, para indicar serem vogais, e não consoantes, o que motivou as grafias hiate, huivar, hia, para que uivar, iate, ia se não lessem vivar, jate, . Alguns hh e alguns oo teem essa origem a explicá-los.

XXI. No centro de Portugal o digrama ou, quando tónico, confunde-se na pronunciação com ô, fechado. A diferença entre os dois símbolos, ô, ou, é de rigor que se mantenha, não só porque, histórica e tradicionalmente, êles sempre foram e continuam a ser diferençados na escrita, mas tambêm porque a distinção de valor se observa em grande parte do país, do Mondego para norte. Outra razão se deve apontar ainda, e essa é que ou átono ou conserva o valor que lhe é próprio, ou, popularmente, se profere ò; ao passo que ô vale por u nas sílabas átonas; assim, por exemplo, roubar, de roubo, não altera o valor do ou do radical, o que não acontece, por exemplo, com rogar, de rôgo, em que o vale por u, se não é predominante. Duas excepções, pelo menos, existem modernamente: apoquentar, de pouco, e aposentar, de pouso, que antes eram apouquentar, apousentar. A redução deve ter tido origem no sul, em que ou se confunde com ô.

Êste ditongo ou alterna em quási todos os vocábulos com o ditongo oi, ao qual muitos dão a preferência, exceptuando [28] porêm certos vocábulos como outro, roubo, etc. A alternância dá-se principalmente antes de r, s, como em ouro, cousa; oiro, coisa.

Quem prefira oi a ou assim escreverá, pois qualquer das formas é lícita na maioria dos vocábulos, como se disse. Nas formas verbais, porêm, como a 3.ª pessoa do singular do pretérito louvou, não é admitido o ditongo oi por ou, nem tampouco em coube, soube, trouxe, etc.

Advertir-se há que é errónea a forma poude em vez de pude, 1.ª pessoa, e pôde, 3.ª pessoa do presente do verbo poder, que tem origem diferente (potui, potuit, latinos) da que vemos em coube, soube (lat. capui(t), sapui(t)), comum à 1.ª e 3.ª pessoas do mesmo tempo verbal dos verbos caber e saber. Um qualquer indivíduo, originário das regiões em que ou é diferente de ô no valor, não conjugará jamais assim erradamente o verbo poder, nas duas formas citadas, nas quais não há o ditongo ou, como em coube, soube, trouxe, mas sim u e ô fechado.

XXII. Acentuação gráfica.

Como é uso corrente, marcam-se com o devido acento, agudo ou circunflexo, os vocábulos terminados em a, e, o tónicos, seguidos, ou não, de s, e por analogia os terminados em em, ens; ex.: alvará(s), louvará(s), maré(s), mercê(s), portaló(s), avô(s), e bem assim os monossílabos, como pá(s), sé(s), sê(s), só(s); vintêm, vintêns, contêm, contêns; os monossílabos em em, ens, dispensam a acentuação: bem, bens, tem, tens.

XXIII. O sinal denominado til (~) vale por acento tónico quando não haja outro acento gráfico a designar a sílaba predominante do vocábulo; ex.: cidadão(s), escrivão, escrivães, nação, nações, mão(s), mãe(s); mas, ourégão(s), rábão(s), Estêvão, Cristóvão, etc.

XXIV. As palavras terminadas em i, u, vogal nasal ou ditongo, seguidos ou não de s, ou em outras consoantes, excepto na terminação em, ens, entende-se terem como sílaba predominante a última, não se acentuando portanto gráficamente senão as excepções a esta regra; ex.: javali(s), peru(s), maçã(s), atum, atuns, marau(s), arrais, esqueceu, judeu(s), painel, farei(s), mulher, vencer, timidez, feliz, arroz, alcaçuz, lioz, alcatruz; mas, quási, Vénus, órfã(s), álbum, amáveis, fácil, fáceis, sável, sáveis, faríeis, alcáçar, carácter (plural caracteres), mártir, sóror, cônsul.

XXV. Os nomes terminados em em, ens, e as formas verbais em am, em, entende-se terem como sílaba predominante [29] a penúltima, que se não assinala com acento gráfico; ex. louvam, louvaram (cf. louvarão, futuro), porem, contem (dos verbos pôr, contar), marcando-se o acento gráfico quando a sílaba predominante seja a última; ex.: porêm, contêm (de conter), armazêm, armazêns, Jerusalêm, Belêm.

XXVI. Todos os vocábulos cuja sílaba predominante seja a antepenúltima terão essa sílaba marcada com o competente acento escrito; ex.: sábado(s), câmara(s), cédula(s), pêssego(s), sêmola(s), concêntrico(s), título(s), íntimo(s), pródigo(s), cómodo(s), lôbrego(s), lúgrube(s), único(s); área(s), ária(s), árduo(s), mágoa(s), contemporâneo(s), Libânio, ânuo, proscénio(s), gémeo(s), ingénuo(s), sêmea(s), virgíneo(s), insónia(s), fúria(s), facúndia(s), ândito(s), argênteo(s), fímbria(s), vergôntea(s), núncio(s), demónio(s), António, Antónia, infortúnio, farmacêutico, etc.

XXVII. O acento marcado nos esdrúxulos é diferencial com relação aos vocábulos que, escritos com as mesmas letras, tenham por sílaba predominante a penúltima, ou a última; ex.: fábrica, substantivo, e fabrica, verbo; réplica, substantivo, e replica, verbo: índico, adjectivo, e indico, verbo; história, substantivo, e historia (), verbo; telégrafo, substantivo, e telegrafo (grá), verbo, etc.

XXVIII. Quando um qualquer vocábulo que tenha por sílaba predominante a penúltima, e cuja vogal nessa sílaba seja e ou o abertos, fôr homógrafo com outro em que êsse e ou o seja fechado, marcar-se hão êstes com o acento circunflexo. Assim se diferençarão rêgo, substantivo, e rego, verbo: pêgo, ave, e pego, abismo, ou forma do verbo pegar; rôgo, substantivo, e rogo, verbo; sôbre, preposição, e sobre, verbo; mêdo, susto, e medo, nome étnico; dêmos, presente do subjuntivo, e demos, pretérito (do verbo dar).

XXIX. Diferençar-se hão pelo acento agudo os seguintes vocábulos: pára, verbo, de para, preposição; pélo, péla, de pêlo substantivo, e de pelo, pela (per lo, per la, per o, per a); pólo, substantivo, de polo (forma antiquada, em vez de pelo); e pelo circunflexo, pêra, de pera, forma antiga e popular da proposição para; quê, de que proclítico, átono; cômo, verbo, de como, partícula. Pelo agudo se diferençará a forma do pretérito, louvámos, da do presente, louvamos.

XXX. As formas verbais dêem, lêem, vêem, crêem (de dar, ler, ver, crer) receberão o acento circunflexo, ficando assim distintas de outras como te(e)m, ve(e)m, de ter, vir.

XXXI. Quando a segunda de duas vogais consecutivas [30] seja i ou u, que não forme ditongo com a vogal precedente, marcar-se há com o acento agudo, se fôr tónica; ex.: saí, saída, faísca, saúde, balaústre, raízes, baú(s). Se fôr átona pode assinalar-se com o acento grave; ex.: saìmento, faìscar, saùdar, enraìzado, abaùlado. É licito dispensar-se o agudo se a consoante seguinte não fôr s; ex.: ainda, raiz, sair, contanto que não inicie outra sílaba. Podem, portanto, escrever-se Coimbra, raiz, sair, sem acento, mas exigem-no saída, saíra, saúde, raízes, ataúde, etc.

XXXII. Os ditongos éi, ói, éu, sempre finais tónicos, receberão o acento agudo, que os diferença de ei, oi, eu, fechados; ex.: painéis, heróis, chapéus; em réis, batéis, papéis, sóis êsse acento distingue tais vocábulos dos seus homógrafos reis (de rei), bateis, papeis (de bater, papar), sois (do verbo ser). Outros exemplos são bóia, jóia (cf. joio, com o fechado), gibóia, herói(s), etc.

XXXIII. Hífen.

Os vocábulos compostos cujos elementos conservam a aua independência fonética unem-se por hífen (-) e conservam igualmente a sua acentuação; ex.: água-pé, pára-raios, guarda-pó. O hífen repetir-se há na linha imediata, quando por êle se faça a separação silábica de linha para linha; ex.: pára-/-raios. Quando um dos termos do vocábulo composto não existe independente em português, na sua forma integral, unem-se os dois elementos sem hífen; ex.: clarabóia, fidalgo. Outro tanto se fará quando a noção do composto se haja perdido, como em solfa, dezoito (dez-a-oito).

XXXIV. O hífen será utilizado tambêm nos seguintes casos:

a) Unir os pronomes pessoais enclíticos aos respectivos verbos, de que são complemento; ex.: louvá-lo, devê-lo, puni-lo, dá-nos, dou-vos, falo-lhes, etc. A acentuação do verbo mantêm-se, como se não se lhes unissem êsses complementos. São erros inadmissíveis, mas muito freqùentes, louval-o, devel-o, punil-o, etc.

b) Os advérbios mal, bem, formando o primeiro elemento de um composto, unem-se ao segundo elemento por hífen, quando sem êle a soletração seria errada; ex.: bem-aventurança, mal-logrado, para que se não leiam be maventurança, ma logrado. Este último, todavia, pode ler-se tambêm malogrado, pois dizemos malograr, malôgro.

A palavra aguardente formará o seu plural como aguardentes; se porém se preferir separar os dois elementos, água-ardente, o plural será águas-ardentes.

[31] XXXV. Há vocábulos que, sendo derivados, seguem a analogia dos vocábulos compostos, com os seus elementos unidos por hífen, em terem dois acentos tónicos dos quais é predominante o segundo; são êles os aumentativos e deminutivos formados com o infixo z, e os advérbios derivados com o sufixo -mente. Se os adjectivos ou substantivos de que se formam terminam em vogal com acento agudo, muda-se êste em acento grave, ex.: sòzinho, cafèzinho, màzona, etc. Esta mudança tem por causa o evitar-se que, escrevendo-se mázona, por exemplo, se entenda ser a primeira a sílaba predominante. Nos advérbios, porêm, formados com o referido sufixo -mente, que antes era um substantivo, a acentuação com o agudo, ou o circunflexo mantêm-se, por não poder dar-se a confusão apontada: fácilmente, cortêsmente, sómente.

XXXVI. Apóstrofo.

É quasi abolido êste sinal ortográfico, absolutamente inútil para a leitura, e de introdução relativamente moderna. O seu emprêgo limitar-se há a indicar, principalmente na poesia, a supressão de uma letra, que usualmente se escreve na prosa, como em esp'rança, mer'cer, par'cer, c'roa, p'ra, 'star, etc. Pode, tambêm, usar-se no interior das dições compostas, quando nelas se faça elisão do e da preposição de, como em mãe-d'água.

XXXVII. Os pronomes complementos enclíticos de verbos escrever-se hão como nos exemplos seguintes: tenho-o, tem-lo, tem-no, temo-lo, tende-lo; louvá-los, devê-los, uni-los; louva-los, deve-los, une-los; vê-mo, vê-to, vê-lho, vê-no-lo, dava-vo-lo, vêem-se-lhe, comprámo-la, sem se indicar por apóstrofo a supressão de e e de s, que é de regra; tem-lo, está por tens-lo, vê-mo, por vê-me-o. O verbo conserva a acentuação marcada que lhe competiria sem complementos, e assim é a sua pronunciação.

XXXVIII. Reúnem-se em uma só dição, sem apóstrofo ou hífen, os seguintes pronomes, precedidos das preposições a, de, em, por; ao(s), à(s), do(s), da(s), àquele(s), àquela(s), dele(s), dela(s), dêste(s), desta(s); daquele(s), daquela(s), dêsse(s), dessa(s); naquele(s), naquela(s), neste(s), nesta(s), nesse(s), nessa(s); disto, disso, daquilo, nisto, nisso, naquilo, noutro.

Outro tanto acontece com os artigos o(s), a(s), um, uns, uma(s), e os advérbios aqui, , ali, acolá, alêm, onde; ex.: do(s), da(s), pelo(s), pela(s), no(s), na(s), aonde, donde, dali, daí, dali, dacolá, dalém, etc.

Quando porêm esses pronomes rejam orações de infinito, [32] a preposição conservar-se há inteira e separada; ex.: por causa de êles não quererem; em razão de os não ter visto.

As demais elisões, que no decurso da fala ou da leitura se costumam fazer, não são indicadas na escrita; não se escreverá pois: d'idade, d'entrada, mas sim de idade, de entrada; pelo mesmo motivo por que se não escreve vint'e um, conquanto o e de vinte aí se não profira. São elisões e crases que é escusado representar na escrita, e algumas das quais são facultativas, quer individual, quer ocasionalmente.

XXXIX. Divisão silábica.

A divisão de um vocábulo qualquer simples em sílabas far-se há fonéticamente pela soletração e não pela separação dos seus elementos de derivação, composição ou formação, contanto que a dição composta não tenha os seus elementos apartados por hífen (-). Desta maneira dividir-se há, por exemplo, subscrever, como subs cre ver, do mesmo modo por que a palavra escrever se não divide como e scre ver; e vezes, pastora, como vez es, pastor a, mas sim como ve zes, pasto ra. Assim, tambêm, di rec ção, a dop tar, su búr bios, de sas tra do, de sar mar, i ná bil, bi sa vô, pres tan te, cir cuns tân cia, etc., etc.

Para a segunda linha e para a soletração pertencem à vogal que se lhes segue as consoantes que podem começar palavra; assim teremos co bra, am plo, porque temos bra ço, pla ga; ecli pse (cf. psicologia).

XL. Quando o s dos prefixos des-, dis-, é seguido de consoante separa-se dela; se depois se lhe segue vogal, pertence a esta, e com ela forma sílaba; ex.: des fa zer, dis tri buir, mas de sen ga nar, de sen vol ver.

XLI. Duas consoantes iguais separam-se; ex.: ar rastar, as sistir, em malar, en nastrar.

XLII. As palavras compostas dividem-se pelos seus componentes; ex.: porta-voz, vice-almirante, repetindo-se na linha inferior o hífen.

XLIII. Nos vocábulos formados com o prefixo ex-, fica êste separado do segundo elemento, ao dividir-se ou soletrar-se a palavra; ex.: ex ér ci to, ex ce der.

XLIV. São inseparáveis as letras dos seguintes grupos de consoantes: bl, cl, dl, fl, gl, pl, tl, vl; br, cr, dr, fr, gr, pr, tr, vr; ch, lh, nh; sc, ps.

Se, porêm, o s se lê separado do c no interior do vocábulo, separado se divide; ex.: des cer, côns ci o, pros cé nio; mas en sce na ção.

XLV. São igualmente inseparáveis duas vogais consecutivas, [33] formem ou não ditongo; ex.: ai po, cau sa, rai nha, proe mio, goe la, poei ra, pro nún cia, voar, voo, á gua, moi nho, é gua, i guais, con ti nua, con tí nua, fa mí lia, se ria, sé ria, rea lidade, veí culo.

XLVI. O u depois de q ou g é dêle inseparável, quer seja mudo, quer se profira; ex.: quin ta, guer ra; fre qùente, a gùentar, ar gùir.


PRONTUÁRIO ORTOGRÁFICO


Súmula das principais regras que se hão de observar na escrita das palavras e formas vocabulares portuguesas:

1. O alfabeto português consta das seguintes vinte e quatro letras, e de mais três, que sómente em circunstâncias especiais se empregam e aqui vão incluídas em parêntese curvilíneo:

a b c ç d e f g h i j (k) l m n o p q[u] r s t u v (w) x (y) z.

2. Alêm destas letras, há outros caracteres, que ora são figurados por duas letras emparceiradas, ora por sinais diacríticos, sobrepostos a várias dessas letras. Assim aumentado, o sistema de escrita portuguesa compõe-se de 53 símbolos:

a, á, à, â, ã; b; c, ç, ce (ci), ch; d; e, é, è, ê; f; ge (gi), g, gu, gù; h; i, í, ì; j; (k); l, lh; m; n, nh; o, ó, ò, ô, õ; p; qu, qù; r, rr, s, ss, sc; t; u, ú, ù; v; (w); x; (y); z.

O valor dêstes caracteres, excluídas as letras k, w, y, está exemplificado nas palavras seguintes: par, , àquela, câda, ; bobo; ; praça, cela, cinta, chá; dado; de, , prègar, ; foz; gema, giz, gágo, guerra, agùentar; ; li, fígado, faìscar; ; ; lhe; ; , lenha; lado, copa, , mòlhada, avô, põe; que, freqùente, caro, , carro; , passo, scena, casa; tu; fuga, último, saùdar; véu; xadrez, exame, sexo, próximo, texto; zêlo.

3. Dêstes caracteres tem um único valor e emprêgo os nove seguintes: b, d, f, j, l, p, qu, t, v.

Os outros caracteres variam de valor.

4. a: Designa o a aberto quando está na sílaba tónica principalmente, e em sílaba átona se está seguido de l; ex.: cabo, faltou.

5. Fora da sílaba tónica denota em geral o a surdo, como boca, parede, camarote.

[34] O a surdo pode ser tónico, se está antes de consoante nasal, m, n, nh; ex.: cama, cana, manha, louvamos.

6. á: Emprega-se com o valor de a aberto quando seja necessário marcar a tónico, isto é: na última sílaba, seguido ou não de s; na penúltima, se a última não termina em a(s), e(s), o(s), m, e na antepenúltima; ex.: , será(s), fácil, fáceis, carácter, sável, prática. Emprega-se tambêm para diferençar pára de para, preposição, e na forma verbal do pretérito, 1.ª pessoa do plural, louvámos, para a diferençar da do presente, louvamos.

7. à: Designa o a aberto átono em vocábulos que se escrevem com as mesmas letras, que outros que tem a surdo, e tambêm para denotar o acento secundário em derivados; ex.: àbada (de aba; cf. abada, «animal»), pàzada, desàbar.

8. â: Indica o a surdo tónico em vocábulos esdrúxulos; ex.: ânimo, câmara; ou em inteiros terminados em i, u, vogal nasal, ditongo ou consoante diferente de s; ex.: cânon, âmbar, etc.

9. ã: â nasal em fim de vocábulo, seguido ou não de s, e nos ditongos ãe, ão; ex.: lã(s), mãe(s); mão(s).

Se não há outro acento no vocábulo, vale por acento tónico; ex.: rabão, a par de rábão(s).

O ditongo ão átono, final de formas verbais, escreve-se am; ex.: louvam, louvaram; cf. louvarão, futuro.

Antes de b, p e m, a vogal nasal ã escreve-se am, e antes de outra consoante, an; ex.: campo, lamber, emmalar; banco, frango, canto, quando, lança, ânsia, rancho, laranja, etc.


10. ce, ci, ça, ço, cu: ç escreve-se antes de a, o, u, c sem cedilha, antes de e, i; ex.: faça, faço, cabeçudo; face, fácil, paço, palácio, palacete.

No interior dos vocábulos, corresponde a ci, ti latinos, e a ss arábicos, e nisto se diferença do s, o qual corresponde a s latino; ex.: alçar (lat. altiare), razão (lat. rationem), faço (lat. facio), açafate, açafrão, refece, açúcar (arábicos); paço, a par de passo.

No comêço da palavra usa-se s por ç; ex.: sapato.

Em fim de palavra escreve-se z e não ç; ex.: vez (lat. uicem), diferente de vês (lat. uides), arroz (arábico).

11. ch: Emprega-se como inicial e medial, e nunca como final. Na pronunciação do idioma culto, e bem assim nos vernáculos meridionais, confunde-se no valor há mais de dois séculos com o x inicial, do qual se diferença [35] pela origem. Corresponde o ch, em geral, a cl, fl, pl, latinos, e a ch francês nas palavras desta proveniência; ex.: chave (lat. clauem), chama (lat. flamma), chuva (lat. pluuia), chapéu (fr. chapeau). Corresponde a ll e a ch castelhanos.

O ch com valor de k é substituído por qu antes de e, i, e por c em qualquer outra situação; ex.: monarca, monarquia, querubim, côro, cloro, corografia, catecúmeno, crisol.

12. c: Esta letra emprega-se antes de a, o, u, consoante, ou como final, rara; ex.: , côr, cume, claro, cravo, facção, Abimélec, etc.

13. Antes de e, i, é substituída por qu; ex.: sequeiro, ressequido, de sêco. É mudo o c actualmente em muitos vocábulos em que antes se proferia, e conserva-se quando a, e, o precedentes permanecem abertos, e por analogia ainda mesmo que essas vogais sejam tónicas; ex.: secção, acção, activo, acto; espectáculo, espectador; mas autor, junção, junto, sanção, santo, etc.


14. e: Designa em sílabas átonas e surdo; ex.: se, de, me, te, lhe(s), secar, remediar, lume, úbere, cadáveres, etc.

Vale por i átono antes de vogal, ou de consoante palatal; ex.: fealdade, teatro, beato, teor, areeiro, feíssimo, conteúdo; fechar, telhal, lenhador, desejar. Cumpre recorrer à etimologia do vocábulo, ou a uma forma primitiva dêle, em que o e seja tónico, para assim o diferençar de i; fealdade, de feio; areeiro, de areia; fechar, de fecho; telhal, de telha; lenhador de lenha; desejar, de desejo; teatro, beato, teor, conteúdo, do lat. theatrum, beatum, tenere. Tem tambêm êsse valor de i, como inicial átona; ex.: evitar, erguer, herói.

15. e: vale por e aberto, ou por e fechado, sendo tónico; ex.: neve, certo, der, perda, ver; e por e aberto ou fechado, átono, relveiro, sável, carácter, cadáver, secção, abdómen.

16. Vale por â no sul do país, antes de consoante palatal e no ditongo ei; ex.: igreja, fecho, telha, senha, lei.

Em várias regiões êste e é proferido como fechado em tal situação; ex.: igrêja, fêcho, têlha, sênha, lêi.

17. é: Denota o e aberto tónico, quando haja de marcar-se a sílaba predominante, isto é, como final, seguido ou não de s, e nos esdrúxulos; ex.: maré(s), cédula. Marca-se igualmente o acento agudo no e quando a sílaba predominante é a penúltima e a palavra não termina em a(s), e(s), o(s), am, em, e bem assim nos ditongos éi, éu, [36] sempre tónicos; ex.: éter, Vénus, fértil, férteis; céu, escarcéu, papéis. Sem acento, porêm, escreveremos levam, levem.

18. è: Indica o e aberto átono, quando se torne necessário diferençar homógrafos; ex.: pègada, diferente de pegada; prègar, de pregar.

19. ê: Designa o e fechado tónico, quando seja de regra marcá-lo com acento; ex.: mercê(s), vê(s), sêmea, Zêzere, pêssego, concêntrico, Estêvão, etc.

20. O e nasal nunca termina vocábulo no idioma comum, em que é substituído pelo ditongo nasal em, ens ([~e]i)s), o qual se acentua quando é tónico final de polissílabos; ex.: vintêm, vintêns; contêm, contêns; parabêns.

21. No princípio e meio das palavras o e nasal escreve-se com em antes de b, p, m, e com en, em qualquer outra situação; inicial átono profere-se como im, in; ex.: membro, tempo; encher, entrar, encho, entro; entender, entendo; empregar, emprêgo.


22. g: O g, para designar a consoante sonora correspondente ao c, escreve-se em qualquer situação, excepto antes de e, i; ex.: gago, glaciário, grade, digno, fragmento, e raras vezes como final, Gog, Magog. Suprime-se quando se não profere; dêste modo, escreveremos: assinar, Inácio, Inês, aumento, etc.

Antes de e, i acrescenta-se-lhe u (gu); ex.: seguir, guerra, ligue, aguilhoar.

Se êsse u se profere átono, marca-se com acento grave: agùentar, argùir, argùente; se é tónico, com o acento agudo, argúi.

23. ge, gi: tem o mesmo valor que o j e escreve-se em lugar dêste, quando a etimologia ou a analogia o pedem; ex.: gente, lógica. Nos derivados de primitivos em ja, jo, ju permanece o j antes de e, i; ex.: laranja, laranjeira; loja, lojista.

O g etimológico muda-se em j antes de a, o, u; ex.: reger, rejo, reja; fugir, fujo, fuja.


24. h: É mudo quando inicial, e escreve-se quando a etimologia do vocábulo o justifica; ex.: homem, humano, herdar, e portanto ombro, ontem, em que a etimologia o não explica; iate, e não hiate.

O h medial desaparece, mesmo nos vocábulos em que [37] êle como inicial figura; ex.: desumano, deserdar, e com maior razão em inibir, inábil, filarmónica, em que daria causa a sua presença a errada leitura; outros exemplos são coìbir, sair, compreender, desonra, exibir, etc.

25. O h, como sinal diacrítico, junta-se a c, l e n para designar os sons que as palavras seguintes exemplificam: chave, frecha, selha, moinho.

26. O h, depois de t, r ou c com o valor de k é proscrito; dêste modo escreveremos teatro, retórica, corografia. Suprimido é igualmente o h final, como em Sara, raja, ou rajá, e só se admite em tal situação nas interjeições, como ah! oh!, etc.


27. i: Emprega-se como átono, e como tónico; ex.: finíssimo, quási, virar, vira, etc.

28. Numa série de sílabas, cuja vogal seja sempre i, e o vocábulo não seja imperfeito ou condicional de verbo, superlativo, ou deminutivo, sómente o último i conserva, em geral, na pronúncia desafectada, o seu valor; os mais que o precedem proferem-se como e mudo, se a consoante seguinte não é palatal (x, j, lh, nh, s + consoante); ex.: dividir, dividia, dividiria, que se pronunciam devedir, devedia, devediria; ministro, que se pronuncia menistro; ministério, que se pronuncia menistério; militar, que se pronuncia melitar. Para se evitarem erros de ortografia, é preciso atender á etimologia dos vocábulos, e, quando possível, a uma forma em que o i seja tónico, como em divide.

29. Há dois prefixos de valor diferente, que cumpre diversificar na escrita: des- e dis-. O primeiro é negativo ou privativo, como em desfazer, destingir, destinto; o segundo distributivo, como em dispersar, distinguir, distinto, disjungir, discernimento, distúrbio, etc.

30. í: Designa o i tónico, quando as regras de acentuação gráfica exijam a marcação; ex.: frígido, Vítor, físsil, difícil, difíceis, fugíeis, tínheis, fugiríamos, fugíreis, fugiríeis, etc.

31. Com acento agudo se marca o i tónico que não forma ditongo com a vogal anterior; ex.: saída, saí, , país, países, raízes.

Antes de nh, nd, mb, pode dispensar-se o acento; ex.: raínha, aínda, Coímbra, ou rainha, ainda, Coimbra; pode tambêm dispensar-se antes de consoante final que não seja s; ex.: raiz, sair; mas raízes, saíres, porque o z e o r pertencem a outra sílaba.

32. ì: Quando o i que não forma ditongo com a vogal [38] antecedente é átono, pode marcar-se com o acento grave; ex.: saìmento, proìbir, paìsagem.

33. O i nasal escreve-se com im antes de b, p, m, ou quando final, in em qualquer outra situação; ex.; limbo, limpar, fim, fins, findar, afinco, linfa, ninfa, etc.


34. j: O j escreve-se antes de a, o, u, e, i, e antes destas duas últimas vogais, quando a etimologia não justifica o emprêgo de g; ex.: , jóia, júbilo; veja, vejo; lojista, laranjeira, arranjar, arranje; Jerusalêm, Jesus.


35. m: Alêm do seu valor como inicial, ex.: mal, tomar, etc., o m designa as vogais nasais finais im, om, um, por exemplo, em marfim, som, jejum, e o ditongo nasal em, como em cecêm, bem, devem, margem. O m muda-se em n ao acrescentar-se s; ex.: marfins, sons, jejuns, cecêns, bens, margens.

36. m: Expressa com a (am) o ditongo ão átono de formas verbais; ex.: louvam, louvaram.

37. m: Denota qualquer vogal nasal inicial ou medial antes de b, p, m; ex.: embora, empada, emmalar, bambo, êmbolo, campo, sempre, limpo, comprar, sumptuoso.


38. n: Alêm do seu valor como inicial de sílaba, como em nau, neve, nitro, nove, nuvem, cana, pena, bonito, nono, canudo, etc., designa as vogais nasais, quando está seguido de consoante que não seja b, p, m, ou a vogal não é final de vocábulo; ex.: lança, lenço, cinto, onça, funcho, fins, sons, jejuns. Com e designa tambêm o ditongo nasal ẽi, quando se lhe segue s final: ex.: nuvens, armazêns, tens, bens.

39. nn: Emprega-se no prefixo en, antes de n do vocábulo a que se junta; ex.: ennodoar, de nódoa, ennastrar, de nastro.

40. nh: Denota únicamente a nasal palatal que se observa em manhã, lenha, linho, vergonha, pezunho; e conseguintemente escrever-se há inábil, inumano, inibir, sem h.


41. o: Esta letra tem os seguintes valores.

Átona vale por u; ex.: lado, dolo, faro, proteger, comum, fortuna. A escolha entre o e u, para expressar êste som, depende da origem; assim escreve-se formosura, de formoso, de forma; portaria, de porta; monumento (do lat. monumentum); govêrno (do lat. pop. [39] gobernum, lit. gŭbernum); rotunda (lat. rotunda); goraz (lat. uoracem); etc.

42. o: Expressa o o aberto, como em toca, volta, poste, etc., quando é tónico, e átono em certas condições, como adoptar, nocturno, isto é, seguido de p ou c na mesma sílaba, quer essas consoantes se profiram, como em optar, cocção, quer sejam mudas.

43. o: Designa o fechado tónico, como em bolo, boca, ou átono como em horrível, cânon, e o átono antes de l, como em voltar, soldado.

44. ó: Denota o o aberto, quando a acentuação gráfica é de regra; ex.: avó, hipódromo, órfão(s), sós, vós, móvel, móveis, móbil, cómodo, etc.

45. ò: Serve para designar o aberto átono em homógrafos, como mòlhada, diferente de molhada, e ainda para expressar o acento secundário de palavras que tenham dois, como pòzinho, sòzinho, etc.

46. ô; Designa o o fechado tónico, quando as regras de acentuação gráfica o exijam; ex.: avô(s), côr (cf. cor), pôde (cf. pode), sôbre (cf. sobre), fôrma (cf. forma), lôgro (cf. logro), lôbrego, sôfrego.


47. Cumpre não confundir na escrita o fechado com o ditongo ou, que se mantêm distinto nos falares provinciais; assim osso substantivo escrever-se há com o, mas ouço verbo, com ou.

48. ou: Este ditongo tem por origem au arábico, como em açougue, au latino, como em touro, oc, ap, al, latinos, como em noute, toutiço, outeiro. Em geral alterna com o ditongo oi, sendo lícito, em grande número de vocábulos, empregar-se um ou o outro.

49. õ: Esta letra usa-se únicamente no ditongo nasal õe, como põe(s), lições. O o nasal, fora dêste caso único, é escrito com om, se é final ou está antes de b, p, m, e com on em qualquer outra condição; ex.: som, romper, rombo, emmolhar; sons, contar, confiar, conchegar, esponja, fonte, bondade, cônscio, Ônfale, etc.


50. p: Esta letra não se duplica. Conserva-se o p mudo depois das vogais a, e, o átonas, quando essas vogais permanecem abertas, como em adopção, recepção, exceptuar. Conserva-se ainda o p, se essas vogais são tónicas, em vocábulos aparentados, como excepto, adopto. Depois de outra qualquer vogal suprime-se o p etimológico, se não é proferido; ex.: pronto, assunto, assunção, cinto.

[40] 51. O ph etimológico é em todas as circunstâncias substituído por f; ex.: física, tifo, filtro, profeta.


52. qu: A letra q é sempre seguida de u, o qual é marcado com acento grave (ù) antes de e, i, se é proferido; ex.: quente, quinta; freqùência, eqùestre, eqùidade. Antes de a, o, u, se o u de qu é mudo, substitui-se êste grupo por c; ex.: catorze, de quatordecim, como caderno, de quaternum; cota, de quota, como licor, de liquorem. Se o u é proferido antes de a, o, u, conserva-se o grupo qu, sem acento no u; quatro, aquoso.


53. r, rr: o r forte escreve-se com r simples quando é inicial de palavra, ou de sílaba depois de consoante; ex.: , , rio, rol, rumo, honra, pilriteiro, Israel, etc. Entre vogais duplica-se; ex.: carrada, carreta, carril, carro, arrumar, farrusca.

54. Quando a um vocábulo começado por r se acrescenta um prefixo terminado em vogal, dobra-se o r, por ficar entre vogais, para se lhe manter o valor de inicial; ex.: arrasar, de raso; arrostar, de rosto; prorrogar, derrogar, de rogar; corroer, de roer.

55. O r brando, que sómente se manifesfa em fim de sílaba, ou entre vogais, ou depois de consoante pertencente à mesma sílaba, escreve-se com r simples; ex.: dar, pôr, ver, vir, virtude, verdade, vórtice, louvar, dever, punir, cravo, fresco, frigir, crótalo, frustrar; cara, fera, lira, amora, parada, sereno, sarilho, caroço, caruma.


56. O s surdo assim se escreve como inicial de palavra, ou depois de consoante, se é inicial de sílaba; ex.: saco, , sirga, , sul, ânsia, falso, farsa, lapso, psicologia, absorver. Inicial antes de e, i, e depois da consoante, nas mesmas condições, alterna com ce, ci, e sómente a etimologia dos vocábulos, ou um vocabulário, ensinam a verdadeira escrita. O s corresponde a s latino, o c(e), c(i) a ti, ci latinos, e a ss arábicos; ex.: sela, silvo, selha, persistir, canseira, alicerce, Alcácer, etc.

57. Entre vogais o s surdo duplica-se, ss, e neste caso alterna com ç cedilhado, e com ce, ci, nas mesmas circunstâncias de proveniência dos vocábulos; ex.: assar, assente, assíduo, posso, assumir, sossêgo, passo, de passum (cf. paço, de palatium), etc.

58. O s sonoro só se manifesta entre vogais, usualmente, e nesta posição alterna com z, correspondendo porêm [41] sempre a s latino; ex.: casa, César, mês(es), residir, formoso, uso. Conquanto depois de consoante, o s é sonoro no prefixo trans- seguido de vogal, como em transeúnte, transacção, em obséquio e seus derivados, e num ou noutro vocábulo, precedido de consoante sonora.

59. Há duas terminações de substantivos que não devem confundir-se: -eza, do lat. -itia, e -esa, do lat. -ensa; é esta que se escreve com s, como em defesa, devesa, presa, despesa, portuguesa, etc. Semelhantemente, escreveremos asa, do lat. ansa, brasa, em castelhano brasa.

60. Quando a um radical, ou a um vocábulo, começados por s, se acrescenta um prefixo terminado em vogal, duplica-se o s se êle se profere surdo, escreve-se simples, se é pronunciado sonoro; ex: assistir, assombrar, assumir, ressurgir, pressentir; mas residir, presente, resumir, resignação, presunção, etc.

61. O s final de sílaba, seja como for proferido, escreve-se com s; ex.: custa, cesta, resma, abismo, hóspede, fosco, balaústre, lustre, musgo.

62. O s final de sílaba, em monossílabos e em polissílabos que tenham como predominante a última sílaba, alterna com z, correspondendo porêm sempre a s latino, e permanece ainda quando, pela derivação ou flexão do vocábulo, se lhe acrescenta uma sílaba, de que fica sendo inicial; ex.: português, portuguesa, portugueses, cortês, corteses, cortesia, atrás, vês (verbo), vós, nós (pronomes), pus (substantivo e verbo), pôs (verbo), pós (substantivo), pusera, puser, pusesse, etc. Em um único vocábulo arábico, rês, é o s final árabe representado por s, como em castelhano (res).

A consulta a vocabulário é indispensável e muito favorece o acêrto na escrita a comparação com as correspondentes formas castelhanas.

63. O s inicial surdo é seguido de c nos seguintes vocábulos e seus derivados: scena, scetro, scéptico, scelerado, sciente, scisma, scintila, scisso, scisão, scissura, scissíparo, sciático, e um ou outro mais, pouco usados.


64. t: o t nunca se duplica, expressa constantemente o mesmo som, e substitui em todos os casos o th etimológico; ex.: ter, atitude, meter, teto; teatro, patológico, simpatia, etnografia, etc.


65. u: Esta letra expressa sempre o mesmo som, mais ou menos atenuado antes e depois de vogal, como elemento [42] fraco dos ditongos; ex.: tu, pueril, auto. Antes de vogal alterna, átono, com o nas mesmas condições e só a analogia e a etimologia doa vocábulos decidem da escrita correcta; ex.: suar (e soar), muar, ruína, etc. Depois de consoantes alterna igualmente com o átono; ex.: mural de muro, a par de moral do lat. mores; tunante, de tuna, tonante, lat. tonantem.

66. ú: Representa esta letra acentuada o u tónico, quando as regras de acentuação gráfica o exigem; ex.: único, núncio, saúde, útil,argúi.

67. ù: O u com acento grave indica não fazer ditongo com a vogal anterior, sendo átono; ex.: saùdar. Designa tambêm o u proferido dos grupos qu, gu; ex.: argùir, freqùente.

68. x: Esta letra tem cinco valores no idioma comum e literário; são os seguintes:

1.º Como inicial―xadrez, caixa.

2.º Como ssauxílio, próximo.

3.º Como smixto, Félix.

4.º Como cs; cxfixo, sexo; córtex, sílex.

5.º Como (e)isexame, êxito, texto.

Nas palavras de origem arábica, e quando é inicial, tem sempre o primeiro valor; ex.: xabouco, axorca, xarope, elixir; Xerxes, Xenofonte, etc.

69. Alêm desta multiplicidade de valores, alterna, com relação ao primeiro, com o grupo ch, o qual, como já se disse, representa cl, fl, pl latinos; assim, temos; (rei) e chá (planta), xeque (regedor) e cheque (bilhete de banco), buxo, lat. buxum (planta), e bucho, lat. musc'lum (estômago e músculo).

A consulta ao Vocabulário é indispensável para o emprêgo de qualquer dêstes dois símbolos, actualmente equivalentes no valor.


70. z: Como inicial, ou depois de consoante, expressa o mesmo som que se ouve em zêlo, azeite, zurzir. Os vocábulos formados com o prefixo trans-, e a palavra obséquio e seus derivados, todavia, escrevem-se com s, que representa s latino, como em transir, trânsito, transacção.

71. O z entre vogais corresponde a z, a ti, e a ce, ci latinos, como em baptisar, razão, fazer, vazio, e nisto se diferença do s entre vogais que a s latino corresponde. Os sufixos -izar, -izante, etc., escrevem-se sempre com z, como em anarquizar, judaìzante; analisar, porêm, porque provêm [43] de análise, tem s e não z; horizonte z e não s. Em palavras de origem arábica é z e não s que se escreve; ex.: azarola, azeite, azougue. O sufixo -eza, como proveniente de -itia latino, tem z; mas das terminações ansa, ensa, latinas, procedem os vocábulos e as formas asa, defesa, presa, etc.

O recurso ao Vocabulário é de necessidade para os casos duvidosos, como o é para a hipótese seguinte.

72. O z final de palavra cuja última sílaba seja a predominante, bem como o de vários monossílabos, alterna com s, e tem o valor dêste no idioma literário e comum.

Deve ter-se em atenção que o s corresponde sempre a s latino, e o z a c latino e a ss ou zz arábicos; assim teremos: luz, voz, falaz, feliz, atroz, vez, capuz, faz, fêz, de origem latina, algoz, alcatraz, albornoz, de origem arábica; a única excepção é rês, como já se disse.

73. Nos patronímicos as terminações es, s, conquanto provenientes de ici latino, escrever-se hão com s, porque na sua maioria o sufixo português é átono; ex.: Rodrigues, Nunes, Gonçalves; Dias; Martins, Miguéis; etc. Semelhantemente, é substituído por s um antigo z final de sílaba, como em mesquinho, mesquita, visconde, etc.


74. k, w, y. Estas tres letras, proscritas do abecedário português, sómente são admitidas na escrita de vocábulos estrangeiros, como Kant, Darwin, Byron, e nos seus derivados portugueses, como kantismo, darwinismo, byroniano, que podem todavia ser escritos cantismo, daruìnismo, baironiano.


75. Escrever-se hão iniciais maiúsculas em meio de períodos ou orações gramaticais, nos seguintes casos:

a) Nomes próprios de pessoas ou lugares, ruas, etc.;

b) Nomes colectivos designando cargos, em substituição das pessoas que os desempenham; ex.: Estado, Govêrno, Companhia das Águas, Centro Comercial, Patriarcado, Cúria, etc.;

c) Individualidades que exercem importantes cargos: Ministro da Marinha, Presidente, Juiz, etc.;

d) Repartições públicas: Direcção Geral das Colónias, Ministério da Guerra, etc.;

e) Nomes de astros, divindades: Vénus, Terra, Sol, etc.;

f) Nomes dos meses, nas datas;

g) Títulos de livros, excepto as partículas monossilábicas, que se escreverão com minúsculas.


[44] 76. Hifen (-).

Êste sinal prende os vocábulos compostos, quando os seus elementos, conservando a acentuação própria, perdem em parte a sua significação primordial; ex.: mãe-d'agua, porta-bandeira, água-forte, franco-russo, madre-pérola, etc.

77. O hífen une tambêm os pronomes complementos átonos aos verbos de que dependem, quando são colocados depois dêstes; ex.: dou-te, dou-to, dás-mo, louvá-lo, louva-lo, louvam-no, louva-o, tenho-o, tem-lo, tem-no, dávamovo-lo, deram-se, deu-se-lhes, etc.

78. Quando, em fim de linha, se parte um vocábulo inteiro, parte-se igualmente o hífen, isto é, repete-se na linha seguinte, se unia os elementos de uma dição composta; ex.: porta-/-voz, dou-/-to.

79. O hifen (-), com o nome de linha divisória, divide, de uma para outra linha, as sílabas de uma palavra; ex.: pas-/ta, do-/res, ve-/zes, parti-/cular, di-/gnidade, subs-/tância.


80. Pontos de interrogação (?) e exclamação (!).

À imitação da ortografia espanhola, é conveniente assinalar com êstes pontos o principio de uma oração interrogativa ou exclamativa, invertendo-os, todas as vezes que ela excede quatro ou cinco palavras, para que essa oração seja logo devidamente entoada; ex.: ¿Quando soubeste que a tua família chegava de fora hoje?


81. Acentuação gráfica.

A rigorosa acentuação gráfica das palavras portuguesas deve satisfazer às condições seguintes:

1.ª Indicar, com a maior segurança para quem lê, quais são os vocábulos átonos e quais os tónicos, e nestes qual seja a sílaba predominante, quando tenham mais de uma;

2.ª Diferençar entre si vocábulos que se escrevem com as mesmas letras, mas divergem na pronúncia e na significação, ou função gramatical,

82. Os vocábulos portugueses são: de uma sílaba, monossílabos; de duas, dissílabos; de mais de duas, polissílabos; ex.: , pára, parada.

83. Há nos monossílabos e dissílabos vocábulos tónicos, , pára, e vocábulos átonos, da, para.

84. Os dissilabos tónicos podem ter como sílaba predominante a primeira, mares, ou a segunda, marés; os polissílabos podem ter como predominante a última, falará, [45] a penúltima, falara, ou antepenúltima, faláramos. Os vocábulos cuja última silaba é a predominante denominam-se agudos ou oxítonos; se a silaba predominante é a penúltima, dizem-se graves, inteiros, ou paroxítonos; se a predominante é antepenúltima, recebem o nome de esdrúxulos, ou proparoxítonos.

85. Nenhum vocábulo português, de per si, pode ter como sílaba predominante qualquer outra antes da antepenúltima, conquanto haja dições formadas por linguagens verbais acompanhadas de pronomes, a elas unidos por hífen (-), em que a sílaba predominante, que é a da forma verbal, fica sendo a quarta ou a quinta a contar do fim; ex.: dávamos-to, dávamo-vo-lo. Tais dições em nada modificam na escrita a acentuação gráfica da forma verbal, a qual permanece.

86. A sílaba tónica, quando se torna necessário indicá-la na escrita, assinala-se com o acento agudo (´) sôbre a vogal dominante dela, se esta é a, e, o abertos, i ou u; com o acento circunflexo (^), se é a, e, o fechados. O til vale por acento tónico, se outro não está marcado no vocábulo; ex.: fará, maré, portaló, difícil, útil; câmara, mercê, avô, ânsia, indulgência, brônzeo, fímbria, núncio; varão, maçã, capitães; órgão, órfã; munícipe.

87. Outro acento, o grave (`), serve para designar, quando seja necessário ou conveniente à correcta pronunciação de um vocábulo ou forma verbal, o valor alfabético de qualquer das vogais a, e, o, i, u, independentemente de serem tónicas, e principalmente quando o não são; ex.: à, pègada, mòlhada, faìscar, saùdar.


88. Estabelecidas estas premissas, pode preceituar-se uma rigorosa acentuação gráfica, inteiramente sistemática, a qual, sem ser profusa ou ociosa, deixe bem patentes os factos apontados, quer seja expressa, quer omissa a sua notação.


89. Vocábulos não acentuados gráficamente.

a) Monossílabos e dissílabos átonos: o(s), a(s), lo(s), la(s), no(s), na(s), do(s), da(s), ao(s), pelo(s), pela(s), polo(s), pola(s), me, mo(s), ma(s), te, to(s), ta(s), lhe(s), nos, no-lo(s), no-la(s), vo-lo(s), vo-la(s), lho(s), lha(s); se, de, por, sem, sob, com, mas, que, porque, tam (abreviatura de tanto), sam (abreviatura de santo), etc.

b) Monossílabos tónicos terminados em em, ens: bem, bens, tem, tens, cem.

[46] c) Formas verbais em am, em, com a penúltima sílaba como predominante, e substantivos dissilábicos e polissilábicos em em, ens, nas mesmas condições: louvam, louvaram, louvem, contem (do verbo contar); viagem, viagens, ferrugem, ferrugens, etc.

d) Monossílabos e dissílabos tónicos, e polissílabos, terminados em i, u, vogal nasal, ditongo, seguidos, ou não, de s, e os terminados em outra qualquer consoante, todos êles oxítonos: vi(s), javali(s), cru(s), peru(s), lã(s), maçã(s), sai(s), arrais, mau(s), sarau(s); som, sons, atum, atuns; mar, der, ser, dor, mal, canal, painel, funil, farol, azul; mão(s), varão, varões, cruz, Artur, etc.

e) Os dissílabos e polissílabos terminados em a(s), e(s), o(s), cuja penúltima sílaba seja a predominante; ex.: casa(s), camada(s), camarada(s), trave(s), parede(s), vicissitude(s), desaire(s), modo(s), devoto(s), lume(s), etc.

Estas espécies compreendem a maioria dos vocábulos portugueses, incluindo-se tambêm nelas as mais das formas verbais, como louvo, louva(s), louve(s), louvava(s), louvara(s), louvaria(s), louvares, louvarei(s).


90. Vocábulos acentuados gráficamente, cantar, cantai, fazer, fazei, fazendo sentir, sentirão, sentis, etc.

a) Monossílabos, dissílabos e polissílabos terminados em a(s), e(s) e o(s), como sílaba predominante, isto é, agudos, oxítonos; ex.: pá(s), sé(s), vê(s), mês, pó(s), pôs, fará(s), maré(s), mercê(s), avó(s), avô(s), alvará(s), jacaré(s), português, portaló(s), etc.

b) Dissílabos e polissílabos terminados em em, ens, cuja sílaba predominante seja a última; ex.: vintêm, armazêm, vintêns, armazêns, contêm, contêns (do verbo conter), porêm, Jerusalêm, Belêm, etc.

c) Dissílabos e polissílabos terminados em i, u, vogal nasal, ditongo, seguidos, ou não, de s, ou em outra qualquer consoante, quando a sílaba predominante seja a penúltima; ex: quási, Vénus, órfã(s), órfão(s), louváveis, louváreis, fácil, fáceis, têxtil, têxteis, cônsul, sável, sáveis, cadáver, éter, mártir, sóror, alcáçar, Sófar, açúcar, gérmen, líquen, Félix, córtex, sílex, etc.

d) Os ditongos, sempre tónicos, éi, éu, ói, com e, o abertos; ex.: réis, batéis (cf. reis, bateis), véu(s), chapéu(s), sóis (cf. sois, verbo), róis, herói(s), jóia, gibóia, etc.

e) O a da terminação -ámos da 1.ª pessoa do plural do pretérito, para a diferençar de igual pessoa do presente; ex.: louvámos (cf. louvamos=louvâmos).

[47] f) Os seguintes monossílabos e dissílabos tónicos, para se diferençarem de outros homógrafos átonos: quê, porquê, pôr (cf. por preposição), pára (cf. para, preposição); pêra (cf. pera, p'ra, preposição), péla, pélo, pêlo (cf. pelo, pela, preposição per e artigo lo, la), pólo (cf. polo, preposição por e artigo lo).

g) Todos os vocábulos esdrúxulos, isto é, que tenham como sílaba predominante a antepenúltima; ex.: prática; ânimo, ânsia; férvido, género, gémeo, génio; pêssego, fêmea, concêntrico, tísico, tirocínio, fímbria; próximo, próprio, antimónio; lôbrego, brônzeo; úbere, lúgubre, único, núncio; cadáveres, árvore(s), multíplice(s), múltiplo(s), quádruplo(s), etc.

Assim tambêm as formas verbais esdrúxulas, tais como louvávamos, louváramos, louvaríamos, devíamos, devêramos, deveríamos, puníamos, puníramos, puniríamos, louvássemos, devêssemos, puníssemos, saíssemos, fizéssemos, etc.

h) Marcam-se com o acento circunflexo os ee e oo fechados de vocábulos paroxítonos terminados em o(s), e(s), o(s) fechados, quando haja outros, escritos com as mesmas letras, em que essas vogais sejam abertas; ex.: rêgo, rôgo, substantivos, a par de rego, rogo, verbos; dêmos, presente, a par de demos, pretérito, sêde, côrte, côr, mêdo, a par de sede, corte, cor, medo, com e, o abertos, etc.

i) Marcam-se com o acento agudo (´) o i e o u que não formem ditongo com a vogal anterior; ex.: país, saída, faísca, Taígeto, saúde, balaústre, baú, etc.

j) Se o i ou u, que não forma ditongo com a vogal precedente, é átono, em vez do acento agudo, usa-se o grave (`); ex.: saìmento, paìsagem, saùdar, abaùlado;

l) O acento grave designa tambêm o u dos grupos qu, gu, se é proferido; ex.: conseqùência, agùentar, argùir. Muda-se em agudo se êsse u é a vogal predominante, argúi; cf. argùi, pretérito;

m) Emprega-se igualmente o acento grave para denotar que a, e, o átonos são abertos, quando haja homógrafos, em que eles sejam surdos; ex. à, e a; àquele(s), àquela(s), e aquele(s), aquela(s); àparte, substantivo, e aparte, verbo; prègar, e pregar, de prego; mòlhada, de molho, e molhada, de molhar.


91. O acento distintivo (^), que assinala as vogais fechadas ê, ô, só tem aplicação, tanto nos monossílabos, como nos dissílabos ou polissílabos, se existe homógrafo, isto é, vocábulo escrito com as mesmas letras, de que [48] haja de diferençar-se; pode portanto omitir-se em dor, poço, cera, por exemplo, porque não existem, as palavras dór, céra, e pósso, verbo, já se diferença de poço em escrever-se com ss.

92. Semelhantemente, a acentuação gráfica omite-se logo que, pela flexão dos vocábulos, deixam de existir as condições que a determinaram. Dêste modo, se temos de acentuar graficamente sêco, sêca, lôgro para os diferençar das correspondentes formas verbais seco, seca, logro, com e, o abertos, a acentuação torna-se inútil no plural daqueles nomes masculinos, secos, logros, mas terá de manter-se em sêcas, em razão da forma verbal secas. Assim, tambêm, escreveremos vaidoso(s), vaidosa(s), sem sinal de acento no o da penúltima sílaba, conquanto a pronúncia seja vaidôso, vaidósos, vaidósa(s). Outro tanto sucederá com relação ao o aberto de vários substantivos no plural, correspondente a o fechado no singular; assim teremos tejolo (tejôlo), tejolos (tejólos), sem acento gráfico, mas trôco, trocos, e troco, verbo.

As palavras espôso, espôsa(s), terão acento marcado, em virtude de existirem as formas verbáis esposa, esposa(s), com o aberto; mas o plural esposos dispensa a acentuação por não haver homógrafo a diferençar. Escreveremos pôr, com acento circunflexo, para o diferençar de por, preposição; porêm dispor, propor, expor, etc., ortografam-se sem acento distintivo; português, cortês tem o acento circunflexo no e por este pertencer à última sílaba, predominante; em portugueses, portuguesa(s), corteses omite-se o acento por ser desnecessário, visto os vocábulos haverem passado de oxítonos a paroxítonos em -esa(s),-ese(s).

Por outra parte, árvore(s) terá acento marcado, por ser esdrúxulo, arvore(s); verbo, não o tem por ser paroxítono em (e)s.

93. A conjugação de um imperfeito ou condicional de verbo, como louvaria, deveria, puniria, louvava, devia, punia, receberá acento nas formas esdrúxulas louvaríamos, louvávamos, deveríamos, devíamos, puniríamos, e nas paroxítonas terminadas em ditongo, louváveis, louvaríeis, devíeis, deveríeis, puníeis, puniríeis; mas saía tê-lo há em todas as pessoas do imperfeito, saía, saías, saía, saíamos, saíeis, saíam, porque o i não forma ditongo com o a que o precede.

94. Os nomes próprios acentuam-se graficamente como os nomes comuns; assim escreveremos Pôrto, como pôrto, diferençado de porto, verbo; Setúbal, Pontével, Pedrógão, António, Tomás, Tomé, Nazaré, Belêm, Águeda, etc.

[49] É em virtude desta regra que teremos de acentuar a forma verbal lêmos, para que se diference de Lemos, na escrita, como se diferença na pronúncia.

95. Os vocábulos compostos cujos elementos são unidos por hífen (-) conservam os seus acentos gráficos; ex.: mãe-d'agua, pára-raios, pesa-papéis.

O mesmo se observará com os advérbios formados com o sufixo -mente, dantes independente, como substantivo que era, o que ainda se reconhece na locução de boa mente; ex.: sómente, cortêsmente, rápidamente, cristãmente.

96. Nos vocábulos derivados, aumentativos e deminutivos formados com o infixo z, o acento agudo converte-se em acento grave, para que se evitem leituras erróneas; ex.: , màzinha, màzona; avó, avòzinha.


97. Na escrita comum parte desta acentuação rigorosa e sistemática poderá, em algumas das suas minúcias, ser dispensada; não porêm em livros didácticos, como gramáticas, dicionários, compêndios de qualquer natureza que sejam, nos quais por todas as razões, mas principalmente para que se não difundam e propaguem erros na pronúncia, convêm que seja fielmente aplicada; podendo mesmo ser ampliada com a marcação, mediante o acento circunflexo, de todos os ee e oo fechados tónicos. Em qualquer caso, todavia, cumpre que outros sistemas arbitrários não substituam esta acentuação gráfica, metódica e harmónica, prejudicando-a na sua coerência e regularidade, a qual se baseia no exame escrupuloso dos factos.


*


A Comissão termina esta exposição expressando o voto de que, se merecer aprovação o sistema proposto, êle se propague por meio de cartilhas e gramáticas, que minuciosamente o exemplifiquem, independentemente do Vocabulário.


Direcção Geral da Instrução Secundária, Superior e Especial, 23 de Agosto de 1911.Francisco Adolfo Coelho, Presidente.―José Leite de Vasconcelos, Vogal.―Cândido de Figueiredo, Vogal.Manuel Borges Grainha, Vogal.Aniceto dos Reis Gonçalves Viana, Relator.―José Joaquim Nunes, Secretário.

(Diário do Govêrno n.º 213, de 12 de Setembro de 1911).




Lista de erros corrigidos

Aqui encontram-se listados todos os erros encontrados e corrigidos:


Original Correcção
#pág. 31 dessas(s) ... dessa(s)
#pág. 41 síbala ... sílaba
#pág. 43 falar ... falaz
#pág. 46 (as) ... a(s)
#pág. 46 joia ... jóia